Apelação Cível Nº 5007154-10.2020.4.04.9999/PR
RELATORA: Juíza Federal ÉRIKA GIOVANINI REUPKE
APELANTE: IVONE HANCK DE CASTRO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Ivone Hanck DE Castro propôs ação ordinária contra o Instituto Nacional de Seguro Social - INSS, em 04/02/2019, postulando a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a contar da data de entrada do requerimento administrativo (22/09/2017), mediante o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, no período de 01/09/1971 a 30/11/1989, bem como do tempo de serviço comum nos lapsos de 01/02/2010 a 31/03/2010 e de 01/05/2010 a 22/09/2017, em que verteu contribuições ao RGPS na condição de segurada facultativa, postulando pela autorização de complementação de valores devidos (
).Sobreveio sentença que julgou o pedido inicial nos seguintes termos (
):3. Dispositivo:
Ante o exposto, resolvendo esse processo de Ação Ordinária Previdenciária de Aposentadoria por Idade movida por Ivone Hanck de Castro contra Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do NCPC, julgo parcialmente procedente o pedido formulado na inicial para o fim de:
a) reconhecer o período de 01/09/1971 a 01/09/1986, equivalente à 15 (quinze) anos de tempo de serviço/contribuição, como trabalhadora rural em regime especial, para fins previdenciários;
b) declarar a possibilitar de a parte autora promover a complementação das contribuições, pagando a diferença entre o percentual pago e 20%, acrescidos de juros moratórios.
Tendo em conta a sucumbência recíproca de cada parte e, considerando que a parte autora não decaiu da parte mínima de seus pedidos (art. 86, §ún., do NCPC), dada, ademais, que após o advento do Estatuto da Advocacia os honorários passaram a pertencer aos causídicos e não mais às partes, tornando-se impossível mera compensação, já que não há identidade entre os sujeitos ativos e passivos da obrigação (como, aliás, hoje consta no art. 85, §14º, do NCPC), condeno a parte autora ao pagamento de 80% (oitenta por cento) e a ré ao pagamento de 20% (vinte por cento) das custas e despesas processuais, bem como ao pagamento dos honorários advocatícios em favor dos advogados das respectivas partes adversas, nas mesmas proporções, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, na forma do art. 85, §3º, I, do NCPC, tendo em vista o trabalho realizado pelo profissional, a pequena complexidade da lide e o mediano tempo nela despendido.
No caso da parte autora ser beneficiária da justiça gratuita, suspendo a exigibilidade na forma do art. 98, §3º, do NCPC.
Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação.
Em suas razões, sustenta dever ser oportunizada a complementação das contribuições previdenciárias vertidas sob alíquota de 11%, nos períodos de 01/02/2010 a 31/03/2010 e de 01/05/2010 a 22/09/2017, o que foi expressamente postulado durante o requerimento administrativo, de modo que os efeitos financeiros decorrentes de tal acerto devem retroagir à DER. Por fim, insurge-se em face dos critérios de fixação da condenação ao pagamento em honorários advocatício (
)É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Da complementação da contribuição previdenciária recolhida a menor e seus respectivos efeitos financeiros
No caso, a sentença assim concluiu quanto ao ponto ora recorrido (
):(...)
No entanto, em relação ao período em que a parte autora contribuiu como contribuinte individual (01/02/2010 a 31/03/2010 e 01/05/2010 a 31/01/2019), utilizou-se a alíquota de 11%, quando deveria ter por base a alíquota de 20% para ter direito ao benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição, uma vez que “o segurado que recolheu a alíquota de 11% (LC 123/2006) ou 5% (Lei 12.470/2011) não faz jus à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição” (TRF4, AC 5001376-30.2018.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 30/10/2019). Por força do que consta no art. 21, caput e §2º, da Lei n.º 8.212/91, o valor da contribuição deveria considerar, como dito (para permitir seu cômputo para fins de aposentadoria por tempo de contribuição), a alíquota de 20%, e não aquela de 11% ou 5% incidente sobre o salário-de-contribuição, de modo que ausentes comprovações de que o pagamento se deu com base nesse montante, inviável seu reconhecimento para fins da concessão da aposentadoria aqui pleiteada.
Todavia, “pode, a qualquer tempo, recolher a complementação das contribuições, pagando a diferença entre o percentual pago e 20%, acrescidos de juros moratórios, a fim de computar tais recolhimentos como tempo de contribuição para aposentar-se por tempo de contribuição” (TRF4, AC 5002328-09.2018.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 15/10/2019).
Ressalta-se que a eficácia da sentença não pode estar condicionada à eventual verificação futura do preenchimento dos requisitos legais, conforme vedação prevista no art. 492, parágrafo único, do CPC/2015:
Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.
Parágrafo único. A decisão deve ser certa, ainda que resolva relação jurídica condicional.
Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência do TRF4:
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REAFIRMAÇÃO DA DER. CONTRIBUIÇÕES DA LC 123/2006. COMPLEMENTAÇÃO DO RECOLHIMENTO. CÔMPUTO PARA FINS DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO INSUFICIENTE. IMPOSSIBILIDADE DE PROLAÇÃO DE SENTENÇA CONDICIONAL. 1. Comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade da atividade laboral por ele exercida. 2. Não tem direito à aposentadoria por tempo de contribuição o segurado que não possui tempo de serviço suficiente à concessão do benefício. Faz jus, no entanto, à averbação dos períodos judicialmente reconhecidos para fins de concessão futura. 3. O segurado que recolheu a alíquota de 11% (LC 123/2006) ou 5% (Lei 12.470/2011) não faz jus à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição. Contudo, pode, a qualquer tempo, recolher a complementação das contribuições, pagando a diferença entre o percentual pago e 20%, acrescidos de juros moratórios, a fim de computar tais recolhimentos como tempo de contribuição para aposentador-se por tempo de contribuição. 4. Consoante entendimento predominante nas Turmas que compõem a 3ª Seção do TRF4, é nula a sentença que condiciona a sua eficácia à verificação futura do preenchimento dos requisitos à aposentadoria pleiteada. (TRF4, AC 5001376-30.2018.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 30/10/2019)
Assim, no caso em tela, subtraindo-se o período em que a parte autora contribuiu como contribuinte individual, usando a alíquota de 11%, o período de carência não resta preenchido, motivo pelo qual a parte autora não faz jus ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
No entanto, após a complementação das contribuições nos períodos referidos na inicial, e caso completado o tempo necessário, caberá à autora requerer, administrativamente, a aposentadoria por tempo de contribuição.
Portanto, pelo acima exposto, a sentença merece ser julgada parcialmente procedente, para o fim de reconhecer o período de 01/09/1971 a 01/09/1986, equivalente à 15 (quinze) anos de tempo de serviço/contribuição, como trabalhadora rural em regime especial, bem como para possibilitar que a parte autora promova a complementação das contribuições, pagando a diferença entre o percentual pago e 20%, acrescidos de juros moratórios.
(...)
O Plano Simplificado é uma forma de inclusão previdenciária com percentual de contribuição reduzido de 20% para 11%, desde que o valor pago seja igual à alíquota multiplicada pelo valor do salário-mínimo vigente. A implementação deste plano se deu a partir da publicação da Lei Complementar 123/2006, com efeitos a partir de abril/2007 (Decreto 6.042/2007). Os segurados que contribuem nesta forma possuem proteção previdenciária, exceto para a aposentadoria voluntária por tempo de contribuição.
No caso, discute-se o possibilidade de complementação das competências pagas na forma do §2º do artigo 21 da Lei 8.212/1991:
Art. 21. A alíquota de contribuição dos segurados contribuinte individual e facultativo será de vinte por cento sobre o respectivo salário-de-contribuição.
§ 2o No caso de opção pela exclusão do direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a alíquota de contribuição incidente sobre o limite mínimo mensal do salário de contribuição será de: (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
I - 11% (onze por cento), no caso do segurado contribuinte individual, ressalvado o disposto no inciso II, que trabalhe por conta própria, sem relação de trabalho com empresa ou equiparado e do segurado facultativo, observado o disposto na alínea b do inciso II deste parágrafo; (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
II - 5% (cinco por cento): (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
a) no caso do microempreendedor individual, de que trata o art. 18-A da Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006; e (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011) (Produção de efeito)
b) do segurado facultativo sem renda própria que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencente a família de baixa renda. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 3o O segurado que tenha contribuído na forma do § 2o deste artigo e pretenda contar o tempo de contribuição correspondente para fins de obtenção da aposentadoria por tempo de contribuição ou da contagem recíproca do tempo de contribuição a que se refere o art. 94 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, deverá complementar a contribuição mensal mediante recolhimento, sobre o valor correspondente ao limite mínimo mensal do salário-de-contribuição em vigor na competência a ser complementada, da diferença entre o percentual pago e o de 20% (vinte por cento), acrescido dos juros moratórios de que trata o § 3o do art. 5o da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 5o A contribuição complementar a que se refere o § 3o deste artigo será exigida a qualquer tempo, sob pena de indeferimento do benefício.
A Lei, nos §3º e 5º do artigo citado, garante a complementação a qualquer tempo, mediante recolhimento, sobre o valor correspondente ao limite mínimo mensal do salário-de-contribuição em vigor na competência a ser complementada, da diferença entre o percentual pago e o de 20%, acrescido dos juros moratórios.
É, portanto, legal o direito à complementação das contribuições recolhidas na forma do plano simplificado caso o segurado queira se valer das competências para fins de aposentadoria por tempo de contribuição.
Segundo entendimento deste Tribunal, em geral o recolhimento das contribuições previdenciárias produz efeitos ex nunc, de modo que, somente a partir da indenização/complementação é possível a contagem das contribuições que foram recolhidas a destempo ou a menor. Portanto, em que pese sempre seja possível a complementação, não é possível a concessão de benefício, com aproveitamento desses períodos, em momento anterior ao da regularização das contribuições:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE RURAL. NOVAS REGRAS PARA A COMPROVAÇÃO. MP 871/2019, CONVERTIDA NA LEI 13.846/2019. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. PERÍODO RURAL POSTERIOR A 1991. AVERBAÇÃO CONDICIONADA AO PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO. DATA DO INÍCIO DOS EFEITOS FINANCEIROS. 1. Devido à alteração legislativa introduzida pela MP 871/2019, convertida na Lei n. 13.846, que modificou os arts. 106 e § 3º e 55 da Lei n. 8.213/91, a comprovação da atividade do segurado especial passa a ser determinada por meio de autodeclaração, corroborada por documentos que se constituam em início de prova material de atividade rural e/ou consulta às entidades públicas credenciadas, nos termos do disposto no art. 13 da Lei n. 12.188/2010, e por outros órgãos públicos, na forma prevista no Regulamento e não mais por declaração de sindicatos (Lei n. 13.846/2019). 2. O STJ firmou o entendimento de que na hipótese de ajuizamento de ação com pedido de concessão de aposentadoria rural, a ausência/insuficiência de prova material não é causa de improcedência do pedido, mas sim de extinção sem resolução de mérito. 3. O ato de recolhimento/complementação de contribuições possui efeito constitutivo do direito, e não meramente declaratório, porquanto a parte só perfaz os requisitos legais à concessão do benefício a partir do efetivo recolhimento. 4. A data do início do efeito financeiro do benefício deve ser fixada na data do pagamento da indenização. (TRF4, AC 5001510-77.2021.4.04.7016, DÉCIMA TURMA, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 11/04/2023)
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. EMISSÃO DE GPS. INDENIZAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. REGRA DE TRANSIÇÃO. ARTIGO 17 DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 103/2019. ATIVIDADE RURAL ANTERIOR. RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES EM ATRASO. POSSIBILIDADE DE SUA CONTABILIZAÇÃO NO CÔMPUTO DO TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. LABOR URBANO. RECOLHIMENTO DAS EXAÇÕES EM VALOR INFERIOR AO MÍNIMO. POSSIBILIDADE DE QUITAÇÃO PARA QUE TAIS PERÍODOS INTEGREM O TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. EFEITOS FINANCEIROS DA CONDENAÇÃO. REFORMA DA SENTENÇA. 1. Com a revogação do artigo 59 do Decreto nº 3.048/99, promovida pelo Decreto nº 10.410/2020, o INSS expediu o Comunicado DIVBEN3 nº 02/2021, passando a entender que as contribuições recolhidas em atraso a partir de 01/07/2020 não poderiam ser consideradas para fins de cálculo do tempo de contribuição em 13/11/2019, data da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103/2019, ou seja, não poderia ser computado para fins de aplicação do pedágio. 2. A interpretação conferida pelo INSS, ao recolhimento em atraso de contribuições relativas ao labor rural ou como contribuinte individual cujo exercício foi regularmente reconhecido, carece de fundamento de validade em lei. 3. Mantida a sentença que concedeu a segurança, a fim de determinar a emissão das guias para indenização do período rural, bem como o cômputo de tais períodos, uma vez efetuado o recolhimento das exações respectivas, para fins de tempo de contribuição. 4. É possível considerar-se como tempo de contribuição aqueles períodos cuja contribuição foi inferior ao mínimo legal, na forma do artigo 29, inciso I, da EC 103/2019, que dispôs expressamente sobre a viabilidade de complementação da exação, de forma a alcançar o limite mínimo exigido. Precedentes deste Tribunal. 5. Malgrado seja possível realizar-se a indenização pretendida pela parte impetrante para fins de reconhecimento de tempo de serviço, cabendo à Autarquia previdenciária conceder o benefício segundo as regras vigentes à época do requerimento administrativo, quando implementados os pressupostos de regência, é certo que os efeitos financeiros da jubilação somente surtirão a partir de quando quitadas tais exações. (TRF4 5001857-76.2022.4.04.7210, NONA TURMA, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 10/02/2023)
Exceção deve ser feita aos casos em que o INSS obstaculiza indevidamente a realização da complementação/indenização, situação em que não se revela apropriada a postergação dos efeitos deste recolhimento, uma vez que há ato indevido imputável ao INSS e é princípio geral de direito que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza:
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. DEMONSTRADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Tratando-se de mandado de segurança, a remessa oficial é devida quando concedida a ordem, ainda que parcialmente, nos termos do artigo 14, § 1º, da Lei nº 12.016/2009. 2. O direito líquido e certo a ser amparado por meio de mandado de segurança deve ser comprovado de plano, mediante prova pré-constituída, sem a necessidade de dilação probatória. 3. Mantida a concessão da segurança para determinar à autoridade impetrada que compute na concessão do benefício à parte impetrante o tempo rural que foi objeto de indenização das contribuições previdenciárias. 4. Cabível a fixação dos efeitos financeiros na data do requerimento administrativo quando indevidamente indeferido pelo INSS o pedido formulado na esfera administrativa para o recolhimento das contribuições previdenciárias relativas ao período a ser indenizado. (TRF4 5003843-07.2022.4.04.7003, DÉCIMA TURMA, Relator OSCAR VALENTE CARDOSO, juntado aos autos em 07/02/2023)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. AUXÍLIO-DOENÇA. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. COMPLEMENTO DE CONTRIBUIÇÕES. EFEITOS FINANCEIROS. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO DE PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO. TUTELA ESPECÍFICA. 1. É possível o cômputo do interregno em que o segurado esteve usufruindo benefício por incapacidade (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez) para fins de carência, desde que intercalado com períodos contributivos ou de efetivo trabalho. 2. Assim, (a) na hipótese de não haver expressa intenção do segurado no processo administrativo em efetuar o recolhimento (ou complementação) de contribuições não recolhidas no momento oportuno, a concessão do benefício e seus efeitos financeiros estão atrelados ao prévio recolhimento, nos estritos termos em que já restou decidido em outras oportunidades por esta Turma Regional. O mesmo raciocínio se aplica quando o INSS não obsta a regularização das contribuições mas, por ato próprio, o segurado deixa de fazê-lo; (b) na hipótese de haver expresso requerimento no processo administrativo para recolhimento (ou complementação) de contribuições, tendo sido ele obstado pela autarquia, a concessão do benefício somente será viável após o prévio recolhimento, mas a data de início do benefício coincidirá com a DER, já que, neste caso, a ausência (ou insuficiência) de recolhimento decorre de ato imputável à autarquia. 3. Determinado o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício concedido ou revisado. (TRF4, AC 5006259-78.2022.4.04.9999, DÉCIMA TURMA, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 15/12/2022)
No caso dos autos, constata-se que o INSS, na seara administrativa, obstaculizou o recolhimento das contribuições previdenciárias atinentes aos intervalos de 01/02/2010 a 31/03/2010 e de 01/05/2010 a 22/09/2017, que foram vertidas pelo Plano Simplificado de Previdênca Social (LC 123/2006;
, fls. 05-09), haja vista que, mesmo havendo pedido expresso da requerente ( , fl. 05), deixou de emitir a correspondente guia de pagamento ( , fl. 19).Assim, entendo que o INSS deve providenciar a emissão da guia de pagamento para a oportunização do discutido acerto, providência que deve ser levada a efeito na fase de execução, para que, em sendo efetuado o pagamento, o respectivo tempo de serviço seja efetivamente averbado/computado, para todos os fins previdenciários.
Ainda, a concessão do benefício de aposentadoria com aproveitamento dos aludidos períodos da atividade deverá ter efeitos retroativos à DER, tanto para fins de enquadramento na legislação previdenciária anterior à EC 103/2019, quanto para fins de pagamento dos valores atrasados decorrentes da inativação.
Ressalto que a atribuição de efeitos financeiros retroativos está vinculada ao efetivo recolhimento da GPS que venha a ser emitida pela CEAB-DJ, na fase de execução, até o prazo do seu vencimento.
Destarte, dou provimento ao apelo da parte autora no ponto, para determinar que deve ser expedida, na fase de execução, a guia de pagamento para acerto do tempo de serviço ainda pendente de complementação, com efeitos financeiros retroativos à DER.
Tempo total de contribuição
Caso a parte autora opte por realizar o pagamento das guias complementares referentes aos intervalos de 01/02/2010 a 31/03/2010 e de 01/05/2010 a 22/09/2017, a serem emitidas pelo INSS na fase de execução, contará com o seguinte tempo de contribuição até a DER, conforme o tempo de contribuição já reconhecido na esfera administrativa (
, fls. 32-35):Data de Nascimento | 31/08/1959 |
---|---|
Sexo | Feminino |
DER | 22/09/2017 |
- Tempo já reconhecido pelo INSS:
Marco Temporal | Tempo | Carência |
Até a data da EC nº 20/98 (16/12/1998) | 9 anos, 0 meses e 12 dias | 107 carências |
Até a data da Lei 9.876/99 (28/11/1999) | 9 anos, 11 meses e 24 dias | 118 carências |
Até a DER (22/09/2017) | 11 anos, 0 meses e 26 dias | 131 carências |
- Períodos acrescidos:
Nº | Nome / Anotações | Início | Fim | Fator | Tempo | Carência |
1 | Tempo rural (Rural - segurado especial) | 01/09/1971 | 01/09/1986 | 1.00 | 15 anos, 0 meses e 1 dias | 0 |
2 | Tempo comum indenizável | 01/02/2010 | 31/03/2010 | 1.00 | 0 anos, 2 meses e 0 dias | 2 |
3 | Tempo comum indenizável | 01/05/2010 | 22/09/2017 | 1.00 | 7 anos, 4 meses e 22 dias | 89 |
- tempo total:
Marco Temporal | Tempo de contribuição | Carência | Idade | Pontos (Lei 13.183/2015) |
Até a data da EC nº 20/98 (16/12/1998) | 24 anos, 0 meses e 13 dias | 107 | 39 anos, 3 meses e 15 dias | inaplicável |
Pedágio (EC 20/98) | 0 anos, 4 meses e 18 dias | |||
Até a data da Lei 9.876/99 (28/11/1999) | 24 anos, 11 meses e 25 dias | 118 | 40 anos, 2 meses e 27 dias | inaplicável |
Até a DER (22/09/2017) | 33 anos, 7 meses e 19 dias | 222 | 58 anos, 0 meses e 21 dias | 91.6944 |
Em 16/12/1998 (EC 20/98), a segurada não tem direito à aposentadoria por tempo de serviço, ainda que proporcional (regras anteriores à EC 20/98), porque não cumpre o tempo mínimo de serviço de 25 anos.
Em 28/11/1999 (Lei 9.876/99), a segurada não tem direito à aposentadoria por tempo de contribuição, ainda que proporcional (regras de transição da EC 20/98), porque não preenche o tempo mínimo de contribuição de 25 anos, o pedágio de 0 anos, 4 meses e 18 dias (EC 20/98, art. 9°, § 1°, inc. I) e nem a idade mínima de 48 anos.
Em 22/09/2017 (DER), a segurada tem direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição (CF/88, art. 201, § 7º, inc. I, com redação dada pela EC 20/98). O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei 9.876/99, garantido o direito a não incidência do fator previdenciário, caso mais vantajoso, uma vez que a pontuação totalizada é superior a 85 pontos e o tempo mínimo de contribuição foi observado (Lei 8.213/91, art. 29-C, inc. II, incluído pela Lei 13.183/2015).
Assim, após regularizado o acerto da complementação das contribuições previdenciárias sob análise, é devida a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral, a contar da DER, em 27/09/2017.
Correção monetária e juros de mora
Após o julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, do Tema 810 (RE n. 870.947), a que se seguiu o dos respectivos embargos de declaração (que foram rejeitados, tendo sido afirmada a inexistência de modulação de efeitos), deve a atualização monetária obedecer ao Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece, para as condenações judiciais de natureza previdenciária, o seguinte:
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91.
Assim, a correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices, que se aplicam conforme a pertinente incidência ao período compreendido na condenação:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91)
Os juros de mora devem incidir a contar da citação (Súmula 204 do STJ), exceto no caso de concessão de benefício mediante reafirmação da DER para data após o ajuizamento da ação, hipótese em que, conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça (EDcl no REsp 1.727.063/SP, publicação de 21/5/2020), a incidência de juros de mora dar-se-á sobre o montante das parcelas vencidas e não pagas a partir do prazo de 45 dias para a implantação do benefício (TRF4, AC 5048576-34.2017.4.04.7100, Quinta Turma, Relator Roger Raupp Rios, juntado aos autos em 10/8/2021; TRF4, AC 5004167-24.2014.4.04.7117, Sexta Turma, Relatora Juíza Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 6/8/2021).
Até 29 de junho de 2009, a taxa de juros é de 1% (um por cento) ao mês. A partir de 30 de junho de 2009, eles serão computados uma única vez, sem capitalização, segundo percentual aplicável à caderneta de poupança (inclusive com a modificação da Lei 12.703/12, a partir de sua vigência), conforme dispõe o art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, considerado constitucional pelo STF (RE 870947, com repercussão geral).
A partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, deve ser observada a redação dada ao art. 3º da EC 113/2021, a qual estabelece que, nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente.
Compensação de prestações inacumuláveis
Cumpre ressaltar que devem ser abatidos das prestações devidas na presente demanda os valores eventualmente já adimplidos pelo INSS a título de benefício inacumulável no mesmo período, seja administrativamente ou em razão de antecipação de tutela.
Honorários
Em face da sucumbência mínima da parte autora, o INSS deverá arcar com o pagamento dos honorários advocatícios no patamar mínimo de cada uma das faixas de valor, considerando as variáveis dos incisos I a IV do §2º e §3º do artigo 85 do CPC/2015, incidente sobre as parcelas vencidas até a data do acórdão (Súmulas 111 do Superior Tribunal de Justiça e 76 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
Caso o valor da condenação/atualizado da causa apurado em liquidação do julgado venha a superar o valor de 200 salários mínimos previsto no §3º, inciso I, do artigo 85 do CPC/2015, o excedente deverá observar o percentual mínimo da faixa subsequente, assim sucessivamente, na forma do §§4º, inciso III e 5º do referido dispositivo legal.
Anoto que, nos casos de inversão da sucumbência, inaplicável a majoração recursal prevista no §11 do art. 85 do CPC, pois tal acréscimo só é permitido sobre verba anteriormente fixada, consoante definiu o STJ (AgInt no AREsp 829.107).
Custas processuais
O INSS não isento de custas quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4).
Tutela específica
Deixo de determinar a imediata implantação do benefício, considerando que, na fase de execução, deverá haver o prévio acerto/complementação das contribuições previdenciárias devidas.
Prequestionamento
Ficam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pela parte autora cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir.
Conclusão
- Dar provimento ao apelo da parte autora, para condenar exclusivamente a parte ré ao pagamento dos honorários sucumbenciais, bem como para determinar que deve ser expedida, na fase de execução, a guia de pagamento para acerto do tempo de serviço ainda pendente de indenização, garantindo-se, após o adimplemento da referida obrigação, a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral, a contar da DER, em 27/09/2017.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora.
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Apelação Cível Nº 5007154-10.2020.4.04.9999/PR
RELATORA: Juíza Federal ÉRIKA GIOVANINI REUPKE
APELANTE: IVONE HANCK DE CASTRO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR tempo de contribuição. POSSIBILIDADE DE CÔMPUTO DO PERÍODO recolhido sob alíquota de 11% mediante complementação. EFEITOS FINANCEIROS RETROATIVOS. EMISSÃO DE GUIA DE PAGAMENTO NA FASE DE EXECUÇÃO. REAFIRMAÇÃO DA DER. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS.
1. O INSS deve providenciar a emissão da guia de pagamento para a oportunização da complementação das contribuições previdenciárias recolhidas a menor, providência que deve ser levada a efeito na fase de execução, para que, em sendo efetuado o pagamento, o respectivo tempo de serviço seja efetivamente averbado/computado, para todos os fins previdenciários, com efeitos financeiros desde a DER.
2. Em face da sucumbência mínima da parte autora, o INSS deverá arcar com o pagamento dos honorários advocatícios no patamar mínimo de cada uma das faixas de valor, considerando as variáveis dos incisos I a IV do §2º e §3º do artigo 85 do CPC/2015, incidente sobre as parcelas vencidas até a data do acórdão (Súmulas 111 do Superior Tribunal de Justiça e 76 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora, com ressalva do entendimento da Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 10 de abril de 2024.
Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA FERRO BLASI, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004340210v5 e do código CRC 2192a4f3.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 03/04/2024 A 10/04/2024
Apelação Cível Nº 5007154-10.2020.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PROCURADOR(A): JANUÁRIO PALUDO
APELANTE: IVONE HANCK DE CASTRO
ADVOGADO(A): NEIMAR JOSÉ POMPERMAIER (OAB PR031936)
ADVOGADO(A): RAFAEL ANDRETTI MAZZUCO (OAB PR068571)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 03/04/2024, às 00:00, a 10/04/2024, às 16:00, na sequência 429, disponibilizada no DE de 20/03/2024.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, COM RESSALVA DO ENTENDIMENTO DA DESEMBARGADORA FEDERAL ELIANA PAGGIARIN MARINHO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Ressalva - GAB. 112 (Des. Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO) - Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO.
Acompanho a e. Relatora, ressalvando que em se tratando de complementação de contribuições previdenciárias vertidas na época própria, administrativamente a Autarquia Previdenciária reconhece efeitos financeiros ex tunc. Assim, afora a indevida obstaculização ao recolhimento complementar, bem pontuada no voto, tem-se também esse argumento para o acolhimento do pedido.
Conferência de autenticidade emitida em 23/04/2024 12:01:19.