| D.E. Publicado em 30/08/2016 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0011259-91.2015.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | IVONE TERESA KORTZ |
ADVOGADO | : | Jose Paulo Wedig |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE ARROIO DO MEIO/RS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR.
. É possível o aproveitamento do tempo de serviço rural até 31-10-1991 independentemente do recolhimento das contribuições previdenciárias, exceto para efeito de carência.
. A partir de novembro de 1991, pretendendo o segurado especial computar tempo rural para obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição, deverá comprovar o recolhimento das contribuições facultativas (Súmula 272 do STJ).
. Considera-se provada a atividade rural do segurado especial havendo início de prova material complementado por idônea prova testemunhal.
. Não cumprindo com todos os requisitos para a concessão do benefício, a parte autora tem direito à averbação dos períodos ora reconhecidos, para fins de obtenção de futura aposentadoria.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial, , nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 23 de agosto de 2016.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8415431v6 e, se solicitado, do código CRC 188747C6. | |
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| Signatário (a): | Roger Raupp Rios |
| Data e Hora: | 24/08/2016 18:08 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0011259-91.2015.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | IVONE TERESA KORTZ |
ADVOGADO | : | Jose Paulo Wedig |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE ARROIO DO MEIO/RS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação e de remessa oficial de sentença em que foi julgado procedente o pedido, para conceder à parte autora aposentadoria por tempo de contribuição, a partir da data do requerimento administrativo, mediante o reconhecimento de exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, em dispositivo transcrito a seguir:
Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido deduzido na inicial, para o efeito de condenar o INSS - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL a considerar, para fins de aposentadoria, o tempo de trabalho rural desenvolvido pela autora IVONE TERESA KORTZ no período de 20/10/1979 a 31/01/1998, concedendo à parte autora a aposentadoria por tempo de contribuição integral, nos termos da fundamentação, considerando ainda os períodos já reconhecidos pelo INSS, em valor calculado de acordo com legislação incidente e aplicado o critério do benefício mais vantajoso, com o pagamento das parcelas devidas desde a data do pedido administrativo, devidamente corrigidas pelo IGP-DI desde a data em que deveriam ter sido pagas e acrescidas de juros moratórios de 1% ao mês, a contar da citação, nos termos das Súmulas nºs 03 e 75 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e Súmula 204 do Superior Tribunal de Justiça.
Condeno o requerido ao pagamento da metade das custas, nos termos da Consolidação Normativa Judicial e considerando que o art. 8º, § 1º, da Lei nº 8.620/93 não isenta o INSS das custas judiciais quando demandado na Justiça Estadual, segundo entendimento vazado na Súmula 20 do TRF da 4ª Região. Fixo honorários advocatícios ao patrono da parte autora, considerando o trabalho exigido pela causa, em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, não incidindo sobre as prestações vencidas após a sentença, em conformidade com a Súmula 111 do STJ.
Sentença sujeita ao reexame necessário, consoante o disposto no art. 10 da Lei nº 9.469/97, considerando que não é sabido o valor da condenação nesta sede.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Alega a entidade previdenciária que a parte autora não logrou comprovar o exercício de atividade rural mediante apresentação de prova material, sendo vedado o reconhecimento de tal atividade somente com base em depoimentos testemunhais. Aduz que o marido exerceu atividades urbanas, o que descaracteriza o regime de economia familiar. Pede a aplicação do art. 1º - F da Lei 9.494/97 no cálculo dos consectários legais, e que seja havida por isenta do pagamento das custas.
Apresentadas as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças/acórdãos publicado(a)s a contar do dia 18/03/2016.
Da ordem cronológica dos processos
Dispõe o art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).
Dessa forma, deverão ter preferência de julgamento em relação àqueles processos que estão conclusos há mais tempo, aqueles feitos em que esteja litigando pessoa com mais de sessenta anos (idoso, Lei n. 10.741/2013), pessoas portadoras de doenças indicadas no art. 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/88, as demandas de interesse de criança ou adolescente (Lei n. 8.069/90) ou os processos inseridos como prioritários nas metas impostas pelo CNJ.
Observado que o caso presente se enquadra em uma das hipóteses referidas, a saber, preferências legais, justifica-se seja proferido julgamento fora da ordem cronológica de conclusão.
Do tempo de serviço rural
O aproveitamento do tempo de atividade rural exercido até 31 de outubro de 1991 - independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência - está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, inc. V, do Decreto n.º 3.048/99. Quando exercido em regime de economia familiar, aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da lei previdenciária (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 10/11/2003).
Pode o exercício do labor rural ser comprovado mediante a produção de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do disposto no art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91, e na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário).
Cabe salientar que, embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo; ademais, não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, mas um documento que, juntamente com a prova oral, criando um liame com a circunstância fática que se quer demonstrar, possibilite um juízo de valor seguro.
Também não é necessário que o início de prova material seja contemporâneo à época dos fatos que se pretende comprovar, conforme se vê do § 3º, do art. 55 da Lei 8.213. Tal exigência implicaria introdução indevida em limites não estabelecidos pelo legislador, e que devem ser de pronto afastados.
Observa-se que as certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora, nos termos na jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (REsp n.º 980.065/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 20-11-2007, DJU, Seção 1, de 17-12-2007, p. 340, e REsp n.º 637.437/PB, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, j. em 17-08-2004, DJU, Seção 1, de 13-09-2004, p. 287, REsp n.º 1.321.493-PR, Primeira Seção, Relator Ministro Herman Benjamim, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.).
De outro lado, nada impede que sejam considerados os documentos emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.
Em relação aos boias-frias, cujo trabalho rural é caracterizado por sua notória informalidade, comprometendo a prova da atividade e, por conseguinte, a obtenção do benefício previdenciário, a jurisprudência pacificada por esta Corte era no sentido de abrandar a exigência relativa ao início de prova material, admitindo, até mesmo, em situações extremas, a comprovação da atividade exclusivamente por meio de prova testemunhal. Todavia, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento, em 10-10-2012, do Resp nº 1.321.493/PR, representativo de controvérsia, firmou o entendimento de que se aplica também aos trabalhadores boias-frias a Súmula 149 daquela Corte.
No regime de economia familiar (§1º do art. 11 da Lei de Benefícios) em que os membros da família trabalham "em condições de mútua dependência e colaboração", os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do art. 11, VII da Lei 8.213/91, que define o segurado especial. Mesmo o fato de constar a qualificação empregador II b nos respectivos recibos de ITR não implica a condição de empregador rural . Ocorre que a simples qualificação no documento não desconfigura a condição do trabalho agrícola em regime de economia familiar, como se pode ver da redação do artigo 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71.
Importante ainda ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não é "per se stante" para descaracterizar automaticamente a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/91, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo; ou seja, ainda que considerado como trabalhador rural individual, sua situação encontra guarida no permissivo legal referido, sendo certo também que irrelevante a remuneração percebida pelo cônjuge, que não se comunica ou interfere com os ganhos oriundos da atividade agrícola.
No tocante ao trabalho do segurado especial em regime de economia familiar a partir dos 12 anos de idade, a Terceira Seção desta Corte ao apreciar os Embargos Infringentes em AC n.º 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, na sessão de 12-03-2003, firmou entendimento no sentido da possibilidade de seu cômputo, na esteira de iterativa jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, tendo a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o AI n.º 529.694/RS, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, com decisão publicada no DJU de 11-03-2005, reconhecido o tempo de serviço agrícola ao menor de quatorze anos, não merecendo a questão maiores digressões.
Caso concreto
Para a comprovação do trabalho rural no período de 20/10/1979 a 31/01/1998, foram apresentadas cópias dos seguintes documentos pela autora, nascida em 22/02/1960 (RG, fls. 07):
- notas de produtor rural, relativas a comercialização de suínos, emitidas em nome do marido da autora, de 24/02/1982, 16/08/1983, 24/02/1984, 25/03/1985, 19/08/1986, 23/06/1987, 28/12/1988, 05/04/1989, 19/11/1990, 18/10/1991, 20/04/1992, 14/02/1995, (fls. 38/58, 69/70);
- notas de produtor rural emitidas em nome da demandante, de 05/03/1992, 08/03/1993, 06/05/1994, 17/10/1997 (fls. 59/68, 71/72).
Do depoimento pessoal da autora, tomado na entrevista rural (fls. 29/30), colhe-se que trabalhou ela desde antes de casar, em 1979, nas terras que eram do pai e que depois foram divididas entre os irmãos, cultivando aipim, milho, cana-de-açucar, feijão, batata doce, e criando vacas de leite, porcos e galinhas, não tinham empregados; o pai trabalhava na lavoura, mas se aposentou por invalidez; o marido ajudava na roça de tardezinha e nos fins de semana. Depois de 1998, passou a ser costureira.
A prova testemunhal, colhida na audiência realizada em 22/05/2014 (CD, fls. 112) corrobora a pretensão exposta na inicial, uma vez que as testemunhas foram uníssonas em confirmar que a parte autora trabalhava nas lides rurais, conforme a síntese dos depoimentos que consta da r. sentença, "verbis":
A testemunha EDSON FUHR afirmou conhecer a autora há mais de trinta anos. Sustentou que moravam na localidade de Picada Arroio do Meio. Disse que a família da autora trabalhava na agricultura, em terras próprias, com cerca de dois hectares. Arguiu que o pai da autora laborava também como biscate de pedreiro. Narrou que plantavam pasto para os animais, milho, criavam suínos. Asseverou que transportava suínos para a autora até a Cosuel em Encantado no período de 1979 até 1998. Mencionou que a autora tinha uma irmã. Salientou que a autora laborou na roça com os pais até 1979, quando casou. Ressaltou ter mais conhecimento da época posterior ao casamento da autora. Não soube informar a profissão do marido da autora. Declarou que a autora, após o casamento, laborava sozinha na agricultura nas terras dos pais. Afirmou ter certeza que a autora laborou na agricultura no mínimo até 1998 (CD de fl. 114).
No mesmo sentido, a testemunha ÉRICA RUPPENTHAL narrou que conhece a autora desde criança, pois moravam na mesma localidade em Picada Arroio do Meio. Sustentou que a autora trabalhava na agricultura com os pais. Mencionou que o marido da autora não era agricultor. Alegou que o marido ajudava na agricultura nos dias de folga. Salientou que a produção se baseava no plantio de aipim, batata, milho e na criação de porcos. Aduziu que vendiam porcos que sobravam. Discorreu que a autora trabalhou na roça por 19 anos, até 1998. Afirmou que não tinha outra fonte de renda além da rural e que laborava sozinha na roça (CD de fl. 114).
Por fim, a testemunha OLÍVIA SCHNEIDER sustentou que conhece a autora desde criança, pois moravam na mesma localidade de Picada Arroio do Meio, eram vizinhas. Aduziu que a autora sempre laborou na roça, mesmo após o casamento. Afirmou que as terras eram próprias. Disse que a autora trabalhou na roça por 19 anos. Não soube informar até que ano a autora laborou na roça. Salientou que o marido da autora trabalhava em firma. Narrou que plantava aipim e tinha porcos. Relatou que, após sair da roça, a autora trabalhou como costureira (CD de fl. 114).
Da análise do conjunto probatório, conclui-se que os documentos juntados constituem início de prova material, para o que, reitere-se, consideradas as peculiaridades do trabalho na agricultura, não se pode exigir que sejam apenas por si mesmos conclusivos ou suficientes para a formação de juízo de convicção. É aceitável que a prova contenha ao menos uma indicação segura de que o fato alegado efetivamente ocorreu, vindo daí a necessidade de sua complementação pela prova oral, a qual, como se viu, confirmou de modo coerente e preciso o trabalho rural da parte autora.
O fato de o marido da requerente ter exercido atividade urbana não afasta o direito invocado na inicial, nem é relevante para o caso em comento, porque foram apresentados documentos não só no nome do cônjuge, mas também em nome da autora.
Consigno, entretanto, que o legislador, quando elaborou os dispositivos que regem o tratamento previdenciário ao trabalhador rural, encontrou no campo espécies diversificadas de agricultores, lá não existindo apenas as figuras de patrão e empregado, mas também trabalhadores que refugiam à classificação tradicional de Direito do Trabalho, que labutavam autonomamente. Ao verificar a natureza destes últimos, encontrou, além do produtor, familiares que o auxiliavam, que se agregavam à atividade produtiva. Daí porque contemplou, também, aqueles cuja atividade gravitava em torno do chefe da unidade familiar. Mas não deixou de registrar o termo "individualmente", conforme está no art. 11, inc. VII, da Lei nº 8.213/91, na redação dada pela Lei nº 11.718/2008 :
VII - como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de: a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade: (...)
O regime de economia familiar existe, portanto, para que os demais membros da família não restem à margem. No tocante, todavia, ao chefe da unidade familiar, pode ele estar trabalhando individualmente ou em regime de economia familiar, ou seja, com ou sem o auxílio de familiares. A descaracterização do regime de economia familiar, portanto, não afeta aquele que tem a iniciativa da produção, aquele que a dirige, aquele que vende o produto; somente se cogita de economia familiar em relação ao familiar que auxilia na atividade agrícola. Contrario sensu, ter-se-ia marginalizado o trabalhador que lidasse sozinho, que não possuísse família; e esta, evidentemente, não foi a vontade do legislador. Apenas em relação ao regime de economia familiar é que se exige exclusividade de fonte de renda. Ao trabalhador rural individualmente considerado não se lhe veda a concomitância de outro qualquer ganho. O legislador deixa claro, no § 2º do art. 11 supracitado que "todo aquele que exercer, concomitantemente, mais de uma atividade remunerada sujeita ao Regime Geral de Previdência Social é obrigatoriamente filiado em relação a cada uma delas". É de toda evidência que possível para o trabalhador rural ter mais de uma fonte de renda; a restrição alcança apenas àquele familiar que trabalha agregado; e o pressuposto fático de guardar uma única fonte de renda dimana da dificuldade de demonstração do exercício do trabalho em família (as notas de compra de insumo e de venda de mercadorias estão, em regra geral, em nome do chefe da unidade familiar), tornando-se menos nítida tal participação quando o cônjuge ou parente detém fonte autônoma de subsistência.
Ademais, não logrou a autarquia demonstrar a condição de prescindibilidade do labor rural da autora para a subsistência do grupo familiar, sendo razoável admitir que o sustento da família não provinha exclusivamente da renda do marido como empregado da Cooperativa dos Suinocultores de Encantado LTDA., atividade esta, diga-se, intimamente ligada ao meio agrícola.
Por conseguinte, confirma-se o reconhecimento de atividade rural nos períodos de 20/10/1979 a 31/01/1998. Entretanto, somente poderá ser averbado e contabilizado de imediato para fins de concessão de benefício o labor exercido até 31/10/1991.
Isso porque a partir da competência novembro de 1991, em observância ao princípio constitucional da anterioridade previsto no art. 195, §6º, da Constituição Federal (90 dias para a instituição de contribuições para a seguridade social), pretendendo o segurado especial computar tempo de serviço rural para obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição, deverá comprovar o recolhimento de contribuições facultativas, conforme dispõe o art. 39, II, da Lei nº 8.213/91. Significa dizer que a contribuição obrigatória sobre percentual retirado da receita bruta da comercialização da produção rural, prevista no art. 25 da Lei nº 8.212/91, não garante ao segurado especial a aposentadoria por tempo de serviço, pois tal benefício, conforme se depreende do exame dos arts. 11, inciso VII, e 39, I e II, da Lei nº 8.213/91, tem sua concessão condicionada ao recolhimento facultativo de contribuições.
Referido entendimento restou assim sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, em 11/09/2002:
Súmula 272 - "O trabalhador rural, na condição de segurado especial, sujeito à contribuição obrigatória sobre a produção rural comercializada, somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço, se recolher contribuições facultativas."
Na hipótese em exame, não é possível computar-se o tempo de serviço rural exercido após 31 de outubro de 1991. Necessário o recolhimento das correspondentes contribuições previdenciárias, o que não restou comprovado nestes autos. Assim reforma-se a sentença, no ponto, reservando-se à autora o direito à contabilização dos períodos restantes à indenização respectiva.
Conclusão: Do período reconhecido, somente o decorrido entre 20/10/1979 a 31/10/1991 deverá ser averbado de imediato, o que perfaz 12 anos e 11 dias.
Da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição
A aposentadoria por tempo de serviço, extinta pela Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998 e transformada em aposentadoria por tempo de contribuição, foi garantida (art. 3º) aos segurados da previdência social que, até a data da publicação da Emenda, em 16.12.98, tivessem cumprido os requisitos para sua obtenção, com base nos critérios da legislação então vigente (arts. 29, caput, e 52 a 56 da Lei nº 8.213/91, na sua redação original), quais sejam: a) 25 anos de tempo de serviço, se mulher, ou 30 anos, se homem e b) carência (conforme a tabela do art. 142 da Lei nº 8.213/91, inscritos até 24-7-1991, ou conforme o art. 25, II, da Lei, para os inscritos posteriormente). O valor da aposentadoria corresponde a 70% do salário-de-benefício, acrescido de 6% por ano para cada ano completo de atividade até o máximo de 100% (aposentadoria integral), o que se dá aos 30 anos de tempo de serviço para as mulheres, e 35 para os homens.
Oportuno enfatizar que o direito adquirido a tal modalidade de benefício exige a satisfação de todos os requisitos até a data da EC nº 20/98, já que, a partir de então, passa a viger a aposentadoria por tempo de contribuição, consoante previsão do art. 201, §7º, da Constituição Federal, para a qual exigem-se 35 anos de contribuição, se homem, ou 30, se mulher, e carência de 180 contribuições mensais.
Em caráter excepcional, para os segurados filiados até a data da publicação da Emenda, foi estabelecida regra de transição no art. 9º, §1º, possibilitando aposentadoria proporcional quando, o segurado I) contando com 53 anos de idade, se homem, e 48 anos, se mulher e, atendido o requisito da carência, II) atingir tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de: a) 30 anos, se homem, e 25, se mulher; e b) um período adicional de contribuição (pedágio) equivalente a 40% do tempo que, na data da publicação da Emenda, faltaria para atingir o mínimo de tempo para a aposentadoria proporcional. O valor da aposentadoria proporcional será equivalente a 70% do salário-de-benefício, acrescido de 5% por ano de contribuição que supere a soma a que se referem os itens a e b supra, até o limite de 100%).
De qualquer modo, o disposto no art. 56 do Decreto n.º 3.048/99 (§3º e 4º) expressamente ressalvou, independentemente da data do requerimento do benefício, o direito à aposentadoria pelas condições legalmente previstas à época do cumprimento de todos os requisitos, assegurando sua concessão pela forma mais benéfica, desde a entrada do requerimento.
Forma de cálculo da renda mensal inicial (RMI)
A renda mensal inicial do benefício será calculada de acordo com as regras da legislação infraconstitucional vigente na data em que o segurado completar todos os requisitos do benefício.
Assim, o segurado que completar os requisitos necessários à aposentadoria antes de 29/11/1999 (início da vigência da Lei n.º 9.876/99), terá direito a uma RMI calculada com base na média dos 36 últimos salários-de-contribuição apurados em período não superior a 48 meses (redação original do art. 29 da Lei n.º 8.213/91), não se cogitando da aplicação do fator previdenciário, conforme expressamente garantido pelo art. 6º da respectiva lei.
Completando o segurado os requisitos da aposentadoria já na vigência da Lei nº 9.876/99 (em vigor desde 29.11.1999), o período básico do cálculo (PBC) estender-se-á por todo o período contributivo, extraindo-se a média aritmética dos 80% maiores salários-de-contribuição, a qual será multiplicada pelo "fator previdenciário" (Lei n.º 8.213/91, art. 29, I, e §7º).
Do direito à aposentadoria no caso concreto
Considerando-se o presente provimento judicial, a parte autora contabiliza os seguintes tempos de contribuição, nos três marcos legislativos supra apontados:
RECONHECIDO NA FASE ADMINISTRATIVA
Anos
Meses
Dias
Contagem até a Emenda Constitucional nº 20/98:
16/12/1998
0
10
25
Contagem até a Lei nº 9.876 - Fator Previdenciário:
28/11/1999
1
10
7
Contagem até a Data de Entrada do Requerimento:
31/01/2013
15
0
9
RECONHECIDO NA FASE JUDICIAL
Obs.
Data Inicial
Data Final
Mult.
Anos
Meses
Dias
T. Rural
20/10/1979
31/10/1991
1,0
12
0
12
Subtotal
12
0
12
SOMATÓRIO (FASE ADM. + FASE JUDICIAL)
Modalidade:
Coef.:
Anos
Meses
Dias
Contagem até a Emenda Constitucional nº 20/98:
16/12/1998
Tempo Insuficiente
-
12
11
6
Contagem até a Lei nº 9.876 - Fator Previdenciário:
28/11/1999
Tempo insuficiente
-
13
10
18
Contagem até a Data de Entrada do Requerimento:
31/01/2013
Não cumpriu pedágio
-
27
0
20
Pedágio a ser cumprido (Art. 9º EC 20/98):
4
9
27
Data de Nascimento:
22/02/1960
Idade na DPL:
39 anos
Idade na DER:
52 anos
a) em 16-12-98 (advento da EC nº 20/98) e em 28-11-1999 (advento da Lei nº 9.876/99) a autora não faz jus à aposentadoria porque não atingiu o tempo mínimo necessário;
b) na DER ( 31/01/2013), a parte somava 27 anos e 20 dias de tempo de contribuição, não fazendo jus à aposentadoria por tempo de contribuição com proventos integrais nem à aposentadoria proporcional por tempo de serviço. O tempo mínimo necessário não foi atingido até a data do requerimento, e nem até a data do ajuizamento, 09/05/2013, sendo este o marco final admitido pela jurisprudência desta Corte para a reafirmação da DER, conforme decidido pela 3ª Seção em 04/08/2016 (EI 5007742-38.2012.404.7108/RS).
Por conseguinte, não cumprindo com todos os requisitos para a concessão do benefício na DER, a parte autora tem direito à averbação dos períodos ora reconhecidos, para fins de obtenção de futura aposentadoria.
Sucumbência
Tendo em vista que ambas as partes decaíram de parte considerável de suas pretensões, condeno-as ao pagamento das custas processuais por metade, havido o INSS por isento de sua cota, nos termos da Lei 13.471, 23/06/2010, e de honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, os quais fixo em 10 % do valor da causa, admitida a compensação, e suspensa a execução da verba sucumbencial quanto à parte autora, em face da assistência judiciária gratuita.
Conclusão
A sentença resta parcialmente reformada para: afastar o comando de averbação de tempo de serviço rural de 01/11/1991 a 31/01/1998, ressalvado tal direito mediante a respectiva indenização e, em conseqüência, julgar improcedente a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 23/08/2016
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0011259-91.2015.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00014952320138210080
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Flávio Augusto de Andrade Strapason |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | IVONE TERESA KORTZ |
ADVOGADO | : | Jose Paulo Wedig |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE ARROIO DO MEIO/RS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 23/08/2016, na seqüência 57, disponibilizada no DE de 28/07/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA OFICIAL.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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