Apelação/Remessa Necessária Nº 5009736-46.2021.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS E OUTRO
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
A parte autora propôs ação em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) pretendendo a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, desde a Data de Entrada do Requerimento - DER, mediante o reconhecimento do tempo de serviço exercido sob condições especiais nos períodos de 07.10.1976 a 20.06.1977, 01.07.1978 a 01.08.1979, 01.02.1980 a 05.12.1980, 01.03.1982 a 25.09.1983, 23.04.1984 a 10.07.1987, 01.08.1987 a 30.11.1987, 01.03.1988 a 27.05.1994 e de 05.12.2007 a 30.04.2009, com a aplicação do fator de conversão 1,75.
Processado o feito, sobreveio sentença, publicada em 04.06.2018, julgando parcialmente procedente o pedido para reconhecer o tempo de serviço exercido sob condições especiais nos períodos de 07.10.1976 a 20.06.1977, 01.07.1978 a 01.08.1979, 01.02.1980 a 05.12.1980, 01.03.1982 a 25.09.1983, 23.04.1984 a 10.07.1987, 01.08.1987 a 30.11.1987 e de 01.03.1988 a 27.05.1994, com a aplicação do fator de conversão 1,75, além de condenar o INSS à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição integral, a contar da data do ajuizamento da ação (03.09.2015), bem como ao pagamento das prestações vencidas, corrigidas monetariamente de acordo com o INPC, desde os respectivos vencimentos, acrescidas de juros de mora, equivalentes aos aplicáveis à caderneta de poupança, com fundamento no art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei n.º 11.960/2009, a partir da citação. Por fim, diante do reconhecimento da sucumbência recíproca e não proporcional, as partes forma condenadas na proporção de 25% para a parte autora e 75% para o INSS ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da condenação (art. 85, §3°, I, do CPC) em favor da parte autora e verba advocatícia de 10% sobre o valor atualizado da causa em favor do INSS, observada a concessão da AJG.
Irresignadas, ambas as partes interpuseram recurso de apelação. A parte autora pleiteia o reconhecimento do tempo de serviço exercido sob condições especiais no período de 05.12.2007 a 30.04.2009, com a aplicação do fator de conversão 1,75, culminando com a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, inclusive mediante a reafirmação da DER. Alternativamente, requer a anulação da sentença prolatada com a devolução dos autos ao juízo de origem para que seja reaberta a instrução processual, com vistas à produção de prova testemunhal e de perícia judicial sobre o período de atividade especial almejado (evento 227, PET1).
A Autarquia Federal, a seu turno, sustenta que deve ser aplicado na espécie o fator de conversão 1,4 e, por decorrência, deve ser afastada a concessão da aposentadoria, haja vista que a parte autora não atinge os 35 anos de contribuição na data do aforamento da ação (evento 228, PET2).
Com as contrarrazões das partes, vieram os autos a este Tribunal, também por força da remessa necessária.
É o relatório.
Peço dia para julgamento.
VOTO
Remessa Oficial
Nos termos do artigo 496 do Código de Processo Civil (2015), está sujeita à remessa ex officio a sentença prolatada contra as pessoas jurídicas de direito público nele nominadas - à exceção dos casos em que, por simples cálculos aritméticos, seja possível concluir que o montante da condenação ou o proveito econômico obtido na causa é inferior a 1.000 salários mínimos.
Assim estabelecidos os parâmetros da remessa ex officio, registro que o artigo 29, § 2º, da Lei n. 8.213, de 1991 dispõe que o valor do salário de benefício não será superior ao limite máximo do salário de contribuição na data de início do benefício, e que a Portaria SEPRT/ME 477/2021, estabelece que a partir de 01.01.2021 o valor máximo do teto dos salários de benefícios pagos pelo INSS é de R$ 6.433,57. Decorrentemente, por meio de simples cálculos aritméticos é possível concluir que, mesmo na hipótese de concessão de benefício com renda mensal inicial (RMI) estabelecida no teto máximo, com o pagamento das parcelas em atraso nos últimos 05 anos acrescidas de correção monetária e juros de mora (artigo 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91), o valor da condenação jamais excederá o montante de 1.000 salários mínimos.
Nesse sentido, o entendimento de ambas as Turmas, com competência previdenciária, Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. REMESSA NECESSÁRIA. SENTENÇA ILÍQUIDA. ART. 496, § 3o., I DO CÓDIGO FUX. CONDENAÇÃO OU PROVEITO ECONÔMICO INFERIOR A MIL SALÁRIOS MÍNIMOS. VALOR AFERÍVEL POR CÁLCULO ARITMÉTICO. POSSIBILIDADE DE MENSURAÇÃO. RECURSO ESPECIAL DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Esta Corte, no julgamento do REsp. 1.101.727/PR, representativo de controvérsia, fixou a orientação de que, tratando-se de sentença ilíquida, deverá ser ela submetida ao reexame necessário, uma vez que não possui valor certo, estabelecendo que a dispensabilidade da remessa necessária pressupunha a certeza de que o valor da condenação não superaria o limite de 60 salários mínimos. 2. Contudo, a nova legislação processual excluiu da remessa necessária a sentença proferida em desfavor da União e suas respectivas Autarquias cujo proveito econômico seja inferior a 1.000 salários-mínimos. 3. As ações previdenciárias, mesmo nas hipóteses em que reconhecido o direito do Segurado à percepção de benefício no valor do teto máximo previdenciário, não alcançarão valor superior a 1.000 salários mínimos. 4. Assim, não obstante a aparente iliquidez das condenações em causas de natureza previdenciária, a sentença que defere benefício previdenciário é espécie absolutamente mensurável, visto que pode ser aferível por simples cálculos aritméticos, os quais são expressamente previstos na lei de regência, e, invariavelmente, não alcançará valor superior a 1.000 salários mínimos. 5. Recurso Especial do INSS a que se nega provimento. (REsp 1844937/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª T., DJe 22.11.2019)
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO INTERNO. PRINCÍPIOS DA FUNGIBILIDADE E DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. AÇÃO DE COBRANÇA. DIFERENÇAS DE DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO E TERÇO DE FÉRIAS. SENTENÇA ILÍQUIDA. CPC/2015. NOVOS PARÂMETROS. CONDENAÇÃO OU PROVEITO ECONÔMICO INFERIOR A MIL SALÁRIOS MÍNIMOS. REMESSA NECESSÁRIA. DISPENSA. (...) 4. A controvérsia cinge-se ao cabimento da remessa necessária nas sentenças ilíquidas proferidas em desfavor de ente municipal após a entrada em vigor do Código de Processo Civil/2015. 5. A Corte Especial do STJ, no julgamento do REsp 1.101.727/PR, representativo de controvérsia, fixou a orientação de que, tratando-se de sentença ilíquida, deverá ser ela submetida ao reexame necessário, uma vez que não possui valor certo, estabelecendo que a dispensabilidade da remessa necessária pressupunha a certeza de que o valor da condenação não superaria o limite de 60 salários mínimos. 6. No entanto, a nova legislação processual excluiu da remessa necessária a sentença proferida em desfavor da União e suas respectivas Autarquias cujo proveito econômico seja inferior a mil salários mínimos. 7. Não obstante a aparente iliquidez das condenações em causas de natureza previdenciária, a sentença que defere benefício previdenciário ou reconhece devido valores remuneratórios a servidores públicos é espécie absolutamente mensurável, visto que pode ser aferível por simples cálculos aritméticos, os quais são expressamente previstos na lei de regência, e, invariavelmente, não alcançará valor superior a 1.000 salários mínimos, razão pela qual está dispensada da Remessa Necessária. (...) (EDcl no REsp 1891064/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T. DJe 18/12/2020)
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LIQUIDEZ DA SENTENÇA. MERO CÁLCULO ARITMÉTICO. REMESSA NECESSÁRIA. DESNECESSIDADE. 1. Esta Corte firmou a compreensão de que, a partir da vigência do CPC/2015, em regra, as sentenças proferidas em lides de natureza previdenciária não se sujeitam a reexame obrigatório, por estar prontamente evidenciado que o valor da condenação ou do proveito econômico obtido nesses feitos não alcançará o limite de mil salários mínimos, definido pelo art. 496, § 3º, I, do CPC/2015. 2. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1871438/SC, Rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª T. DJe 11/09/2020)
Logo, não se trata de hipótese de sujeição da sentença à remessa ex officio.
Mérito
Remanesce nos autos a controvérsia a respeito da possibilidade de reconhecimento ou não do tempo de serviço exercido sob condições especiais no período de 05.12.2007 a 30.04.2009, e em relação ao fator de conversão a ser aplicado, para efeito de concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, inclusive mediante a reafirmação da DER.
Atividade Especial
Com relação ao reconhecimento das atividades exercidas como especiais, cumpre ressaltar que o tempo de serviço é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
Tal entendimento foi manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recurso repetitivo já transitado em julgado, que estabeleceu também a possibilidade de conversão de tempo de serviço especial em comum, mesmo após 1998 (REsp 1151363/MG, STJ, 3ª Seção, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 05.04.2011).
Tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, faz-se necessário inicialmente definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema sub judice:
a) no período de trabalho até 28.4.1995, quando vigente a Lei n° 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei nº 8.213/91 (Lei de Benefícios) em sua redação original (artigos 57 e 58), é possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial, ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor/frio, casos em que sempre será necessária a mensuração dos níveis por meio de perícia técnica, carreada aos autos ou noticiada em formulário emitido pela empresa, a fim de se verificar a nocividade ou não desses agentes). Para o enquadramento das categorias profissionais, devem ser considerados os Decretos nº 53.831/64 (Quadro Anexo - 2ª parte), nº 72.771/73 (Quadro II do Anexo) e nº 83.080/79 (Anexo II);
b) de 29.4.1995 e até 5.3.1997 foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional, de modo que, no interregno compreendido entre esta data e 5.3.1997 (período em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei nº 9.032/95 no artigo 57 da Lei de Benefícios), é necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico (com a ressalva dos agentes nocivos ruído e calor/frio, cuja comprovação depende de perícia, como já referido). Para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos nº 53.831/64 (Quadro Anexo - 1ª parte), nº 72.771/73 (Quadro I do Anexo) e nº 83.080/79 (Anexo I);
c) a partir de 6.3.1997, quando vigente o Decreto nº 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da Lei de Benefícios pela Medida Provisória nº 1.523/96 (convertida na Lei nº 9.528/97), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica. Para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerado os Decretos nº 2.172/97 (Anexo IV) e nº 3.048/99.
d) a partir de 1.1.2004, o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) passou a ser documento indispensável para a análise do período cuja especialidade for postulada (artigo 148 da Instrução Normativa nº 99 do INSS, publicada no DOU de 10-12-2003). Tal documento substituiu os antigos formulários (SB-40, DSS-8030, ou DIRBEN-8030) e, desde que devidamente preenchido, inclusive com a indicação dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais e pela monitoração biológica, exime a parte da apresentação do laudo técnico em juízo.
Alegação de ausência de contribuição adicional como óbice ao reconhecimento da atividade especial. Inexistência de correlação com o princípio da precedência do custeio (CF/88, art. 195, § 5º)
O argumento do INSS não prospera, porquanto inadequado aferir a existência de um direito previdenciário a partir do modo como formalizada a obrigação fiscal por parte da empresa empregadora. Se os elementos de prova contidos nos autos demonstram a natureza especial da atividade laboral desenvolvida pelo segurado, o reconhecimento de seu direito não é prejudicado por eventual erro na informação da atividade na GFIP ou pela ausência de recolhimento da contribuição adicional por parte da empresa empregadora.
O que importa é que a atividade seja, na realidade, especial. Nesse caso, abre-se ao Fisco, diante de tal identificação, a adoção das providências relativas à arrecadação das contribuições que entender devidas. O raciocínio é análogo às situações de trabalho informal pelo segurado empregado (sem anotação em carteira ou sem recolhimento das contribuições previdenciárias). A constatação de eventual discrepância entre a realidade e o fiel cumprimento das obrigações fiscais poderá constituir um ponto de partida para os procedimentos de arrecadação fiscal e imposição de penalidades correspondentes.
De outro lado, é inadequada a compreensão que condiciona o reconhecimento da atividade especial às hipóteses que fazem incidir previsão normativa específica de recolhimento de contribuição adicional (art. 57, §§ 6º e 7º, da Lei nº 8.213/91). E a ausência de contribuição específica não guarda relação alguma com o princípio da precedência do custeio (CF/88, art. 195, §5º).
Quanto ao ponto, a contribuição adicional apenas foi instituída pela Lei 9.732/98, quase quatro décadas após a instituição da aposentadoria especial pela Lei 3.807/60. Além disso, as empresas submetidas ao regime simplificado de tributação (SIMPLES), como se sabe, não estão sujeitas ao recolhimento da contribuição adicional e essa condição não propicia sequer cogitação de que seus empregados não façam jus à proteção previdenciária diferenciada ou de que a concessão de aposentadoria especial a eles violaria o princípio constitucional da precedência do custeio. Prestigia-se, neste ponto, a realidade e a necessidade da proteção ao trabalhador, de modo que a suposta omissão ou inércia do legislador, quanto à necessidade de uma contribuição específica, não implica a conclusão de que a proteção social estaria a violar o princípio da precedência do custeio.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO URBANO. CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO COMUM EM TEMPO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. INFORMAÇÕES PRESTADAS EM GFIP. IRRELEVÂNCIA. PRECEDÊNCIA DA FONTE DE CUSTEIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. CONCESSÃO. (...). 5. Para fins de reconhecimento da especialidade da atividade, é irrelevante que a empresa não tenha informado, em GFIP, o caráter especial da atividade exercida pelo autor, bem como que não tenha recolhido a respectiva contribuição adicional. (...) (TRF4 5031012-27.2012.4.04.7000, Turma Regional Suplementar do PR, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, 02.10.2018)
Intermitência
A habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física (referidas no artigo 57, § 3º, da Lei n° 8.213/91) não pressupõem a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho. Tal exposição deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho, e não de ocorrência eventual ou ocasional. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho e, em muitas delas, a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível (EINF n.º 0003929-54.2008.404.7003, TRF/4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Rogério Favreto, D.E. 24.10.2011; EINF n.º 2007.71.00.046688-7, TRF/4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. 7.11.2011).
Ademais, conforme o tipo de atividade, a exposição ao respectivo agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade, não sendo razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (EINF n° 2005.72.10.000389-1, TRF/4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. 18.5.2011; EINF n° 2008.71.99.002246-0, TRF/4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 8.1.2010).
Equipamentos de Proteção Individual - EPI
A Medida Provisória n° 1.729/98 (posteriormente convertida na Lei 9.732/1998) alterou o § 2º do artigo 58 da Lei 8.213/1991, determinando que o laudo técnico contenha i) informação sobre a existência de tecnologia de proteção individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância, e ii) recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo. Por esse motivo, em relação à atividade exercida no período anterior a 03.12.1998 (data da publicação da referida Medida Provisória), a utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador. O próprio INSS já adotou esse entendimento na Instrução Normativa n° 45/2010 (artigo 238, § 6º).
Em período posterior a 03.12.1998, foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal a existência de repercussão geral quanto ao tema (Tema 555). No julgamento do ARE 664.335 (Tribunal Pleno, Rel Min. Luiz Fux, DJe 12.2.2015), a Corte Suprema fixou duas teses: 1) o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial; 2) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. Ou seja: nos casos de exposição habitual e permanente a ruído acima dos limites de tolerância sempre caracteriza a atividade como especial, independentemente da utilização ou não de EPI, ou de menção em laudo pericial à neutralização de seus efeitos nocivos, uma vez que os equipamentos eventualmente utilizados não detêm a progressão das lesões auditivas decorrentes; em relação aos demais agentes, a desconfiguração da natureza especial da atividade em decorrência da utilização de EPI"s é admissível, desde que estejam demonstradas no caso concreto a existência de controle e periodicidade do fornecimento dos equipamentos, a sua real eficácia na neutralização da insalubridade e, ainda, que o respectivo uso era, de fato, obrigatório e continuamente fiscalizado pelo empregador.
A matéria foi objeto de exame por esta Corte no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 5054341-77.2016.4.04.0000/SC (IRDR Tema 15), tratando da eficácia dos EPI"s na neutralização dos agentes nocivos. O acórdão foi assim ementado:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. EPI. NEUTRALIZAÇÃO DOS AGENTES NOCIVOS. PROVA. PPP. PERÍCIA. 1. O fato de serem preenchidos os específicos campos do PPP com a resposta "S" (sim) não é, por si só, condição suficiente para se reputar que houve uso de EPI eficaz e afastar a aposentadoria especial. 2. Deve ser propiciado ao segurado a possibilidade de discutir o afastamento da especialidade por conta do uso do EPI, como garantia do direito constitucional à participação do contraditório. 3. Quando o LTCAT e o PPP informam não ser eficaz o EPI, não há mais discussão, isso é, há a especialidade do período de atividade. 4. No entanto, quando a situação é inversa, ou seja, a empresa informa no PPP a existência de EPI e sua eficácia, deve se possibilitar que tanto a empresa quanto o segurado, possam questionar - no movimento probatório processual - a prova técnica da eficácia do EPI. 5. O segurado pode realizar o questionamento probatório para afastar a especialidade da eficácia do EPI de diferentes formas: A primeira (e mais difícil via) é a juntada de uma perícia (laudo) particular que demonstre a falta de prova técnica da eficácia do EPI - estudo técnico-científico considerado razoável acerca da existência de dúvida científica sobre a comprovação empírica da proteção material do equipamento de segurança. Outra possibilidade é a juntada de uma prova judicial emprestada, por exemplo, de processo trabalhista onde tal ponto foi questionado. 5. Entende-se que essas duas primeiras vias sejam difíceis para o segurado, pois sobre ele está todo o ônus de apresentar um estudo técnico razoável que aponte a dúvida científica sobre a comprovação empírica da eficácia do EPI. 6. Uma terceira possibilidade será a prova judicial solicitada pelo segurado (após analisar o LTCAT e o PPP apresentados pela empresa ou INSS) e determinada pelo juiz com o objetivo de requisitar elementos probatórios à empresa que comprovem a eficácia do EPI e a efetiva entrega ao segurado. 7. O juízo, se entender necessário, poderá determinar a realização de perícia judicial, a fim de demonstrar a existência de estudo técnico prévio ou contemporâneo encomendado pela empresa ou pelo INSS acerca da inexistência razoável de dúvida científica sobre a eficácia do EPI. Também poderá se socorrer de eventuais perícias existentes nas bases de dados da Justiça Federal e Justiça do Trabalho. 8. Não se pode olvidar que determinada situações fáticas, nos termos do voto, dispensam a realização de perícia, porque presumida a ineficácia dos EPI´s. (TRF4, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (Seção) 5054341-77.2016.404.0000, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Jorge Antonio Maurique,11.12.2017)
Como se vê, foi confirmado o entendimento acerca da necessidade de prova da neutralização da nocividade dos agentes agressivos, sendo relacionados ainda outras hipóteses em que a utilização de EPI não descaracteriza o labor especial (além do ruído, já afastado pela decisão do STF), consoante o seguinte trecho do voto condutor:
Cumpre ainda observar que existem situações que dispensam a produção da eficácia da prova do EPI, pois mesmo que o PPP indique a adoção de EPI eficaz, essa informação deverá ser desconsiderada e o tempo considerado como especial (independentemente da produção da prova da falta de eficácia) nas seguintes hipóteses:
a) Períodos anteriores a 3 de dezembro de 1998:
Pela ausência de exigência de controle de fornecimento e uso de EPI em período anterior a essa data, conforme se observa da IN INSS 77/2015 -Art. 279, § 6º:
"§ 6º Somente será considerada a adoção de Equipamento de Proteção Individual - EPI em demonstrações ambientais emitidas a partir de 3 de dezembro de 1998, data da publicação da MP nº 1.729, de 2 de dezembro de 1998, convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998, e desde que comprovadamente elimine ou neutralize a nocividade e seja respeitado o disposto na NR-06 do MTE, havendo ainda necessidade de que seja assegurada e devidamente registrada pela empresa, no PPP, a observância: (...)"
b) Pela reconhecida ineficácia do EPI:
b.1) Enquadramento por categoria profissional: devido a presunção da nocividade (ex. TRF/4 5004577-85.2014.4.04.7116/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira, em 13/09/2017)
b.2) Ruído: Repercussão Geral 555 (ARE 664335 / SC)
b.3) Agentes Biológicos: Item 3.1.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017.
b.4) Agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos: Memorando-Circular Conjunto n° 2/DIRSAT/DIRBEN/INSS/2015:
Exemplos: Asbesto (amianto): Item 1.9.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017; Benzeno: Item 1.9.3 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017.
b.5) Periculosidade: Tratando-se de periculosidade, tal qual a eletricidade e vigilante, não se cogita de afastamento da especialidade pelo uso de EPI. (ex. APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5004281-23.2014.4.04.7000/PR, Rel. Ézio Teixeira, 19/04/2017)
Em suma, de acordo com a tese fixada por esta Corte no IRDR 15:
- quando o LTCAT e o PPP informam não ser eficaz o EPI, há a especialidade do período de atividade;
- quando a empresa informa no PPP a existência de EPI e sua eficácia, há possibilidade de questionar - no movimento probatório processual - a prova técnica da eficácia do EPI;
- a utilização de EPI não afasta a especialidade do labor: i) em períodos anteriores a 3.12.1998; ii) quando há enquadramento legal pela categoria profissional; iii) em relação aos agentes nocivos: ruído, biológicos, cancerígenos (como asbestos e benzeno) e periculosos (como eletricidade).
Outrossim, nos demais casos, mesmo que o PPP consigne a eficácia do EPI, restou garantida ao segurado a possibilidade de discutir a matéria e produzir provas no sentido de demonstrar a ineficácia do EPI e a permanência da especialidade do labor.
Agentes Químicos (Cal e Cimento). Construção Civil.
O enquadramento profissional de atividades relacionadas à construção civil, compreendendo os trabalhadores em edifícios, barragens, pontes e torres, era expressamente previsto no Quadro Anexo ao Decreto nº 53.831/64 - item 2.3.3:
2.3.3 | EDIFÍCIOS, BARRAGENS, PONTES | Trabalhadores em edifícios, barragens, pontes, torres. | Perigoso | 25 anos | Jornada normal. |
E mesmo que não se trate de trabalho realizado em edifícios, barragens, pontes e torres, o reconhecimento da atividade especial na construção civil é possível caso comprovada a exposição habitual e permanente do segurado a condições insalubres que não tenham sido neutralizadas pelo uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI).
A Súmula nº 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos, cuja aplicabilidade é ratificada pelo Superior Tribunal de Justiça, estabelece:
Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em Regulamento.
No caso de exposição a poeira de cal e a cimento, é possível o reconhecimento do caráter especial da atividade, com base no Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64, Código 1.2.9, bem como com fundamento no Anexo nº 13 da NR nº 15 do Ministério do Trabalho e Emprego, desde que comprovada a exposição habitual e permanente do trabalhador aos agentes nocivos em níveis insalubres.
Nesse sentido, reconhece-se como especial o "manuseio rotineiro e habitual recorrente nas atividades de pedreiro e mestre de obras" (TRF4 5012816-40.2011.4.04.7001, 6ª T., Relator Juiz Federal José Luis Luvizetto Terra, 22.05.2017). Em igual sentido, os precedentes a seguir:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE TEMPO ESPECIAL. AGETNES QUÍMICOS. CONVERSÃO DE TEMPO COMUM PARA ESPECIAL. VEDAÇÃO LEGAL. CONSECTÁRIOS LEGAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS PROCESSUAIS. IMPLANTAÇÃO DEFINITIVA DO BENEFÍCIO. 1. Comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade da atividade laboral por ele exercida. 2. O reconhecimento da atividade especial em virtude da exposição a poeiras de cal e cimento não se limita à fabricação de tais produtos, podendo ocorrer por conta do manuseio, de forma habitual e permanente, nas atividades de pedreiro, auxiliar, servente e mestre de obras, considerando a nocividade da sua composição. Tal entendimento vem sendo uniforme nesta e. Corte. (...) (TRF4, AC 5002846-49.2013.4.04.7129, 5ª Turma, Relator Juiz Federal Altair Antonio Gregório, 06.06.2018)
PREVIDENCIÁRIO. CÔMPUTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. RUÍDO. CIMENTO E CAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO. (...) 3. No que se refere às atividades de pedreiro e servente na construção civil, esta Turma tem admitido o reconhecimento da especialidade quando comprovada a exposição nociva a álcalis cáusticos (cimento) em razão do manuseio deste agente químico, conforme julgamento nos autos da Apelação Cível 0015342-24.2013.4.04.9999 (TRF4, AC 0015342-24.2013.404.9999, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 15/07/2015). 4. (...) (TRF4, APELREEX 0013160-60.2016.4.04.9999, TRS/SC, Relator Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, D.E. 28.09.2017)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. APOSENTADORIA ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS. ATIVIDADE ESPECIAL. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. MARCO INICIAL DO BENEFÍCIO. (...) 7. A exposição a cimento, cal, poeira de sílica, tintas, solventes e agentes biológicos enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial. 8. a 13. (TRF4, APELREEX 0011548-29.2012.4.04.9999, Sexta Turma, Relator Des. Federal Celso Kipper, D.E. 17.07.2014)
Na mesma linha, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE EXERCIDA EM CONDIÇÕES ESPECIAIS ATÉ O ADVENTO DA LEI Nº 9.032/95. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA INSALUBRIDADE, PRESUMIDA PELA LEGISLAÇÃO ANTERIOR. TEMPO DE SERVIÇO. CONVERSÃO EM TEMPO COMUM. POSSIBILIDADE. DIREITO ADQUIRIDO AO DISPOSTO NA LEGISLAÇÃO EM VIGOR À ÉPOCA DO TRABALHO ESPECIAL REALIZADO. NÃO-INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA APLICABILIDADE IMEDIATA DA LEI PREVIDENCIÁRIA. ROL EXEMPLIFICATIVO DAS ATIVIDADES ESPECIAIS. TRABALHO EXERCIDO COMO PEDREIRO. AGENTE AGRESSIVO PRESENTE. PERÍCIA FAVORÁVEL AO SEGURADO. NÃO-VIOLAÇÃO À SUMULA 7/STJ. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL AO QUAL SE DÁ PROVIMENTO. 1. O STJ adota a tese de que o direito ao cômputo diferenciado do tempo de serviço prestado em condições especiais, por força das normas vigentes à época da referida atividade, incorpora-se ao patrimônio jurídico do segurado. Assim, é lícita a sua conversão em tempo de serviço comum, não podendo ela sofrer qualquer restrição imposta pela legislação posterior, em respeito ao princípio do direito adquirido. 2. Até 05/03/1997, data da publicação do Decreto 2.172, que regulamentou a Lei nº 9.032/95 e a MP 1.523/96 (convertida na Lei nº 9.528/97), a comprovação do tempo de serviço laborado em condições especiais, em virtude da exposição de agentes nocivos à saúde e à integridade física dos segurados, dava-se pelo simples enquadramento da atividade exercida no rol dos Decretos 53.831/64 e 83.080/79 e, posteriormente, do Decreto 611/92. A partir da referida data, passou a ser necessária a demonstração, mediante laudo técnico, da efetiva exposição do trabalhador a tais agentes nocivos, isso até 28/05/1998, quando restou vedada a conversão do tempo de serviço especial em comum pela Lei 9.711/98. 3. A jurisprudência se pacificou no sentido de que as atividades insalubres previstas em lei são meramente explicativas, o que permite afirmar que, na análise das atividades especiais, deverá prevalecer o intuito protetivo ao trabalhador. Sendo assim, não se parece razoável afirmar que o agente insalubre da atividade do pedreiro seria apenas uma característica do seu local de trabalho, já que ele está em constante contato com o cimento, em diversas etapas de uma obra, às vezes direta, outras indiretamente, não se podendo afirmar, com total segurança, que em algum momento ele deixará de interferir na saúde do trabalhador. (...) (REsp 354.737/RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., 18.11.2008, DJe 09.12.2008)
Agente Nocivo Ruído
Quanto ao ruído exige-se a demonstração da efetiva exposição, mediante aferição do nível de decibéis (dB) por meio de parecer técnico.
O Quadro Anexo do Decreto n° 53.831/1964, o Anexo I do Decreto n° 83.080/1979, o Anexo IV do Decreto n° 2.172/1997, e o Anexo IV do Decreto nº 3.048/1999 (alterado pelo Decreto n° 4.882/2003) consideram insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora superiores a 80, 85 e 90 decibéis, consoante Códigos 1.1.6, 1.1.5, 2.0.1 e 2.0.1, como demonstra o resumo a seguir, de acordo com o período trabalhado:
- Até 5-3-1997: Anexo do Decreto nº 53.831/64 (superior a 80dB) e Anexo I do Decreto nº 83.080/79 (superior a 90dB)
- De 6-3-1997 a 6-5-1999: Anexo IV do Decreto nº 2.172/97 (superior a 90 dB)
- De 7-5-1999 a 18-11-2003: Anexo IV do Decreto n.º 3.048/99, em sua redação original (superior a 90 dB)
- A partir de 19-11-2003: Anexo IV do Decreto n.º 3.048/99, alterado pelo Decreto n.º 4.882/2003 (superior a 85 dB)
A questão foi tema da análise pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso repetitivo com trânsito em julgado, estabelecendo o seguinte entendimento:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. TEMPO ESPECIAL. RUÍDO. LIMITE DE 90DB NO PERÍODO DE 6.3.1997 A 18.11.2003. DECRETO 4.882/2003. LIMITE DE 85 DB. RETROAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA LEI VIGENTE À ÉPOCA DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. Controvérsia submetida ao rito do art. 543-C do CPC 1. Está pacificado no STJ o entendimento de que a lei que rege o tempo de serviço é aquela vigente no momento da prestação do labor. Nessa mesma linha: REsp 1.151.363/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 5.4.2011; REsp 1.310.034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 19.12.2012, ambos julgados sob o regime do art. 543-C do CPC. 2. O limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC). Precedentes do STJ. Caso concreto 3. Na hipótese dos autos, a redução do tempo de serviço decorrente da supressão do acréscimo da especialidade do período controvertido não prejudica a concessão da aposentadoria integral. 4. Recurso Especial parcialmente provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008. (REsp n° 1398260/PR, STJ, 1ª Seção, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 5-12-2014)
Em suma: o limite de tolerância para ruído é:
- de 80 dB(A) até 5-3-1997;
- de 90 dB(A) de 6-3-1997 a 18-11-2003; e
- de 85 dB(A) a partir de 19-11-2003.
Quando demonstrada a exposição a níveis de ruído acima dos limites de tolerância, independentemente da neutralização dos agentes nocivos pelo uso de equipamentos de proteção individual, está caracterizada a atividade como especial.
Sobre a neutralização do agente nocivo ruído pelo uso de EPIs, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se em sede de repercussão geral (Tema STF nº 555):
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ART. 201, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. REQUISITOS DE CARACTERIZAÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO SOB CONDIÇÕES NOCIVAS. FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL - EPI. TEMA COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PELO PLENÁRIO VIRTUAL. EFETIVA EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS À SAÚDE. NEUTRALIZAÇÃO DA RELAÇÃO NOCIVA ENTRE O AGENTE INSALUBRE E O TRABALHADOR. COMPROVAÇÃO NO PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO PPP OU SIMILAR. NÃO CARACTERIZAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS HÁBEIS À CONCESSÃO DE APOSENTADORIA ESPECIAL. CASO CONCRETO. AGENTE NOCIVO RUÍDO. UTILIZAÇÃO DE EPI. EFICÁCIA. REDUÇÃO DA NOCIVIDADE. CENÁRIO ATUAL. IMPOSSIBILIDADE DE NEUTRALIZAÇÃO. NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES PREJUDICIAIS. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DEVIDO. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. Conduz à admissibilidade do Recurso Extraordinário a densidade constitucional, no aresto recorrido, do direito fundamental à previdência social (art. 201, CRFB/88), com reflexos mediatos nos cânones constitucionais do direito à vida (art. 5º, caput, CRFB/88), à saúde (arts. 3º, 5º e 196, CRFB/88), à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB/88) e ao meio ambiente de trabalho equilibrado (arts. 193 e 225, CRFB/88). 2. A eliminação das atividades laborais nocivas deve ser a meta maior da Sociedade - Estado, empresariado, trabalhadores e representantes sindicais -, que devem voltar-se incessantemente para com a defesa da saúde dos trabalhadores, como enuncia a Constituição da República, ao erigir como pilares do Estado Democrático de Direito a dignidade humana (art. 1º, III, CRFB/88), a valorização social do trabalho, a preservação da vida e da saúde (art. 3º, 5º, e 196, CRFB/88), e o meio ambiente de trabalho equilibrado (art. 193, e 225, CRFB/88). 3. A aposentadoria especial prevista no artigo 201, § 1º, da Constituição da República, significa que poderão ser adotados, para concessão de aposentadorias aos beneficiários do regime geral de previdência social, requisitos e critérios diferenciados nos "casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar". 4. A aposentadoria especial possui nítido caráter preventivo e impõe-se para aqueles trabalhadores que laboram expostos a agentes prejudiciais à saúde e a fortiori possuem um desgaste naturalmente maior, por que não se lhes pode exigir o cumprimento do mesmo tempo de contribuição que aqueles empregados que não se encontram expostos a nenhum agente nocivo. 5. A norma inscrita no art. 195, § 5º, CRFB/88, veda a criação, majoração ou extensão de benefício sem a correspondente fonte de custeio, disposição dirigida ao legislador ordinário, sendo inexigível quando se tratar de benefício criado diretamente pela Constituição. Deveras, o direito à aposentadoria especial foi outorgado aos seus destinatários por norma constitucional (em sua origem o art. 202, e atualmente o art. 201, § 1º, CRFB/88). Precedentes: RE 151.106 AgR/SP, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 28/09/1993, Primeira Turma, DJ de 26/11/93; RE 220.742, Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 03/03/98, Segunda Turma, DJ de 04/09/1998. 6. Existência de fonte de custeio para o direito à aposentadoria especial antes, através dos instrumentos tradicionais de financiamento da previdência social mencionados no art. 195, da CRFB/88, e depois da Medida Provisória nº 1.729/98, posteriormente convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998. Legislação que, ao reformular o seu modelo de financiamento, inseriu os §§ 6º e 7º no art. 57 da Lei n.º 8.213/91, e estabeleceu que este benefício será financiado com recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei nº 8.212/91, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente. 7. Por outro lado, o art. 10 da Lei nº 10.666/2003, ao criar o Fator Acidentário de Prevenção-FAP, concedeu redução de até 50% do valor desta contribuição em favor das empresas que disponibilizem aos seus empregados equipamentos de proteção declarados eficazes nos formulários previstos na legislação, o qual funciona como incentivo para que as empresas continuem a cumprir a sua função social, proporcionando um ambiente de trabalho hígido a seus trabalhadores. 8. O risco social aplicável ao benefício previdenciário da aposentadoria especial é o exercício de atividade em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física (CRFB/88, art. 201, § 1º), de forma que torna indispensável que o indivíduo trabalhe exposto a uma nocividade notadamente capaz de ensejar o referido dano, porquanto a tutela legal considera a exposição do segurado pelo risco presumido presente na relação entre agente nocivo e o trabalhador. 9. A interpretação do instituto da aposentadoria especial mais consentânea com o texto constitucional é aquela que conduz a uma proteção efetiva do trabalhador, considerando o benefício da aposentadoria especial excepcional, destinado ao segurado que efetivamente exerceu suas atividades laborativas em "condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física". 10. Consectariamente, a primeira tese objetiva que se firma é: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. 11. A Administração poderá, no exercício da fiscalização, aferir as informações prestadas pela empresa, sem prejuízo do inafastável judicial review. Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete. 12. In casu, tratando-se especificamente do agente nocivo ruído, desde que em limites acima do limite legal, constata-se que, apesar do uso de Equipamento de Proteção Individual (protetor auricular) reduzir a agressividade do ruído a um nível tolerável, até no mesmo patamar da normalidade, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas. O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente. O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente. 13. Ainda que se pudesse aceitar que o problema causado pela exposição ao ruído relacionasse apenas à perda das funções auditivas, o que indubitavelmente não é o caso, é certo que não se pode garantir uma eficácia real na eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído com a simples utilização de EPI, pois são inúmeros os fatores que influenciam na sua efetividade, dentro dos quais muitos são impassíveis de um controle efetivo, tanto pelas empresas, quanto pelos trabalhadores. 14. Desse modo, a segunda tese fixada neste Recurso Extraordinário é a seguinte: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. 15. Agravo conhecido para negar provimento ao Recurso Extraordinário. (ARE 664335, Rel.Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, j. 4.12.2014, Repercussão Geral - Mérito DJe 12.2.2015)
Ainda, a teor do que se extrai do precedente citado, afasta-se a tese de inexistência de fonte de custeio.
No que se refere à retroação do limite de 85 dB, previsto no Decreto nº 4.882/2003, a questão submete-se ao Tema STJ nº 694: O limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC).
Portanto, tais matérias não comportam maiores digressões, estando definitivamente decididas em precedentes de observância obrigatória (art. 927 do CPC).
Outrossim, a jurisprudência tem admitido a utilização de provas periciais extemporâneas, posteriores ao labor, por conta da presunção de redução da nocividade com o passar dos anos, mas não o contrário (utilização dos laudos para comprovação de tempo futuro):
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS. RUÍDO. AGENTES BIOLÓGICOS. TÓXICOS INORGÂNICOS. HIDROCARBONETOS AROMÁTICOS. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA NA EXPOSIÇÃO AOS AGENTES NOCIVOS. PERÍCIA EM DATA POSTERIOR AO LABOR. CONVERSÃO EM TEMPO COMUM DEPOIS DE 28/05/1998. POSSIBILIDADE. REQUISITOS IMPLEMENTADOS PARA APOSENTADORIA EM MAIS DE UM REGIME JURÍDICO POSSÍVEL - DIREITO AO MELHOR BENEFÍCIO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DIFERIMENTO. 1. O reconhecimento da especialidade e o enquadramento da atividade exercida sob condições nocivas são disciplinados pela lei em vigor à época em que efetivamente exercidos, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. 2. Até 28-04-1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, admitindo-se qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor); a partir de 29-04-1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, sendo necessária a comprovação da exposição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05-03-1997 e, a partir de então, através de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica. 3. Nos limites em que comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade do tempo de labor correspondente. 4. A habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física referidas no artigo 57, § 3º, da Lei 8.213/91 não pressupõem a submissão contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho. Não se interpreta como ocasional, eventual ou intermitente a exposição ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho. Precedentes desta Corte. 5. Se a prova pericial, realizada na empresa constata a existência de agentes nocivos em data posterior ao labor, razão não há para se deduzir que as agressões ao trabalhador fossem menores ou inexistissem na época da prestação do serviço, até porque a evolução tecnológica e da segurança do trabalho tendem a causar a redução e não o aumento da nocividade com o passar dos anos. 6. O trabalhador que tenha exercido atividades em condições especiais, mesmo que posteriores a maio de 1998, tem direito adquirido, protegido constitucionalmente, à conversão do tempo de serviço, de forma majorada, para fins de aposentadoria comum (Precedentes desta Corte e do STJ). (...) (TRF4 5068522-02.2011.404.7100, 5ª T., Rel. Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ, 22.6.2017)
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RECONHECIMENTO DE LABOR INSALUTÍFERO. AGENTE NOCIVO RUÍDO. EPI. LAUDO EXTEMPORÂNEO. FONTE DE CUSTEIO. MANTIDA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REQUISITOS LEGAIS ATENDIDOS. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. DIFERIMENTO. TUTELA ESPECÍFICA. 1. Comprovado o exercício de atividade especial, conforme os critérios estabelecidos na lei vigente à época do exercício, o segurado tem direito adquirido ao cômputo do tempo de serviço como tal. 2. Considera-se especial a atividade desenvolvida com exposição a ruído superior a 80 dB até 05.3.1997; superior a 90 dB entre 06.3.1997 a 18.11.2003 e superior a 85 dB a partir de 19.11.2003 (REsp 1.398.260). 3. O uso de EPI's (equipamentos de proteção), por si só, não basta para afastar o caráter especial das atividades desenvolvidas pelo segurado. Seria necessária uma efetiva demonstração da elisão das consequências nocivas, além de prova da fiscalização do empregador sobre o uso permanente dos dispositivos protetores da saúde do obreiro durante toda a jornada de trabalho. 4. Não havendo indícios de alteração significativa no layout da empresa, não há óbice à utilização de laudo extemporâneo como prova da especialidade das atividades, uma vez que não há razão para se deduzir que as agressões ao trabalhador fossem menores ou inexistissem em época anterior, até porque a evolução tecnológica e da segurança do trabalho tendem a causar a redução e não o aumento da nocividade com o passar dos anos. 5. O direito do trabalhador à proteção de sua saúde no ambiente do trabalho emana da realidade das coisas vis a vis a legislação protetiva - compreendida desde uma perspectiva constitucional atenta à eficácia vinculante dos direitos fundamentais sociais. Deve-se, aqui também, prestigiar a realidade e a necessidade da proteção social correlata, de modo que suposta omissão ou inércia do legislador, quanto à necessidade de uma contribuição específica, não implica a conclusão de que a proteção social, plenamente justificável, estaria a violar o princípio constitucional da precedência do custeio. (...) (TRF4, AC 5003363-94.2011.404.7009, 5ª T.,, Relator Des. Federal Roger Raupp Rios, 14.6.2017)
Fixadas estas premissas, prossegue-se com o exame dos períodos questionados.
No caso dos autos, a controvérsia diz respeito à especialidade - ou não - do período de 05.12.2007 a 30.04.2009.
Na espécie, estas são as condições da prestação de serviço da parte autora:
Período: 05.12.2007 a 30.04.2009
Empresa: Terra Nova Engenharia Ltda.
Atividades/funções: servente
Agentes nocivos: ruído de 80,2 dB(A) e manuseio de poeiras minerais em pequenas quantidades
Enquadramento legal: inexistência
Provas: perícia judicial (evento 145, LAUDOPERIC1 e evento 155, LAUDOPERIC1)
A propósito, colhe-se da aludida perícia judicial:
Conclusão: Não restou comprovado nos autos o exercício de atividades especiais pela parte autora, no período indicado, conforme a legislação aplicável à espécie, em virtude da ausência da exposição a agentes insalubres à saúde humana ensejadores da contagem especial. A perícia judicial é categórica ao afirmar que as funções desempenhadas pelo segurado não ofereceram riscos à sua saúde, haja vista que não foi demonstrado o manuseio rotineiro e permanente de agentes químicos cimento e cal.
No particular, o posicionamento desta Turma Regional Suplementar do Paraná sobre o tema (Grifei):
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. TRABALHADOR DA CONSTRUÇÃO CIVIL. SERVENTE, PEDREIRO E CONCRETEIRO. EXPOSIÇÃO A CAL E A CIMENTO. AGENTES NOCIVOS. RECONHECIMENTO. ATIVIDADE RURAL PRESTADA PARA PESSOAS FÍSICAS. AUSÊNCIA DE ESPECIALIDADE POR ENQUADRAMENTO EM CATEGORIA PROFISSIONAL. A lei em vigor quando da prestação dos serviços define a configuração do tempo como especial ou comum, o qual passa a integrar o patrimônio jurídico do trabalhador, como direito adquirido. Até 28.4.1995 é admissível o reconhecimento da especialidade do trabalho por categoria profissional; a partir de 29.4.1995 é necessária a demonstração da efetiva exposição, de forma não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde, por qualquer meio de prova; a contar de 06.5.1997 a comprovação deve ser feita por formulário-padrão embasado em laudo técnico ou por perícia técnica. Somente o trabalhador rural empregado em empresas agroindustriais ou agrocomerciais possui direito a reconhecimento do tempo de serviço especial por enquadramento profissional previsto no código 2.2.1 do Quadro Anexo ao Decreto nº 53.831/1964 (trabalhador na agropecuária). É possível o reconhecimento do caráter especial de atividades como pedreiro, servente de pedreiro, concreteiro, mestre de obras e outros serviços da construção civil, expostas a poeira de cal, cimento e demais álcalis cáusticos, se houver manuseio habitual e permanente desses materiais, bem como, até 28/4/1995, por enquadramento em categoria profissional, dada a similaridade com os trabalhadores em edifícios, barragens, pontes e torres na construção civil (códigos 1.2.9 e 2.3.3 do Quadro Anexo ao Decreto nº 53.831/64). Demonstrado o preenchimento dos requisitos, o segurado tem direito à revisão da aposentadoria por tempo de contribuição, mediante a conversão dos períodos de atividade especial, a partir da data do requerimento administrativo, respeitada eventual prescrição quinquenal. (TRF4, AC 5025202-51.2019.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 25/11/2020)
Por derradeiro, descabe o pedido sucessivo da parte autora com vistas à reabertura da instrução para produção de prova testemunhal e nova perícia judicial com o intuito de comprovação da especialidade.
Como é cediço, a prova se direciona ao magistrado, ao qual incumbe aferir da suficiência do material probatório produzido para a entrega da prestação jurisdicional. Com efeito, nos termos do art. 370 do CPC, ao juiz compete dizer quais as provas que entende necessárias ao deslinde da questão, bem como indeferir aquelas que julgar desnecessárias ou inúteis à apreciação do caso.
No caso dos autos, entendo desnecessária a produção da prova em questão, constatando que há nos autos elementos suficientes ao desfecho da lide (perícia judicial), não se cogitando, assim, de cerceamento de defesa ou ofensa à ampla defesa e/ou contraditório.
Ressalto, ainda, que a simples discordância com o teor da prova existente no processo, sem haver específica razão para tanto, não é o bastante para justificar a determinação da reabertura da fase de instrução.
Frise-se que a postulação de reabertura da instrução é essencialmente genérica, sem fundamentação específica e sem demonstração de vício ou falha na prova documental apresentada.
Assim, entendo desnecessária a reabertura da fase instrutória, considerando que nos autos constam as provas pertinentes ao caso concreto, suficientes para a resolução da lide.
Diante do quadro acima delineado, subsistem os termos da r. sentença que reconheceu o tempo de serviço exercido sob condições especiais nos períodos de 07.10.1976 a 20.06.1977, 01.07.1978 a 01.08.1979, 01.02.1980 a 05.12.1980, 01.03.1982 a 25.09.1983, 23.04.1984 a 10.07.1987, 01.08.1987 a 30.11.1987 e de 01.03.1988 a 27.05.1994.
Aposentadoria por tempo de contribuição
As reformas introduzidas no âmbito da Previdência Social com o advento da Emenda Constitucional n° 20, de 16.12.1998, e da Lei n° 9.876, publicada aos 29.11.1999, modificaram as regras de concessão e de cálculo do salário-de-benefício, respectivamente.
A Emenda Constitucional nº 20/98, em seu artigo 3º, assegurou o direito adquirido à jubilação, seja proporcional, seja integral, para os segurados que preencheram todos os requisitos para a fruição do direito anteriormente à sua vigência (ou seja, até 16.12.1998), observando-se ao princípio tempus regit actum. Para valer-se do tempo de serviço/contribuição ulterior, é necessária a submissão à nova legislação (regras de transição no caso de aposentadoria proporcional ou permanentes, no caso de aposentadoria integral).
Em síntese, estabeleceram-se as seguintes situações para os segurados filiados ao sistema até o advento da aludida emenda, conforme o momento em que os requisitos para a aposentação forem preenchidos:
a) até 16.12.1998: aplicam-se as regras previstas na Lei n° 8.213/91 (Aposentadoria por Tempo de Serviço). Assim, a mulher poderá aposentar-se ao comprovar, além da carência necessária, 25 anos de serviço com Renda Mensal Inicial (RMI) de 70% do salário de benefício, acrescendo-se 6% a cada novo ano de atividade completo, até o limite de 100% aos 30 anos; enquanto o homem terá o mesmo direito aos 30 anos de serviço, alcançando a RMI de 100% do salário-de-benefício aos 35 anos de atividade.
Já o cálculo do salário-de-benefício consiste na média aritmética simples de todos os últimos salários de contribuição dos meses imediatamente anteriores ao do afastamento da atividade ou da data do requerimento, até o máximo de 36, apurados em período não superior a 48 meses, nos termos do artigo 29 da referida Lei (redação original).
b) de 17.12.1998 a 28.11.1999 (dia anterior à edição da Lei n° 9.876/99, que instituiu o fator previdenciário): durante este lapso deverão ser observadas as regras introduzidas ao sistema pela Emenda Constitucional nº 20/98. Para obter a aposentadoria integral o segurado terá apenas que comprovar 35 anos de contribuição (se homem) e 30 anos de contribuição (se mulher), consoante disposto no artigo 201, § 7º, da CF/88.
Para alcançar a aposentadoria proporcional (com RMI a partir de 70% do salário de benefício), o segurado deverá comprovar a carência legal e o cumprimento do requisito etário, anteriormente à entrada em vigor da Lei do Fator Previdenciário, de acordo com a regra de transição estabelecida no § 1º do artigo 9º da Emenda Constitucional nº 20/98: 53 anos de idade (homem) e 48 anos (mulher), 30 anos de contribuição (homem) e 25 (mulher) e pedágio de 40% de contribuição do tempo que, em 16.12.1998, restava para atingir o limite dos anos exigidos (30 anos se homem e 25 se mulher). A cada ano de contribuição que supere o lapso mínimo será acrescido 5% à RMI.
O cômputo do salário-de-benefício continuará sendo regido da forma como referido supra.
c) de 29.11.1999 a 17.06.2015 (Aposentadoria por Tempo de Contribuição): a aposentadoria permanece regulada pelas normas permanente ou de transição, conforme seja o caso de amparo integral ou proporcional, respectivamente.
A alteração ocorreu somente no cálculo do salário-de-benefício, de acordo com as inovações introduzidas pela Lei n° 9.876/99, devendo ser considerada a incidência do fator previdenciário (modificador da renda mensal do benefício). A partir de então, será considerada a média aritmética simples dos maiores salários de contribuição, correspondentes a, no mínimo, 80% de todo o período contributivo decorrido desde a competência de julho de 1994.
d) a partir de 18.06.2015 (data da publicação da Medida Provisória n° 676/15, posteriormente convertida na Lei n° 13.183/2015): de acordo com a nova redação do artigo 29-C da Lei n° 8.213/91, o segurado que preencher o requisito para a aposentadoria por tempo de contribuição poderá optar pela não incidência do fator previdenciário no cálculo de sua aposentadoria, quando o total resultante da soma de sua idade e de seu tempo de contribuição, incluídas as frações, na data de requerimento da aposentadoria, for igual ou superior a 95 pontos (se homem, observado o tempo mínimo de contribuição de 35 anos) ou igual ou superior a 85 pontos (se mulher, observado o tempo mínimo de contribuição de 30 anos). Para tanto, serão somadas as frações em meses completos de tempo de contribuição e idade. Observar-se-á também a tabela progressiva de pontuação no curso do tempo.
Mais uma vez, a alteração ocorre somente no valor do benefício, permanecendo inalteradas as regras para sua a concessão.
De qualquer sorte, resta expressamente garantido no artigo 9º da Emenda Constitucional nº 20/98 a opção ao segurado pela regra mais vantajosa: a de transição ou permanente (artigo 201, § 7º, inciso I, da Constituição Federal de 1988).
A carência exigida no caso de aposentadoria especial/por tempo de serviço/contribuição é de 180 contribuições. No entanto, para os segurados inscritos na Previdência Social urbana até 24.07.1991, bem como para os trabalhadores e empregadores rurais cobertos pela Previdência Social rural, a carência para as aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá à tabela de acordo com o ano em que o segurado implementou as condições necessárias à obtenção do benefício (artigo 142 da Lei de Benefícios).
Por derradeiro, em relação ao fator de conversão, considerada a DER (quando já se encontrava em vigor o artigo 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91 com a redação dada pela Lei nº 9.032/95), devem ser aplicados a todo o período laboral os fatores de conversão previstos no artigo 64 do Decreto nº 357/91, que regulamenta o referido diploma legal. Assim, utiliza-se o fator 1,4 (homem - 25 anos de especial para 35 anos de comum) ou 1,2 (mulher - 25 anos de especial para 30 anos de comum).
Na espécie, impende ser aplicado o fator de conversão 1,4, haja vista que o reconhecido agente nocivo ruído está relacionado no Anexo IV do Decreto 3.048/99 como ensejador de aposentadoria aos 25 anos.
Desse modo, acolho o apelo do INSS no particular.
Cômputo para aposentadoria por tempo de contribuição
Quanto ao preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, levando em conta o reconhecimento administrativo dos vínculos laborais (evento 1, OUT12 a OUT15) e o reconhecimento judicial dos períodos de atividades exercidas sob condições especiais, convertidos para comum pelo fator correspondente (no caso 1,4), tem-se a seguinte contagem:
CONTAGEM DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO
TEMPO DE SERVIÇO COMUM
Data de Nascimento | 09/02/1951 |
Sexo | Masculino |
DER | 04/02/2015 |
- Tempo já reconhecido pelo INSS:
Marco Temporal | Tempo | Carência |
Até a data da EC nº 20/98 (16/12/1998) | 12 anos, 5 meses e 11 dias | 152 carências |
Até a data da Lei 9.876/99 (28/11/1999) | 12 anos, 5 meses e 11 dias | 152 carências |
Até a DER (04/02/2015) | 22 anos, 8 meses e 29 dias | 277 carências |
- Períodos acrescidos:
Nº | Nome / Anotações | Início | Fim | Fator | Tempo | Carência |
1 | - | 07/10/1976 | 20/06/1977 | 0.40 Especial | 0 anos, 8 meses e 14 dias + 0 anos, 5 meses e 2 dias = 0 anos, 3 meses e 12 dias | 0 |
2 | - | 01/07/1978 | 01/08/1979 | 0.40 Especial | 1 anos, 1 meses e 1 dias + 0 anos, 7 meses e 24 dias = 0 anos, 5 meses e 7 dias | 0 |
3 | - | 01/02/1980 | 05/12/1980 | 0.40 Especial | 0 anos, 10 meses e 5 dias + 0 anos, 6 meses e 3 dias = 0 anos, 4 meses e 2 dias | 0 |
4 | - | 01/03/1982 | 25/09/1983 | 0.40 Especial | 1 anos, 6 meses e 25 dias + 0 anos, 11 meses e 9 dias = 0 anos, 7 meses e 16 dias | 0 |
5 | - | 23/04/1984 | 10/07/1987 | 0.40 Especial | 3 anos, 2 meses e 18 dias + 1 anos, 11 meses e 4 dias = 1 anos, 3 meses e 14 dias | 0 |
6 | - | 01/08/1987 | 30/11/1987 | 0.40 Especial | 0 anos, 4 meses e 0 dias + 0 anos, 2 meses e 12 dias = 0 anos, 1 meses e 18 dias | 0 |
7 | - | 01/03/1988 | 27/05/1994 | 0.40 Especial | 6 anos, 2 meses e 27 dias + 3 anos, 8 meses e 28 dias = 2 anos, 5 meses e 29 dias | 0 |
Marco Temporal | Tempo de contribuição | Carência | Idade | Pontos (Lei 13.183/2015) |
Até a data da EC nº 20/98 (16/12/1998) | 18 anos, 0 meses e 19 dias | 152 | 47 anos, 10 meses e 7 dias | inaplicável |
Pedágio (EC 20/98) | 4 anos, 9 meses e 10 dias | |||
Até a data da Lei 9.876/99 (28/11/1999) | 18 anos, 0 meses e 19 dias | 152 | 48 anos, 9 meses e 19 dias | inaplicável |
Até a DER (04/02/2015) | 28 anos, 4 meses e 7 dias | 277 | 63 anos, 11 meses e 25 dias | inaplicável |
- Aposentadoria por tempo de serviço / contribuição
Nessas condições, em 16.12.1998, a parte autora não tinha direito à aposentadoria por tempo de serviço, ainda que proporcional (regras anteriores à EC 20/98), porque não cumpria o tempo mínimo de serviço de 30 anos.
Em 28.11.1999, a parte autora não tinha direito à aposentadoria por tempo de contribuição, ainda que proporcional (regras de transição da EC 20/98), porque não preenchia o tempo mínimo de contribuição de 30 anos, o pedágio de 04 anos, 09 meses e 10 dias (EC 20/98, art. 9°, § 1°, inc. I) e nem a idade mínima de 53 anos.
Por fim, na data de 04.02.2015 (DER), a parte autora não tinha direito à aposentadoria por tempo de contribuição, ainda que proporcional (regras de transição da EC 20/98), porque não preenchia o tempo mínimo de contribuição de 30 anos e nem o pedágio de 04 anos, 09 meses e 10 dias (EC 20/98, art. 9°, § 1°, inc. I).
Reafirmação da Data de Entrada do Requerimento (DER)
Em face do pedido veiculado pela parte autora do qual foi oportunizada manifestação do INSS, em atenção ao contraditório, passo à análise da possibilidade de reafirmação da Data de Entrada do Requerimento (DER).
A reafirmação da DER, para todas as situações que resultem benefício mais vantajoso ao interessado, é admitida pelo INSS, conforme Instrução Normativa nº 77/2015:
Art. 690. Se durante a análise do requerimento for verificado que na DER o segurado não satisfazia os requisitos para o reconhecimento do direito, mas que os implementou em momento posterior, deverá o servidor informar ao interessado sobre a possibilidade de reafirmação da DER, exigindo-se para sua efetivação a expressa concordância por escrito.
Parágrafo único. O disposto no caput aplica-se a todas as situações que resultem em benefício mais vantajoso ao interessado.
Com efeito, a implementação dos requisitos para recebimento do benefício após a entrada do requerimento administrativo pode ser considerada como fato superveniente, nos termos dos artigos 462 do Código de Processo Civil de 1973 e 493 do Código de Processo Civil de 2015:
Art. 462. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença.
Art. 493. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão.
A 3ª Seção deste Tribunal firmou entendimento quanto ao tema em incidente de assunção de competência. No julgamento de questão de ordem na AC 5007975-25.2013.4.04.7003, em 06.04.2017, restou uniformizada a jurisprudência no seguinte sentido:
INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA. REAFIRMAÇÃO DA DER. POSSIBILIDADE. A 3ª Seção desta Corte tem admitido a reafirmação da DER, prevista pela Instrução Normativa nº 77/2015 do INSS e ratificada pela IN nº 85, de 18/02/2016, também em sede judicial, nas hipóteses em que o segurado implementa todas as condições para a concessão do benefício após a conclusão do processo administrativo, admitindo-se cômputo do tempo de contribuição inclusive quanto ao período posterior ao ajuizamento da ação, desde que observado o contraditório, e até a data do julgamento da apelação ou remessa necessária. Incumbe à parte autora demonstrar a existência do fato superveniente (art. 493 do NCPC) em momento anterior à inclusão do processo em pauta de julgamento, através de formulário PPP, laudo da empresa, PPRA, LTCAT etc., oportunizando-se ao INSS manifestar-se sobre a prova juntada, bem como sobre a inconsistência dos registros do extrato do CNIS. Honorários advocatícios incidirão sobre as parcelas vencidas a contar da data da reafirmação da DER até a sentença ou o acórdão que reconhecer e conceder o direito à aposentadoria ao segurado. Juros de mora e correção monetária deverão ser calculados a contar da data em que reafirmada a DER. (ACREEO nº 5007975-25.2013.404.7003, TRF/4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, 18.4.2017)
O Superior Tribunal de Justiça, concluindo o julgamento do Tema 995, em acórdão publicado em 02.12.2019, firmou a seguinte tese:
É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir.
Em 21.05.2020 foi publicado o julgamento dos embargos de declaração opostos nos recursos especiais afetados ao Tema 995, cujo voto do Relator, Min. Mauro Campbell Marques, esclareceu que não há necessidade de novo requerimento administrativo para a reafirmação da DER; que a reafirmação pode ser deferida no curso do processo ainda que não haja pedido expresso na inicial; que pode ser reconhecido o direito a benefício diverso do requerido; que o benefício é devido a partir do momento em que reconhecido o direito; que pode ser juntada prova na fase de apelação; que se a reafirmação da DER for feita para data posterior ao ajuizamento da ação (o que era o objeto do Tema) os juros moratórios somente incidirão se o INSS não implantar o benefício no prazo de 45 dias, sendo então contados a partir desse momento, verbis:
Importante consignar que o prévio requerimento administrativo já foi tema decidido pelo Supremo Tribunal Federal, julgamento do RE 641.240/MG. Assim, mister o prévio requerimento administrativo, para posterior ajuizamento da ação nas hipóteses ali delimitadas, o que não corresponde à tese sustentada de que a reafirmação da DER implica na burla do novel requerimento.
A reafirmação da DER poderá ocorrer no curso do processo, ainda que não haja prévio pedido expresso na petição inicial. Conforme delimitado no acórdão recorrido, existindo pertinência temática com a causa de pedir, o juiz poderá reconhecer de ofício outro benefício previdenciário daquele requerido, bem como poderá determinar seja reafimada a DER.
Caso reconhecido o benefício por intermédio da reafirmação da DER, seu termo inicial corresponderá ao momento em que reconhecido o direito, sem atrasados.
Quanto à mora, é sabido que a execução contra o INSS possui dois tipos de obrigações: a primeira consiste na implantação do benefício, a segunda, no pagamento de parcelas vencidas a serem liquidadas e quitadas pela via do precatório ou do RPV.
No caso da reafirmação da DER, conforme delimitado no acórdão embargado, o direito é reconhecido no curso do processo, não havendo que se falar em parcelas vencidas anteriormente ao ajuizamento da ação.
Por outro lado, no caso de o INSS não efetivar a implantação do benefício, primeira
obrigação oriunda de sua condenação, no prazo razoável de até quarenta e cinco dias, surgirá, a partir daí, parcelas vencidas oriundas de sua mora. Nessa hipótese deve haver a fixação dos juros, a serem embutidos no requisitório.
Quanto à obscuridade apontada, referente ao momento processual oportuno para se reafirmar a DER, afirma-se que o julgamento do recurso de apelação pode ser convertido em diligência para o fim de produção da prova.
Ante o exposto, acolho os embargos de declaração, sem efeito modificativo.
Em 26.08.2020, no julgamento de novos embargos de declaração, nos autos do REsp. 1.727.064, restou consignado pelo Ministro Relator (negritos no original):
Consoante se extrai da tese firmada é crível a ocorrência de reafirmação da DER no momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício pleiteado, sendo o período a ser considerado o interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias.
Do referido entendimento é possível extrair a compreensão no sentido de que no momento em que a reafirmação for levada a efeito, todos os requisitos legais necessários à concessão do benefício pleiteado serão reavaliados, notadamente aqueles implementados ao longo da tramitação processual nas instâncias ordinárias.
Ocorre que tal tese não se vincula à fixação do termo inicial à percepção do benefício em si, pois esse, por óbvio está condicionado à comprovação simultânea de todos os requisitos que lhe são inerentes.
Em síntese, a data da reafirmação da DER, isoladamente considerada, não é necessariamente coincidente com o termo a quo para a concessão do benefício por ela reconhecido.
Com efeito, resulta do julgamento do recurso especial repetitivo, a determinação de retorno dos autos ao Tribunal a quo para que, permitida a reafirmação da DER, seja efetivado o cômputo do tempo de serviço prestado no curso do processo, e reavaliado o preenchimento dos requisitos para aposentadoria especial.
Em outras palavras, o acórdão embargado apenas determina que o Tribunal examine, com base nos elementos probatórios presentes no período assinalado (reafirmação da DER), se há elementos aptos a conceder ao segurado a pleiteada aposentadoria especial. Uma vez presentes todos os elementos, estará facultado àquela instância substituir a então concedida aposentadoria por contribuição e fixar - mediante resultado oriundo de atividade probatória apta a apurar o momento em que preenchido todos os requisitos - novo termo inicial para o benefício em questão.
De fato, se ainda não implementadas as condições suficientes para a concessão do benefício na data do requerimento administrativo, inexiste óbice para considerar-se a satisfação dos requisitos em momento posterior, por imperativo da economia processual, desde que observado o necessário contraditório.
E como se vê do último parágrafo transcrito, "o momento em que preenchido todos os requisitos" será o "novo termo inicial para o benefício", assertiva que foi fixada pelo Ministro Relator, no mesmo julgamento, também ao apreciar os embargos de declaração opostos pelo "amicus curiae" Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP): "A Teoria foi observada por ser um dos fundamentos adotados no acórdão embargado, para se garantir o direito a partir de seu nascimento, isto é, a partir do preenchimento dos requisitos do benefício".
No caso, de acordo com as informações contidas no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), verifica-se que o autor foi empregado de Fátima Atima Eiko Fukami até a data de 20.11.2017.
Somando-se os tempos de serviço/contribuição já reconhecidos no âmbito administrativo e em juízo com aquele posteriormente prestado, até a data deste julgamento, verifica-se a impossibilidade de reafirmação da Data de Entrada do Requerimento (DER).
Sendo assim, na data de 20.11.2017 (reafirmação da DER), a parte autora não tinha direito à aposentadoria por tempo de contribuição, ainda que proporcional (regras de transição da EC 20/98), porque não preenchia o pedágio de 04 anos, 09 meses e 10 dias (EC 20/98, art. 9°, § 1°, inc. I) .
Conclusão
Desse modo, a parte autora possui direito ao reconhecimento do tempo de serviço exercido sob condições especiais nos períodos de 07.10.1976 a 20.06.1977, 01.07.1978 a 01.08.1979, 01.02.1980 a 05.12.1980, 01.03.1982 a 25.09.1983, 23.04.1984 a 10.07.1987, 01.08.1987 a 30.11.1987 e de 01.03.1988 a 27.05.1994, com a aplicação do fator de conversão 1,4, devendo o INSS promover a averbação de tais acréscimos em seus registros, os quais valerão para todos os fins do Regime Geral da Previdência Social, exceto para carência.
Consectários da Condenação
Honorários Advocatícios
Reconhecidos quase todos os períodos de atividades em condições especiais postulados pela parte autora, sem a concessão do benefício pretendido, verifica-se a sucumbência recíproca na espécie (artigo 86 do Código de Processo Civil), fixando-se os honorários em 10% sobre o valor atualizado da causa, cabendo a cada litigante o pagamento de metade desse valor, sem compensação (artigo 85, § 14, do Código de Processo Civil), observada a suspensão da exigibilidade da parte autora em face da assistência judiciária gratuita.
Em grau recursal, consoante entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, a majoração é cabível quando se trata de "recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente" (STJ, AgInt nos EREsp 1539725/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 2ª S., DJe 19.10.2017).
Acolhido o apelo do INSS, não cabe majoração da verba honorária na instância recursal.
Custas
Custas processuais por metade, observada a assistência judiciária gratuita em relação à parte autora.
O INSS é isento do pagamento das custas processuais no Foro Federal (artigo 4.º, I, da Lei n.º 9.289/96), mas não quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF/4ª Região.
Prequestionamento
Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil.
Conclusão
- remessa ex officio: não conhecida;
- apelação da parte autora: improvida,
- apelação do INSS: provida para determinar a incidência do fator de conversão 1,4 para efeito de cálculo do tempo de contribuição.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa necessária, negar provimento à apelação da parte autora e dar provimento à apelação do INSS.
Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003034896v16 e do código CRC f8b762c8.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Data e Hora: 22/2/2022, às 21:36:22
Conferência de autenticidade emitida em 02/03/2022 04:17:12.
Apelação/Remessa Necessária Nº 5009736-46.2021.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS E OUTRO
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. servente. cal e cimento. prova. não reconhecimento. requisitos não preenchidos. averbação.
A lei em vigor quando da prestação dos serviços define a configuração do tempo como especial ou comum, o qual passa a integrar o patrimônio jurídico do trabalhador, como direito adquirido.
Até 28.4.1995 é admissível o reconhecimento da especialidade do trabalho por categoria profissional; a partir de 29.4.1995 é necessária a demonstração da efetiva exposição, de forma não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde, por qualquer meio de prova; a contar de 06.5.1997 a comprovação deve ser feita por formulário-padrão embasado em laudo técnico ou por perícia técnica.
É possível o reconhecimento do caráter especial de atividades como pedreiro, servente de pedreiro, concreteiro, mestre de obras e outros serviços da construção civil, expostas a poeira de cal, cimento e demais álcalis cáusticos, se houver manuseio habitual e permanente desses materiais, bem como, até 28/4/1995, por enquadramento em categoria profissional, dada a similaridade com os trabalhadores em edifícios, barragens, pontes e torres na construção civil (códigos 1.2.9 e 2.3.3 do Quadro Anexo ao Decreto nº 53.831/64).
Descabe o reconhecimento da especialidade quando não demonstrado nos autos que na função de servente havia sujeição a agentes nocivos à saúde humana.
Se o segurado não atinge o tempo de labor, para fins de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, faz jus somente à averbação do tempo de serviço exercido sob condições especiais, com a aplicação do fator de conversão 1,4, judicialmente reconhecidos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, não conhecer da remessa necessária, negar provimento à apelação da parte autora e dar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 22 de fevereiro de 2022.
Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003034897v4 e do código CRC b7983f19.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Data e Hora: 22/2/2022, às 21:36:22
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 15/02/2022 A 22/02/2022
Apelação/Remessa Necessária Nº 5009736-46.2021.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PROCURADOR(A): SERGIO CRUZ ARENHART
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELANTE: ELIAS MESSIAS DA SILVA
ADVOGADO: GEMERSON JUNIOR DA SILVA (OAB PR043976)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 15/02/2022, às 00:00, a 22/02/2022, às 16:00, na sequência 1288, disponibilizada no DE de 04/02/2022.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECER DA REMESSA NECESSÁRIA, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
SUZANA ROESSING
Secretária
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