Apelação Cível Nº 5001703-80.2021.4.04.7214/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: ELSA RADAVELLI KARACZ (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de recurso da parte autora contra sentença prolatada em 24/04/2023 que julgou extinto o processo sem julgamento do mérito, nos seguintes termos: (
)"(...)
Ante o exposto, julgo extinto o processo, sem resolução do mérito, por falta de provas, com base no art. 485, IV, do CPC, nos termos da fundamentação.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas e de honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, na forma do artigo 85, §§ 2º e 3º e inciso III do § 4º, do CPC, restando suspensa sua exigibilidade em razão do deferimento da assistência judiciária gratuita.
(...)".
Em suas razões, sustenta a autora que apresentou documentação necessária para comprovar sua atividade como agricultora de 25/07/1971 a 18/06/1979 e, muito embora apenas o início de prova material não baste para a comprovação da atividade rural exercida, tais documentos são suficientes para que seja deferida a prova testemunhal, que corroborarão todas as alegações autorais. Requer a reforma da sentença, determinando-se a reabertura da instrução processual para que seja produzida prova testemunhal que irá esclarecer de maneira concisa se a autora realmente trabalhou na agricultura, bem como qualquer outra dúvida, sob pena de cerceamento de defesa. Por fim, busca a majoração dos honorários advocatícios para 20% sobre o total a ser apurado em fase de liquidação de sentença, em razão do recurso apresentado pelo autor, nos moldes do art. 85, §3 e §11, do novo CPC. (
)Oportunizado o prazo para contrarrazões, foram remetidos os autos ao Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Em suas razões, sustenta a autora que iniciou suas atividades na lavoura junto com sua família com 12 anos de idade, trabalhando em terras rurais do Município de Rio do Campo-SC, conforme documentação apresentada. Alega, ainda, que a decisão de primeiro grau ao dispensar a realização de audiência de instrução e julgamento para a comprovação da atividade campesina desenvolvida pelo recorrente constitui flagrante cerceamento de defesa, merecendo anulação.
Firmou declaração de que laborou no período como componente do grupo familiar, em imóvel rural de propriedade de sua família, que era explorado para a atividade agropecuária, sem contratação de empregados e sem indicação de outra fonte de renda (
, p. 36-39).Constam dos autos os seguintes documentos, em nome da parte autora ou de membros da família:
- comprovantes de frequência a escola isolada (rural ou de localidade rural) no(s) ano(s) de 1968 a 1971 (pai agricultor).
Atividade rural em regime de economia familiar
O aproveitamento do tempo de atividade rural exercido até 31 de outubro de 1991, independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência, está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, inc. V, do Decreto n.º 3.048/99.
Acresce-se que o cômputo do tempo de serviço rural exercido no período anterior à Lei n.º 8.213/91, em regime de economia familiar e sem o recolhimento das contribuições, aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da lei previdenciária (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 10/11/2003).
O tempo de serviço rural pode ser demonstrado mediante início de prova material contemporâneo ao período a ser comprovado, complementado por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, em princípio, a teor do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91, e Súmula n.º 149 do STJ.
Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando integrantes do mesmo núcleo familiar, consubstanciam início de prova material do labor rural, consoante inclusive consagrado na Súmula 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Cumpre salientar que, para caracterizar o início de prova material, não é necessário que os documentos apresentados comprovem, ano a ano, o exercício da atividade rural, seja porque se deve presumir a continuidade nos períodos imediatamente próximos, sobretudo no período anterior à comprovação, à medida que a realidade em nosso país é a migração do meio rural ao urbano, e não o inverso, seja porque é inerente à informalidade do trabalho campesino a escassez documental. O início de prova material deve viabilizar, em conjunto com a prova oral, um juízo de valor seguro acerca da situação fática.
No ponto, o Tribunal da Cidadania editou a Súmula n.º 577, a qual estampa entendimento jurisprudencial no sentido de que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório".
Por ser oportuno, ressalto que a prova do exercício de atividade rural pode ser realizada por todos os meios de prova admitidos em direito, consoante o disposto no art. 332 do CPC, mas com a restrição do artigo 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91.
Nada obstante, a partir do início da vigência da Medida Provisória nº 871/2019, passou a ser prevista nova modalidade de comprovação do exercício de atividade rural, mediante a apresentação de autodeclaração pelo segurado.
No que tange ao tema, assim disciplina o artigo 37-B da Lei nº 8.213/1991:
Art. 38-B. O INSS utilizará as informações constantes do cadastro de que trata o art. 38-A para fins de comprovação do exercício da atividade e da condição do segurado especial e do respectivo grupo familiar. § 1º A partir de 1º de janeiro de 2023, a comprovação da condição e do exercício da atividade rural do segurado especial ocorrerá, exclusivamente, pelas informações constantes do cadastro a que se refere o art. 38-A desta Lei. § 2º Para o período anterior a 1º de janeiro de 2023, o segurado especial comprovará o tempo de exercício da atividade rural por meio de autodeclaração ratificada por entidades públicas credenciadas, nos termos do art. 13 da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, e por outros órgãos públicos, na forma prevista no regulamento. (...)
A autodeclaração foi regulamentada pelo artigo 19-D, §§ 10, do Decreto nº 3.048/1999:
§ 10. Para o período anterior a 1º de janeiro de 2023, o segurado especial comprovará o exercício da atividade rural por meio de autodeclaração ratificada por entidades públicas credenciadas, nos termos do disposto no art. 13 da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, e por outros órgãos públicos, observado o seguinte: I - a autodeclaração será feita por meio do preenchimento de formulários que serão disponibilizados pelo INSS; II - a ratificação da autodeclaração será realizada por meio de informações obtidas das bases de dados da Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e de outras bases de dados a que o INSS tiver acesso; e III - as informações obtidas por meio de consultas às bases de dados governamentais que forem consideradas insuficientes para o reconhecimento do exercício da atividade rural alegada poderão ser complementadas por prova documental contemporânea ao período informado.
Essas alterações foram adotadas pela Administração previdenciária nos arts. 47 e 54 da IN/INSS n° 77/2015, passando a ser aplicadas para os benefícios a partir de 18/01/2019, sendo, deste modo, dispensada a realização de justificação administrativa e as declarações de testemunhas para corroborar o início de prova material. Tal raciocínio foi mantido com a vigência da IN/INSS n° 128/2022 (arts. 115 e 116).
O novo marco regulatório prevê que a comprovação do exercício de atividade rural do segurado especial, na esfera administrativa, passe a ser realizada por meio de autodeclaração ratificada por entidades públicas credenciadas ou por outros órgãos públicos, utilizando-se de pesquisa no CNIS e em demais bases governamentais (CAFIR, RGP, SDPA, DICFN, SNCR, SIPRA E MEI), bem como em documentos complementares juntados pela parte autora, dispensando a prova oral em complementação ao início de prova material juntado.
Inexistindo informações, ou sendo elas divergentes, os documentos subsidiarão a análise administrativa, dispensada a realização de justificação administrativa e as declarações de testemunhas para corroborar o início de prova material.
Assim, as diretrizes administrativas lançadas pelo INSS autorizam o reconhecimento do tempo de serviço rural com base em declaração do segurado ratificada por prova material, dispensando-se a produção de prova oral em justificação administrativa.
Seguindo essa linha de raciocínio, se é dispensada a realização de justificação administrativa, em regra, não haverá razão para a produção de prova testemunhal em juízo.
A despeito disso, a alteração do procedimento administrativo não implica a dispensa generalizada da produção de prova oral, a menos que a autodeclaração e os demais elementos de prova se mostrem suficientes para o reconhecimento da integralidade do período rural pretendido.
No cotejo do caso concreto, sempre deve ser avaliada a necessidade de dilação probatória em audiência ou, ainda, por meio de qualquer prova idônea e legalmente admitida em nosso ordenamento jurídico (art. 369 do CPC). Na hipótese de insuficiência probatória - e não sendo o caso de extinção sem resolução do mérito (Tema 629 do STJ) - deve ser ponderada a necessidade da audiência, previlegiando-se a sua realização, visto que imprescindível à complementação do convencimento do julgador, cabendo-lhe, inclusive, agir de ofício para o esclarecimento do ponto (art. 370 do CPC).
No caso em tela, a parte autora não se desincumbiu do seu ônus de comprovar o exercício de atividades como segurada especial no período de 25/07/1971 a 18/06/1979, não sendo apresentados documentos materiais suficientes que demonstrem o seu efetivo labor rurícola nesses períodos.
No entanto, merece acolhida a pretensão recursal, tendo em vista que a prova testemunhal, em se tratando de benefício devido a trabalhador rural, é essencial à comprovação da atividade, uma vez que se presta a corroborar os inícios de prova material apresentados. Trata-se, pois, de prova que, segundo o entendimento desta Corte, é indispensável à adequada solução do processo. Ademais, a oitiva das testemunhas da parte autora não causaria prejuízo ao INSS, pois caso o benefício seja concedido, estar-se-á apenas reconhecendo o direito do segurado.
Cumpre aqui enfatizar a nítida conotação social das ações de natureza previdenciária, as quais, na sua grande maioria, são exercitadas por pessoas hipossuficientes, resultando na angularização de uma relação processual de certa forma desproporcional, devendo ser oportunizados os depoimentos testemunhais, os quais podem, eventualmente, demonstrar as condições em que exercida a atividade rurícola.
Nesse sentido, manifestam-se os precedentes desta Turma:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. INTERESSE DE AGIR. PRESENÇA. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. TEORIA DA CAUSA MADURA. INAPLICÁVEL. PROVA ORAL. IMPRESCINDIBILIDADE PARA O DESLINDE DA CAUSA. SENTENÇA. NULIDADE. 1. O Supremo Tribunal Federal pacificou seu entendimento, em desde de repercussão geral (RExt 631.240/MG), pela desnecessidade de exaurimento da via administrativa como pressuposto do interesse de agir em juízo, bastando apenas, como regra geral, que tenha havido ingresso de requerimento administrativo antes do ajuizamento de demanda de concessão de benefícios previdenciário, como na espécie. 2. Diante da imprescindibilidade da produção, em juízo e sob o crivo do contraditório, de prova oral em lides cuja controvérsia reside na comprovação de labor rurícola na qualidade de segurado especial, mostra-se imperativa a anulação parcial da sentença, para a reabertura da fase instrutória e produção de prova testemunhal. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000564-16.2023.4.04.7217, 9ª Turma, minha relatoria, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 15/06/2023)
Diante disso, o julgamento antecipado do mérito mostrou-se prematuro, haja vista que há nos autos elementos para caracterizar o início de prova material, devendo o juízo a quo determinar o prosseguimento da instrução com a realização da oitiva das testemunhas que deverão ser arroladas pela parte autora.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora para determinar a anulação da sentença e a reabertura da instrução para a realização da prova testemunhal.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004337582v14 e do código CRC 068389ef.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5001703-80.2021.4.04.7214/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: ELSA RADAVELLI KARACZ (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. INTERESSE DE AGIR. PRESENÇA. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. TEORIA DA CAUSA MADURA. INAPLICÁVEL. PROVA ORAL. IMPRESCINDIBILIDADE PARA O DESLINDE DA CAUSA. SENTENÇA. NULIDADE.
1. O Supremo Tribunal Federal pacificou seu entendimento, em desde de repercussão geral (RExt 631.240/MG), pela desnecessidade de exaurimento da via administrativa como pressuposto do interesse de agir em juízo, bastando apenas, como regra geral, que tenha havido ingresso de requerimento administrativo antes do ajuizamento de demanda de concessão de benefícios previdenciário, como na espécie.
2. Diante da imprescindibilidade da produção, em juízo e sob o crivo do contraditório, de prova oral em lides cuja controvérsia reside na comprovação de labor rurícola na qualidade de segurado especial, mostra-se imperativa a anulação parcial da sentença, para a reabertura da fase instrutória e produção de prova testemunhal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora para determinar a anulação da sentença e a reabertura da instrução para a realização da prova testemunhal, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 12 de março de 2024.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004337583v4 e do código CRC cdfd7364.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 05/03/2024 A 12/03/2024
Apelação Cível Nº 5001703-80.2021.4.04.7214/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PROCURADOR(A): SERGIO CRUZ ARENHART
APELANTE: ELSA RADAVELLI KARACZ (AUTOR)
ADVOGADO(A): CEZAR AUGUSTO DOS SANTOS (OAB SC033279)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 05/03/2024, às 00:00, a 12/03/2024, às 16:00, na sequência 56, disponibilizada no DE de 23/02/2024.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARA DETERMINAR A ANULAÇÃO DA SENTENÇA E A REABERTURA DA INSTRUÇÃO PARA A REALIZAÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
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