Apelação Cível Nº 5002488-63.2020.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CLEMENTINA GLICERIO
RELATÓRIO
Trata-se de ação de rito ordinário proposta contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, buscando a concessão do benefício de auxílio-doença, com pedido de antecipação de tutela.
A sentença, proferida em 23/10/2019, julgou procedente o pedido aduzido na inicial, para conceder à requerente o benefício de aposentadoria por invalidez, a contar de 17/09/2018, data da apresentação do requerimento administrativo. Foi concedida, ainda, a tutela antecipada.
Recorre o INSS, postulando que seja declarada nula a sentença e seja determinada a reabertura da instrução processual. Alega, para tanto, que não há início de prova material razoável para o período de prova (carência legal), seja como trabalhadora volante, seja como segurada especial. A autora pertence à comunidade indígena local e tem como afazer o trabalho doméstico e com artesanatos, que posteriormente são vendidos. Em referida profissão, a autora é considerada contribuinte individual e responsável pelos recolhimentos previdenciários.
Com contrarrazões, os autos foram encaminhados ao Tribunal.
É o relatório.
VOTO
BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE
Conforme o disposto no art. 59 da Lei n.º 8.213/91, o auxílio-doença é devido ao segurado que, havendo cumprido o período de carência, salvo as exceções legalmente previstas, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
A aposentadoria por invalidez, por sua vez, será concedida ao segurado que, cumprida, quando for o caso, a carência exigida, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, sendo-lhe pago enquanto permanecer nesta condição, nos termos do art. 42 da Lei de Benefícios da Previdência Social.
É importante destacar que, para a concessão de tais benefícios, não basta estar o segurado acometido de doença grave ou lesão, mas sim, demonstrar que sua incapacidade para o labor decorre delas.
De outra parte, tratando-se de doença ou lesão anterior à filiação ao Regime Geral de Previdência Social, não será conferido o direito à aposentadoria por invalidez/auxílio-doença, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou lesão (§ 2º do art. 42).
Já com relação ao benefício de auxílio-acidente, esse é devido ao filiado quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas permanentes que impliquem a redução da capacidade de exercer a sua ocupação habitual (art. 86 da Lei nº 8.213/91).
São quatro os requisitos necessários à sua concessão: a) a qualidade de segurado; b) a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza; c) a redução permanente da capacidade de trabalho; d) a demonstração do nexo de causalidade entre o acidente e a redução da capacidade.
A lei de regência estabelece, ainda, que para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez se exige o cumprimento da carência correspondente à 12 (doze) contribuições mensais (art. 25,I). De outra parte, a concessão de auxílio-acidente, nos termos do art. 26, I, da LBPS, independe de período de carência.
Na eventualidade de ocorrer a cessação do recolhimento das contribuições exigidas, prevê o art. 15 da Lei n.º 8.213/91 um período de graça, prorrogando-se, por assim dizer, a qualidade de segurado por um determinado prazo.
Decorrido o período de graça, o que acarreta na perda da qualidade de segurado, as contribuições anteriores poderão ser computadas para efeito de carência. Exige-se, contudo, um mínimo de 1/3 do número de contribuições da carência definida para o benefício a ser requerido, conforme se extrai da leitura do art. 24 da Lei n.º 8.213/91. Dessa forma, cessado o vínculo, eventuais contribuições anteriores à perda da condição de segurado somente poderão ser computadas se comprovados mais quatro meses de atividade laboral.
No mais, deve ser ressaltado que, conforme jurisprudência dominante, nas ações em que se objetiva a concessão de benefícios por incapacidade, o julgador firma seu convencimento, de regra, por meio da prova pericial.
Assim, tratando-se de controvérsia cuja solução dependa de prova técnica, o juiz só poderá recusar a conclusão do laudo na eventualidade de motivo relevante constante dos autos, uma vez que o perito judicial encontra-se em posição equidistante das partes, mostrando-se, portanto imparcial e com mais credibilidade. Nesse sentido, os julgados desta Corte: AC nº 5013417-82.2012.404.7107, 5ª Turma, Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, unânime, juntado aos autos em 05/04/2013 e AC/Reexame necessário nº 5007389-38.2011.404.7009, 6ª Turma, Des. Federal João Batista Pinto Silveira, unânime, untado aos autos em 04/02/2013.
CASO CONCRETO
Trata-se de segurada, com 49 anos, cuja atividade profissional sempre foi a de trabalhadora rural indígena.
O laudo pericial firmado pelo perito Dr. Valdemar Sousa, constante no evento 35, atestou que a autora portadora de Defeito gerado por consolidação de fratura (CID M84) e Artrose de cotovelo (CID M54.3). Decorre das patologias referidas um quadro de dor local e limitação articular.
Ao responder o questionamento sobre o enquadramento da parte autora no que tange à sua capacidade laboral, o médico afirmou que a periciada apresenta incapacidade laboral total e permanente.
Uma vez reconhecida a incapacidade laboral, passa-se a enfrentar a questão referente à qualidade de segurada da autora, geradora de controvérsia.
O tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante a apresentação de início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, complementada por prova testemunhal idônea. Não se exige, por outro lado, prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período de carência.
Quanto à condição de trabalhadora rural, no Evento 15 foi juntada certidão emitida pela FUNAI, informando a atividade rural exercida pela autora:
Segundo a jurisprudência dominante, este é o documento adequado e suficiente para atestar a condição de trabalhadora rural indígena.
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO RURAL. TRABALHADOR INDÍGENA. COMPROVAÇÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO. CONSECTÁRIOS LEGAIS.1. A comprovação do exercício de atividade rural do segurado especial de etnia indígena é feita mediante certidão fornecida pela FUNAI, atestando a condição do índio como trabalhador rural. 2. Comprovado o tempo de serviço/contribuição suficiente e implementada a carência mínima, é devida a aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, a contar da data de entrada do requerimento administrativo, nos termos dos artigos 54 e 49, inciso II, da Lei 8.213/1991, bem como efetuar o pagamento das parcelas vencidas desde então. 3. As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o artigo 41-A na Lei 8.213/1991. Quanto aos juros demora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (artigo1º-F da Lei 9.494/1997, com redação dada pela Lei 11.960/2009). (TRF4, AC 5012474-12.2018.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 21/09/2018)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. INDÍGENA. QUALIDADE DE SEGURADA ESPECIAL. TRABALHO RURAL COMPROVADO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DIFERIMENTO. 1. A comprovação do exercício de atividade rural do segurado especial de etnia indígena é feita mediante certidão fornecida pela FUNAI, atestando a condição do índio como trabalhador rural. 2. Deliberação sobre índices de correção monetária e taxas de juros diferida para a fase de cumprimento de sentença, de modo a racionalizar o andamento do processo, e diante da pendência , nos tribunais superiores, de decisão sobre o tema com caráter geral e vinculante. Precedentes do STJ e do TRF da 4ª Região. (TRF4, AC 0003827-84.2016.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, D.E. 13/12/2016)
Considerando-se o registro como possível de atestar um início de prova material, os documentos por si só não comprovam que o autor de fato exercia a atividade rural. Fez-se necessário sua complementação por meio de prova testemunhal idônea e convincente acerca do labor rural que se pretende comprovar.
Nesse sentido, as testemunhas ouvidas foram convincentes ao declararem que a autora residia em aldeia indígena, na qual cultivava feijão, milho, arroz. Afirmaram que a demandante também fazia artesanato, o qual servia para venda.
Diante do contexto, a sentença deve ser mantida, de modo a conceder à autora o benefício de aposentadoria por invalidez, a contar de 17/09/2018, data da apresentação do requerimento administrativo.
CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do CPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do CPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Aplica-se, portanto, em razão da atuação do advogado da parte em sede de apelação, o comando do §11 do referido artigo, que determina a majoração dos honorários fixados anteriormente, pelo trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º e os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 85.
Confirmada a sentença no mérito, majoro a verba honorária, elevando-a de 10% para 15% (quinze por cento) sobre as parcelas vencidas até sentença (Súmula 76 do TRF4), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do CPC.
ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA
Confirmado o direito ao benefício de aposentadoria por invalidez, resta mantida a antecipação dos efeitos da tutela concedida pelo juízo de origem.
PREQUESTIONAMENTO
Restam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes.
CONCLUSÃO
Apelação do INSS improvida e honorários advocatícios majorados, nos termos da fundamentação.
Por fim, confirmada a tutela antecipatória concedida na sentença.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5002488-63.2020.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CLEMENTINA GLICERIO
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS LEGAIS. INCAPACIDADE permanente COMPROVADA. QUALIDADE DE SEGURADa ESPECIAL COMO TRABALHADORa RURAL INDÍGENA. CERTIDÃO DA FUNAI. INÍCIO DE PROVA MATERIAL, COMPLEMENTADA POR PROVA TESTEMUNHAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Quatro são os requisitos para a concessão do benefício em tela: (a) qualidade de segurado do requerente; (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de qualquer atividade que garanta a subsistência; e (d) caráter definitivo/temporário da incapacidade.
2. Caracterizada a incapacidade laborativa permanente da segurada para realizar suas atividades habituais, mostra-se correta a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez.
3. A comprovação do exercício de atividade rural do segurado especial de etnia indígena é feita mediante certidão fornecida pela FUNAI, atestando a condição do índio como trabalhador rural. Não obstante, sendo comparados aos trabalhadores em regime de economia familiar, é necessário que este início de prova material seja cotejada com a prova testemunhal.
4. As provas testemunhais são válidas para complementar o início de prova material do tempo rural. A prova testemunhal, desde que idônea e convincente, é apta a comprovar os claros não cobertos por prova material.
5. Honorários advocatícios majorados, considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do CPC.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 28 de julho de 2020.
Documento eletrônico assinado por LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001911741v3 e do código CRC 830ba523.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 21/07/2020 A 28/07/2020
Apelação Cível Nº 5002488-63.2020.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
PRESIDENTE: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CLEMENTINA GLICERIO
ADVOGADO: gisiele schmitz loch (OAB PR054045)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 21/07/2020, às 00:00, a 28/07/2020, às 16:00, na sequência 316, disponibilizada no DE de 10/07/2020.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
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