| D.E. Publicado em 12/12/2016 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0023073-71.2013.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | JAIRO DA SILVA |
ADVOGADO | : | Marcos de Queiroz Ramalho |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | (Os mesmos) |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR.
1. É possível o aproveitamento do tempo de serviço rural até 31-10-1991 independentemente do recolhimento das contribuições previdenciárias, exceto para efeito de carência.
2. A partir de novembro de 1991, pretendendo o segurado especial computar tempo rural para obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição, deverá comprovar o recolhimento das contribuições facultativas (Súmula 272 do STJ).
3. Considera-se provada a atividade rural do segurado especial havendo início de prova material complementado por idônea prova testemunhal.
4. Não cumprindo com todos os requisitos para a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, ou seja, tempo mínimo de contribuição e carência, remanesce o direito da parte autora à averbação dos períodos ora reconhecidos, para fins de obtenção de futura aposentadoria
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora e negar provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 29 de novembro de 2016.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8641277v2 e, se solicitado, do código CRC EF19E539. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Roger Raupp Rios |
| Data e Hora: | 29/11/2016 15:35 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0023073-71.2013.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | JAIRO DA SILVA |
ADVOGADO | : | Marcos de Queiroz Ramalho |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | (Os mesmos) |
RELATÓRIO
Trata-se de apelações interpostas em face de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial de ação previdenciária objetivando o reconhecimento de tempo de serviço rural nos períodos de 06/04/1967 a 31/12/1974 e de 01/09/1990 a 30/09/1993, bem como a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, com efeitos financeiros a contar da DER, em 07/04/2008.
O dispositivo do ato judicial parcialmente favorável à parte autora restou lavrado nos seguintes termos:
"CONCLUSÃO:
Ante o exposto, com fundamento no art. 269, inciso I, do CPC, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido formulado na inicial, requerido por JAIRO DA SILVA, em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, para declarar comprovado o período trabalhado na lavoura, compreendido entre 01/09/1990 a 31/10/1991, ou seja, por 01 (um) ano e 02 (dois) meses, determinando sua averbação perante o RGPS. Indefiro o pedido de aposentadoria por tempo de contribuição.
Ante a sucumbência recíproca, condeno cada parte ao pagamento de 50% (cinquenta por cento) das custas e despesas processuais, arcando também com os honorários de seus patronos.
Suspendo a exigibilidade dos ônus sucumbenciais em relação ao autor, em virtude da concessão do benefício da assistência judiciária gratuita, na forma da lei."
Em suas razões de apelação, a parte autora sustenta, em síntese, que os documentos colacionados aos autos constituem início de prova material, tendo sido corroborados pela prova testemunhal. Afirma que não se exige prova plena da atividade rural em todo o período, tampouco prova material ano a ano de labor campesino. Postula a reforma da sentença para que sejam reconhecidos integralmente os períodos postulados, ensejando a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição desde a DER.
O INSS, em seu apelo, argúi a nulidade da sentença em face da inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 55, §2º, da Lei 8.213/91 em face dos artigos 195, §5º, 194, II, e 201, caput, todos da Constituição Federal. Sustenta que o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição não poderia ser estendido aos trabalhadores rurais sem que houvesse a correspondente fonte de custeio total, ou seja, sem que houvesse o recolhimento de contribuição do período total correspondente à concessão do benefício.
Com contrarrazões da parte autora, vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças/acórdãos publicado(a)s a contar do dia 18/03/2016.
Da ordem cronológica dos processos
Dispõe o art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).
Dessa forma, deverão ter preferência de julgamento em relação àqueles processos que estão conclusos há mais tempo, aqueles feitos em que esteja litigando pessoa com mais de sessenta anos (idoso, Lei n. 10.741/2013), pessoas portadoras de doenças indicadas no art. 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/88, as demandas de interesse de criança ou adolescente (Lei n. 8.069/90) ou os processos inseridos como prioritários nas metas impostas pelo CNJ.
Observado que o caso presente se enquadra em uma das hipóteses referidas (Metas CNJ), justifica-se seja proferido julgamento fora da ordem cronológica de conclusão.
Da remessa oficial
O Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ), seguindo a sistemática dos recursos repetitivos, regulada pelo art. 543-C, do CPC, decidiu que é obrigatório o reexame de sentença ilíquida proferida contra a União, Estados, Distrito Federal e Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público. (REsp 1101727/PR, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, CORTE ESPECIAL, julgado em 04/11/2009, DJe 03/12/2009).
Assim, o reexame necessário, previsto no art. 475 do CPC, é regra, admitindo-se o seu afastamento somente nos casos em que o valor da condenação seja certo e não exceda a sessenta salários mínimos.
No caso dos autos, trata-se de sentença meramente declaratória, cujo valor do direito controvertido é incerto, devendo ser conhecida a remessa oficial.
Do tempo de serviço rural
O aproveitamento do tempo de atividade rural exercido até 31 de outubro de 1991 - independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência - está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, inc. V, do Decreto n.º 3.048/99. Quando exercido em regime de economia familiar, aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da lei previdenciária (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 10/11/2003).
Pode o exercício do labor rural ser comprovado mediante a produção de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do disposto no art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91, e na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário).
Cabe salientar que, embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo; ademais, não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, mas um documento que, juntamente com a prova oral, criando um liame com a circunstância fática que se quer demonstrar, possibilite um juízo de valor seguro.
Também não é necessário que o início de prova material seja contemporâneo à época dos fatos que se pretende comprovar, conforme se vê do § 3º, do art. 55 da Lei 8.213. Tal exigência implicaria introdução indevida em limites não estabelecidos pelo legislador, e que devem ser de pronto afastados.
Ademais, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016) que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
Observa-se que as certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora, nos termos na jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (REsp n.º 980.065/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 20-11-2007, DJU, Seção 1, de 17-12-2007, p. 340, e REsp n.º 637.437/PB, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, j. em 17-08-2004, DJU, Seção 1, de 13-09-2004, p. 287, REsp n.º 1.321.493-PR, Primeira Seção, Relator Ministro Herman Benjamim, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.).
De outro lado, nada impede que sejam considerados os documentos emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.
Em relação aos boias-frias, cujo trabalho rural é caracterizado por sua notória informalidade, comprometendo a prova da atividade e, por conseguinte, a obtenção do benefício previdenciário, a jurisprudência pacificada por esta Corte era no sentido de abrandar a exigência relativa ao início de prova material, admitindo, até mesmo, em situações extremas, a comprovação da atividade exclusivamente por meio de prova testemunhal. Todavia, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento, em 10-10-2012, do REsp nº 1.321.493/PR, representativo de controvérsia, firmou o entendimento de que se aplica também aos trabalhadores boias-frias a Súmula 149 daquela Corte.
No regime de economia familiar (§1º do art. 11 da Lei de Benefícios) em que os membros da família trabalham "em condições de mútua dependência e colaboração", os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do art. 11, VII da Lei 8.213/91, que define o segurado especial. Mesmo o fato de constar a qualificação empregador II b nos respectivos recibos de ITR não implica a condição de empregador rural . Ocorre que a simples qualificação no documento não desconfigura a condição do trabalho agrícola em regime de economia familiar, como se pode ver da redação do artigo 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71.
Importante ainda ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não é "per se stante" para descaracterizar automaticamente a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/91, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo; ou seja, ainda que considerado como trabalhador rural individual, sua situação encontra guarida no permissivo legal referido, sendo certo também que irrelevante a remuneração percebida pelo cônjuge, que não se comunica ou interfere com os ganhos oriundos da atividade agrícola.
No tocante ao trabalho do segurado especial em regime de economia familiar a partir dos 12 anos de idade, a Terceira Seção desta Corte ao apreciar os Embargos Infringentes em AC n.º 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, na sessão de 12-03-2003, firmou entendimento no sentido da possibilidade de seu cômputo, na esteira de iterativa jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, tendo a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o AI n.º 529.694/RS, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, com decisão publicada no DJU de 11-03-2005, reconhecido o tempo de serviço agrícola ao menor de quatorze anos, não merecendo a questão maiores digressões.
Da alegação de inconstitucionalidade do art. 55, §2º, da LBPS
A partir da competência novembro de 1991, em observância ao princípio constitucional da anterioridade previsto no art. 195, §6º, da Constituição Federal (90 dias para a instituição de contribuições para a seguridade social), pretendendo o segurado especial computar tempo de serviço rural para obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição, deverá comprovar o recolhimento de contribuições facultativas, conforme dispõe o art. 39, II, da Lei nº 8.213/91. Significa dizer que a contribuição obrigatória sobre percentual retirado da receita bruta da comercialização da produção rural, prevista no art. 25 da Lei nº 8.212/91, não garante ao segurado especial a aposentadoria por tempo de serviço, pois tal benefício, conforme se depreende do exame dos arts. 11, inciso VII, e 39, I e II, da Lei nº 8.213/91, tem sua concessão condicionada ao recolhimento facultativo de contribuições.
Tal entendimento restou assim sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, em 11/09/2002:
Súmula 272 - "O trabalhador rural, na condição de segurado especial, sujeito à contribuição obrigatória sobre a produção rural comercializada, somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço, se recolher contribuições facultativas."
Acerca da matéria, oportuno transcrever voto exarado na AC 2009.70.99.000302-9, Relator Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, Sexta Turma, D.E. 19/08/2009, verbis:
"Da dispensa do recolhimento de contribuições.
Nos casos de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, o art. 55, § 2º, da Lei 8.213/91 previu o cômputo do tempo rural independentemente de contribuições quando anterior à sua vigência, ipsis literis:
§2º. O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento. (grifado)
Destarte, o tempo de serviço rural anterior à vigência da Lei 8.213/91 pode ser computado para a aposentadoria por tempo de serviço/contribuição sem recolhimento de contribuições, por expressa ressalva do § 2º do art. 55 da referida lei, salvo para carência. Frise-se que o e. Superior Tribunal de Justiça pacificou a matéria recentemente, por sua 3ª Seção, consoante o seguinte precedente: EREsp 576741/RS, Min. Hélio Quaglia Barbosa, 3ª Seção, DJ 06-06-05. O e. Supremo Tribunal Federal possui o mesmo posicionamento (AgRg.RE 369.655/PR, Rel. Min. Eros Grau, DJ 22-04-2005 e AgRg no RE 339.351/PR, Rel. Min. Eros Grau, DJ 15-04-2005).
Por outro lado, no que tange ao inciso IV do art. 96 da Lei de Benefício (cuja nova redação, conferida pela mencionada medida provisória, passou a prever que o cômputo de tempo de serviço, nos termos do §2º do art. 55 da Lei 8.213/91, só seria realizada por intermédio de indenização das exações correspondentes ao interregno correspondente), também impugnado na mesma ação, o STF, emprestando-lhe interpretação em conformidade com a Constituição, afastou-lhe a aplicação em relação ao trabalhador rural enquanto este não estava obrigado a contribuir ao Regime Geral de Previdência Social, justificando-se tal restrição apenas em relação à contagem recíproca de tempo de serviço público.(grifei)
Nessa senda, se as Leis 8.212 e 8.213/91 estabeleceram, respectivamente, o regime de custeio e de benefícios da Previdência Social, tendo estipulado, outrossim, a quota de participação do segurado especial na manutenção do sistema previdenciário, tratando-se o tributo em apreço de contribuição social, a sua incidência deve observar o ditame do art. 195, § 6º, da Constituição Federal. Destarte, as exações em comento em princípio só poderiam ser exigidas após noventa dias da data da publicação da lei que as instituiu, de sorte que, tendo a normativa de regência sido publicada em 25 de julho de 1991, a data de início da cobrança das contribuições previdenciárias seria dia 22 de outubro daquele ano, à míngua da correspondente fonte de custeio de tempo de serviço rural em regime de economia familiar, posicionamento, aliás, já assentado no art. 184, V, do Decreto 2.172/97 e no art. 127, V, do Decreto 3.048/1999, o qual expressamente refere que o tempo de contribuição do segurado trabalhador rural anterior à competência de novembro de 1991 será computado. Assim, possível a extensão daquela data até 31-10-91.
Verifica-se, por conseguinte, que a contagem do intervalo temporal a ser declarado para fins de averbação no RGPS, todo ele compreendido anteriormente a 31-10-1991, independe de repasse ao erário das contribuições previdenciárias relativas a esse período."
Não assiste razão, pois, à autarquia previdenciária, devendo ser improvido seu apelo.
Do caso concreto
Para a comprovação do trabalho rural, foram apresentados os seguintes documentos:
- declaração do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Nova Fátima/PR do exercício de atividade rural pelo autor no período de 1969 até dezembro de 1974, na Fazenda Imbaú Rio do Peixe, de propriedade de Carlos Leopoldo Glaser (fls. 26/28);
- certidão de casamento do autor, lavrada em 02/04/1973, em que consta sua profissão como lavrador (fl. 29);
- certidão do Serviço Registral de Imóveis e Anexos da Comarca de Nova Fátima/PR de que Carlos Leopoldo Glaser consta como adquirente de imóvel rural que compreende lotes da Fazenda Imbaú ou Rio do Peixe, conforme registro de 21/10/1969 (fls. 30/31);
- declaração do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cornélio Procópio/PR do exercício de atividade rural pelo autor, na condição de diarista, no período de 09/1990 a 09/1993, no sítio Santa Zélia, Município de Nova América da Colina/PR, de propriedade de João Nory (fls. 63/64);
- certidão do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, Cartório da 108ª Zona Eleitoral de Nova Fátima/PR de que no título de eleitor do autor, emitido em 08/08/1974 (fl. 238), consta como ocupação lavrador (fl. 68);
- certidão de nascimento da filha do autor, lavrada em 18/02/1974, em que consta a qualificação de ambos os genitores como lavradores (fl. 70);
- ficha geral de atendimento - FGA na Unidade Sanitária do Hospital Municipal de Nova América da Colina/PR, em nome do autor, ocupação "boia fria", com registros entre 1989 e 1999 (fls. 71/72).
Do depoimento pessoal do autor, (fl. 227), colhe-se que morou na Fazenda Kurahashi de 1967 até 1974, onde seu pai cuidava de uma área de cinco alqueires, juntamente com os filhos, e plantava café, milho, feijão, arroz e outros, sendo vendida a sobra. Afirma que seu pai também trabalhava de diarista para o dono da fazenda para ajudar na renda. Narra ter ido para Curitiba em 1990 e passado a trabalhar no sítio de João Nory, pai de Hamilton Nory, até 1993, na condição de diarista, nas lavouras de café, milho, feijão, arroz e algodão.
A prova testemunhal corrobora a pretensão exposta na inicial, uma vez que as testemunhas foram uníssonas em confirmar que a parte autora trabalhava nas lides rurais, tanto no primeiro período, de 1967 a 1974, quanto no segundo.
A testemunha Mauro Aparecido dos Santos afirma que conhece o autor desde 1967, quando ele, depoente, morava na Fazenda Yamada, vizinha da Fazenda Kurahashi, onde morava o demandante. Narra que o autor, seus irmãos e seu pai trabalhavam como diaristas na fazenda, nas lavouras de café, feijão, milho e arroz, até o ano de 1974.
Hamilton Milanez Nory, proprietário do Sítio Santa Zélia, confirma que o autor trabalhou em suas terras entre 1990 e 1993, como diarista, nas lavouras de café, arroz e algodão. Narra que o demandante morava na cidade e ia trabalhar no sítio, o ano todo, deslocando-se a pé ou de trator, pois era perto da cidade.
José Carlos Pasian diz que conhece o autor desde 1990, quando trabalhava no sítio do pai do Sr. Hamilton, onde eram cultivados café, milho, arroz e feijão.
Da análise do conjunto probatório, conclui-se que os documentos juntados constituem início de prova material e que a prova testemunhal é convincente quanto ao exercício da atividade rural nos períodos postulados.
Destaca-se que não existe consenso sobre o alcance temporal dos documentos, para efeitos probatórios, nem se há ou não necessidade de documento relativo ao início do período a ser comprovado. Para chegar a uma conclusão, torna-se necessário averiguar a função da prova material na comprovação do tempo de serviço.
Na maioria dos casos que vêm a juízo, a prova material não é suficiente à comprovação de tempo de trabalho, necessitando ser corroborada por prova testemunhal. Nesses casos, a prova material (ainda que incipiente) tem a função de ancoragem da prova testemunhal, sabido que esta é flutuante, sujeita a esquecimentos, enganos e desvios de perspectiva. A prova material, portanto, serve de base, sustentação, pilar em que se apoia (apesar dos defeitos apontados) a necessária prova testemunhal.
Em razão disso, entendo que, no mais das vezes, não se pode averiguar os efeitos da prova material em relação a si mesma, devendo a análise recair sobre a prova material em relação à prova testemunhal, aos demais elementos dos autos e ao ambiente socioeconômico subjacente; em outras palavras, a análise deve ser conjunta. A consequência dessa premissa é que não se pode afirmar, a priori, que há necessidade de documento relativo ao início do período a ser comprovado, ou que a eficácia probatória do documento mais antigo deva retroagir um número limitado de anos. O alcance temporal da prova material dependerá do tipo de documento, da informação nele contida (havendo nuances conforme ela diga respeito à parte autora ou a outrem), da realidade fática presente nos autos ou que deles possa ser extraída e da realidade socioeconômica em que inseridos os fatos sob análise.
Desse modo, entendo que é possível reconhecer o efetivo exercício da atividade rural desde 06/04/1967, data em que o autor completou 12 anos. Isso porque a prova material contém indicação segura de que a família do autor sempre laborou na agricultura, o que foi, como se viu, confirmado de modo coerente pelas testemunhas.
Raciocínio idêntico pode ser utilizado quanto ao termo final da atividade rural. Todavia, sem o recolhimento de contribuições previdenciárias não é possível a averbação do tempo de serviço rural posterior a 31/10/1991 para fins de aposentadoria por tempo de contribuição.
Nesse passo, mesmo reconhecido o desempenho de atividade rural pelo autor no período posterior a 11/1991 (de 01/09/1990 a 30/09/1993), a averbação e o aproveitamento desse tempo de serviço para fins de aposentadoria por tempo de contribuição dependem do pagamento da indenização referente às contribuições previdenciárias correspondentes.
Conclusão: Foi reconhecido o exercício da atividade rural pelo autor nos intervalos de 06/04/1967 (data em que completou 12 anos) a 31/12/1974 e de 01/09/1990 a 30/09/1993; ressalvado que a averbação e aproveitamento para fins de aposentadoria do período posterior a 11/1991 depende do pagamento da indenização referente às contribuições previdenciárias correspondentes.
Da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição
A aposentadoria por tempo de serviço, extinta pela Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998 e transformada em aposentadoria por tempo de contribuição, foi garantida (art. 3º) aos segurados da previdência social que, até a data da publicação da Emenda, em 16.12.98, tivessem cumprido os requisitos para sua obtenção, com base nos critérios da legislação então vigente (arts. 29, caput, e 52 a 56 da Lei nº 8.213/91, na sua redação original), quais sejam: a) 25 anos de tempo de serviço, se mulher, ou 30 anos, se homem e b) carência (conforme a tabela do art. 142 da Lei nº 8.213/91, inscritos até 24-7-1991, ou conforme o art. 25, II, da Lei, para os inscritos posteriormente). O valor da aposentadoria corresponde a 70% do salário-de-benefício, acrescido de 6% por ano para cada ano completo de atividade até o máximo de 100% (aposentadoria integral), o que se dá aos 30 anos de tempo de serviço para as mulheres, e 35 para os homens.
Oportuno enfatizar que o direito adquirido a tal modalidade de benefício exige a satisfação de todos os requisitos até a data da EC nº 20/98, já que, a partir de então, passa a viger a aposentadoria por tempo de contribuição, consoante previsão do art. 201, §7º, da Constituição Federal, para a qual exigem-se 35 anos de contribuição, se homem, ou 30, se mulher, e carência de 180 contribuições mensais.
Em caráter excepcional, para os segurados filiados até a data da publicação da Emenda, foi estabelecida regra de transição no art. 9º, §1º, possibilitando aposentadoria proporcional quando, o segurado I) contando com 53 anos de idade, se homem, e 48 anos, se mulher e, atendido o requisito da carência, II) atingir tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de: a) 30 anos, se homem, e 25, se mulher; e b) um período adicional de contribuição (pedágio) equivalente a 40% do tempo que, na data da publicação da Emenda, faltaria para atingir o mínimo de tempo para a aposentadoria proporcional. O valor da aposentadoria proporcional será equivalente a 70% do salário-de-benefício, acrescido de 5% por ano de contribuição que supere a soma a que se referem os itens a e b supra, até o limite de 100%).
De qualquer modo, o disposto no art. 56 do Decreto n.º 3.048/99 (§3º e 4º) expressamente ressalvou, independentemente da data do requerimento do benefício, o direito à aposentadoria pelas condições legalmente previstas à época do cumprimento de todos os requisitos, assegurando sua concessão pela forma mais benéfica, desde a entrada do requerimento.
Forma de cálculo da renda mensal inicial (RMI)
A renda mensal inicial do benefício será calculada de acordo com as regras da legislação infraconstitucional vigente na data em que o segurado completar todos os requisitos do benefício.
Assim, o segurado que completar os requisitos necessários à aposentadoria antes de 29/11/1999 (início da vigência da Lei n.º 9.876/99), terá direito a uma RMI calculada com base na média dos 36 últimos salários-de-contribuição apurados em período não superior a 48 meses (redação original do art. 29 da Lei n.º 8.213/91), não se cogitando da aplicação do fator previdenciário, conforme expressamente garantido pelo art. 6º da respectiva lei.
Completando o segurado os requisitos da aposentadoria já na vigência da Lei nº 9.876/99 (em vigor desde 29.11.1999), o período básico do cálculo (PBC) estender-se-á por todo o período contributivo, extraindo-se a média aritmética dos 80% maiores salários-de-contribuição, a qual será multiplicada pelo "fator previdenciário" (Lei n.º 8.213/91, art. 29, I, e §7º).
Do direito à aposentadoria no caso concreto
Considerando-se o presente provimento judicial, a parte autora contabiliza o seguinte tempo de contribuição:
a) em 16-12-98 (advento da EC nº 20/98), a parte autora somava apenas 22 anos, 0 meses e 24 dias de tempo de contribuição, não fazendo jus, portanto, à concessão de aposentadoria por tempo de serviço;
b) em 28-11-1999 (advento da Lei nº 9.876/99), a parte autora contava com 44 anos de idade e somava 23 anos, 0 meses e 6 dias de tempo de contribuição, não atingindo a idade nem o tempo mínimo necessários, razão por que não faz jus à aposentadoria;
c) na DER (07/04/2008), a parte somava 28 anos, 2 meses e 5 dias de tempo de contribuição, não fazendo jus à aposentadoria por tempo de contribuição com proventos integrais nem à aposentadoria proporcional por tempo de serviço por não atingir a idade e o tempo necessário com a inclusão do pedágio.
Não cumprindo com todos os requisitos para a concessão do benefício, a parte autora tem direito à averbação dos períodos ora reconhecidos, para fins de obtenção de futura aposentadoria.
RECONHECIDO NA FASE ADMINISTRATIVA | Anos | Meses | Dias | |||
Contagem até a Emenda Constitucional nº 20/98: | 16/12/1998 | 13 | 1 | 27 | ||
Contagem até a Lei nº 9.876 - Fator Previdenciário: | 28/11/1999 | 14 | 1 | 9 | ||
Contagem até a Data de Entrada do Requerimento: | 07/04/2008 | 22 | 5 | 11 | ||
RECONHECIDO NA FASE JUDICIAL | ||||||
Obs. | Data Inicial | Data Final | Mult. | Anos | Meses | Dias |
Sem período | 06/04/1967 | 31/12/1974 | 1,0 | 7 | 8 | 26 |
Sem período | 01/09/1990 | 31/10/1991 | 1,0 | 1 | 2 | 1 |
Subtotal | 8 | 10 | 27 | |||
SOMATÓRIO (FASE ADM. + FASE JUDICIAL) | Modalidade: | Coef.: | Anos | Meses | Dias | |
Contagem até a Emenda Constitucional nº 20/98: | 16/12/1998 | Tempo Insuficiente | - | 22 | 0 | 24 |
Contagem até a Lei nº 9.876 - Fator Previdenciário: | 28/11/1999 | Tempo insuficiente | - | 23 | 0 | 6 |
Contagem até a Data de Entrada do Requerimento: | 07/04/2008 | Não cumpriu pedágio | - | 31 | 4 | 8 |
Pedágio a ser cumprido (Art. 9º EC 20/98): | 3 | 2 | 2 | |||
Data de Nascimento: | 06/04/1955 | |||||
Idade na DPL: | 44 anos | |||||
Idade na DER: | 53 anos |
Dos ônus sucumbenciais
Mantida a sucumbência recíproca fixada na sentença.
Conclusão
A sentença resta parcialmente reformada para o fim de reconhecer o exercício da atividade rural pelo autor nos intervalos de 06/04/1967 a 31/12/1974 e de 01/09/1990 a 30/09/1993; ressalvado que a averbação e aproveitamento para fins de aposentadoria do período posterior a 11/1991 depende do pagamento da indenização referente às contribuições previdenciárias correspondentes.
Apelação da parte autora parcialmente provida. Apelação do INSS e remessa oficial improvidas.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação da parte autora e negar provimento à apelação do INSS e à remessa oficial.
É o voto.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 29/11/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0023073-71.2013.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00029775120108160047
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Jorge Luiz Gasparini da Silva |
APELANTE | : | JAIRO DA SILVA |
ADVOGADO | : | Marcos de Queiroz Ramalho |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | (Os mesmos) |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 29/11/2016, na seqüência 989, disponibilizada no DE de 16/11/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E À REMESSA OFICIAL.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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