Apelação Cível Nº 5003166-75.2021.4.04.7111/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
APELANTE: NERI FERREIRA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
A parte autora propôs ação de procedimento comum em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, postulando a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, desde a data de entrada do requerimento - DER, mediante o reconhecimento da especialidade e a averbação de períodos laborados em condições especiais, com a sua respectiva conversão em tempo comum.
Sobreveio sentença ( ) que indeferiu a petição inicial e julgou extinto o feito, sem resolução de mérito, nos seguintes termos:
(...)
Ante o exposto, INDEFIRO a petição inicial, e, com base no art. 485, inc. I, c/c art. 321 do Código de Processo Civil, julgo extinta, sem resolução de mérito, a ação formulada por NERI FERREIRA contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, nos termos da fundamentação.
Defiro a gratuidade judiciária, conforme requerido na distribuição.
Sem condenação em custas e honorários advocatícios (art. 1.º da Lei n.º 10.259/2001 c/c arts. 54 e 55 da Lei n.º 9.099/1995).
Havendo recurso, dê-se vista à parte contrária para resposta e, a seguir, remetam-se os autos à Turma Recursal.
Após o trânsito em julgado da sentença, arquivem-se os autos.
Publicada e registrada eletronicamente.
Intimem-se.
(...)
A parte autora apelou, requerendo a reforma da sentença (
). Alega, em síntese, estar presente o interesse de agir pelo indeferimento administrativo do benefício, querendo a anulação da sentença.Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Admissibilidade
Recurso adequado e tempestivo. Apelante isenta de custas, nos termos do art. 4º, II, da Lei 9.289/1996.
Do interesse processual
A controvérsia compreendendo a necessidade de prévio requerimento administrativo como condição para o acesso ao Judiciário foi definida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 631240/MG, em sede de repercussão geral (Tema 350), nos seguintes termos:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR. 1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo. 2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas. 3. A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado. 4. Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo – salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração –, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão. 5. Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria, inclusive no Supremo Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma fórmula de transição para lidar com as ações em curso, nos termos a seguir expostos. 6. Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que tenha havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas, observando-se a sistemática a seguir. 7. Nas ações sobrestadas, o autor será intimado a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a Autarquia deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e proferir decisão. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir. 8. Em todos os casos acima – itens (i), (ii) e (iii) –, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais. 9. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, reformando-se o acórdão recorrido para determinar a baixa dos autos ao juiz de primeiro grau, o qual deverá intimar a autora – que alega ser trabalhadora rural informal – a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado para que, em 90 dias, colha as provas necessárias e profira decisão administrativa, considerando como data de entrada do requerimento a data do início da ação, para todos os efeitos legais. O resultado será comunicado ao juiz, que apreciará a subsistência ou não do interesse em agir. (STF, Tribunal Pleno, RE 631240, Rel. ROBERTO BARROSO, j. 03/09/2014, DJe-220 10/11/2014)
Fixou-se, pois, tese no sentido da indispensabilidade do prévio requerimento administrativo nos pedidos de concessão de benefício previdenciário, sem necessidade de exaurimento da esfera administrativa, salvo notório e reiterado entendimento da Administração em sentido contrário ao postulado.
Também em relação aos pedidos de revisão que necessitem de análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração foi firmada posição no sentido da imprescindibilidade do requerimento prévio à autarquia previdenciária.
Saliente-se, ainda, que a suspensão do benefício pelo INSS é suficiente para caracterizar o interesse processual.
No presente caso, entretanto, houve prévio requerimento administrativo do benefício, onde não foi reconhecido pelo INSS determinado período como especial, à vista da ausência de apresentação de provas acerca dos fatos, bem como de requerimento expresso neste sentido.
Assim, a hipótese não se amolda ao precedente vinculante acima referido, impondo-se a verificação da existência de interesse processual no caso concreto.
No caso concreto, o julgador singular reconheceu a ausência de interesse processual do demandante em relação aos períodos alegadamente laborados em condições especiais, por não ter juntado na esfera administrativa nenhum documento comprobatório de tal condição.
Examinando a documentação que instruiu o processo administrativo verifica-se que o segurado juntou cópia da CTPS (
) na qual constam anotados contratos de trabalho, a título de exemplo, no cargo de serralheiro (fl. 29), que comumente as atividades laborais são exercidas com exposição a agentes nocivos.Ademais, consta na fl. 7 (
) do primeiro processo administrativo (DER - 20/11/2014) pedido expresso de concessão de prazo para juntada de PPP relativo a dois vínculos empregatícios que pretendia o enquadramento como especiais. Todavia, a parte autora não juntou os documentos no prazo deferido e o benefício foi indeferido sem a respectiva análise da especialidade ( ).Dessa forma, tendo a parte segurada cumprindo o ônus de apresentar o requerimento na esfera administrativa e de instruí-lo com elementos mínimos que permitissem ao INSS a análise do pedido, o não reconhecimento do período como especial é suficiente para configurar a pretensão resistida.
Nesse sentido, o seguintes arestos:
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. INTERESSE DE AGIR. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. CUSTAS PROCESSUAIS. (...) 2. A falta de específica provocação administrativa quanto ao reconhecimento do tempo especial por ocasião da DER não inviabiliza o acesso à via judicial. Ao INSS, na presença dos documentos que atestam a realização de atividades que possam ser enquadradas como especiais, seja por categoria profissional, seja por exposição a agentes nocivos, cabe a orientação do segurado, inclusive quanto à busca dos elementos necessários à obtenção do melhor benefício que lhe possa ser assegurado nos termos da lei. Incidência do princípio da primazia da realidade. (...) (TRF4, AC 5022141-22.2018.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 01/08/2022)
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. INTERESSE DE AGIR. NULIDADE DA SENTENÇA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. PROVIMENTO. 1. Não há falar em ausência de interesse de agir no que toca ao período sobre o qual se postula a especialidade, uma vez que compete à Administração Previdenciária uma conduta positiva, de orientar o segurado sobre a possibilidade de ser beneficiado com o reconhecimento de eventual especialidade de período de labor urbano. Precedentes. 2. Apelação provida para reconhecer o interesse de agir e, não estando o feito pronto para imediato julgamento (art. 1.013, § 3º, I do CPC), anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para regular processamento. (TRF4, AC 5001942-06.2020.4.04.7122, QUINTA TURMA, Relator para Acórdão ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 01/09/2022)
Dessa forma, tendo em conta que a análise da especialidade dos períodos requeridos não foi efetivada em primeiro grau, que não houve citação do INSS, e que há necessidade de instrução probatória, o feito não se mostra pronto para julgamento, não sendo aplicável ao caso a técnica de julgamento do art. 1.013, § 3º, I do CPC, impondo-se a anulação da sentença e o retorno dos autos à origem para reabertura da instrução e, consequente, resolução do mérito.
Conclusão
- apelação da parte autora provida para reconhecer o interesse processual e anular a sentença, nos termos da fundamentação;
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora.
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Apelação Cível Nº 5003166-75.2021.4.04.7111/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
APELANTE: NERI FERREIRA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. INTERESSE DE AGIR CONFIGURADO. JULGAMENTO PELO TRIBUNAL. CAUSA MADURA. INVIABILIDADE. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. REMESSA DOS AUTOS À ORIGEM. PROSSEGUIMENTO DO FEITO.
1. Nos pedidos de concessão de benefício previdenciário, para configuração do interesse de agir é indispensável o prévio requerimento administrativo, e não o exaurimento da esfera administrativa.
2. No Direito Previdenciário presume-se que o autor da ação é hipossuficiente, não lhe devendo ser obstaculizado o acesso à justiça mediante a exigência de requisitos não amparados pela legislação, especialmente quando restou comprovado o esgotamento da vida administrativa. Configurado o interesse processual.
3. Restando inviável o direto exame do pedido inicial por este Colegiado, com base na teoria da causa madura (artigo 1.013, § 3º, inciso III, do CPC), deve ser anulada a sentença e reaberta a instrução, remetendo-se os autos ao juízo de origem para regular tramitação do feito.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de junho de 2024.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 20/06/2024 A 27/06/2024
Apelação Cível Nº 5003166-75.2021.4.04.7111/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PROCURADOR(A): JANUÁRIO PALUDO
APELANTE: NERI FERREIRA (AUTOR)
ADVOGADO(A): PAULO ROBERTO HARRES (OAB RS041600)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 20/06/2024, às 00:00, a 27/06/2024, às 16:00, na sequência 635, disponibilizada no DE de 11/06/2024.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
LIDICE PENA THOMAZ
Secretária
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