APELAÇÃO CÍVEL Nº 5004861-72.2017.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA |
APELANTE | : | ANTONIO LEONARDO PAVEZI |
ADVOGADO | : | ROGERIO REAL |
: | GRACIELA MENDANHA SOBRINHO | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL EM ECONOMIA FAMILIAR. REQUISITO NÃO PREENCHIDO. CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL NÃO CARACTERIZADA. PRODUTOR RURAL. BENEFÍCIO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. RESTABELECIMENTO.
1. Tem direito à concessão de aposentadoria por invalidez apenas aquele que mantém sua qualidade de segurado e seja portador de enfermidade que o incapacita total e permanentemente, comprovado o cumprimento de carência.
2. Para fins de comprovação do exercício da atividade rural, não se exige prova robusta, sendo necessário que o segurado especial apresente início de prova material.
3. Para a caracterização de segurado especial em regime de economia familiar, a Lei nº 8.213/91 limita a exploração agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais. Hipótese em que não restou comprovado o exercício de atividade rural em economia familiar pelo autor, conforme o artigo 11 da Lei nº 8.213/91, notadamente em razão dele ser proprietário de módulos fiscais a mais que o permitido para sua caracterização, bem como porque evidenciado que o autor é médio produtor rural e explora razoável áreas de terras com utilização de intensa mecanização, sendo descabido o reconhecimento da sua condição de segurado especial na forma como pleiteado na inicial.
4. A Corte Especial deste Regional firmou entendimento segundo o qual, para a concessão do benefício da Assistência Judiciária Gratuita, basta que a parte interessada declare não possuir condições de arcar com as despesas do processo sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família, cabendo à parte contrária o ônus de elidir a presunção de veracidade daí surgida (intelecção do artigo 4º da Lei n. 1.060/1950, vigente à época da prolação dos acórdãos citados).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 20 de junho de 2018.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator
Documento eletrônico assinado por Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9401107v4 e, se solicitado, do código CRC B2B9D008. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5004861-72.2017.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA |
APELANTE | : | ANTONIO LEONARDO PAVEZI |
ADVOGADO | : | ROGERIO REAL |
: | GRACIELA MENDANHA SOBRINHO | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação de concessão de benefício de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença proposta por ANTONIO LEONARDO PAVEZI em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS.
Processado o feito, a ação foi julgada improcedente (artigo 487, I, do CPC) por ausência da qualidade de segurado especial. O autor foi condenado ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), bem como foi revogado o benefício da assistência judiciária gratuita.
O autor, não se conformando, apela.
Inicialmente, pugna pelo restabelecimento do benefício de AJG, tendo em vista que firmou a declaração de hipossuficiência, tratando-se de pessoa simples e sem renda fixa, dependendo da produção agrícola para própria sobrevivência, não podendo suportar as custas do processo e os honorários advocatícios de sucumbência.
No mérito, alega, em suma, que a prova material e testemunhal comprova que sempre exerceu atividade rural em regime de economia familiar em área de terras que não ultrapassam a 4 (quatro) módulos fiscais. Assevera que mantém média de entrega de grãos em baixo volume para ser considerado como médio/grande produtor rural, salientando que os lucros advindos da atividade não são destinados exclusivamente ao agricultor, pois há gastos com produção, compra de grãos, plantio, adubo, etc. Refere que a prova testemunhal mostrou-se robusta e coesa, sendo convincente acerca do seu trabalho rural em regime de economia familiar desde muito cedo até quando iniciaram seus problemas de saúde. Afirma que não há falar em crime de falso testemunho, pois todas as testemunhas relataram com fidedignidade a sua vida e história no meio rural. Diante disso, entende não ser necessária a remessa dos autos para instauração de inquérito policial. Pugna pela reforma do julgado, a fim de que, reconhecendo sua qualidade de segurado especial, lhe seja concedida a aposentadoria por invalidez.
Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
Peço dia.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator
Documento eletrônico assinado por Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9401105v6 e, se solicitado, do código CRC C85E6AAA. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5004861-72.2017.4.04.9999/PR
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VOTO
DIREITO INTERTEMPORAL
Inicialmente, cumpre o registro de que a sentença recorrida foi publicada em data posterior a 18-3-2016, quando passou a vigorar o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16-3-2015), consoante decidiu o Plenário do STJ.
BENEFÍCIO DE AJG - PEDIDO DE RESTABELECIMENTO
Em relação à assistência judiciária gratuita, é certo que, no âmbito deste Tribunal Regional Federal, já existiu certa discussão referente ao parâmetro a ser utilizado para fins de aferição da condição de necessitado do pretendente ao benefício da Assistência Judiciária Gratuita, formando-se duas correntes distintas: (a) uma baseando-se no limite de dez salários mínimos mensais como renda líquida da parte requerente (nesse sentido: TRF4, AG 5017692-55.2012.404.0000, 3ª Turma, Rel. p/ Acórdão Des. Federal Fernando Quadros da Silva, DE de 06-12-2012); (b) outra empregando a faixa de isenção do imposto de renda como norte interpretativo da condição de miserabilidade do litigante (nesse sentido: TRF4, AG 0013279-84.2012.404.0000, 3ª Turma, Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, DE de 19-12-2012).
Ocorre que a Corte Especial deste Regional firmou entendimento segundo o qual, para a concessão do benefício da Assistência Judiciária Gratuita, basta que a parte interessada declare não possuir condições de arcar com as despesas do processo sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família, cabendo à parte contrária o ônus de elidir a presunção de veracidade daí surgida (intelecção do artigo 4º da Lei n. 1.060/1950, vigente à época da prolação dos acórdãos citados).
Exatamente por isso, descabem critérios outros (como a faixa de isenção do imposto de renda ou o valor da renda mensal líquida percebida pelo pretendente) para infirmar a presunção legal de pobreza.
Por pertinência, reproduzo a síntese de julgado paradigmático:
"INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. LEI 1.060/50. ART. 4ª. ESTADO DE MISERABILIDADE. PRESUNÇÃO PELA SIMPLES AFIRMAÇÃO. ÔNUS DA PROVA. PARTE CONTRÁRIA.
1. Para a concessão da assistência judiciária gratuita basta que a parte declare não possuir condições de arcar com as despesas do processo sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família, cabendo à parte contrária o ônus de elidir a presunção de veracidade daí surgida - art. 4º da Lei nº 1060/50.
2. Descabem critérios outros (como isenção do imposto de renda ou renda líquida inferior a 10 salários mínimos) para infirmar presunção legal de pobreza, em desfavor do cidadão.
3. Uniformizada a jurisprudência com o reconhecimento de que, para fins de Assistência Judiciária Gratuita, inexistem critérios de presunção de pobreza diversos daquela constante do art. 4º da Lei nº 1060/50 (TRF4, AC nº 5008804-40.2012.404.7100, Rel. Des. Federal Néfi Cordeiro, julgado em 28-02-2013)."
Ou seja, a concessão do benefício não está condicionada à comprovação da miserabilidade do requerente, mas, sim, à impossibilidade de ele arcar com os custos e as despesas do processo (inclusive as custas iniciais e a verba honorária), sem prejuízo ao atendimento de necessidades básicas próprias ou de sua família.
Entendimento diverso acabaria por mitigar de forma desarrazoada a garantia de acessibilidade, prevista expressamente na CRFB (artigo 5º, XXXV).
A respeito do tema, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 1.428) assim discorrem:
"A CF, 5°, LXXIV, que garante a assistência judiciária integral aos necessitados que comprovarem essa situação, não revogou a LAJ 4º. Basta a simples alegação do interessado para que o juiz possa conceder-lhe o benefício da assistência judiciária. Essa alegação constitui presunção juris tantum de que o interessado é necessitado."
Dessa forma, havendo expressa menção na exordial acerca da situação de a parte-autora não possuir condições de arcar com os custos processuais, sem prejuízo de seu sustento e de sua família, ante sua condição de hipossuficiência declarada, em regra o pleito merece trânsito neste ponto.
No caso em exame, tenho que não há, nos autos, elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade. A parte autora juntou aos autos a declaração de insuficiência econômica, sustentando não ter condições de arcar com as despesas e custas processuais (evento 1 OUT5).
Logo, restabeleço o benefício da AJG.
MÉRITO
A concessão de benefícios por incapacidade laboral está prevista nos artigos 42 e 59 da Lei nº 8.213/91, verbis:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos.
Extraem-se, da leitura dos dispositivos acima transcritos, que são três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: 1) a qualidade de segurado; 2) o cumprimento do período de carência de 12 (doze) contribuições mensais; 3) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporário (auxílio-doença).
Tendo em vista que a aposentadoria por invalidez pressupõe incapacidade total e permanente, cabe ao juízo se cercar de todos os meios de prova acessíveis e necessários para análise das condições de saúde do requerente, mormente com a realização de perícia médica.
Aos casos em que a incapacidade for temporária, ainda que total ou parcial, caberá a concessão de auxílio-doença, que posteriormente será convertido em aposentadoria por invalidez (se sobrevier incapacidade total e permanente), auxílio-acidente (se a incapacidade temporária for extinta e o segurado restar com sequela permanente que reduza sua capacidade laborativa) ou extinto (com a cura do segurado).
Quanto ao período de carência (número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício), estabelece o artigo 25 da Lei de Benefícios da Previdência Social:
Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência:
I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 contribuições mensais;
(...)
Na hipótese de ocorrer a cessação do recolhimento das contribuições, prevê o artigo 15 da Lei nº 8.213/91 o denominado "período de graça", que permite a prorrogação da qualidade de segurado durante um determinado lapso temporal:
Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.
Prevê a LBPS que, decorrido o período de graça na forma do § 4º, as contribuições anteriores à perda da qualidade de segurado somente serão computadas para efeitos de carência depois que o segurado contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com, no mínimo, 1/3 (um terço) do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido.
Cumpre destacar que no caso dos segurados especiais não há obrigatoriedade de preenchimento do requisito carência conforme acima referido, sendo necessária, porém, a comprovação de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, mesmo que de forma descontínua.
Assim dispõe o artigo 39 da Lei 8.213/91:
Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido; ou
(...)
Nestes casos, o tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante a apresentação de início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do artigo 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, e Súmula 149 do STJ. Entretanto, embora o artigo 106 da LBPS relacione os documentos aptos à comprovação da atividade rurícola, tal rol não é exaustivo, sendo admitidos outros elementos idôneos.
A concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez pressupõe a averiguação, por meio de exame médico-pericial, da incapacidade para o exercício de atividade que garanta a subsistência do segurado, e terá vigência enquanto essa condição persistir. Ainda, não obstante a importância da prova técnica, o caráter da limitação deve ser avaliado conforme as circunstâncias do caso concreto. Isso porque não se pode olvidar de que fatores relevantes - como a faixa etária do requerente, seu grau de escolaridade e sua qualificação profissional, assim como outros - são essenciais para a constatação do impedimento laboral e efetivação da proteção previdenciária.
Dispõe, outrossim, a Lei nº 8.213/91 que a doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito ao benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou lesão.
CASO CONCRETO
O Juízo monocrático julgou improcedente o pedido de concessão do benefício por incapacidade, porque não comprovada a condição de segurado especial do autor, tendo em vista que descaracterizado o trabalho rural em regime de economia familiar frente à existência de áreas mecanizadas e à exploração de culturas de soja e milho em grandes áreas.
Vale referir que a área do imóvel rural não se constitui fator determinante do conceito de segurado especial, porquanto, para fins de concessão de benefício previdenciário a essa espécie de segurado, a legislação determina que as atividades rurais sejam exercidas individualmente ou em regime de economia familiar, dispondo, ainda, o artigo 11, que:
Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
I a VI - omissis.
VII - como segurado especial: o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o garimpeiro, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 (quatorze) anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.
§ 1º - Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados.
Portanto, não há imposição, na norma previdenciária, que o trabalho rural, do segurado especial, seja vinculado à dimensão de terras em que exercida a atividade agrícola. Além disso, não está na definição de regime de economia familiar a extensão da propriedade, requisito específico da Lei n.º 4.504/64 (Estatuto da Terra) que regula os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, precipuamente, para fins de execução de reforma Agrária e promoção da Política Agrícola, não se mostrando, assim, razoável descaracterizar a condição de segurado especial do requerente com fundamento na extensão da propriedade explorada por sua família.
Outrossim, a eventual classificação como "empregador rural II-B" no certificado de cadastro do INCRA, do mesmo modo, não significa necessariamente a descaracterização do regime de economia familiar, pois tal classificação geralmente é baseada no tamanho da propriedade, sem considerar a efetiva existência de empregados permanentes. O ponto principal da questão está no Decreto-Lei n.º 1166, de 15-04-1971, que dispõe sobre enquadramento e contribuição sindical rural, cujo artigo 1º dispõe que:
Art. 1º. Para efeito do enquadramento sindical, considera-se:
I - omissis.
II - empresário ou empregador rural:
a) a pessoa física ou jurídica que tendo empregado, empreende, a qualquer título, atividade econômica rural;
b) quem, proprietário ou não e mesmo sem empregado, em regime de economia familiar, explore imóvel rural que lhe absorva toda a força de trabalho e lhe garanta a subsistência e progresso social e econômico em área igual ou superior à dimensão do módulo rural da respectiva região;
c) os proprietários de mais de um imóvel rural, desde que a soma de suas áreas seja igual ou superior à dimensão do módulo rural da respectiva região.
Também a existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do art. 11, inciso VII, da Lei n.º 8.213/91, que define o segurado especial.
Além disso, o auxílio de terceiros (vizinhos, boias-frias) em determinados períodos não elide o direito postulado, consoante o inciso VII do art. 11 da Lei n.° 8.213/91, visto que se trata de prática comum no meio rural.
Com efeito, o fato de inexistir legislação que condicione, de forma objetiva e absoluta, a qualidade de segurado especial à dimensão do imóvel rural a extensão da propriedade é apenas mais um aspecto a ser considerado juntamente com o restante do conjunto probatório, não constituindo, por si só, óbice ao reconhecimento dessa condição. São as circunstâncias do caso concreto - localização do imóvel, cultura explorada, quantidade de produção comercializada, utilização de mão-de-obra e maquinário, etc. -, que vão determinar se o segurado se enquadra ou não na definição do inciso VII do art. 11 da Lei n.º 8.213/91, como se vê dos precedentes deste Corte (AC n.º 0007112-95.2010.404.9999/SC, 6ª Turma, Rel. para o acórdão Juiz Federal Loraci Flores de Lima, j. em 14-07-2010, DE em 12-08-2010; AC n.º 2009.71.99.001581-2/RS, 6ª Turma, Rel. Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, j. em 12-05-2010, DE em 21-05-2010; AC n.º 2009.71.99.004841-6/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, j. em 10-12-2009, DE em 11-01-2010, e AC n.º 2006.70.16.002301-8/PR, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, j. em 30-09-2009, DE em 15-10-2009, dentre outros.
Quanto à demonstração da prática campesina, deduz-se do artigo 106 que os elementos elencados nos seus incisos I e III, uma vez em nome do interessado e alusivos ao período que se deseja comprovar, sempre lembrando que é admitida a descontinuidade do labor, constituem prova plena do aludido trabalho. Ausentes tais premissas, bem assim tendo sido juntados os demais documentos mencionados naquele dispositivo, cujo rol não é taxativo, poderá configurar-se um início de prova material, na medida em que se reportarem à parte do referido lapso temporal, ainda que estejam em nome de terceiros, vinculados de alguma forma à parte autora, hipótese esta em que a ouvida de testemunhas será indispensável à ampliação da eficácia probatória, em atenção à exegese que promana da súmula 149 do STJ. Ademais, para o trabalhador rural é desnecessário o recolhimento de contribuições (artigo 55, §2º, da Lei 8.213/91), valendo, para efeito de carência, o tempo de serviço efetivamente exercido no meio campesino.
Para comprovação do requisito de segurado especial como trabalhador rural em economia familiar, foram acostados aos autos os seguintes documentos (evento 1 OUT6, evento 22 OUT2): a) Notas fiscais de produtos rurais dando conta da venda, pelo autor, de safras de milho em grãos, de soja em grãos, emitidas em 26-8-2005, 20-6-2006, 31-7-2007, 18-11-2008, 7-5-2009, 14-9-2010, 29-7-2011, 7-7-2009, 30-3-2010, 17-8-2011, 14-3-2012, 9-3-2012 e b) certidão do Registro de Imóveis, certificando que o autor e sua mulher são proprietários de lote de terras, com área de 5,00 alqueires paulistas e de lote de terras, com área de 14,00 alqueires paulistas, no Município de Marialva.
Considerando os documentos acostados e a prova testemunhal, assim como o depoimento pessoal do autor, da mesma forma em que é possível reconhecer um início de prova material a qualificá-lo como segurado especial, também resta evidenciado que o autor é médio produtor rural e explora razoável áreas de terras com utilização de intensa mecanização. A este respeito, transcrevo excerto do julgado monocrático que bem explanou a questão (evento 176):
"(...) Está comprovado que o autor é médio produtor rural e explora razoável áreas de terras com utilização de intensa mecanização.
A juntada das três últimas declarações do imposto de renda comprova que mantém a propriedade de cerca de 19 alqueires e mais 50% de um lote com 56,9 hectares (lotes 51,52,54,54-C,55,55.A,56,25 ).
Além disso, possui vasto patrimônio em implementos agrícolas e todo o arsenal para mecanização de suas terras, incluindo o registro de aquisição de valioso trator.
A evolução do seu patrimônio é constante porque mantinha em 2011 cerca de R$110.000,00 em dineiro, que evoluiu para R$ 150.000,00 no ano seguinte e somente aumentou nos anos que se seguiram, incluindo a diversificação de outras aplicações.
Possuía dois veículos e mais recentemente adquiriu uma valiosa camioneta S-10 cabine dupla ano 2014, avaliada em cerca de R$ 70.000,00 a R$ 80.000,00.
O que se disse no movimento 124.1 é ainda insignificante diante do contexto retratado pelas declarações do imposto de renda, haja vista que, como explora (somente o que está comprovado porque não se pode descartar que explore áreas arrendadas ) no mínimo 26 alqueires de terras, se 2/3 fossem mecanizados alcançaria uma produção média de soja em torno de 1980 ( média entre 100/110 sacas por alqueire ) sacas de soja numa safra que, ao preço médio de R$ 68,00, renderiam perto de R$ 134.000,00 brutos e possivelmente em torno de R$ 80.000,00 líquidos ( levando em conta um percentual líquido em torno de 60% ) numa única safra, sem se considerar a safra de inverno.
Certamente é por isso que o autor se dá ao luxo de manter grande quantidade de dinheiro aplicado ou em "caixa", o que não é privilégio de nenhum trabalhador rural em regime de economia família e aquele cujo legislador procurou beneficiar, sem se contar o valor do patrimônio que possui, tendo em vista que, situando-se suas terras na mais promissora e próspera região de Maringá, cujo valor mínimo médio do alqueire está em torno de R$ 150.000,00, o patrimônio imobiliário equivaleria a mais ou menos R$ 5.000.000,00.
Enfim, esse quadro foge totalmente à proteção legal dispensada ao trabalhador rural e que fica dispensado de recolher as contribuições previdenciárias, sendo impensável assim enquadrar-se quem tem renda anual bruta aproximada de R$ 200.000,00 ( contando com a safra de inverso, ainda assim numa projeção bastante
baixa ).
Diante desse quadro, seria até mesmo dispensável qualquer análise da prova oral.
Da versão do autor, há que se destacar ser oriundo de família de grandes produtores rurais porque a família já chegou a explorar cerca de 50 alqueires de algodão, a falaciosa versão que seus maquinários são avaliados em R$ 30.000,00, a supressão de razoável área de terras exploradas e que a esposa supostamente se aposentou por idade indevidamente, onerando o Estado e prejudicando um sem-número de outros trabalhadores que verdadeiramente deveriam ser beneficiar dessas vantagens e elevando cada vez mais o déficit previdenciário.(...)"
Com efeito, além da existência de áreas mecanizadas e das culturas de soja e milho em grandes áreas, as propriedades do autor ultrapassam o limite imposto pela LGPS de 4 (quatro) módulos fiscais:
Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
(...)
VII - como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:
1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;
(...)
c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.
(...)
§ 1o Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.
(...)
§ 6o Para serem considerados segurados especiais, o cônjuge ou companheiro e os filhos maiores de 16 (dezesseis) anos ou os a estes equiparados deverão ter participação ativa nas atividades rurais do grupo familiar.
(...)
Diante da análise acima, tenho que, na hipótese em comento, não restou comprovado o exercício de atividade rural em economia familiar pelo autor, conforme o artigo 11 da Lei nº 8.213/91, notadamente em razão dele ser proprietário de módulos fiscais a mais que o permitido para sua caracterização, sendo descabido o reconhecimento da sua condição de segurado especial na forma como pleiteado na inicial.
Assim, mantenho a improcedência da ação.
CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Confirmada a sentença no mérito, majoro a verba honorária, elevando-a de R$ 2.000,00 (dois mil reais) para R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais)o, considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º e o § 11, ambos do artigo 85 do CPC, suspensa a exigibilidade por estar ao abrigo da AJG.
PREQUESTIONAMENTO
Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.
Por fim, alega o autor que não há falar em crime de falso testemunho, pois todas as testemunhas relataram com fidedignidade a sua vida e história no meio rural. Tem razão o ora recorrente, pois verifica-se, dos testemunhos prestados, que as informações fornecidas são normais aos processos de mesma natureza. Equívocos em relação a tamanho de áreas, ano de maquinários, produção, por si só, não se prestam a caracterizar indícios de falsidade de testemunho. Limitaram-se a informar o tempo que conheciam o autor, a sua família, o tamanho do imóvel, as atividades desempenhadas pelos integrantes da família, as culturas exploradas. Portanto, não há razão para que seja extraída cópia do processo para encaminhamento à polícia federal para fins de instauração de inquérito policial, como determinado pelo Juízo a quo.
CONCLUSÃO
Apelação da parte autora: restabelecido o benefício de AJG e improvida, nos termos da fundamentação.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator
Documento eletrônico assinado por Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9401106v14 e, se solicitado, do código CRC F4B66D1. | |
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 20/06/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5004861-72.2017.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00042898720128160113
RELATOR | : | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA |
PRESIDENTE | : | Luiz Fernando Wowk Penteado |
PROCURADOR | : | Dr. Alexandre Amaral Gavronski |
APELANTE | : | ANTONIO LEONARDO PAVEZI |
ADVOGADO | : | ROGERIO REAL |
: | GRACIELA MENDANHA SOBRINHO | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 20/06/2018, na seqüência 478, disponibilizada no DE de 06/06/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA |
: | Juiz Federal OSCAR VALENTE CARDOSO | |
: | Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO |
Suzana Roessing
Secretária de Turma
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