APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002603-98.2014.4.04.7120/RS
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RELATOR |
: |
JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | SERGIO LUIS BELLOLI |
ADVOGADO | : | ANGELICA CHECHI WALCZAK |
: | GEOVANE DE MOURA CELESTINO | |
APELADO | : | OS MESMOS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. DESCARACTERIZAÇÃO. RESTITUIÇÃO DE VALORES. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NÃO CONFIGURADA.
1. Resta descaracterizado o regime de economia familiar, quando a atividade rural não for indispensável à subsistência familiar, constituindo mera complementação. 2. Tendo a companheira do autor vínculo urbano com renda de mais de dois salários mínimos, restou descaracterizada a sua condição de segurado especial da Previdência Social. 3. Reconhecida a má-fé da parte autora, os valores indevidamente pagos e apurados devem por ela ser ressarcidos. 4. Incabível, no caso, a condenação do autor e seus procuradores por litigância de má-fé.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento aos recursos, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 11 de dezembro de 2017.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9233817v5 e, se solicitado, do código CRC A8F0EEE8. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | João Batista Pinto Silveira |
| Data e Hora: | 15/12/2017 16:06 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002603-98.2014.4.04.7120/RS
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RELATOR |
: |
JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | SERGIO LUIS BELLOLI |
ADVOGADO | : | ANGELICA CHECHI WALCZAK |
: | GEOVANE DE MOURA CELESTINO | |
APELADO | : | OS MESMOS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelações interpostas contra sentença que afastou a preliminar de falta de interesse de agir e julgou improcedente o pedido de restabelecimento de aposentadoria por invalidez, por não ter sido comprovada a qualidade de segurado especial do autor na DER (20-09-07), revogando a tutela antecipada e condenando-o ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, suspendendo a exigibilidade em razão da AJG.
Sustenta o autor/apelante, em suma, que a qualidade de segurado especial do demandante está cabalmente demonstrada, sendo que o próprio INSS a reconheceu administrativamente. Saliente-se que o fato de o autor possuir, em algum momento, CNPJ em seu nome, não descaracteriza sua condição de segurado especial, pois não é suficiente para comprovar o efetivo desenvolvimento de atividade empresarial e, de fato, o demandante não desenvolvia mais tais atividades... Ademais no que tange a alegação de má-fé, cumpre frisar que a boa-fé é presumida enquanto a má-fé deve ser comprovada. No caso dos autos não houve, a efetiva prova de que o Apelante agiu com dolo, no intuito de lesar a autarquia. Sendo assim, as verbas recebidas a titulo do benefício possuem caráter alimentar e, portanto, não são restituíveis... Requer o deferimento da tutela antecipada, para os fins do pedido, com expedição de ofício ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, comunicando o deferimento da medida; A REFORMA TOTAL da sentença de mérito, para condenar o INSS a restabelecer o beneficio pleiteado, e que seja afastada a obrigação de restituir os valores recebidos a título de caráter alimentar.
Recorre o INSS, requerendo a condenação do autor por litigância de má-fé e a revogação da AJG.
Com contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
A sentença recorrida teve a seguinte fundamentação (E89):
MÉRITO
Trata-se de ação em que a parte autora pretende o restabelecimento do benefício de aposentadoria por invalidez NB 539.248.108-2, concedido desde 02/12/2009 (DIB) até 01/01/2015 (DCB), quando foi cessado administrativamente em razão de supostas irregularidades apuradas no ato de concessão do benefício de auxílio-doença precedente (NB 522.589.057-8).
Segundo o INSS, a parte autora não possuía qualidade de segurado especial na data de concessão benefício de auxílio-doença (DIB em 20/09/2007), considerando a existência de empresas ativas registradas em seu nome, sendo omitida tal informação, com o intuito de obtê-lo de forma fraudulenta.
Nesse contexto, passo a analisar os elementos apresentados pelo autor para fins de comprovar o preenchimento da qualidade de segurado especial para a concessão do benefício de auxílio-doença, convertido posteriormente no benefício de aposentadoria por invalidez que ora postula o restabelecimento.
Da atividade rural
A respeito do regime de economia familiar, estabelece o § 1º do art. 11 da Lei 8.213/91:
"Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados."
A comprovação da atividade em apreço deve ser analisada à luz do disposto no artigo 55, § 3º, da Lei n° 8.213/91, o qual determina que:
"a comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo a ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento".
É preciso avaliar ainda as seguintes súmulas:
TRU4, súmula nº 09: Admitem-se como início de prova material, documentos em nome de integrantes do grupo envolvido no regime de economia familiar rural.
TNU, súmula nº 6: A certidão de casamento ou outro documento idôneo que evidencie a condição de trabalhador rural do cônjuge constitui início razoável de prova material da atividade rurícola.
Súmula 149 do STJ: a prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade ruricola, para efeito da obtenção de beneficio previdenciario.
Súmula 34 da TNU: Para fins de comprovação do tempo de labor rural, o início de prova material deve ser contemporâneo à época dos fatos a provar.
Súmula 41 da TNU: A circunstância de um dos integrantes do núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica, por si só, a descaracterização do trabalhador rural como segurado especial, condição que deve ser analisada no caso concreto.
Relativamente ao trabalho rural desempenhado pelo menor, disciplina a súmula nº 5 da TNU:
A prestação de serviço rural por menor de 12 a 14 anos, até o advento da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, devidamente comprovada, pode ser reconhecida para fins previdenciários.
Quanto ao tamanho da propriedade
A Lei 11.718/2008 incluiu critério objetivo relativo ao tamanho da área rural explorada para caracterização do segurado especial. A interpretação literal do dispositivo legal citado (art. 11, VII, § 1º da Lei 8.213/91) torna a caracterização de uma situação fática extremamente subordinada a uma regra matemática, ou seja, uma questão subjetiva passa a ser vetorada por um critério objetivo, tendo em vista que a condição de segurado especial requer uma análise circunstancial da vida laboral do trabalhador.
Nesse sentido que a TNU emitiu a seguinte súmula:
Súmula n.º 30 da TNU: Tratando-se de demanda previdenciária, o fato de o imóvel ser superior ao módulo rural não afasta, por si só, a qualificação de seu proprietário como segurado especial, desde que comprovada, nos autos, a sua exploração em regime de economia familiar.
Registre-se que a TNU ainda mantém válida tal súmula, aplicando-a a seus julgados mesmo após a alteração legal que incluiu o critério objetivo:
EMENTA-VOTO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. SÚMULA N. 30 DA TNU. SÚMULA 41 DA TNU. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DO INSS. ARTIGO 17, I, II E V COMBINADO COM ARTIGO 18 DO CPC. DECISÃO MONOCRÁTICA MANTIDA. 1. A TR do Mato Grosso confirmou sentença que julgou procedente o pedido de aposentadoria por idade rural. Sustentou o INSS que a decisão contraria entendimento do STJ e da TNU, com base no tamanho da propriedade registrada no INCRA, na existência de empregados e em razão do vínculo de professor do cônjuge da autora. 2. A Súmula n. 30 da TNU pacificou: "Tratando-se de demanda previdenciária, o fato de o imóvel ser superior ao módulo rural não afasta, por si só, a qualificação de seu proprietário como segurado especial, desde que comprovada, nos autos, a sua exploração em regime de economia familiar." 3. Não é o tamanho do imóvel que descaracteriza o regime de economia familiar, mas a sua forma de exploração. Neste sentido, a preciosa sentença é bastante clara ao consignar que "a área utilizável é de apenas 13 (treze) hectares". 4. Quanto ao trabalho de professor (em escola rural, diga-se de passagem), incide a Súmula 41 da TNU: "A circunstância de um dos integrantes do núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica, por si só, a descaracterização do trabalhador rural comosegurado especial, condição que deve ser analisada no caso concreto." 5. Por fim, a r. sentença afirmou que "a autora apresentou ofício do INCRA retificando os dados do certificado rural da propriedade no sentido de que não existiram assalariados permanentes desde 1981". 6. O INSS, no seu pedido de uniformização, omitiu esta informação e, ainda, insistiu na tese sem respaldo fático. 7. Conduta temerária que implica em litigância de má-fé (art. 17, I, II e V c/c art. 18 do CPC), razão da condenação do INSS a pagar multa de 1% do valor da causa a favor da parte autora. 8. Agravo regimental improvido. Decisão monocrática mantida. (TNU, PEDILEF 00233085220094013600, JUIZ FEDERAL ANTÔNIO FERNANDO SCHENKEL DO AMARAL E SILVA, 29/02/2012)ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A SÚMULA 30 DESTA TNU. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. O TAMANHO DA PROPRIEDADE, POR SI SÓ, NÃO O AFASTA. QUESTÃO DE ORDEM Nº 13. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO NÃO CONHECIDO. (...) O incidente, no entanto, não merece ser conhecido. Em que pese o entendimento consignado nas decisões transcritas pelo INSS, o acórdão recorrido encontra-se em consonância com a Súmula 30 desta TNU. (...) No julgamento do AgRg no REsp 1042401, Relator Min. Arnaldo Esteves Lima, assim restou afirmado: PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRABALHADOR RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL. DIMENSÃO DA PROPRIEDADE RURAL. NÃO-DESCARACTERIZAÇÃO DO REGIME. APOSENTADORIA POR IDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que o tamanho da propriedade rural não é capaz de descaracterizar o regime de economia familiar do segurado, se preenchidos os demais requisitos necessários a sua configuração, quais sejam: ausência de empregados e a mútua dependência e colaboração da família no campo.
(...) 3. Agravo regimental improvido. Isso se explica porque as características da atividade rural são extremamente complexas. Seria preciso averiguar qual a área cultivada na propriedade, se na área existem terras improdutivas, florestas, morros, terrenos pedregosos, áreas de preservação,... A própria natureza da cultura influencia o juízo, pois é notório que determinadas culturas exigem mais mão-de-obra que outras. Isso sem falar na possibilidade de a família dos autores ser numerosa - fato comum no meio rural, em que filhos e cônjuges trabalham e moram juntos no meio rural. Embora o INSS alegue que a propriedade dos autores tenha 242 hectares, não houve maior aprofundamento no conjunto probatório para se determinar se as características de exploração do imóvel se aproximam do regime de economia familiar ou não. A descaracterização do produtor rural segurado especial para empregador rural equiparado a autônomo somente se legitima com a verificação de elementos de fato que aproximem a exploração da propriedade rural do conceito de empresa, cujo ônus da demonstração é do INSS. (TNU, PEDILEF 200936007023486, JUIZ FEDERAL JOSÉ EDUARDO DO NASCIMENTO, Data da Decisão, 02/12/2010, Fonte/Data da Publicação, DOU 08/02/2011 SEÇÃO 1).
Portanto, a simples constatação de que a propriedade explorada pelo trabalhador possua área superior a 04 (quatro) módulos fiscais não tem a capacidade absoluta de desqualificá-lo como segurado especial, à medida que outros elementos devem ser analisados, a fim de se aferir se o modo de produção do requerente se adéqua aos requisitos legais da condição de segurado especial.
Quanto à prova de comercialização de produtos agrícolas a partir do mês de novembro de 1991
De acordo com o artigo 12, VII, da lei n° 8212/1991, o segurado especial que exerce a atividade individualmente ou em regime de economia familiar está enquadrado como segurado obrigatório e, como tal, deve recolher contribuições para que mantenha o vínculo e faça jus à aquisição de benefícios.
A contribuição do segurado especial (trabalhador rural em regime de economia familiar) é calculada mediante a aplicação de uma alíquota que tem como base de cálculo a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção. Nestes termos, estabelece o art. 25 da Lei 8.212/91:
Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de: (Redação dada pela Lei nº 10.256, de 9.7.2001)
I - 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção;
Como a Lei 8.212/1991 foi publicada no dia 24 de julho de 1991, diante da anterioridade nonagesimal, as contribuições do segurado especial são devidas a partir do dia 01/11/1991. Portanto, a partir da referida data é indispensável que o segurado comprove a comercialização da produção para poder contar, para fins previdenciários, o tempo de serviço na agricultura.
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. SEGURADO ESPECIAL. MAQUINÁRIO AGRÍCOLA. EXTENSÃO DA PROPRIEDADE. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. CARACTERIZAÇÃO. CONSECTÁRIOS. TUTELA ANTECIPATÓRIA. REQUISITOS PREENCHIDOS. DEFERIMENTO.1. A aposentadoria rural por idade conferida ao segurado especial é uma exceção ao sistema contributivo da Previdência Social e, por isso mesmo, deve ser concedida de forma restritiva, tão-somente àqueles que de fato preencham seus requisitos.2. O regime de economia familiar pressupõe que a atividade agrícola seja indispensável à própria subsistência e seja exercida em condição de mútua dependência e colaboração, sem o uso de empregados.3. É essencial que haja produção agrícola para fins de comercialização, não adquirindo a qualidade de segurado especial aquele que planta apenas para subsistência, pois a contribuição do segurado especial para a previdência social decorre da comercialização do seu excedente, nos termos do art. 25 da LCPS, que concretiza o disposto no §8º do art. 195 da Lei Maior. (Apelação Cível n° 2005.04.01.052865-7, Turma Suplementar, Relator: Fernando Quadros da Silva, julgado em 14/11/2007)
Assentadas tais premissas, passo a análise dos requisitos no caso concreto.
Para comprovar a atividade rural no período anterior à data de concessão do benefício (DIB em 20/09/2007), a parte autora apresentou os seguintes elementos, visando preencher o requisito legal de início de prova material:
a) Notas e contranotas de produtor referentes ao período de 2007;
b) Certificado de Cadastro de Imóvel Rural - CCIR - do período de 2003 a 2005, relativo ao imóvel rural com área de 35 hectares;
Inicialmente, entendo que, apesar do início de prova material acerca do desempenho do labor rural apresentado nos autos, a atividade rural não constitui fonte de renda indispensável ao sustento familiar.
De fato, analisando a prova da comercialização da produção rural, constata-se que as únicas notas de produtor que comprovam a venda, referentes ao ano de 2007, demonstram valores bastante reduzidos, como se verifica das notas com a numeração "P 066 280101 - R$ 37,00" e "P 066 280102 - R$ 54,00" (Evento 52, PROCADM1, Páginas 4 e 6), totalizando apenas R$ 91,00 (noventa e um reais) naquele ano. Insta ressaltar que ao autor foi oportunizada a apresentação de outras provas materiais, como as demais notas lançadas naquele período, porém permaneceu inerte.
Nesse caso, é evidente que o referido valor comercializado é insuficiente para garantir a subsistência familiar.
No que se refere à atividade empresarial, a parte autora afirma que os dois cadastros de Pessoa Jurídica (CNPJ 94.159.696/0001-47 e 94.159.696/0002-28) encontram-se inativos desde 2009, sem qualquer movimentação financeira. Foi apresentado documento emitido pela SRF que realmente comprova a inatividade de uma das empresas a partir de 2009 (Evento 1, INF7, Página 1 - CNPJ 94.159.696/0001-47). Todavia, convém destacar que a controvérsia reside no período anterior à concessão do benefício de auxílio-doença precedente (NB 522.589.057-8), ou seja, anterior a 20/09/2007. Diante disso, tal documento não comprova a inatividade da empresa na data da concessão. Outrossim, quanto à 2º empresa (CNPJ 94.159.696/0002-28), não há nenhum documento que permita identificar a ausência de movimentação financeira no mesmo período. À toda evidência, o autor era empresário na data de concessão do benefício.
Diante de tais dados, considerando o reduzido volume comercializado de produtos rurais, a conclusão administrativa no sentido de que o autor possuía fonte de renda diversa da rural é reforçada nesse aspecto.
Além disso, é necessário ressaltar que a companheira do autor, com a qual mantém relacionamento há 12 anos, Sra. Maria de Fátima Leal de Leal, conforme declarado em audiência (Evento 65, TERMOAUD1, Página 1), possuía dois vínculos com a Secretaria Estadual da Educação, os quais revelam que ela auferia uma renda mensal superior a R$ 2.000,00 (dois mil reais) no ano de 2007 (Evento 74, CNIS3, Páginas 7/9).
Assim, frente a tal suporte probatório, considerando o reduzido valor comercializado, a existência de empresas ativas em nome do autor, bem como em vista da renda auferida pela esposa mensalmente, é possível concluir que a atividade rurícola desempenhada pela família não era indispensável ao seu sustento. Outrossim, em que pese a prova testemunhal produzida (evento 65), verifica-se que os elementos materiais ora demonstrados não permitem o reconhecimento da qualidade de segurado especial.
Nesse giro, impende esclarecer que para ser segurado especial é necessário o efetivo desempenho da atividade rural, em regime de economia familiar, sendo esta a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, nos termos do art. 11, inciso VII e § 1º, da Lei nº 8.213/91.
Portanto, da análise do conjunto probatório, concluo que não restou comprovado o efetivo exercício da atividade rural, em regime de economia familiar, pela parte autora.
Assim, verifico que, mesmo reconhecida a persistência da incapacidade apontada no laudo (evento 28), o requisito da qualidade de segurado não esteve preenchido quando do início da incapacidade, de forma que improcede o pedido de restabelecimento do benefício de aposentadoria por invalidez.
Da inexigibilidade da obrigação de restituir os valores recebidos
Requer a parte autora a desconstituição de débito que lhe está sendo cobrado na importância de R$ 42.371,31 (quarenta e dois mil, trezentos e setenta e um reais e trinta e um centavos), referente aos valores recebidos a título de aposentadoria por invalidez, fundamentando seu pleito no restabelecimento do benefício previdenciário.
Nesse passo, considerando que foi julgado improcedente o pedido de restabelecimento, seria caso de afastar tal pleito, todavia, em face da hipossuficiência da parte autora e da natureza alimentar dos benefícios previdenciários, passo a analisar tal requerimento sob o enfoque dos princípios de direito pautados na razoabilidade, na proporcionalidade, na dignidade da pessoa humana e no princípio da supremacia e irrepetibilidade dos alimentos.
Cumpre esclarecer que verbas de caráter alimentar recebidas de boa-fé são irrepetíveis. Além disso, a boa-fé é presumida, devendo a má-fé ser provada pelo requerido.
Não obstante, no caso concreto, tenho que restou claramente caracterizada a má-fé da parte autora.
Como referido anteriormente, foi comprovado por meio das provas materiais que o autor não possuía a qualidade de segurado especial na data de concessão do benefício de auxílio-doença NB 522.589.057-8, convertido posteriormente na aposentadoria por invalidez NB 539.248.108-2.
Isso porque, no requerimento administrativo, o autor omitiu informações relevantes, como a existência de duas empresas registradas em seu nome, assim como a renda auferida por sua companheira como professora, superior a R$ 2.000,00 (dois mil reais) mensais. Na sua entrevista rural, informou expressamente que nenhum membro do grupo familiar, composto por ele e sua companheira, possuía outra fonte de renda diversa da rural (Evento 52, PROCADM1, Página 11), o que constitui clara alteração da verdade dos fatos.
Dessa forma, resta claro que a parte autora ingressou com requerimento administrativo junto ao INSS declarando falsamente que não possuía qualquer fonte de renda e que viviam apenas da atividade rural, omitindo o fato de que sua companheria auferia renda em valor muito superior ao salário mínimo.
Assim, tenho que tal conduta denota a intenção da parte autora de fraudar a autarquia previdenciária, a fim de obter benefício de auxílio-doença.
Nesse contexto, não se trata de presumir a má-fé da parte autora, mas, sim, de considerar, a partir do contexto probatório existente nos autos, que ela dolosamente induziu a erro a Autarquia Previdenciária, o que ensejou o reconhecimento indevido da qualidade de segurado especial, com a consequente concessão do benefício de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez.
Assim, reconhecida a má-fé da parte autora, os valores indevidamente pagos e apurados devem por ela ser ressarcidos. Isto porque, embora os benefícios previdenciários tenham caráter alimentar, demonstrada a má-fé, é inafastável a necessidade de devolução, sob pena de se incentivar a prática de tais condutas.
De fato, nessa situação há que se fazer uma ponderação entre os valores da conduta contrária à boa-fé e o caráter alimentar do benefício, prevalecendo a necessidade de comportamento probo, honesto, consonante com o princípio da eticidade nas relações sociais, não podendo ser obtido benefício de caráter alimentar imbuído de ação fraudulenta. Caso contrário, estar-se-ia incentivando conduta aviltante, inclusive, à solidariedade social, que norteia o sistema da Seguridade Social. Ademais, não pode o direito servir a favor daquele que se utiliza da fraude para a obtenção de algum bem jurídico.
Portanto, não há como se aplicar o princípio já consagrado pela jurisprudência da não repetição de valores previdenciários recebidos de boa-fé. Neste sentido:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO CANCELADO. FRAUDE CONSTATADA EM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO DO BENEFÍCIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE. MÁ-FÉ COMPROVADA. RESTITUIÇÃO DEVIDA. 1. Os valores pagos a título de benefício cancelado, diante da constatação de fraude na sua concessão, devem ser restituídos pelo segurado. 2. Embora o benefício previdenciário tenha caráter alimentar, nos casos em que demonstrada a má-fé do segurado para sua concessão fraudulenta é permitida a sua devolução. 3. Nos termos do art. 115 da Lei n° 8.213/91, o INSS é competente para proceder ao desconto dos valores pagos indevidamente ao segurado, pois comprovada a má-fé do segurado com provas que superam a dúvida razoável. (TRF4, AC 5000504-90.2011.404.7208, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Ezio Teixeira, D.E. 09/05/2013 - grifei)
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL. PREVIDENCIÁRIO. VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. DESCONTO NO BENEFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDENTE PROVIDO. 1. "É irrepetível o valor recebido a maior pelo segurado, salvo quando comprovada a má-fé de sua parte ou quando houver comprovação de que o mesmo contribuiu, de qualquer forma, para o erro de cálculo da RMI por parte do INSS. 2. Incidente de uniformização conhecido e não provido" (IUJEF 0000145-63.2006.404.7060, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relator Rodrigo Koehler Ribeiro, D.E. 08/02/2011) 2. Reafirmação de entendimento anterior desta TRU. 3. É irrelevante que os valores já tenham sido descontados pelo INSS, devendo ser restituídos ao segurado em razão de sua irrepetibilidade. 4. Incidente provido. (5001681-76.2012.404.7007, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relator Antonio Fernando Schenkel do Amaral e Silva, juntado aos autos em 20/06/2014 - grifei)
Desse modo, demonstrada no caso dos autos a má-fé, é permitido ao INSS proceder à cobrança dos valores percebidos indevidamente pela parte autora, nos moldes em que vinha fazendo.
Multa por Litigância de Má-Fé
Postulou o INSS a condenação da parte autora e seus procuradores ao pagamento de multa por litigância de má-fé.
A respeito, cabe transcrever o disposto no art. 80 do Código de Processo Civil:
Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:
I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II - alterar a verdade dos fatos;
III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
VI - provocar incidente manifestamente infundado;
VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.
Na hipótese dos autos, em que pese a argumentação do réu, não se verifica a conduta típica da parte autora, tampouco se observa a ocorrência de qualquer dano processual, cuja compensação é a finalidade da multa. Não se pode ignorar que o art. 81 do CPC refere, textualmente, que a multa tem como finalidade "indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu", de sorte que a ocorrência de prejuízo é imprescindível.
Ademais, foi afastado o pedido de inexigibilidade do débito, de modo que os prejuízos com o pagamento indevido do benefício serão ressarcidos ao erário.
Incabível, nesses termos, a condenação do autor e seus procuradores por litigância de má-fé.
Mantenho a sentença por seus próprios fundamentos no que diz respeito a não comprovação da qualidade de segurado especial na DER (20-09-07) e na consequente improcedência do pedido de restabelecimento do benefício de aposentadoria por invalidez, bem como a não condenação em litigância de má-fé e à restituição dos valores recebidos.
Isso porque não há dúvida de que restou descaracterizado o regime de economia familiar pelo fato de a esposa do autor ter vínculo urbano em 2007 com renda de quase três salários mínimos. Nesse sentido, vejamos o seguinte precedente:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA OU APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. QUALIDADE DE SEGURADA ESPECIAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. DESCARACTERIZAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO MANTIDA. 1. Resta descaracterizado o regime de economia familiar, quando a atividade rural não for indispensável à subsistência familiar, constituindo mera complementação. 2. Estando o marido da autora aposentado por tempo de contribuição desde a época da DER com renda de mais de quatro salários mínimos, restou descaracterizada a sua condição de segurada especial da Previdência Social, devendo ser mantida a sentença que julgou improcedente a ação. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000118-61.2015.404.7130, 6ª Turma, Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 09/10/2017)
No que tange à condenação do autor a restituir o montante pago indevidamente pelo INSS, efetivamente, no caso, há provas da má-fé do autor ao prestar informações falsas ou omiti-las no processo administrativo.
Quanto ao pedido do INSS de condenação do autor e seus procuradores em litigância de má-fé, também mantenho a sentença, pois entendo que essa não restou configurada nesse processo judicial.
Ante o exposto, voto por negar provimento aos recursos.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 11/12/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002603-98.2014.4.04.7120/RS
ORIGEM: RS 50026039820144047120
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PRESIDENTE | : | Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PROCURADOR | : | Dr. Maurício Pessutto |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | SERGIO LUIS BELLOLI |
ADVOGADO | : | ANGELICA CHECHI WALCZAK |
: | GEOVANE DE MOURA CELESTINO | |
APELADO | : | OS MESMOS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 11/12/2017, na seqüência 42, disponibilizada no DE de 24/11/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AOS RECURSOS.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
: | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ | |
: | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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