| D.E. Publicado em 13/10/2016 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0004061-37.2014.4.04.9999/RS
RELATORA | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
APELANTE | : | LARI KREWER |
ADVOGADO | : | Dora Maria Schmitz Strohschein |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE SAO SEBASTIAO DO CAI/RS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PRESCRIÇÃO. LEI POSTERIOR PREJUDICIAL. TERMO INICIAL. HONORÁRIOS. CUSTAS. ISENÇÃO. JUROS MORATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA. DIFERIDOS
1. Nos termos da Lei 13.146/2015, que revogou o inciso II do art. 3º do Código Civil, correria a prescrição contra os portadores de enfermidades mentais sem discernimento para os atos da vida civil. No entanto, como a ação foi ajuizada antes da vigência da nova lei, prejudicial aos portadores de doenças mentais no que tange à prescrição, a referida legislação não deve ser aplicada.
2. Comprovada a incapacidade total e permanente do segurado para o exercício de toda e qualquer atividade laboral, devida é a concessão de aposentadoria por invalidez, desde o primeiro requerimento administrativo, apresentado em 10/04/2000.
3. Os honorários advocatícios são devidos pelo INSS no percentual de 10% sobre as parcelas vencidas até a decisão judicial concessória do benefício previdenciário pleiteado, conforme definidos nas Súmulas nº 76 do TRF4 e nº 111 do STJ.
4. Há isenção do pagamento de custas processuais pela Autarquia Previdenciária em demandas ajuizadas na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul (art. 11 da Lei nº 8.121/85, com a redação dada pela Lei nº 13.471/2010).
5. As normas que versam sobre correção monetária e juros possuem natureza eminentemente processual, e, portanto, as alterações legislativas referentes à forma de atualização monetária e de aplicação de juros, devem ser observadas de forma imediata a todas as ações em curso, incluindo aquelas que se encontram na fase de execução.
6. Visando não impedir o regular trâmite dos processos de conhecimento, firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público, a forma como será apurada a atualização do débito deve ser diferida (postergada) para a fase de execução, observada a norma legal em vigor.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação do autor, para afastar a prescrição declarada em sentença, alterar o termo inicial do benefício de aposentadoria por invalidez para a data da primeira DER, em 10/04/2000, e redimensionar o valor dos honorários fixados para o percentual de 10% sobre as prestações vencidas até a prolação da sentença, bem como dar parcial provimento à remessa oficial, para isentar o INSS do pagamento das custas processuais, e, de ofício, diferir para a fase de execução a forma de cálculo dos consectários legais, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 05 de outubro de 2016.
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8580756v11 e, se solicitado, do código CRC 1AFE824A. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Vânia Hack de Almeida |
| Data e Hora: | 05/10/2016 18:54 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0004061-37.2014.4.04.9999/RS
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RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária, com pedido de antecipação de tutela, objetivando o imediato restabelecimento do benefício de amparo assistencial equivocadamente concedido ao autor em lugar do auxílio-doença postulado administrativamente por ele, bem como, ao final, a procedência do pedido, para o fim de ser concedido o benefício de auxílio-doença desde o início da incapacidade em 03/05/1990, com a conversão em aposentadoria por invalidez a contar da interdição do autor em 05/12/2001.
Dada vista ao Ministério Público, em face de condição de absolutamente incapaz do autor (fl. 62), o parquet opinou pela concessão da antecipação de tutela pleiteada (fls. 63/65), o que, por sua vez, foi indeferido pelo julgador a quo (fl. 66).
Apresentada emenda à petição inicial (fls. 68/71), foi deferido o pleito antecipatório, concedendo-se em favor do autor o benefício de auxílio-doença (fl. 72).
A implantação do benefício pelo INSS foi comprovada às fls. 86/88.
Intimado o autor a se manifestar se arcaria com os honorários periciais, sob pena de declaração de incompetência absoluta da Justiça Comum e consequente remessa do feito à Justiça Federal (fls. 83/84), este interpôs agravo de instrumento contra a decisão (fls. 89/100), o qual foi provido, mantendo-se o processamento da demanda na 1ª Vara Judicial da Comarca de São Sebastião do Caí/RS, onde a demanda foi ajuizada (fls. 109/111).
Designada perícia judicial (fls. 118 e 122), foram apresentados quesitos pelas partes e indicado assistente técnico pelo autor (fls. 124/125 e 127).
Realizado o exame pericial em 26/08/2008, foi o laudo acostado às fls. 151/158 e 179/180.
O feito foi convertido em diligência, sendo determinada a realização de estudo social na residência do demandante (fl. 200), o resultado do estudo foi juntado às fls. 218/219.
Sobreveio sentença (fls. 230/234), a qual confirmou a antecipação de tutela e julgou parcialmente procedente o pedido, condenando o INSS a conceder ao autor o benefício de aposentadoria por invalidez a contar do requerimento administrativo, em 28/08/2000, observada a prescrição quinquenal das parcelas anteriores à interdição e compensados os valores recebidos a título de amparo assistencial, com juros e correção monetária. Ao final, condenou a Autarquia ao pagamento das custas processuais, por metade, e dos honorários advocatícios, fixados em R$ 1.200,00 (hum mil e duzentos reais).
Apelou a parte autora (fls. 236/240-v), insurgindo-se contra o comando sentencial que determinou a observação da prescrição quinquenal para o pagamento das parcelas vencidas desde o requerimento administrativo até 04/04/2009. Aduziu que, conforme disciplina o art. 198 do Código Civil, por se tratar de pessoa absolutamente incapaz, não corre prescrição contra o autor. Requereu, nesse sentido, o afastamento da incidência da prescrição quinquenal, como a condenação da parte ré ao pagamento das parcelas vencidas de aposentadoria por invalidez desde a comprovação da incapacidade no ano de 1992 ou quando dos requerimentos administrativos em 10/04/2000 ou 28/08/2000, descontadas as parcelas pagas a titulo de LOAS e aquelas pagas em decorrência da antecipação de tutela. Postulou, ainda, a reforma do julgado no que tange aos honorários advocatícios, requerendo sejam os mesmos fixados no percentual de 10% sobre as prestações vencidas até a prolação da sentença, em orientação aos enunciados das Súmulas 111 do STJ e 78 do TRF-4.
Ofertadas contrarrazões pelo INSS (fls. 243/247), subiram os autos.
O Ministério Público Federal, com assento nesta Corte, opinou pelo provimento do apelo no que tange ao afastamento da prescrição quinquenal e alteração dos critérios de fixação dos honorários advocatícios, bem como pelo parcial provimento do reexame necessário, no tocante à readequação dos índices de correção monetária e juros de mora (fls. 256/259).
É o relatório.
VOTO
Do Direito Intertemporal
Considerando que o presente voto está sendo apreciado por essa Turma após o início da vigência da Lei n.º 13.105/15, novo Código de Processo Civil, referente a remessa oficial e recurso interposto em face de sentença exarada na vigência da Lei n.º 5.869/73, código processual anterior, necessário se faz a fixação, à luz do direito intertemporal, dos critérios de aplicação dos dispositivos processuais concernentes ao caso em apreço, a fim de evitar eventual conflito aparente de normas.
Para tanto, cabe inicialmente ressaltar que o CPC/2015 procurou estabelecer, em seu CAPÍTULO I, art. 1º que 'o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código'; em seu CAPÍTULO II, art. 14, que 'a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada'; bem como, em suas DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS, art. 1.046, caput, que 'ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973' (grifo nosso).
Neste contexto, percebe-se claramente ter o legislador pátrio adotado o princípio da irretroatividade da norma processual, em consonância com o art. 5º, inc. XXXVI da Constituição Federal, o qual estabelece que 'a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada'.
Desta forma, a fim de dar plena efetividade às referidas disposições normativas, e tendo em vista ser o processo constituído por um conjunto de atos, dirigidos à consecução de uma finalidade, qual seja, a composição do litígio, adoto, como critério de solução de eventual conflito aparente de normas, a Teoria dos Atos Processuais Isolados, segundo a qual cada ato deve ser considerado separadamente dos demais para o fim de se determinar a lei que o rege, a qual será, segundo o princípio tempus regit actum, aquela que estava em vigor no momento em que o ato foi praticado.
Por consequência, para deslinde da antinomia aparente supracitada, deve ser aplicada no julgamento a lei vigente:
(a) Na data do ajuizamento da ação, para a verificação dos pressupostos processuais e das condições da ação;
(b) Na data da citação (em razão do surgimento do ônus de defesa), para a determinação do procedimento adequado à resposta do réu, inclusive quanto a seus efeitos;
(c) Na data do despacho que admitir ou determinar a produção probatória, para o procedimento a ser adotado, inclusive no que diz respeito à existência de cerceamento de defesa;
(d) Na data da publicação da sentença (entendida esta como o momento em que é entregue em cartório ou em que é tornado público o resultado do julgamento), para fins de verificação dos requisitos de admissibilidade dos recursos, de seus efeitos, da sujeição da decisão à remessa necessária, da aplicabilidade das disposições relativas aos honorários advocatícios, bem como de sua majoração em grau recursal.
Remessa Oficial
Conforme já referido linhas acima, tratando-se de sentença publicada na vigência do CPC/73, inaplicável o disposto no art. 496 do CPC/2015 quanto à remessa necessária.
Consoante decisão da Corte Especial do STJ (EREsp nº 934642/PR), em matéria previdenciária, as sentenças proferidas contra o Instituto Nacional do Seguro Social só não estarão sujeitas ao duplo grau obrigatório se a condenação for de valor certo (líquido) inferior a sessenta salários mínimos.
Não sendo esse o caso, conheço da remessa oficial.
Da Prescrição
Na espécie, não há que se falar em prescrição.
Com efeito, o art. 103, parágrafo único, da Lei n.º 8.213/91 dispõe que a prescrição quinquenal atinge a pretensão ao recebimento dos créditos anteriores a cinco anos do ajuizamento da ação, ressalvando o direito de menores, incapazes e ausentes. In verbis:
"Art. 103. (...)
Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997)"
O art. 198 do Código Civil, bem como o art. 79 da Lei nº 8.213/91, igualmente põem a salvo o direito dos incapazes:
"Art. 198. Também não corre a prescrição:
I - contra os incapazes de que trata o art. 3o;
"Art. 79. Não se aplica o disposto no art. 103 desta Lei ao pensionista menor, incapaz ou ausente, na forma da lei."
No presente caso, tenho que restou demonstrado nos autos que o autor é absolutamente incapaz, conforme Termo de Curatela juntado à fl. 25.
Há de ressaltar que, com a edição da Lei n.º 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), foi revogado o art. 3º do Código Civil, que definia a incapacidade absoluta da seguinte forma:
"Art. 3º. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I - os menores de dezesseis anos;
II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade."
Dessa forma, a partir da edição do Estatuto da Pessoa com Deficiência, tem-se que aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, são relativamente incapazes, fazendo com que incorra o prazo prescricional, eis que não mais amparados pelo disposto no art. 198, I, do CC.
Entretanto, embora a redação do art. 3º do Código Civil tenha sido alterada pela Lei 13.146/2015 ("Estatuto da Pessoa com Deficiência"), para definir como absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil apenas os menores de 16 anos - situação essa na qual não se encontra o demandante -, e o inciso I do art. 198 do Código Civil disponha que a prescrição não corre contra os incapazes de que trata o art. 3º, entendo que a vulnerabilidade do indivíduo - inquestionável no caso do autor - não pode jamais ser desconsiderada pelo ordenamento jurídico, ou seja, o Direito não pode fechar os olhos à falta de determinação de alguns indivíduos e tratá-los como se tivessem plena capacidade de interagir em sociedade em condições de igualdade.
Veja-se que, no próprio parecer do projeto de lei que deu origem ao Estatuto da Pessoa com Deficiência apresentado no Senado Federal, foi referido que:
"Para facilitar a compreensão, optamos por fazer uma análise conjunta dos dispositivos constantes dos arts. 6º e 84, além de algumas das alterações contidas no art. 114, uma vez que dispõem sobre a capacidade civil das pessoas com deficiência. Seu cerne é o reconhecimento de que condição de pessoa com deficiência, isoladamente, não é elemento relevante para limitar a capacidade civil. Assim, a deficiência não é, a priori, causadora de limitações à capacidade civil. Os elementos que importam, realmente, para eventual limitação dessa capacidade, são o discernimento para tomar decisões e a aptidão para manifestar vontade. Uma pessoa pode ter deficiência e pleno discernimento, ou pode não ter deficiência alguma e não conseguir manifestar sua vontade." (grifei)
A Lei 13.146/2015, embora editada com o propósito de promover uma ampla inclusão das pessoas portadoras de deficiência, ao contrário, acabou por aniquilar a proteção dos incapazes, rompendo com a própria lógica dos direitos humanos.
No caso dos autos, é evidente, pelas conclusões da perita judicial (fls. 151/158 e 179/180), que o demandante não possui discernimento para a prática dos atos da vida civil e, em razão disso, deve ser rigorosamente protegido pelo ordenamento jurídico, não podendo ser prejudicado pela fluência do prazo prescricional.
Ainda, tenho que no presente caso deve ser aplicado o princípio da irretroatividade, o qual aduz que a lei nova não será aplicada às situações constituídas sobre a vigência da lei revogada ou modificada. Tal princípio baseia-se no disposto nos art. 5º, inciso XXXVI, da CF/88 e art. 6º, da LINDB, que dispõem:
" Art. 5º. (...)
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; (...)"
"Art. 6º. Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada."
Assim, considerando que a presente ação foi ajuizada em 10/07/2006 e o requerimento administrativo foi realizado em 10/04/2000 (fl. 166), bem como a conclusão pericial no sentido de ser o autor portador de doenças que o incapacitam de forma total e definitiva desde a sua primeira internação psiquiátrica, ocorrida no ano 1992 (fls. 204/215), tenho que o demandante já tinha seu direito adquirido antes da edição da Lei n.º 13.146/15.
Em suma, as informações trazidas aos autos permitem concluir que à época do requerimento administrativo já estavam preenchidos os requisitos autorizadores da concessão do benefício previdenciário pleiteado.
Portanto, tendo o requerimento administrativo e o ajuizamento da ação ocorrido antes da vigência da nova lei, prejudicial aos portadores de enfermidade mental incapacitados para os atos da vida civil no que concerne à prescrição, deve ser afastada a aplicação de tal norma no caso em tela, não havendo que se falar em prescrição.
Diante do exposto, merece provimento o recurso do autor para afastar a prescrição quinquenal.
Fundamentação
Passo, inicialmente, ao exame acerca da incapacidade laborativa da parte autora, postergando a análise a respeito dos requisitos da qualidade de segurado e da carência mínima para o momento seguinte.
No que diz respeito à incapacidade, destaco que o diagnóstico indicando a existência de determinada doença, por si só, não significa que está o paciente incapacitado para o trabalho. E o mesmo se dá com relação a patologias de natureza irreversível ou incurável, pois várias são as doenças sem cura ou sem reversão do quadro que nenhum comprometimento trazem à plena capacidade laboral do portador.
Segundo entendimento dominante na jurisprudência pátria, nas ações em que se objetiva a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, ou mesmo nos casos de restauração desses benefícios, o julgador firma seu convencimento com base na prova pericial, não deixando de se ater, entretanto, aos demais elementos de prova.
Verifica-se do laudo judicial acostado às fls. 151/158 e complementado às fls. 179/180 que o autor é portador de Esquizofrenia desorganizada (CID F 20.1), o que, segundo o expert, o incapacita total e permanentemente para o exercício de toda e qualquer atividade laboral que lhe garanta a subsistência, desde o ano de 1992, quando ocorreu a sua primeira internação psiquiátrica.
Importante referir, ainda, ter o perito concluído pela impossibilidade de reabilitação do autor, informando que "mesmo com o tratamento adequado não há eliminação da incapacidade", "não havendo condições para voltar a exercer qualquer atividade laboral", sendo a patologia caracterizada pelo agravamento progressivo.
Calha transcrever, nesse sentido, excertos do laudo pericial sobre a condição de absolutamente incapaz do autor:
"(...) Desde o início da doença foram mais de 20 internações, sendo a última em junho/ 2008 na Clínica Professor Paulo Guedes em Ana Rech, Caxias do Sul. Caminha muito pelas ruas, passa a maior parte do dia na rua, mas sempre volta para casa. Com o tratamento, há um bom controle da agressividade, mantém-se agitado, mas não agride. A conversa é sempre desconexa, e o assunto é basicamente sobre alienígenas e extraterrestres. A higiene só faz se tem alguém cobrando, se depender dele não toma banho.
(...)
Ao ser questionada a sua idade, diz ter 15 anos, sabe dizer que mora em Bom Princípio, mas não sabe onde está (fala que é uma cidade muito longe), nem o que está fazendo. Diz ter um capacete na cabeça e espera pelos alienígenas que vem buscá-lo, além disso, não consegue manter o dialogo.
(...)
O periciado demonstra um intenso comprometimento em seu funcionamento como um todo desencadeando prejuízos psíquicos, pessoais, culturais, afetivos e laborais. A interação com o mundo externo é sem propósito e não há perspectivas futuras. Não possui iniciativa, autonomia ou independência nem mesmo para atividades básicas como auto cuidado, por exemplo, tendo um grau intenso de dependência de sua família. O desencadeamento da doença se deu em torno dos 25 anos de idade, porém, o funcionamento pré-morbido já era de um certo isolacionismo e retraimento social, inclusive nunca manteve relações afetivas.
(...)
É incurável e a marcha caminha para a demenciação completa, resultando em uma cronificação e uma deteriorização global do funcionamento do individuo.
(...)
Neste caso em tela, o periciado apresenta o subtipo desorganizada ou hebefrênica em que o pensamento está desorganizado e o discurso é cheio de divagações e incoerente. Há uma tendência a permanecer solitário e o comportamento parece vazio de propósito e sentimento. Usualmente se inicia entre as idades de 15 e 25 anos e tende a ter prognóstico pobre por causa do rápido desenvolvimento de sintomas "negativos", particularmente embotamento afetivo e perda de volição. O impulso e a determinação estão perdidos e os objetivos abandonados, de tal forma que o comportamento se torna sem objetivo e vazio de propósito. Uma preocupação superficial e maneirística com religião, filosofia, extraterrestres e outros temas abstratos pode aumentar a dificuldade do ouvinte em seguir o curso do pensamento."
Com efeito, os documentos médicos acostados às fls. 204/215 corroboram a conclusão da perita acerca do início da incapacidade total e definitiva ter ocorrido no ano de 1992, quando ocorreu a primeira das inúmeras internações psiquiátricas a que o autor foi submetido ao longo da vida, já possuindo o demandante, desde aquela época, os comportamentos descritos pela perita, como isolamento e falta autonomia para os atos do cotidiano, como higiene pessoal e alimentação, conforme se extrai da leitura da "Evolução Psiquiátrica" das fls. 206/208, anotada semanalmente desde o dia da internação, em 11/02/1992 até 20/06/1992.
Por sua vez, os documentos médicos juntados às fls. 28/29, 31 e 43/44 e mesmo o estudo social realizado na residência do autor em 2011 (fls. 218/219), dão conta da permanência da incapacidade ao longo dos anos, estando, inclusive, o demandante novamente internado para tratamento psiquiátrico quando da visita realizada pela assistente social.
Nesse sentido tenho como comprovada a incapacidade total e definitiva do autor desde 11/02/1992, momento no qual, conforme se verifica do CNIS (fl. 164), este ostentava qualidade de segurado, porquanto verteu contribuições como contribuinte individual, de forma ininterrupta, no período de 12/1985 até 09/1992.
Desse modo, tenho por dar provimento ao apelo do autor, para alterar o termo inicial do benefício de aposentadoria por invalidez concedido para a data do primeiro requerimento administrativo realizado, em 10/04/2000 (fl.166), momento em que, independentemente de constar como pedido de amparo assistencial, possuía o INSS plenas condições de verificar o atendimento dos requisitos para a concessão de benefício previdenciário ao autor.
Destaco, por fim, que os valores recebidos pelo demandante a título de LOAS ou benefício previdenciário, percebidos no mesmo período da condenação, por força da tutela antecipada ou na via administrativa, deverão ser descontados no pagamento dos atrasados, evitando-se o pagamento em duplicidade.
Tutela Antecipada
No tocante à antecipação dos efeitos da tutela, entendo que deve ser mantida a sentença no ponto, uma vez que presentes os pressupostos legais para o seu deferimento.
Consectários
Juros Moratórios e Correção Monetária.
De início, esclareço que a correção monetária e os juros de mora, sendo consectários da condenação principal, possuem natureza de ordem pública e podem ser analisados até mesmo de ofício. Assim, sua alteração não implica falar em reformatio in pejus.
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente regulados por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que sejam definidos na fase de cumprimento do julgado, em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014 - grifei).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101 3ª Turma, julgado em 01-06-2016 e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a decisão acerca dos critérios de correção, não prevalecendo os índices eventualmente fixados na fase de conhecimento, ocasião em que provavelmente já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação, e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de execução a forma de cálculo dos juros e da correção monetária.
Honorários Advocatícios
Considerando que a sentença recorrida foi publicada antes de 18/03/2016, data da entrada em vigor do CPC/2015, e tendo em conta as explanações tecidas quando da análise do direito intertemporal, esclareço que as novas disposições acerca da verba honorária são inaplicáveis ao caso em tela, de forma que não se determinará a graduação conforme o valor da condenação (art. 85, §3º, I ao V, do CPC/2015), tampouco se estabelecerá a majoração em razão da interposição de recurso (art. 85, §11º, do CPC/2015).
Os honorários advocatícios são devidos pelo INSS no percentual de 10% sobre as parcelas vencidas até a decisão judicial concessória do benefício previdenciário pleiteado, conforme definidos nas Súmulas nº 76 do TRF4 e nº 111 do STJ.
Acolho, nesse sentido, o recurso da parte autora e altero o valor dos honorários fixados para o percentual de 10% sobre as prestações vencidas até a prolação da sentença.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, p.único, da Lei Complementar Estadual nº156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Assim, por força da remessa oficial, isento o INSS do pagamento de custas.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação do autor, para afastar a prescrição declarada em sentença, alterar o termo inicial do benefício de aposentadoria por invalidez para a data da primeira DER, em 10/04/2000, e redimensionar o valor dos honorários fixados para o percentual de 10% sobre as prestações vencidas até a prolação da sentença, bem como dar parcial provimento à remessa oficial, para isentar o INSS do pagamento das custas processuais, e, de ofício, diferir para a fase de execução a forma de cálculo dos consectários legais.
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 05/10/2016
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0004061-37.2014.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00144619820068210068
RELATOR | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Alexandre do Amaral Gavronski |
APELANTE | : | LARI KREWER |
ADVOGADO | : | Dora Maria Schmitz Strohschein |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE SAO SEBASTIAO DO CAI/RS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 05/10/2016, na seqüência 55, disponibilizada no DE de 21/09/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR, PARA AFASTAR A PRESCRIÇÃO DECLARADA EM SENTENÇA, ALTERAR O TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ PARA A DATA DA PRIMEIRA DER, EM 10/04/2000, E REDIMENSIONAR O VALOR DOS HONORÁRIOS FIXADOS PARA O PERCENTUAL DE 10% SOBRE AS PRESTAÇÕES VENCIDAS ATÉ A PROLAÇÃO DA SENTENÇA, BEM COMO DAR PARCIAL PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL, PARA ISENTAR O INSS DO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS, E, DE OFÍCIO, DIFERIR PARA A FASE DE EXECUÇÃO A FORMA DE CÁLCULO DOS CONSECTÁRIOS LEGAIS.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
: | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ | |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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