Apelação Cível Nº 5001819-09.2018.4.04.7015/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: VANDERLEI CARLOS PESSIM (AUTOR)
RELATÓRIO
A parte autora propôs ação em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) pretendendo a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, desde a Data de Entrada do Requerimento - DER, mediante o reconhecimento da especialidade das atividades laborais nos períodos de 01/07/1986 a 31/12/1990 e de 04/02/1991 a 22/08/1996, bem como mediante averbação do período rural de 16/05/1982 a 30/06/1986.
Processado o feito, sobreveio sentença, publicada em 28/01/2020, cujo dispositivo tem o seguinte teor (ev. 64):
DISPOSITIVO
Ante o exposto, julgo PROCEDENTES os pedidos deduzidos na petição inicial, nos termos do art. 487, I, do CPC, a fim de condenar o INSS a:
I) AVERBAR o período de labor rural de 16/05/1982 a 30/06/1986 para fins previdenciários, exceto para efeito de carência, nos termos do artigo 55, § 2º, da Lei nº 8.213/91, além de não ensejar contagem recíproca em regime previdenciário diverso do geral, caso não recolhidas as contribuições respectivas (art. 201, §9°, da CF/88);
II) AVERBAR os períodos de 01/07/1986 a 31/12/1990 e de 04/02/1991 a 22/08/1996 como tempo especial e convertê-los em tempo de serviço comum, mediante aplicação do fator 1,4;
III) CONCEDER à parte autora o benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição, na forma integral, com data de início do benefício (DIB) em 24/02/2017 (DER), nos termos da fundamentação;
IV) PAGAR à parte autora os valores atrasados desde a DER, desconsideradas eventuais parcelas atingidas pelo quinquênio prescricional. Sobre as parcelas vencidas incidirão correção monetária e juros moratórios, apurados conforme os parâmetros de atualização fixados no capítulo de Liquidação da Sentença.
Mantenho os benefícios da assistência judiciária gratuita à parte autora, nos termos do artigo 98 e seguintes do Código de Processo Civil.
Tendo em vista a sucumbência do INSS, deverá este ser condenado ao pagamento de honorários advocatícios.
Tratando-se de sentença ilíquida, fixo o percentual dos honorários advocatícios, desde já, no mínimo de 10%, ou 8%, ou 5%, ou 3% ou 1%, sobre o valor da condenação, a ser definida na fase de liquidação do julgado, consoante o art. 85, §§ 2º, 3º, 4º, II e 5º, do CPC, excluídas as parcelas que se vencerem após a publicação desta sentença (Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça).
O INSS está isento de custas quando demandado na Justiça Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96).
Havendo interposição de recurso, intime-se a parte contrária para contrarrazões no prazo legal. Em seguida, remetam-se os autos ao E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região (art. 1010 do Código de Processo Civil).
Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Oportunamente, arquivem-se.
O INSS apelou, impugnando o reconhecimento da especialidade no período de 01/07/1986 a 31/12/1990, alegando ser inadequado o enquadramento em categoria profissional rural, pois o trabalho foi exercido para pessoa física e não há prova de que era realizado no âmbito de agropecuária (ev. 64).
Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
Peço dia para julgamento.
VOTO
Prescrição Quinquenal
Em se tratando de obrigação de trato sucessivo e de caráter alimentar, não há falar em prescrição do fundo de direito.
Contudo, são atingidas pela prescrição as parcelas vencidas antes do quinquênio que precede o ajuizamento da ação, conforme os termos da Lei nº 8.213/91 e da Súmula 85/STJ.
Atividade Especial
Com relação ao reconhecimento das atividades exercidas como especiais, cumpre ressaltar que o tempo de serviço é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
Tal entendimento foi manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recurso repetitivo já transitado em julgado, que estabeleceu também a possibilidade de conversão de tempo de serviço especial em comum, mesmo após 1998 (REsp 1151363/MG, STJ, 3ª Seção, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 05.04.2011).
Tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, faz-se necessário inicialmente definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema sub judice:
a) no período de trabalho até 28.4.1995, quando vigente a Lei n° 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei nº 8.213/91 (Lei de Benefícios) em sua redação original (artigos 57 e 58), é possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial, ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor/frio, casos em que sempre será necessária a mensuração dos níveis por meio de perícia técnica, carreada aos autos ou noticiada em formulário emitido pela empresa, a fim de se verificar a nocividade ou não desses agentes). Para o enquadramento das categorias profissionais, devem ser considerados os Decretos nº 53.831/64 (Quadro Anexo - 2ª parte), nº 72.771/73 (Quadro II do Anexo) e nº 83.080/79 (Anexo II);
b) de 29.4.1995 e até 5.3.1997 foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional, de modo que, no interregno compreendido entre esta data e 5.3.1997 (período em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei nº 9.032/95 no artigo 57 da Lei de Benefícios), é necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico (com a ressalva dos agentes nocivos ruído e calor/frio, cuja comprovação depende de perícia, como já referido). Para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos nº 53.831/64 (Quadro Anexo - 1ª parte), nº 72.771/73 (Quadro I do Anexo) e nº 83.080/79 (Anexo I);
c) a partir de 6.3.1997, quando vigente o Decreto nº 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da Lei de Benefícios pela Medida Provisória nº 1.523/96 (convertida na Lei nº 9.528/97), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica. Para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerado os Decretos nº 2.172/97 (Anexo IV) e nº 3.048/99.
d) a partir de 1.1.2004, o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) passou a ser documento indispensável para a análise do período cuja especialidade for postulada (artigo 148 da Instrução Normativa nº 99 do INSS, publicada no DOU de 10-12-2003). Tal documento substituiu os antigos formulários (SB-40, DSS-8030, ou DIRBEN-8030) e, desde que devidamente preenchido, inclusive com a indicação dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais e pela monitoração biológica, exime a parte da apresentação do laudo técnico em juízo.
Intermitência
A habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física (referidas no artigo 57, § 3º, da Lei n° 8.213/91) não pressupõem a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho. Tal exposição deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho, e não de ocorrência eventual ou ocasional. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho e, em muitas delas, a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível (EINF n.º 0003929-54.2008.404.7003, TRF/4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Rogério Favreto, D.E. 24.10.2011; EINF n.º 2007.71.00.046688-7, TRF/4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. 7.11.2011).
Ademais, conforme o tipo de atividade, a exposição ao respectivo agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade, não sendo razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (EINF n° 2005.72.10.000389-1, TRF/4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. 18.5.2011; EINF n° 2008.71.99.002246-0, TRF/4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 8.1.2010).
Equipamentos de Proteção Individual - EPI
A Medida Provisória n° 1.729/98 (posteriormente convertida na Lei 9.732/1998) alterou o § 2º do artigo 58 da Lei 8.213/1991, determinando que o laudo técnico contenha i) informação sobre a existência de tecnologia de proteção individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância, e ii) recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo. Por esse motivo, em relação à atividade exercida no período anterior a 03.12.1998 (data da publicação da referida Medida Provisória), a utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador. O próprio INSS já adotou esse entendimento na Instrução Normativa n° 45/2010 (artigo 238, § 6º).
Em período posterior a 03.12.1998, foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal a existência de repercussão geral quanto ao tema (Tema 555). No julgamento do ARE 664.335 (Tribunal Pleno, Rel Min. Luiz Fux, DJe 12.2.2015), a Corte Suprema fixou duas teses: 1) o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial; 2) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. Ou seja: nos casos de exposição habitual e permanente a ruído acima dos limites de tolerância sempre caracteriza a atividade como especial, independentemente da utilização ou não de EPI, ou de menção em laudo pericial à neutralização de seus efeitos nocivos, uma vez que os equipamentos eventualmente utilizados não detêm a progressão das lesões auditivas decorrentes; em relação aos demais agentes, a desconfiguração da natureza especial da atividade em decorrência da utilização de EPI's é admissível, desde que estejam demonstradas no caso concreto a existência de controle e periodicidade do fornecimento dos equipamentos, a sua real eficácia na neutralização da insalubridade e, ainda, que o respectivo uso era, de fato, obrigatório e continuamente fiscalizado pelo empregador.
A matéria foi objeto de exame por esta Corte no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 5054341-77.2016.4.04.0000/SC (IRDR Tema 15), tratando da eficácia dos EPI's na neutralização dos agentes nocivos. O acórdão foi assim ementado:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. EPI. NEUTRALIZAÇÃO DOS AGENTES NOCIVOS. PROVA. PPP. PERÍCIA. 1. O fato de serem preenchidos os específicos campos do PPP com a resposta 'S' (sim) não é, por si só, condição suficiente para se reputar que houve uso de EPI eficaz e afastar a aposentadoria especial. 2. Deve ser propiciado ao segurado a possibilidade de discutir o afastamento da especialidade por conta do uso do EPI, como garantia do direito constitucional à participação do contraditório. 3. Quando o LTCAT e o PPP informam não ser eficaz o EPI, não há mais discussão, isso é, há a especialidade do período de atividade. 4. No entanto, quando a situação é inversa, ou seja, a empresa informa no PPP a existência de EPI e sua eficácia, deve se possibilitar que tanto a empresa quanto o segurado, possam questionar - no movimento probatório processual - a prova técnica da eficácia do EPI. 5. O segurado pode realizar o questionamento probatório para afastar a especialidade da eficácia do EPI de diferentes formas: A primeira (e mais difícil via) é a juntada de uma perícia (laudo) particular que demonstre a falta de prova técnica da eficácia do EPI - estudo técnico-científico considerado razoável acerca da existência de dúvida científica sobre a comprovação empírica da proteção material do equipamento de segurança. Outra possibilidade é a juntada de uma prova judicial emprestada, por exemplo, de processo trabalhista onde tal ponto foi questionado. 5. Entende-se que essas duas primeiras vias sejam difíceis para o segurado, pois sobre ele está todo o ônus de apresentar um estudo técnico razoável que aponte a dúvida científica sobre a comprovação empírica da eficácia do EPI. 6. Uma terceira possibilidade será a prova judicial solicitada pelo segurado (após analisar o LTCAT e o PPP apresentados pela empresa ou INSS) e determinada pelo juiz com o objetivo de requisitar elementos probatórios à empresa que comprovem a eficácia do EPI e a efetiva entrega ao segurado. 7. O juízo, se entender necessário, poderá determinar a realização de perícia judicial, a fim de demonstrar a existência de estudo técnico prévio ou contemporâneo encomendado pela empresa ou pelo INSS acerca da inexistência razoável de dúvida científica sobre a eficácia do EPI. Também poderá se socorrer de eventuais perícias existentes nas bases de dados da Justiça Federal e Justiça do Trabalho. 8. Não se pode olvidar que determinada situações fáticas, nos termos do voto, dispensam a realização de perícia, porque presumida a ineficácia dos EPI´s. (TRF4, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (Seção) 5054341-77.2016.404.0000, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Jorge Antonio Maurique,11.12.2017)
Como se vê, foi confirmado o entendimento acerca da necessidade de prova da neutralização da nocividade dos agentes agressivos, sendo relacionados ainda outras hipóteses em que a utilização de EPI não descaracteriza o labor especial (além do ruído, já afastado pela decisão do STF), consoante o seguinte trecho do voto condutor:
Cumpre ainda observar que existem situações que dispensam a produção da eficácia da prova do EPI, pois mesmo que o PPP indique a adoção de EPI eficaz, essa informação deverá ser desconsiderada e o tempo considerado como especial (independentemente da produção da prova da falta de eficácia) nas seguintes hipóteses:
a) Períodos anteriores a 3 de dezembro de 1998:
Pela ausência de exigência de controle de fornecimento e uso de EPI em período anterior a essa data, conforme se observa da IN INSS 77/2015 -Art. 279, § 6º:
'§ 6º Somente será considerada a adoção de Equipamento de Proteção Individual - EPI em demonstrações ambientais emitidas a partir de 3 de dezembro de 1998, data da publicação da MP nº 1.729, de 2 de dezembro de 1998, convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998, e desde que comprovadamente elimine ou neutralize a nocividade e seja respeitado o disposto na NR-06 do MTE, havendo ainda necessidade de que seja assegurada e devidamente registrada pela empresa, no PPP, a observância: (...)'
b) Pela reconhecida ineficácia do EPI:
b.1) Enquadramento por categoria profissional: devido a presunção da nocividade (ex. TRF/4 5004577-85.2014.4.04.7116/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira, em 13/09/2017)
b.2) Ruído: Repercussão Geral 555 (ARE 664335 / SC)
b.3) Agentes Biológicos: Item 3.1.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017.
b.4) Agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos: Memorando-Circular Conjunto n° 2/DIRSAT/DIRBEN/INSS/2015:
Exemplos: Asbesto (amianto): Item 1.9.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017; Benzeno: Item 1.9.3 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017.
b.5) Periculosidade: Tratando-se de periculosidade, tal qual a eletricidade e vigilante, não se cogita de afastamento da especialidade pelo uso de EPI. (ex. APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5004281-23.2014.4.04.7000/PR, Rel. Ézio Teixeira, 19/04/2017)
Em suma, de acordo com a tese fixada por esta Corte no IRDR 15:
- quando o LTCAT e o PPP informam não ser eficaz o EPI, há a especialidade do período de atividade;
- quando a empresa informa no PPP a existência de EPI e sua eficácia, há possibilidade de questionar - no movimento probatório processual - a prova técnica da eficácia do EPI;
- a utilização de EPI não afasta a especialidade do labor: i) em períodos anteriores a 3.12.1998; ii) quando há enquadramento legal pela categoria profissional; iii) em relação aos agentes nocivos: ruído, biológicos, cancerígenos (como asbestos e benzeno) e periculosos (como eletricidade).
Outrossim, nos demais casos, mesmo que o PPP consigne a eficácia do EPI, restou garantida ao segurado a possibilidade de discutir a matéria e produzir provas no sentido de demonstrar a ineficácia do EPI e a permanência da especialidade do labor.
Por fim, entendo que os riscos à saúde ou exposição a perigo não podem ser gerados pelo próprio trabalhador, ou que se tenha na conduta do trabalhador o fator fundamental de agravamento de tais riscos. Ou seja, podendo tomar conduta que preserve a incolumidade física, opta por praticar conduta que acentue os riscos, concorrendo de forma acentuada na precariedade das condições de trabalho. Esse entendimento aplica-se principalmente nos casos de profissionais autônomos que negligenciam com seus ambientes de trabalho, não curando com seus próprios interesses, e com isso, posteriormente, imputam ao Estado os ônus de tal negligência.
Atividade rural. Hipóteses de enquadramento.
O trabalho rural, na condição de segurado especial, "boia-fria", ou empregado junto a empregador pessoa física, não é reconhecido como especial em decorrência de enquadramento em categoria profissional.
O reconhecimento do trabalho especial não tem relação apenas com a atividade (rural ou não), mas com as condições do seu exercício à vista do enquadramento legal na época, bem assim com a natureza do vínculo do segurado com a Previdência Social. Destarte, não se considera especial (insalubre) a atividade rural exercida sob vínculo de segurado especial em regime de economia familiar, nem aquela exercida na condição de trabalhador rural, empregado ou informal, em fazenda de titularidade de pessoa física.
Com efeito, somente o trabalhador rural empregado em empresas agroindustriais ou agrocomerciais possui direito ao eventual reconhecimento do tempo de serviço especial previsto no código 2.2.1 do Quadro Anexo ao Decreto nº 53.831/1964 (trabalhador na agropecuária), para fins de concessão de aposentadoria especial ou conversão do tempo de serviço, visto que somente este tipo de empregado vinculava-se ao então Regime de Previdência Urbana, nos termos dos artigos 4º e 6º da CLPS/84 (Decreto nº 89.312/1984):
Art. 4º A previdência social urbana não abrange:
(...)
II - o trabalhador e o empregador rurais.
(...)
Art. 6º É obrigatoriamente segurado, ressalvado o disposto no artigo 4º:
I - como empregado:
a) quem trabalha nessa condição no território nacional, inclusive o doméstico;
(...)
§ 4º É segurado da previdência social urbana o empregado de empresa agroindustrial ou agrocomercial que, embora prestando exclusivamente serviço de natureza rural, vem contribuindo para esse regime pelo menos desde 25 de maio de 1971.
Nesse sentido, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. ATIVIDADE RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. ATIVIDADE ESPECIAL. RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 1. O Decreto n.º 53.831/64, em seu item 2.2.1, define como insalubre apenas os serviços e atividades profissionais desenvolvidos na agropecuária, não se enquadrando como tal o labor desempenhado na lavoura em regime de economia familiar. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg nos EDcl no AREsp 8.138/RS, Rel. Min. OG FERNANDES, 6ª T., DJe 09/11/2011)
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TEMPO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. COMPROVAÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. (...) 2. Em respeito ao entendimento já consolidado no âmbito do STJ de que deve ser aplicada a lei vigente à época do desempenho da atividade para enquadramento da atividade especial, somente o trabalhador rural vinculado à empresa agroindustrial ou agrocomercial possui direito ao eventual reconhecimento do tempo de serviço especial previsto no Decreto 3.831/1964 (trabalhador na agropecuária) para fins de concessão de aposentadoria especial. Afinal, somente este tipo de empregado vinculava-se ao então Regime de Previdência Urbana, nos termos do artigo 6º, da CLPS/84. (...) (TRF4, APELREEX 0000245-76.2016.4.04.9999, 6ª T., Rel. Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene, D.E. 24.05.2017)
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS. 1. Comprovada a atividade profissional do segurado, na condição de trabalhador rural empregado em empresa de agropecuária, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade da atividade laboral por ele exercida. 2. No caso dos autos, a parte autora tem direito à aposentadoria por tempo de contribuição, porquanto implementados os requisitos para sua concessão. (TRF4, AC 0019692-21.2014.4.04.9999, 6ª T., Rel. Des. Federal Vânia Hack de Almeida, D.E. 28.09.2015)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. REEXAME NECESSÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. RECONHECIMENTO DO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE ESPECIAL. SEGURADO ESPECIAL. ENQUADRAMENTO POR CATEGORIA PROFISSIONAL. IMPOSSIBILIDADE. (...) 7. A atividade de empregado rural como trabalhador na agropecuária exercida até 28-04-1995 é reconhecida como especial em decorrência do enquadramento por categoria profissional. 8. Contudo, tal enquadramento pressupõe o trabalho nesta atividade profissional como empregado, e não como segurado especial, cujo exercício da atividade agrícola, além de se dar de forma diversa, não impõe ao segurado o recolhimento de contribuições previdenciárias, restando vedado o reconhecimento da especialidade da atividade laboral por ele exercida. Precedentes deste Regional. (...) (TRF4, AC 0012929-04.2014.4.04.9999, 5ª T., Rel. Des. Federal Roger Raupp Rios, D.E. 13.12.2016).
Caso concreto
Fixadas estas premissas, prossegue-se com o exame dos períodos questionados.
No caso dos autos, a controvérsia diz respeito à especialidade - ou não - dos períodos de 01/07/1986 a 31/12/1990.
A sentença examinou as provas e decidiu a questão nos seguintes termos:
a) Afonso Fedrigo e Pedro Fedrigo - 01/07/1986 a 31/12/1990
Para o período em análise, foi apresentada CTPS do autor, na qual consta que exerceu a função de "trabalhador rural p/ serviços gerias" (evento 28, PROCADM2, p. 15).
O formulário PPP juntado aos autos traz as seguintes informações (evento 28, PROCADM1, págs. 40/41):
Por seu turno, o laudo técnico juntado aos autos também indica a inexistência de agentes nocivos/fatores de risco aptos a caracterizarem a especialidade das atividades desempenhadas na função de "trabalhador rural", setor de "postura" (evento 28, PROCADM1, págs. 47/48).
Entretanto, entendo que a ocupação do autor é passível de enquadramento em razão da atividade desempenhada.
Com efeito, o Decreto 53.831/94, ao dispor sobre as atividades insalubres, perigosas ou penosas que dão ensejo à aposentadoria especial, elenca as ocupações que, por presunção legal, são consideradas especiais. Estabelece o quadro A do referido Decreto, no item das Ocupações:
2.2.0 | AGRÍCOLAS, FLORESTAIS, AQUÁTICAS | ||||
2.2.1 | AGRICULTURA | Trabalhadores na agropecuária. | Insalubre | 25 anos | Jornada normal. |
2.2.2 | CAÇA | Trabalhadores florestais, caçadores. | Perigoso | 25 anos | Jornada normal. |
2.2.3 | PESCA | Pescadores | Perigoso | 25 anos | Jornada normal. |
Logo, dentre as ocupações agrícolas, florestais e aquáticas, as últimas são consideradas perigosas, ao passo que a primeira é presumidamente insalubre. Da mesma forma, o mesmo quadro informa que outras atividades são insalubres por presunção, como por exemplo, médicos, dentistas e enfermeiros (item 2.1.3).
Acerca da caracterização do trabalhador agropecuário para fins de enquadramento no item 2.2.1, a jurisprudência tem se inclinado para o reconhecimento do labor na pecuária (na lida com animais) e sua eventual combinação com o trabalho agrícola (culturas diversas), não admitindo o reconhecimento sob essa rubrica do trabalho exclusivo na lavoura, que exigiria a efetiva comprovação da exposição aos agentes nocivos.
Sobre o tema, transcrevo os seguintes julgados:
“PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. AGRICULTOR. INEXISTÊNCIA DE ENQUADRAMENTO LEGAL. CÓDIGO 2.2.1 DO DECRETO N. 53.831/64. PRECEDENTES DO STJ.
1. Nos termos do Código 2.2.1 do Decreto n. 53.831/64, é considerada insalubre o exercício da atividade agropecuária, que pressupõe tanto o exercício da atividade agrícola como a pecuária. Sendo assim, o exercício somente da atividade agrícola (ou somente da atividade pecuária) não preenche o requisito exigido pela legislação previdenciária. 2. Neste diapasão é a jurisprudência das Turmas que compõem a Terceira Seção do STJ: “O Decreto nº 53.831/64, no seu item 2.2.1, considera como insalubre somente os serviços e atividades profissionais desempenhados na agropecuária, não se enquadrando como tal a atividade laboral exercida apenas na lavoura. (REsp 291404/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Tuma, j. em 26-5-2004, DJ 2-8-2004)” e “PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. CONVERSÃO EM COMUM. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE NA LAVOURA. ENQUADRAMENTO COMO SERVIÇO PRESTADO EM CONDIÇÕES INSALUBRES. IMPOSSIBILIDADE. 1. O Decreto nº 53.831/1964, que traz o conceito de atividade agropecuária, não contemplou o exercício de serviço rural na lavoura como insalubre. 2. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1208587/RS, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, j. em 27-9-2011, DJe 13-10-2011)”. No mesmo sentido: AgRg no REsp 909036, Rel. Min. Paulo Gallotti, j. 16-10-2007, DJ em 12-11-2007 e AgRg no REsp 1137303, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 9-8-2011, DJe em 24-8-2011. 3. Para caracterização da atividade especial de agricultor deve-se comprovar a efetiva exposição a agente nocivo, conforme se extrai da conclusão do voto do Min. Hamilton Carvalhido no já citado REsp. 291.404: “Desse modo, considerando-se a legislação vigente à época em que o serviço foi prestado, tem-se que, salvo laudo pericial dispondo em sentido contrário, somente os trabalhos exercidos na agropecuária podem ser enquadrados como atividade especial, sendo forçoso, assim, reconhecer que, diversamente do alegado pelo recorrente, inexiste a alegada violação do artigo 57, parágrafo 5º, da Lei nº 8.213/91 e do item 2.2.1 do Decreto nº 53.831/64”. 4. Incidente conhecido e parcialmente provido para determinar o retorno dos autos ao Juizado de origem a fim de que novo julgamento seja realizado com observância da premissa jurídica acima fixada” - negritado
(PEDILEF 200871580019758, JUIZ FEDERAL ANTÔNIO FERNANDO SCHENKEL DO AMARAL E SILVA, TNU, DOU 15/06/2012.)
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. SÚMULA 83/STJ. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO COM BASE NA ALÍNEA A DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. INCIDÊNCIA. TRABALHO RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. ENQUADRAMENTO COMO ATIVIDADE ESPECIAL. INVIABILIDADE (SÚMULA 83/STJ). REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE (SÚMULA 7/STJ).
1. A Súmula 83/STJ também é aplicável aos casos em que o recurso especial é interposto com base na alínea a do permissivo constitucional.
2. Conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça, no conceito de "atividade agropecuária" previsto pelo Decreto n. 53.831/1964 não se enquadra a atividade laboral exercida apenas na lavoura.
3. O exame das questões trazidas no recurso demandaria o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, o que é vedado, em âmbito especial, pela Súmula 7/STJ.
4. Agravo regimental improvido” – negritado.
(AgRg no REsp 1137303/RS, Rel. Ministro SEBASTIAO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 9/8/2011, DJe 24/8/2011).
“RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO AUTÁRQUICO. CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO EM CONDIÇÕES INSALUBRES EM COMUM. AUSÊNCIA DE ENQUADRAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A intempestividade do recurso determina que se lhe negue conhecimento. 2. O direito à contagem, conversão e averbação de tempo de serviço é de natureza subjetiva, enquanto relativo à realização de fato continuado, constitutivo de requisito à aquisição de direito subjetivo outro, estatutário ou previdenciário, não havendo razão legal ou doutrinária para identificar-lhe a norma legal de regência com aquela que esteja a viger somente ao tempo da produção do direito à aposentadoria, de que é instrumental. 3. O tempo de serviço é regido pela norma vigente ao tempo da sua prestação, conseqüencializando-se que, em respeito ao direito adquirido, prestado o serviço em condições adversas, por força das quais atribuía a lei vigente forma de contagem diversa da comum e mais vantajosa, esta é que há de disciplinar a contagem desse tempo de serviço. 4. Sob a égide do regime anterior ao da Lei nº 8.213/91, a cada dia trabalhado em atividades enquadradas como especiais (Decretos nº 53.831/64, 72.771/73 e 83.080/79), realizava-se o suporte fático da norma que autorizava a contagem desse tempo de serviço de forma diferenciada, de modo que o tempo de serviço convertido restou imediatamente incorporado ao patrimônio jurídico do segurado, tal como previsto na lei de regência. 5. O Decreto nº 53.831/64, no seu item 2.2.1, considera como insalubre somente os serviços e atividades profissionais desempenhados na agropecuária, não se enquadrando como tal a atividade laboral exercida apenas na lavoura. 6. Recurso especial da autarquia previdenciária não conhecido. Recurso especial do segurado improvido” – negritado.
(RESP 200001287150, HAMILTON CARVALHIDO, STJ - SEXTA TURMA, DJ DATA:02/08/2004 PG:00576 ..DTPB:.)
Ocorre que o reconhecimento da atividade em situação especial é uma forma de proteção aos segurados que, tendo em vista as peculiaridades da prestação de seu trabalho, estão sujeitos a fatores que prejudicam saúde ou mesmo a integridade física.
Logo, as hipóteses de reconhecimento deste trabalho em condições especiais devem ser interpretadas restritivamente, sob pena de, não o fazendo, generalizar-se aquilo que, por definição, é excepcional.
Estabelece o art. 57 da LBPS:
“Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei”.
Logo, conclui-se que a atividade agropecuária, assim como a de médico, dentista e enfermeiro citados anteriormente, são insalubres por presunção de exposição a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância, que prejudiquem a saúde ou a integridade física do trabalhador.
E ao tratar dos agentes biológicos nocivos, o Decreto 53.831/64 assim dispõe:
1.3.0 | BIOLÓGICOS | ||||
1.3.1 | CARBÚNCULO, BRUCELA MORNO E TÉTANO
Operações industriais com animais ou produtos oriundos de animais infectados. | Trabalhos permanentes expostos ao contato direto com germes infecciosos - Assistência Veterinária, serviços em matadouros, cavalariças e outros. | Insalubre | 25 anos | Jornada normal. Art. 187 CLT. Portaria Ministerial 262, de 6-8-62. |
1.3.2 | GERMES INFECCIOSOS OU PARASITÁRIOS HUMANOS - ANIMAIS
Serviços de Assistência Médica, Odontológica e Hospitalar em que haja contato obrigatório com organismos doentes ou com materiais infecto-contagiantes. | Trabalhos permanentes expostos ao contato com doentes ou materiais infecto-contagiantes - assistência médico, odontológica, hospitalar e outras atividades afins. | Insalubre | 25 anos | Jornada normal ou especial fixada em Lei. Lei nº 3.999, de 15-12-61. Art. 187 CLT. Portaria Ministerial 262, de 6-8-62. |
Vale dizer, a presunção de insalubridade emprestada ao trabalhador rural se refere ao trabalho agropecuário (ou simplesmente “pecuário”), uma vez que dispensa, pelo exercício da atividade, a comprovação da exposição aos agentes nocivos descritos no item 1.3.1, da mesma forma que o médico, o dentista e o enfermeiro (que também são enquadrados pela atividade) são dispensados de comprovar a efetiva exposição aos agentes nocivos delineados no item 1.3.2.
Não se nega que o lavrador (ou agricultor) também possa estar esteja sujeito a agentes nocivos, especialmente químicos, ao lidar com adubos, herbicidas e defensivos agrícolas em geral, mas tal exposição ocorre em momentos específicos da preparação do solo e no cultivo, carecendo de habitualidade ordinária.
Lembro ainda que o Decreto 53.831/64 informa que o trabalho em que ocorre a exposição deve ser permanente, em que pese não seja exigível a permanência da exposição aos agentes nocivos. Nessa toada, anoto que não é da essência do trabalho na lavoura o contato com agentes químicos, motivo pelo qual falta mesmo a habitualidade na exposição. Já a lida com animais é inerente ao trabalho na pecuária, sendo, pois, ao menos habitual o contato do trabalhador com os agentes biológicos nocivos descritos no item 1.3.1.
Por fim, anoto que a diversificação de atividades é algo bastante presente no meio rural, sendo comum a conjugação da criação de rebanhos com a exploração de culturas (por vezes cana-de-açúcar e milho, que servem de alimento aos animais), não se mostrando razoável, pois, exigir-se a exclusividade no trabalho com animais para caracterização do trabalho em condição especial.
Nesse contexto, concluo que, para caracterização da atividade especial pela ocupação descrita no item 2.2.1 do Decreto 53.831/64, deverá o segurado demonstrar que, em sua atividade, prevalece o trabalho agropecuário (que determina contato direto como animais infectados ou não, sangue, fezes etc), remanescendo ao agricultor a comprovação da atividade especial pela exposição aos agentes nocivos, conforme sua classificação (químicos, físicos ou biológicos).
No presente caso, conforme demonstrado pelos documentos anexados, o autor exercia a atividade de trabalhador rural com manejo de aves, o que se presta a caracterizar a especialidade da atividade, no período em análise - 01/07/1986 a 31/12/1990, consoante fundamentação acima.
O INSS apelou, impugnando o reconhecimento da especialidade no período de 01/07/1986 a 31/12/1990, alegando ser inadequado o enquadramento em categoria profissional rural, pois o trabalho foi exercido para pessoa física e não há prova de que era realizado no âmbito de agropecuária.
De fato, o trabalho foi realizado para pessoa física, como se nota da CTPS (ev. 1, CTPS9, p. 2, folha 12 da carteira, realcei):
Assim, a despeito de se tratar, ou não, de trabalho com agropecuária, fato é que o labor rural exercido para pessoa física não admite enquadraemento por categoria profissional, como já referido em tópico precedente desta fundamentação.
Logo, dou provimento ao apelo do INSS, a fim de remover do cômputo do tempo de atividade especial o período de 01/07/1986 a 31/12/1990.
Aposentadoria por tempo de contribuição
A sentença realizou a seguinte contagem do tempo de contribuição para fins de concessão do benefício em epígrafe:
Considerando os períodos de trabalho rural e especial ora reconhecidos, acrescidos do tempo de serviço/contribuição do autor fixado no processo administrativo, a sua nova contagem na DER, em 24/02/2017, passa a ser a seguinte:
CONTAGEM DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO
TEMPO DE SERVIÇO COMUM (com conversões)
Data de Nascimento: | 16/05/1970 |
Sexo: | Masculino |
DER: | 24/02/2017 |
Nº | Nome / Anotações | Início | Fim | Fator | Tempo | Carência |
1 | - | 16/05/1982 | 30/06/1986 | 1.00 | 4 anos, 1 meses e 15 dias | 0 |
2 | - | 01/07/1986 | 31/12/1990 | 1.40 Especial | 6 anos, 3 meses e 18 dias | 54 |
3 | - | 04/02/1991 | 22/08/1996 | 1.40 Especial | 7 anos, 9 meses e 9 dias | 67 |
4 | - | 09/09/1996 | 23/12/2003 | 1.00 | 7 anos, 3 meses e 15 dias | 88 |
5 | - | 24/12/2003 | 04/03/2004 | 1.00 | 0 anos, 2 meses e 11 dias | 0 |
6 | - | 05/03/2004 | 24/02/2017 | 1.00 | 12 anos, 11 meses e 20 dias | 156 |
* Não há períodos concomitantes.
Marco Temporal | Tempo de contribuição | Carência | Idade | Pontos (Lei 13.183/2015) |
Até 16/12/1998 (EC 20/1998) | 20 anos, 5 meses e 20 dias | 149 | 28 anos, 7 meses e 0 dias | - |
Até 28/11/1999 (Lei 9.876/99) | 21 anos, 5 meses e 2 dias | 160 | 29 anos, 6 meses e 12 dias | - |
Até 24/02/2017 (DER) | 38 anos, 7 meses e 28 dias | 365 | 46 anos, 9 meses e 8 dias | 85.4333 |
Pedágio (EC 20/98) | 3 anos, 9 meses e 22 dias |
* Para visualizar esta planilha acesse https://planilha.tramitacaointeligente.com.br/planilhas/WK4QD-4RW6J-QA
- Aposentadoria por tempo de serviço / contribuição
Nessas condições, em 16/12/1998, a parte autora não tinha direito à aposentadoria por tempo de serviço, ainda que proporcional (regras anteriores à EC 20/98), porque não cumpria o tempo mínimo de serviço de 30 anos.
Em 28/11/1999, a parte autora não tinha direito à aposentadoria por tempo de contribuição, ainda que proporcional (regras de transição da EC 20/98), porque não preenchia o tempo mínimo de contribuição de 30 anos , o pedágio de 3 anos, 9 meses e 22 dias e nem a idade mínima de 53 anos.
Por fim, em 24/02/2017 (DER), a parte autora tinha direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição (regra permanente do art. 201, § 7º, da CF/88). O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei 9.876/99, com a incidência do fator previdenciário, uma vez que a pontuação totalizada é inferior a 95 pontos (Lei 8.213/91, art. 29-C, inc. I, incluído pela Lei 13.183/2015).
Removido o cômputo do período de 01/07/1986 a 31/12/1990 como tempo especial, contabilizando-o apenas como tempo comum, deve-se remover o acréscimo de 1 ano, 9 meses e 18 dias correspondente à conversão do citado período pelo fator correspondente.
Logo, após o provimento do recurso de apelação do INSS, o segurado alcança 36 anos, 10 meses e 10 dias de contribuição na DER de 24/02/2017, suficientes para manter o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição em valor integral desde o requerimento administrativo, mantendo-se a determinação já contida na sentença de incidência do fator previdenciário.
Honorários Advocatícios
Os honorários advocatícios são devidos pelo INSS, em regra, no patamar de 10%, observados os percentuais mínimos previstos em cada faixa do § 3º do art. 85 do Código de Processo Civil para as condenações proferidas a partir de 18.03.2016, considerando as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforma a sentença de improcedência, nos termos das Súmulas nº 111 do Superior Tribunal de Justiça e nº 76 deste Tribunal Regional Federal da 4ª Região, respectivamente:
Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença.
Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência.
Sem recurso específico das partes, porém, deve ser mantida a sentença quanto ao tópico em apreço, que assim decidiu:
Tratando-se de sentença ilíquida, fixo o percentual dos honorários advocatícios, desde já, no mínimo de 10%, ou 8%, ou 5%, ou 3% ou 1%, sobre o valor da condenação, a ser definida na fase de liquidação do julgado, consoante o art. 85, §§ 2º, 3º, 4º, II e 5º, do CPC, excluídas as parcelas que se vencerem após a publicação desta sentença (Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça).
Em grau recursal, consoante entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, a majoração é cabível quando se trata de "recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente" (AgInt nos EREsp 1539725/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 2ª S., DJe 19.10.2017).
Contudo, provido o recurso do INSS (parte sucumbente na origem), não cabe majoração da verba honorária na instância recursal.
Custas
O INSS é isento do pagamento das custas processuais no Foro Federal (artigo 4.º, I, da Lei n.º 9.289/96), mas não quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF/4ª Região).
Tutela Antecipada
Quanto à antecipação dos efeitos da tutela, nas causas previdenciárias, deve-se determinar a imediata implementação do benefício, valendo-se da tutela específica da obrigação de fazer prevista no artigo 461 do Código de Processo Civil de 1973, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537, do Código de Processo Civil de 2015, independentemente de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário (TRF4, Questão de Ordem na AC 2002.71.00.050349-7, Rel. para Acórdão, Des. Federal Celso Kipper, 3ª S., j. 9.8.2007).
Assim sendo, o INSS deverá implantar o benefício concedido no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias.
Na hipótese de a parte autora já estar em gozo de benefício previdenciário, o INSS deverá implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
Faculta-se à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Em homenagem aos princípios da celeridade e da economia processual, tendo em vista que o INSS vem opondo embargos de declaração sempre que determinada a implantação imediata do benefício, alegando, para fins de prequestionamento, violação a artigos do Código de Processo Civil e da Constituição Federal, esclareço que não se configura a negativa de vigência a tais dispositivos legais e constitucionais. Isso porque, em primeiro lugar, não se está tratando de antecipação ex officio de atos executórios, mas, sim, de efetivo cumprimento de obrigação de fazer decorrente da própria natureza condenatória e mandamental do provimento judicial; em segundo lugar, não se pode, nem mesmo em tese, cogitar de ofensa ao princípio da moralidade administrativa, uma vez que se trata de concessão de benefício previdenciário determinada por autoridade judicial competente.
Prequestionamento
Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil.
Conclusão
- apelação: provida, para remover do cômputo do tempo especial o período de 01/07/1986 a 31/12/1990, mantendo-se o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição já concedido na sentença, todavia com 36 anos, 10 meses e 10 dias de contribuição na DER de 24/02/2017;
- de ofício, é determinada a implantação do benefício no prazo de 45 dias.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação e, de ofício, determinar a implantação do benefício.
Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002355137v5 e do código CRC ba1bad6b.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Data e Hora: 10/3/2021, às 14:46:23
Conferência de autenticidade emitida em 18/03/2021 04:01:19.
Apelação Cível Nº 5001819-09.2018.4.04.7015/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: VANDERLEI CARLOS PESSIM (AUTOR)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. aposentadoria por tempo de contribuIção. Atividade especial. agentes nocivos. reconhecimento. conversão. ATIVIDADE RURAL como tempo especial.
A lei em vigor quando da prestação dos serviços define a configuração do tempo como especial ou comum, o qual passa a integrar o patrimônio jurídico do trabalhador, como direito adquirido.
Até 28.4.1995 é admissível o reconhecimento da especialidade do trabalho por categoria profissional; a partir de 29.4.1995 é necessária a demonstração da efetiva exposição, de forma não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde, por qualquer meio de prova; a contar de 06.5.1997 a comprovação deve ser feita por formulário-padrão embasado em laudo técnico ou por perícia técnica.
Somente o trabalhador rural empregado em empresas agroindustriais ou agrocomerciais possui direito ao eventual reconhecimento do tempo de serviço especial previsto no código 2.2.1 do Quadro Anexo ao Decreto nº 53.831/1964 (trabalhador na agropecuária).
Demonstrado o preenchimento dos requisitos, o segurado tem direito à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, mediante a conversão dos períodos de atividade especial, a partir da data do requerimento administrativo, respeitada eventual prescrição quinquenal.
Determinada a imediata implantação do benefício, valendo-se da tutela específica da obrigação de fazer prevista no artigo 461 do Código de Processo Civil de 1973, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537, do Código de Processo Civil de 2015, independentemente de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação e, de ofício, determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 09 de março de 2021.
Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002355138v3 e do código CRC 21fb6fb4.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Data e Hora: 10/3/2021, às 14:46:23
Conferência de autenticidade emitida em 18/03/2021 04:01:19.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 02/03/2021 A 09/03/2021
Apelação Cível Nº 5001819-09.2018.4.04.7015/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
PRESIDENTE: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
PROCURADOR(A): SERGIO CRUZ ARENHART
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: VANDERLEI CARLOS PESSIM (AUTOR)
ADVOGADO: EVANDRO CESAR MELLO DE OLIVEIRA
ADVOGADO: ALEXANDRE DA SILVA
ADVOGADO: BRUNO ANDRÉ SOARES BETAZZA
ADVOGADO: HELDER MASQUETE CALIXTI
Certifico que este processo foi incluído no 1º Aditamento da Sessão Virtual, realizada no período de 02/03/2021, às 00:00, a 09/03/2021, às 16:00, na sequência 1257, disponibilizada no DE de 19/02/2021.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E, DE OFÍCIO, DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
SUZANA ROESSING
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 18/03/2021 04:01:19.