Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gabinete do Des. Federal Penteado - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90019-395 - Fone: (51)3213-3484 - www.trf4.jus.br - Email: gpenteado@trf4.jus.br
Apelação Cível Nº 5003324-73.2020.4.04.7012/PR
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
APELANTE: ROSANI MARIA ZATTA ZANOTTO (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de ação em que a parte autora objetiva a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento do tempo de atividade rural, de 08/10/1971 a 02/07/1978 e de 13/02/1979 a 23/02/1983.
Sentenciando, em 07/10/2021, o MM. Juiz julgou o pedido, nos seguintes termos:
Ante o exposto, julgo improcedente o pedido formulado pela parte autora, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil.
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, atualizado nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97.
Saliento, conduto, que a condenação decorrente da sucumbência fica suspensa por força da AJG concedida.
Sem custas (art. 4º, II, da Lei nº 9.289/96).
A autora apela. Defende a possibilidade do reconhecimento da atividade rural antes dos 12 anos, quando demonstrado o seu exercício. Alega que a principal fonte de renda da família era a renda proveniente da agricultura. Aponta a existência de início de prova material da atividade rural. Sustenta que o simples fato de o genitor constar como autônomo, no CNIS, não faz presumir referida atividade. Quanto a alegação de ofício urbano do pai, como empregado, no período de 1973 a 1977, sustenta que as informações constantes do cadastro não estão corretas. Requer o reconhecimento do período rural, bem como a concessão do benefício previdenciário. Caso se entenda pela necessidade de produção de prova oral, requer a designação de audiência para a oitiva das testemunhas.
Sem contrarrazões, os autos vieram a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
CONSIDERAÇÕES GERAIS - TEMPO DE SERVIÇO RURAL
O aproveitamento do tempo de atividade rural exercido até 31/10/1991, independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência, está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, §2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, inc. V, do Decreto n.º 3.048/99.
Outrossim, o cômputo do tempo de serviço rural exercido no período anterior à Lei n.º 8.213/91, em regime de economia familiar e sem o recolhimento das contribuições, aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da lei previdenciária (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 10/11/2003).
A comprovação do exercício do trabalho rural pode ser feita mediante a apresentação de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea, quando necessária ao preenchimento de lacunas - não sendo esta admitida, exclusivamente, nos termos do art. 55, §3º, da Lei nº 8.213/91, bem como da Súmula nº 149 do STJ e do REsp nº 1.321.493/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, 1ª Seção, j. 10/10/2012, DJe 19/12/2012 (recurso representativo da controvérsia).
Importa, ainda, salientar os seguintes aspectos: (a) o rol de documentos constantes no art. 106 da Lei de Benefícios, os quais seriam aptos à comprovação do exercício da atividade rural, é apenas exemplificativo; (b) não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, sendo suficientes documentos que, juntamente com a prova oral, possibilitem juízo conclusivo quanto ao período de labor rural exercido (AREsp 327.119/PB, j. em 02/06/2015, DJe 18/06/2015); (c) certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora (REsp n.º 1.321.493-PR, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos); (d) É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório (Súmula 577/STJ (DJe 27/06/2016); (e) a prova material juntada aos autos possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o período posterior à data do documento, desde que corroborado por prova testemunhal (AgRg no AREsp 320558/MT, j. em 21/03/2017, DJe 30/03/2017); e (f) é admitido, como início de prova material, nos termos da Súmula 73 deste Tribunal, documentos de terceiros, membros do grupo parental.
Devido à alteração legislativa introduzida pela MP 871/2019, convertida na Lei n. 13.846, que modificou os arts. 106 e § 3º e 55 da Lei n. 8.213/91, a comprovação da atividade do segurado especial passa a ser determinada por meio de autodeclaração, corroborada por documentos que se constituam em início de prova material de atividade rural e/ou consulta às entidades públicas credenciadas, nos termos do disposto no art. 13 da Lei n. 12.188/2010, e por outros órgãos públicos, na forma prevista no Regulamento e não mais por declaração de sindicatos (Lei n. 13.846/2019).
Por meio do acréscimo do art. 38-A à Lei nº 8.213/91, foi prevista a criação do sistema de cadastro dos segurados especiais no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS). Nos termos do art. 38-B, o INSS utilizará as informações constantes do “CNIS Segurado Especial” para fins de comprovação do exercício da atividade e da condição do segurado especial e do respectivo grupo familiar.
Na redação conferida pela Lei 13.846/19, o “CNIS Segurado Especial” se tornaria, a partir de 1 de janeiro de 2023, a exclusiva fonte de informações para comprovação da condição de segurado especial do indivíduo. Tendo em vista a virtual impossibilidade de adesão completa ao cadastro até a referida data, a EC nº 103/19 (Reforma da Previdência), estabeleceu que esse prazo será prorrogado até a data em que o “CNIS Segurado Especial” atingir a cobertura mínima de 50% (cinquenta por cento) dos segurados especiais, a ser apurado conforme quantitativo da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD).
Enquanto não atingido tal objetivo, o Art. 38-B, da Lei nº 8.213/91, estabelece que “o segurado especial comprovará o tempo de exercício da atividade rural por meio de autodeclaração ratificada por entidades públicas credenciadas, nos termos do art. 13 da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, e por outros órgãos públicos, na forma prevista no regulamento".
Essas alterações foram adotadas pela administração previdenciária nos arts. 47 e 54 da IN 77 PRES/INSS, de 21 de janeiro de 2015, passando a ser aplicadas para os benefícios a partir de 18/01/2019, sendo, deste modo, dispensada a realização de justificação administrativa e as declarações de testemunhas para corroborar o início de prova material.
No entanto, entendo que se trata de norma de natureza processual, que deve ser aplicada de forma imediata aos processos em curso, independentemente da data do requerimento administrativo.
Segundo o Ofício Circular nº 46/DIRBEN/INSS, de 13/09/2019, a ratificação da autodeclaração do segurado especial será admitida para os requerimentos administrativos de aposentadoria por idade híbrida, certidão de tempo de contribuição (CTC) ou aposentadoria por tempo de contribuição, devendo ser corroborado, no mínimo, por um instrumento ratificador (base governamental ou documento) contemporâneo para cada período a ser analisado, observado o limite de eficácia temporal fixado em metade da carência para cada documento apresentado.
Dessa forma, na aposentadoria por idade ou por tempo de contribuição, cada documento autoriza o reconhecimento de até 7 anos e 6 meses de carência, de modo que para o tempo total de carência é exigido, ao menos, 2 documentos contemporâneos - um para cada metade, sendo que na hipótese de períodos intercalados de exercício de atividade rural e urbana superior a 120 (cento e vinte) dias no ano civil, deverá ser apresentado instrumento ratificador (base governamental ou documento) a cada retorno à atividade rural.
Quanto à contemporaneidade da prova documental, é verificada considerando a data de emissão/registro/homologação do cadastro ou documento.
O instrumento ratificador anterior ao período de carência será considerado se for contemporâneo ao fato nele declarado, devendo ser complementado por instrumento ratificador contemporâneo ao período de carência/controvertido, caso não haja elemento posterior que descaracterize a continuidade da atividade rural.
Quando o instrumento ratificador for insuficiente para reconhecer todo o período autodeclarado, deverá ser computado o período mais antigo em relação ao instrumento de ratificação, dentro do limite temporal de 7 anos e meio por documento. Se houver ratificação parcial do período que consta da autodeclaração, a comprovação deverá ser complementada mediante prova documental contemporânea ao período alegado do exercício de atividade rural.
Assim, as diretrizes administrativas lançadas pelo INSS autorizam o reconhecimento do tempo de serviço rural com base em declaração do segurado ratificada por prova material, dispensando-se a produção de prova oral em justificação administrativa.
Portanto, se é dispensada a realização de justificação administrativa, em regra não há razão para a produção de prova testemunhal em juízo, mas somente após o esgotamento da produção de prova documental e/ou em bancos de dados disponíveis é que se justifica a oitiva de testemunhas, caso necessário em razão de fundada dúvida a respeito do efetivo exercício de atividade rural.
Em conclusão, a comprovação do tempo rural em juízo não dependerá mais, na maioria dos casos, de prova oral, seja por meio de determinação de justificação administrativa, seja por meio de audiências. Se, em Juízo, não houver início de prova material, trata-se de hipótese de aplicação da tese fixada no Tema 629, do STJ, ou seja, a extinção do feito sem exame do mérito. Isso porque, como cediço, não há possibilidade de reconhecimento de tempo rural sem início de prova material (Súmula 149, STJ).
APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO/ SERVIÇO
Até 16 de dezembro de 1998, quando do advento da EC n.º 20/98, a aposentadoria por tempo de serviço disciplinada pelos arts. 52 e 53 da Lei n.º 8.213/91, pressupunha o preenchimento, pelo segurado, do prazo de carência (previsto no art. 142 da referida Lei para os inscritos até 24 de julho de 1991 e previsto no art. 25, II, da referida Lei, para os inscritos posteriormente à referida data) e a comprovação de 25 anos de tempo de serviço para a mulher e de 30 anos para o homem, a fim de ser garantido o direito à aposentadoria proporcional no valor de 70% do salário-de-benefício, acrescido de 6% por ano adicional de tempo de serviço, até o limite de 100% (aposentadoria integral), o que se dá aos 30 anos de serviço para as mulheres e aos 35 para os homens.
Com as alterações introduzidas pela EC nº 20/98, o benefício passou a denominar-se aposentadoria por tempo de contribuição, disciplinado pelo art. 201, § 7º, I, da Constituição Federal. A nova regra, entretanto, muito embora tenha extinto a aposentadoria proporcional, manteve os mesmos requisitos anteriormente exigidos à aposentadoria integral, quais sejam, o cumprimento do prazo de carência, naquelas mesmas condições, e a comprovação do tempo de contribuição de 30 anos para mulher e de 35 anos para homem.
Em caráter excepcional, para os segurados filiados até a data da publicação da Emenda, foi estabelecida regra de transição no art. 9º, §1º, possibilitando a concessão de aposentadoria proporcional quando, o segurado I) contando com 53 anos de idade, se homem, e 48 anos, se mulher e, atendido o requisito da carência, II) atingir tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de: a) 30 anos, se homem, e 25, se mulher; e b) um período adicional de contribuição (pedágio) equivalente a 40% do tempo que, na data da publicação da Emenda, faltaria para atingir o mínimo de tempo para a aposentadoria proporcional. O valor da aposentadoria proporcional será equivalente a 70% do salário-de-benefício, acrescido de 5% por ano de contribuição que supere a soma a que se referem os itens a e b supra, até o limite de 100%).
De qualquer modo, o disposto no art. 56 do Decreto n.º 3.048/99 (§§3º e 4º) expressamente ressalvou, independentemente da data do requerimento do benefício, o direito à aposentadoria pelas condições legalmente previstas à época do cumprimento de todos os requisitos, assegurando sua concessão pela forma mais benéfica, desde a entrada do requerimento.
CÁLCULO DA RENDA MENSAL INICIAL (RMI)
A renda mensal inicial do benefício será calculada de acordo com as regras da legislação infraconstitucional vigente na data em que o segurado completar todos os requisitos do benefício.
CASO CONCRETO
Conforme sentença, decidiu-se:
A parte autora, nascida em 07/10/1963, quer a averbação de tempo rural anterior a 12 anos de idade. Há duas razões para o indeferimento desse pedido.
Primeiramente, porque a jurisprudência majoritária do STJ/STF é no sentido da averbação do tempo rural sem contribuições ocorrer somente a partir dos 12 anos de idade. Observe-se que não estamos falando aqui de um vínculo de emprego que poderia determinar a averbação do tempo mesmo desde menor de idade. Estamos falando aqui de uma regra (artigo 55, §2o, da Lei n. 8.213/91) que permitiu a averbação de tempos em que a filiação ao RGPS não era existente, independente de contribuição. Então foi uma regra que estabeleceu um benefício, um direito de averbação que sequer existia no ordenamento e como tal ela pode conter limites.
Nesse sentido o artigo 11, VI, da Lei n. 8.213/91 tinha estabelecido a idade de 14 anos para que a pessoa pudesse averbar o tempo rural como segurado especial (tomando como parâmetro a CF/88), o que foi reduzido para 12 pelo STJ e pelo STF, com base na idade em que o trabalho seria permitido na Constituição anterior. Foi feita, então, uma interpretação extensiva desse marco de idade mínima, sendo fixado esse patamar de 12 anos como início do direito de contagem do tempo sem contribuição. Então a primeira razão para indeferimento é jurídica, não havendo direito à contagem do tempo antes dos 12 anos mesmo que tenha havido efetivo trabalho.
A segunda razão de indeferimento, é que deve ser demonstrada, de forma efetiva, a indispensabilidade do trabalho da parte autora para a subsistência do grupo familiar, o que é fundamental para que se caracterize a condição de segurado especial. Temos eventualmente um auxílio aos pais, mas também como regra um estudo primário até os 12 anos, o que somado com atividades normais de criança não permitem presumir, antes dos 12 anos, que os auxílios seriam relevantes ao ponto de determinar a condição de segurado especial. Para que isso fosse eventualmente possível, deveria ficar claro tratar-se de um eventual regime de trabalho forçado que poderia, de forma excepcional, como já feito pelo TRF4, permitir a averbação de período anterior, como requerido.
Com efeito, a limitação da idade para o reconhecimento de tempo de serviço rural, consoante jurisprudência dos Tribunais Superiores, está diretamente relacionada à proibição constitucional do trabalho pelo menor. Além disso, ainda que se trate de norma protetiva, e que, por isso, não poderia vir em prejuízo de reconhecimento de direitos, não basta para a comprovação de tempo de serviço na agricultura o fato de se tratar de filho de agricultores.
De fato, o efetivo desempenho de lides rurais em caráter de subsistência pressupõe o uso intensivo de força física pelo trabalhador, sendo razoável concluir-se que, de modo geral e em situações normais - em que não haja a exploração ilícita do trabalho infantil -, tais condições não se encontram presentes em momento prévio aos doze anos de idade.
Diante do exposto, no presente caso, a análise da atividade rural se limitará ao período de 08/10/1975 a 02/07/1978 e de 13/02/1979 a 23/02/1983.
Como início de prova material contemporâneo ao período que objetiva reconhecimento (Súmula 34 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais) a parte autora apresentou os seguintes documentos, conforme citado na petição inicial:
(1) Título definitivo de propriedade do lote n. 98 da gleba Barra do Marmeleiro, com área de 102.000 m², localizado no município de Renascença/PR, expedido em 16/11/1962 em favor do pai da autora;
(2) Certidão do INCRA em que consta que o pai da autora foi proprietário de um lote rural com área de 9,6 hectares no município de Renascença/PR durante o período de 1965 a 1971, e de outro lote rural com área de 24,2 hectares, no mesmo município, durante o período de 1972 a 1982.
(3) Ficha de inscrição do pai da autora no STR de Renascença, admitido em 09/09/1974, com anotação de pagamento de mensalidades entre os anos de 1974 a 1981;
(4) Certidão do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Francisco Beltrão/Pr, informando que Vitorino José Zatta, agricultor, pai da autora, adquiriu imóvel rural com área de 141.800 m², na data de 25/11/1971, e ITR do ano de 1971;
(5) Certidão do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Francisco Beltrão/Pr, informando que Vitorino José Zatta, agricultor, pai da autora, adquiriu imóvel rural lote nº 98 com área de 102.000 m², na data de 16/11/1962;
(6) Certidão do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Francisco Beltrão/Pr, informando que Vitorino José Zatta, pai da autora, adquiriu imóvel rural lote nº 90 com área de 252.000 m², na data de 29/09/1960.
Pois bem. Em análise do extrato do CNIS de Vitorino José Zatta, pai da autora, consta que ele exerceu atividade urbana:
Por sua vez, a mãe da autora passou a receber pensão por morte do esposo a partir de 04/07/1981, na qualidade de comerciário:
Evidente, portanto, a existência de atividade diversa da agricultura e de outra fonte de renda, o que descaracteriza o regime de economia familiar defendido.
Consta ainda que a autora exerceu atividade urbana no período de 03/07/1978 a 12/02/1979, na empresa Telepar, como telefonista, no Município de Curitiba. Somente um novo início de prova material em nome próprio indicaria seu retorno ao meio rural no intervalo de 13/02/1979 a 23/02/1983. E no caso, não há início de prova material indicando o retorno da autora ao meio rural.
Assim, julgo improcedente o pedido de reconhecimento da atividade rural nos períodos de 08/10/1971 a 02/07/1978 e de 13/02/1979 a 23/02/1983.
A autora requereu a realização de audiência de instrução no processo para a oitiva das testemunhas, mas seu pleito foi indeferido, porque o juízo entendeu que os documentos apresentados nos autos já seriam suficientes à comprovação do trabalho rural (evento 19).
No caso, não há documentos contemporâneos suficientes para, juntamente com a autodeclaração, comprovar o período de atividade rural requerido pela autora. Portanto, é necessária a confirmação dos fatos mediante a realização de prova testemunhal.
Em primeiro lugar, é importante consignar que adoto a posição da possibilidade da contagem do intervalo de trabalho realizado antes dos 12 (doze) anos de idade, para fins de previdência, conforme decisão proferida na AC 5017267-34.2013.4.04.7100/RS, no TRF da 4ª Região.
Entretanto, essa possibilidade não desonera a parte de efetivamente comprovar o efetivo labor, que não pode ser mero auxílio eventual e sem significado em relação à produtividade do grupo familiar.
Para comprovação da condição de segurado especial, a Lei 8.213/91 exige o desempenho de trabalho rural, individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido aquele em que o trabalho dos membros da família se mostra indispensável à própria subsistência e seja exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sendo exigido, para o cônjuge, companheiro e filhos, comprovação do efetivo trabalho junto com o grupo.
Deste modo, deve ficar comprovado que as atividades desenvolvidas pelas crianças dentro do grupo familiar iam além de um mero auxílio nas atividades cotidianas, mas que elas exerciam um trabalho indispensável e de dependência em relação aos demais membros da família, como exige a lei da previdência.
Considerando que na infância a pessoa não possui a mesma aptidão física ao trabalho braçal no campo de um adolescente ou adulto, de forma a contribuir de forma efetiva e sensível na atividade produtiva, exige-se, para o reconhecimento do trabalho antes dos 12 anos de idade, prova contundente nesse sentido.
Quanto ao recebimento de renda urbana por membro familiar, ressalto que esse fato não é apto a descaracterizar, de plano, a condição de segurado especial da autora.
O exercício de atividade urbana por um dos membros da família não pode ser generalizado para descaracterizar o regime de economia familiar em caráter absoluto, encontrando aplicação também a Súmula nº 41 da TNU: A circunstância de um dos integrantes do núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica, por si só, a descaracterização do trabalhador rural como segurado especial, condição que deve ser analisada no caso concreto.
Por outro lado, essa circunstância, por óbvio, agrava o ônus probatório acerca da qualidade alegada, a qual exige a indispensabilidade do labor rural prestado para ser reconhecida. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADOR RURAL INDIVIDUAL. MEMBRO DA FAMÍLIA EXERCE ATIVIDADE URBANA. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL SEM CONSIDERAR O RENDIMENTO URBANO. 1. A legislação de regência admite tanto a figura do segurado especial em regime de economia familiar, quanto a do segurado especial em regime de economia individual. Os institutos foram criados de forma complementar, não sendo admissível a conclusão de que um anule ou absorva o outro. São institutos que devem sobreviver juntos, aplicando-se a situações fáticas diferenciadas. Não se trata de regime individual dentro do familiar, e sim de regime individual contraposto ao familiar. Dois conceitos estabelecidos de forma conjunta na legislação de regência não podem se destruir. Seria incoerente que o legislador criasse a figura do segurado especial em regime de economia familiar, se a família fosse irrelevante para fins de consideração de uma categoria diversa, de segurado em regime individual. Bastaria a criação do regime individual, que atenderia a todos os postulantes. O conceito principal e originário é o de segurado especial em regime de economia familiar, previsto em sede constitucional, sendo que o regime individual deve manter sua característica de complementaridade, já que fixado pela legislação infraconstitucional regulamentadora. 2. O trabalho individual que possibilita o reconhecimento da qualidade de segurado especial é, primeiramente, aquele realizado por produtor que trabalha na propriedade em que mora e não possui família. Isso porque a legislação não poderia prejudicar ou punir, de forma desarrazoada, aquele que não pertence a grupo familiar algum, excluindo-o da possibilidade de ser abrigado pelo Regime Geral de Previdência na qualidade de segurado especial. Também se caracteriza como segurado especial individual o trabalhador avulso, conhecido como "boia-fria" ou "volante", que independentemente de não possuir produção própria, é absolutamente vulnerável, encontrando proteção na legislação de regência. 3. Já o produtor rural que possui família e pleiteia o reconhecimento da qualidade de segurado especial deve necessariamente demonstrar a relevância do trabalho na lavoura no orçamento familiar. Essa conclusão se ancora no § 1º do art. 11 da Lei nº 8.213/91, que exige que o trabalho dos membros da família seja indispensável à própria subsistência do grupo. Entendimento consagrado na Súmula nº 41 da TNU. Dessa forma, se algum membro integrante do grupo familiar auferir renda proveniente de atividade urbana, esse dado não pode deixar de ser considerado em comparação com a renda proveniente da atividade rural da família para efeito de definir se os familiares que exercem atividade rural podem se qualificar como segurados especiais. Descaracterizado o regime de economia familiar, não se pode postular o reconhecimento de qualidade de segurado especial individual com desprezo do rendimento urbano auferido pelos demais membros da família. Esse entendimento, divergente do acórdão paradigma, é o que prevaleceu na TNU em julgamento representativo de controvérsia (Processo nº 2008.72.64.000511-6, Relator para acórdão Juiz Rogerio Moreira Alves, DJU 30/11/2012). 4. Pedido improvido.Acordam os membros da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, por maioria, negar provimento ao pedido de uniformização.
(Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, PEDILEF 201072640002470, JUIZ FEDERAL ROGÉRIO MOREIRA ALVES, TNU, DOU 20/09/2013 pág. 142/188.)
Além disso, somente com base nos dados constantes do CNIS, não ficou claro se o pai da autora desenvolveu atividade urbana em todo o período requerido na inicial.
Aponto que a simples inscrição como autônomo não é hábil, isoladamente, a comprovar o efetivo exercício do labor urbano por parte de integrante do grupo familiar, bem como a existência de contribuições vertidas na qualidade de contribuinte individual, também não descaracterizam, por si só, a qualidade de segurado, devendo ser considerado o conjunto probatório como um todo.
Nesse norte, veja-se o posicionamento do TRF-4:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL. SENTENÇA CITRA PETITA. VALOR DA CAUSA. ADEQUAÇÃO. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO. INTERESSE PROCESSUAL. EXISTÊNCIA. CAUSA MADURA. ATIVIDADE RURAL. SEGURADO ESPECIAL. ATIVIDADE URBANA DE MEMBRO DA FAMÍLIA. TUTELA ESPECÍFICA.[...] 5. Não obsta o reconhecimento do regime de economia familiar o fato de o genitor da parte autor ser titular de aposentadoria na qualidade de trabalhador urbano, uma vez que é comum entre os trabalhadores rurais o recolhimento de contribuições para o regime urbano, como segurado facultativo ou contribuinte individual, muito embora nunca tenham se afastado das lides campesinas, justificando-se essa atitude pelo receio, fundado essencialmente na carência de conhecimento acerca de seus direitos, de não encontrarem amparo previdenciário na condição de trabalhador rural. [...] (TRF4, AC 5056250-96.2017.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 16/04/2019)
Dessa forma, verifica-se que a prova testemunhal é importante para o reconhecimento da atividade do segurado especial, pois conforta o indício que deriva da prova material. Além disso, amplia validamente o seu alcance, nos termos da Súmula 577 do STJ:
Súmula 577 do STJ: É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.
Dado que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (CF/88, art. 5º, inciso LV), o direito à produção de prova lícita deriva da garantia constitucional do devido processo legal, do direito constitucional à ampla defesa e igualmente do direito fundamental de acesso à justiça.
Finalmente, ressalto que, nos termos do IRDR 21, é viável a consideração, como início de prova material, dos documentos emitidos em nome de terceiros integrantes do núcleo familiar, após o retorno do segurado ao meio rural, quando corroborada por prova testemunhal idônea.
Assim, voto por anular a sentença, de ofício, determinando a devolução dos autos ao Juízo de origem, para a realização da audiência de instrução.
CONCLUSÃO
Apelação da autora provida, para anular a sentença e determinar a reabertura da instrução processual.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por ARTUR CÉSAR DE SOUZA, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003124172v33 e do código CRC 9bdc5922.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Data e Hora: 28/4/2022, às 15:48:51
Conferência de autenticidade emitida em 06/05/2022 04:01:08.
Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gabinete do Des. Federal Penteado - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90019-395 - Fone: (51)3213-3484 - www.trf4.jus.br - Email: gpenteado@trf4.jus.br
Apelação Cível Nº 5003324-73.2020.4.04.7012/PR
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
APELANTE: ROSANI MARIA ZATTA ZANOTTO (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE ATIVIDADE RURAL. NOVAS REGRAS PARA A COMPROVAÇÃO. MP 871/2019, CONVERTIDA NA LEI 13.846/2019. PROVA TESTEMUNHAL. imprescindibilidade. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE DA SENTENÇA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL.
1. Devido à alteração legislativa introduzida pela MP 871/2019, convertida na Lei n. 13.846, que modificou os arts. 106 e § 3º e 55 da Lei n. 8.213/91, a comprovação da atividade do segurado especial passa a ser determinada por meio de autodeclaração, corroborada por documentos que se constituam em início de prova material de atividade rural e/ou consulta às entidades públicas credenciadas, nos termos do disposto no art. 13 da Lei n. 12.188/2010, e por outros órgãos públicos, na forma prevista no Regulamento e não mais por declaração de sindicatos (Lei n. 13.846/2019).
2. A insuficiência da instrução processual acarreta a anulação da sentença e a consequente remessa dos autos à origem para reabertura da instrução.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 26 de abril de 2022.
Documento eletrônico assinado por ARTUR CÉSAR DE SOUZA, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003124173v7 e do código CRC 0fd4863b.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Data e Hora: 28/4/2022, às 15:48:51
Conferência de autenticidade emitida em 06/05/2022 04:01:08.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 18/04/2022 A 26/04/2022
Apelação Cível Nº 5003324-73.2020.4.04.7012/PR
RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PROCURADOR(A): MAURICIO GOTARDO GERUM
APELANTE: ROSANI MARIA ZATTA ZANOTTO (AUTOR)
ADVOGADO: DANIELE CRISTINA DEFENDI HOLUBE (OAB PR067295)
ADVOGADO: MATHEUS PRATES PEREIRA
ADVOGADO: DIRCEU DIMAS PEREIRA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 18/04/2022, às 00:00, a 26/04/2022, às 16:00, na sequência 79, disponibilizada no DE de 04/04/2022.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
SUZANA ROESSING
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 06/05/2022 04:01:08.