Apelação Cível Nº 5081534-39.2018.4.04.7100/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: ALBERTO ANDRE LINKIEWEZ (AUTOR)
ADVOGADO: ISABEL CRISTINA TRAPP FERREIRA (OAB RS022998)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação em face de sentença, proferida na vigência do CPC/2015, cujo dispositivo tem o seguinte teor:
"Ante o exposto, indefiro a preliminar e resolvo o mérito do processo, julgando parcialmente procedentes os pedidos (CPC, art. 487, I), para condenar o INSS a:
a) pagar o auxílio-doença (CONCESSÃO) desde 06/06/2020 (DIB), e manter o pagamento até 14/11/2020 (DCB estimada); cumprindo à parte requerer a continuidade do benefício na via administrativa, na forma da legislação, se persistir a incapacidade naquele momento;
b) pagar as prestações vencidas.
Nas parcelas vencidas, incidem os seguintes encargos: i) correção monetária: desde o vencimento de cada prestação, pelo mesmo índice utilizado para os reajustamentos dos benefícios do RGPS, sendo o INPC a partir de 04/2006, substituído pelo IPCA-E em 07/2009; ii) juros de mora: desde a citação, pelos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicáveis à caderneta de poupança; ou desde que devidas as prestações, se posterior à citação.
Diante do convencimento do direito ao benefício e do perigo de dano decorrente da sua natureza alimentar e da função de substituir a renda do trabalhador enquanto está incapacitado para o exercício das suas atividades, conduzindo à forte presunção, notadamente em relação aos segurados do INSS, de que a falta do pagamento compromete a subsistência da parte, defiro o pedido de antecipação da tutela (CPC, art. 300), determinando o pagamento do auxílio-doença no prazo de 20 dias, contado da data desta sentença.
Quanto à proibição de concessão da tutela de urgência antecipada "quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão", segundo o § 3° do artigo 300 do CPC, anoto que a jurisprudência atual do STJ contempla a restituição das quantias recebidas indevidamente por força de medida liminar, admitindo o desconto em folha de até dez por cento da renda do benefício previdenciário (REsp 1401560/MT, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Rel. p/ Acórdão Ministro Ari Pargendler, Primeira Seção, julgado em 12/02/2014, sob o rito dos recursos repetitivos, DJe 13/10/2015 e AgInt nos EDcl no REsp 1606109/RN, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 16/03/2017, DJe 22/03/2017).
Honorários nos termos da fundamentação.
Sem custas, porque a parte autora é beneficiária da AJG e o INSS é isento (Lei n° 9.289/1996, art. 4°, I).
Condeno o INSS ao ressarcimento de 2/3 dos honorários periciais adiantados pela Seção Judiciária do Rio Grande do Sul (Evento 27). A parte autora responde por 1/3 desses honorários, mas a execução fica suspensa em virtude da AJG.
Publique-se e intimem-se. (...)"
Em suas razões recursais, a parte autora sustenta, em síntese, que está definitivamente incapacitada para o trabalho, motivo pelo qual faz jus à concessão da aposentadoria por invalidez, desde a indevida cessação, em 5-12-2018. Alternativamente, requer seja afastado o termo final do auxílio-doença.
Com as contrarrazões, vieram os autos ao Tribunal.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Mérito
Tratando-se de benefício por incapacidade, o julgador firma sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial. Tal assertiva, todavia, não é absoluta, uma vez que o julgador não está adstrito ao laudo pericial (art. 479, CPC).
A perícia médica judicial realizada em 25-5-2019 (Evento 24 do originário, LAUDOPERIC1), por especialista em ortopedia, apurou que o demandante, examinador de redes telefônicas, nascido em 29-8-1961, é portador de Cervicalgia e Lumbago com ciática (CID-10: M54.2 e M54.4), e concluiu que ele está temporariamente incapacitado para o exercício das atividades habituais, nos seguintes termos:
"(...)
Conclusão: com incapacidade temporária
- Justificativa: Alterações degenerativas compatíveis com as consequências do trabalho e a idade do paciente, Quadro com agravos incapacidade no momento, de caráter não definitivo, Não há informação de patologia grave que isente de carência.
- DII - Data provável de início da incapacidade: 21/05/2019
- Justificativa: mediante a documentação
-- Atestado médico;15/05/2019
- Caso a DII seja posterior à DER/DCB, houve outro(s) período(s) de incapacidade entre a DER/DCB e a DII atual? A DII é anterior ou concomitante à DER/DCB
- Data provável de recuperação da capacidade: 365 dias
- A recuperação da capacidade laboral depende da realização de procedimento cirúrgico? SIM
- Observações: artrodese da coluna
(...)" - Grifei.
No laudo complementar, o expert retificou a data provável de recuperação da capacidade para 545 dias (Evento 47 do originário, LAUDOPERIC1).
Em que pese o perito judicial tenha concluído pela incapacidade temporária, entendo que deve ser reconhecido o direito à aposentadoria por invalidez, porquanto a plena recuperação da capacidade laboral depende de procedimento cirúrgico, ao qual o autor não está obrigado a se submeter.
Quanto ao termo inicial do benefício, embora o perito tenha fixado a data de início da incapacidade em 21-5-2019, registro que os exames e atestados médicos anexados aos autos (Evento 1 do originário, LAUDO7 e LAUDO11) demonstram que o requerente era portador das mesmas patologias diagnosticadas na perícia e indicam a persistência da incapacidade laboral após o cancelamento administrativo da aposentadoria por invalidez, em 5-12-2018 (Evento 12 do originário, OUT2, fl. 19).
Cumpre destacar, ainda, que o INSS concedeu à parte autora o benefício de auxílio-doença, no período de 1-4-2007 a 31-8-2007, por motivo de "Lumbago com ciática" (CID-10: M54.4), e de aposentadoria por invalidez, no período de 23-1-2009 a 5-6-2020 (com mensalidades de recuperação a contar de 6-12-2018), em razão de "Cervicalgia" (CID-10: M54.2 - Evento 14 do originário, LAUDO1, fls. 13 e 19), praticamente as mesmas doenças diagnosticadas na perícia judicial como causa incapacitante. Logo, não é consentâneo com a realidade que o segurado com tais espécies de enfermidades crônicas tenha subitamente melhorado.
Desse modo, tenho que merece provimento o apelo para determinar o restabelecimento da aposentadoria por invalidez, a contar da cessação indevida (5-12-2018), devendo ser descontados os valores pagos na via administrativa a título de mensalidade de recuperação e de benefício inacumulável desde então.
Correção monetária e juros de mora
Após o julgamento do RE n. 870.947 pelo Supremo Tribunal Federal (inclusive dos embargos de declaração), a Turma tem decidido da seguinte forma.
A correção monetária incide a contar do vencimento de cada prestação e é calculada pelos seguintes índices oficiais: [a] IGP-DI de 5-1996 a 3-2006, de acordo com o artigo 10 da Lei n. 9.711/1998 combinado com os §§ 5º e 6º do artigo 20 da Lei n. 8.880/1994; e, [b] INPC a partir de 4-2006, de acordo com a Lei n. 11.430/2006, que foi precedida pela MP n. 316/2006, que acrescentou o artigo 41-A à Lei n. 8.213/1991 (o artigo 31 da Lei n. 10.741/2003 determina a aplicação do índice de reajustamento do RGPS às parcelas pagas em atraso).
A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo Supremo naquele julgamento. No recurso paradigma foi determinada a utilização do IPCA-E, como já o havia sido para o período subsequente à inscrição do precatório (ADI n. 4.357 e ADI n. 4.425).
O Superior Tribunal de Justiça (REsp 149146) - a partir da decisão do STF e levando em conta que o recurso paradigma que originou o precedente tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza não previdenciária (benefício assistencial) - distinguiu os créditos de natureza previdenciária para estabelecer que, tendo sido reconhecida a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização, deveria voltar a incidir, em relação a eles, o INPC, que era o índice que os reajustava à edição da Lei n. 11.960/2009.
É importante registrar que os índices em questão (INPC e IPCA-E) tiveram variação praticamente idêntica no período transcorrido desde 7-2009 até 9-2017 (mês do julgamento do RE n. 870.947): 64,23% contra 63,63%. Assim, a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
A conjugação dos precedentes acima resulta na aplicação, a partir de 4-2006, do INPC aos benefícios previdenciários e o IPCA-E aos de natureza assistencial.
Os juros de mora devem incidir a partir da citação. Até 29-6-2009 à taxa de 1% ao mês (artigo 3º do Decreto-Lei n. 2.322/1987), aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar (Súmula n. 75 do Tribunal).
A partir de então, deve haver incidência dos juros até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, de acorodo com o artigo 1º-F, da Lei n. 9.494/1997, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n. 11.960/2009. Eles devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez".
Honorários advocatícios
Tendo em vista que a sentença foi publicada sob a égide do novo CPC, este regramento é aplicável quanto à sucumbência.
No tocante ao cabimento da majoração da verba honorária, conforme previsão do §11 do art. 85 do CPC/2015, assim decidiu a Segunda Seção do STJ, no julgamento do AgInt nos EREsp nº 1.539.725-DF (DJe de 19-10-2017):
É devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, §11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente:
a) vigência do CPC/2015 quando da publicação da decisão recorrida, ou seja, ela deve ter sido publicada a partir de 18/03/2016;
b) não conhecimento integralmente ou desprovimento do recurso, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente;
c) existência de condenação da parte recorrente ao pagamento de honorários desde a origem no feito em que interposto o recurso.
No caso concreto, não estão preenchidos todos os requisitos acima elencados, não sendo devida, portanto, a majoração da verba honorária.
Cumprimento imediato do julgado (tutela específica)
A renda mensal do benefício, em face da ausência de efeito suspensivo de qualquer outro recurso, deve ser implementada em 45 dias a partir da intimação. A parte interessada deverá indicar, em 10 dias, o eventual desinteresse no cumprimento do acórdão.
Conclusão
- Recurso da parte autora provido para determinar o restabelecimento da aposentadoria por invalidez desde a cessação administrativa (5-12-2018), devendo ser descontados os valores pagos a título de mensalidade de recuperação e de benefício inacumulável desde então;
- critérios de correção monetária adequados à orientação do STF em sede de repercussão geral;
- determinado o imediato cumprimento do acórdão.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação e determinar o cumprimento imediato do acórdão.
Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002381385v18 e do código CRC 700d993e.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5081534-39.2018.4.04.7100/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
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EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. RECUPERAÇÃO DA CAPACIDADE LABORAL CONDICIONADA À REALIZAÇÃO DE CIRURGIA. CONTINUIDADE DA INCAPACIDADE LABORAL COMPROVADA. RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO. CORREÇÃO MONETÁRIA. TEMA 810 DO STF.
1. Nas ações em que se objetiva a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, o julgador firma seu convencimento com base na prova pericial, não deixando de se ater, entretanto, aos demais elementos de prova.
2. A circunstância de ter o laudo pericial registrado a possibilidade de recuperação da capacidade laborativa condicionada à realização de procedimento cirúrgico, ao qual a parte autora não está obrigada a se submeter, autoriza a concessão de aposentadoria por invalidez.
3. Hipótese em que os elementos de prova indicam a continuidade da moléstia incapacitante após a cessação administrativa da aposentadoria por invalidez, impondo-se o restabelecimento do benefício.
4. A utilização da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, prevista na Lei 11.960/2009, foi afastada pelo STF no julgamento do Tema 810, através do RE 870947, com repercussão geral, o que restou confirmado, no julgamento de embargos de declaração por aquela Corte, sem qualquer modulação de efeitos.
5. O Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1495146, em precedente também vinculante, e tendo presente a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização monetária, distinguiu os créditos de natureza previdenciária, em relação aos quais, com base na legislação anterior, determinou a aplicação do INPC, daqueles de caráter administrativo, para os quais deverá ser utilizado o IPCA-E.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação e determinar o cumprimento imediato do acórdão, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 10 de março de 2021.
Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002381386v4 e do código CRC 2daf10d5.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Telepresencial DE 10/03/2021
Apelação Cível Nº 5081534-39.2018.4.04.7100/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PROCURADOR(A): FÁBIO BENTO ALVES
APELANTE: ALBERTO ANDRE LINKIEWEZ (AUTOR)
ADVOGADO: ISABEL CRISTINA TRAPP FERREIRA (OAB RS022998)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 10/03/2021, na sequência 318, disponibilizada no DE de 01/03/2021.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E DETERMINAR O CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 19/03/2021 04:01:47.