| D.E. Publicado em 12/12/2016 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0013542-58.2013.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | DULCE POTRICH |
ADVOGADO | : | Ivo Signor e outros |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE SARANDI/RS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR.
1. É possível o aproveitamento do tempo de serviço rural até 31-10-1991 independentemente do recolhimento das contribuições previdenciárias, exceto para efeito de carência.
2. A partir de novembro de 1991, pretendendo o segurado especial computar tempo rural para obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição, deverá comprovar o recolhimento das contribuições facultativas (Súmula 272 do STJ).
3. Considera-se provada a atividade rural do segurado especial havendo início de prova material complementado por idônea prova testemunhal.
4. Não cumprindo com todos os requisitos para a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, ou seja, tempo mínimo de contribuição e carência, remanesce o direito da parte autora à averbação do período ora reconhecido, para fins de obtenção de futura aposentadoria.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo interposto pela parte autora, e dar parcial provimento ao apelo do INSS e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 29 de novembro de 2016.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8631610v3 e, se solicitado, do código CRC 7B009708. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Roger Raupp Rios |
| Data e Hora: | 29/11/2016 15:34 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0013542-58.2013.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | DULCE POTRICH |
ADVOGADO | : | Ivo Signor e outros |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE SARANDI/RS |
RELATÓRIO
Cuida-se de recursos de apelação interpostos pela parte autora e pelo INSS em face de sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais tão-somente para o fim de reconhecer o exercício de atividades agrícolas pela parte autora nos períodos de 07.05.1980 a 30.03.1986 e de 14.07.1988 a 31.10.1991, determinando a correspondente averbação pelo requerido. Tendo em vista a sucumbência recíproca, restaram as partes condenadas ao pagamento de metade das custas processuais cada e honorários advocatícios fixados em R$ 800,00. Quanto ao demandante, restou suspensa a exigibilidade da condenação, uma vez que beneficiário de assistência judiciária gratuita. Quanto ao requerido, a seu turno, restou reconhecida a isenção quanto ao pagamento de custas processuais, remanescendo a obrigação de indenizar eventuais despesas.
Apela a parte autora sustentando restar comprovado o exercício de atividades agrícolas também em relação ao interregno compreendido entre 31.10.1991 e 31.12.1998. Assevera, outrossim, que o fato de o cônjuge da autora haver exercido atividades de natureza urbana concomitantemente ao exercício de labor rurícola pela demandante não descaracteriza, por si só, o regime de economia familiar no qual era exercida a atividade rural. Postula seja determinada a averbação, pelo INSS, do período em questão e, por via de consequência, seja reconhecido o direito à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
A autarquia previdenciária, a seu turno, apela sustentando não ser devido o reconhecimento do exercício de atividades agrícolas pela parte autora em relação ao interregno deferido pelo julgador monocrático. Refere que não foram acostados aos autos documentos hábeis a constituir início de prova material, não sendo possível o reconhecimento do exercício de labor rurícola apenas com base em prova testemunhal. Assevera, ademais, que os documentos apresentados com o objetivo de comprovar labor agrícola necessitam ser contemporâneos ao período que se pretende comprovar, o que não ocorre na hipótese vertente. Por fim, menciona que o marido da autora possui vínculos de natureza urbana e recolhimentos na condição de contribuinte individual desde o ano de 1987, restando descaracterizado o regime de economia familiar. Postula a reforma da sentença.
Apresentadas contrarrazões pela parte autora, transcorrido in albis o prazo para a apresentação de contrarrazões pelo INSS, e por força de reexame necessário, vieram os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças/acórdãos publicado(a)s a contar do dia 18/03/2016.
Da ordem cronológica dos processos
Dispõe o art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).
Dessa forma, deverão ter preferência de julgamento em relação àqueles processos que estão conclusos há mais tempo, aqueles feitos em que esteja litigando pessoa com mais de sessenta anos (idoso, Lei n. 10.741/2013), pessoas portadoras de doenças indicadas no art. 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/88, as demandas de interesse de criança ou adolescente (Lei n. 8.069/90) ou os processos inseridos como prioritários nas metas impostas pelo CNJ.
Observado que o caso presente se enquadra em uma das hipóteses referidas (processo alcançado pelas metas impostas como prioritárias pelo CNJ), justifica-se seja proferido julgamento fora da ordem cronológica de conclusão.
Da controvérsia dos autos
Cinge-se a questão controvertida no presente feito em esclarecer se é devida a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição em favor da parte autora a partir do reconhecimento de que exerceu atividades agrícolas nos períodos de 07.05.1980 a 30.03.1986 e de 14.07.1988 a 31.12.1998.
Do tempo de serviço rural
O aproveitamento do tempo de atividade rural exercido até 31 de outubro de 1991 - independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência - está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, inc. V, do Decreto n.º 3.048/99. Quando exercido em regime de economia familiar, aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da lei previdenciária (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 10/11/2003).
Pode o exercício do labor rural ser comprovado mediante a produção de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do disposto no art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91, e na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário).
Cabe salientar que, embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo; ademais, não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, mas um documento que, juntamente com a prova oral, criando um liame com a circunstância fática que se quer demonstrar, possibilite um juízo de valor seguro.
Também não é necessário que o início de prova material seja contemporâneo à época dos fatos que se pretende comprovar, conforme se vê do § 3º, do art. 55 da Lei 8.213. Tal exigência implicaria introdução indevida em limites não estabelecidos pelo legislador, e que devem ser de pronto afastados.
Ademais, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016) que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
Observa-se que as certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora, nos termos na jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (REsp n.º 980.065/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 20-11-2007, DJU, Seção 1, de 17-12-2007, p. 340, e REsp n.º 637.437/PB, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, j. em 17-08-2004, DJU, Seção 1, de 13-09-2004, p. 287, REsp n.º 1.321.493-PR, Primeira Seção, Relator Ministro Herman Benjamim, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.).
De outro lado, nada impede que sejam considerados os documentos emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.
Em relação aos boias-frias, cujo trabalho rural é caracterizado por sua notória informalidade, comprometendo a prova da atividade e, por conseguinte, a obtenção do benefício previdenciário, a jurisprudência pacificada por esta Corte era no sentido de abrandar a exigência relativa ao início de prova material, admitindo, até mesmo, em situações extremas, a comprovação da atividade exclusivamente por meio de prova testemunhal. Todavia, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento, em 10-10-2012, do REsp nº 1.321.493/PR, representativo de controvérsia, firmou o entendimento de que se aplica também aos trabalhadores boias-frias a Súmula 149 daquela Corte.
No regime de economia familiar (§1º do art. 11 da Lei de Benefícios) em que os membros da família trabalham "em condições de mútua dependência e colaboração", os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do art. 11, VII da Lei 8.213/91, que define o segurado especial. Mesmo o fato de constar a qualificação empregador II b nos respectivos recibos de ITR não implica a condição de empregador rural . Ocorre que a simples qualificação no documento não desconfigura a condição do trabalho agrícola em regime de economia familiar, como se pode ver da redação do artigo 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71.
Importante ainda ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não é "per se stante" para descaracterizar automaticamente a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/91, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo; ou seja, ainda que considerado como trabalhador rural individual, sua situação encontra guarida no permissivo legal referido, sendo certo também que irrelevante a remuneração percebida pelo cônjuge, que não se comunica ou interfere com os ganhos oriundos da atividade agrícola.
No tocante ao trabalho do segurado especial em regime de economia familiar a partir dos 12 anos de idade, a Terceira Seção desta Corte ao apreciar os Embargos Infringentes em AC n.º 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, na sessão de 12-03-2003, firmou entendimento no sentido da possibilidade de seu cômputo, na esteira de iterativa jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, tendo a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o AI n.º 529.694/RS, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, com decisão publicada no DJU de 11-03-2005, reconhecido o tempo de serviço agrícola ao menor de quatorze anos, não merecendo a questão maiores digressões.
Para a comprovação do trabalho rural, foram apresentados os seguintes documentos:
(a) certidão de casamento da autora, lavrada em 22.06.1988, na qual o marido da demandante é qualificado como comerciário e a autora é qualificada como auxiliar de escritório (fl. 11);
(b) notas fiscais de comercialização de produtos agrícolas emitidas em nome de Elói Luiz Potrich, marido da autora, datadas dos anos de 1989 a 1998 (fls. 47-65);
(c) ficha de filiação de Orestes Potrich, sogro da autora, junto à Cooperativa Tritícola Sarandi Ltda., indicando a admissão em 08.10.1974, bem como a exclusão em 14.02.1990 (fl. 67);
(d) certidão de óbito de José Palaoro, pai da autora, lavrada em 14.04.1998, na qual o de cujus foi declarado como de profissão agricultor (fl. 69);
(e) certidão negativa de débitos de imóvel rural, emitido em nome de José Palaoro, pai da autora, referente a uma área de terras de 0,9 hectares de extensão, datada de 14.04.2005 (fl. 70);
(f) certificado de cadastro de imóvel rural - CCIR, emitido em nome de José Palaoro, pai da autora, referente a uma propriedade rural com área de 1,2 hectares, relacionado aos anos de 2000/2001/2002 (fl. 71);
(g) matrícula nº. 8.562, expedida pelo Registro de Imóveis da Comarca de Constantina - RS, indicando que José Palaoro, pai da autora, constou como proprietário de uma área de terras com extensão de 1,25 hectares, no interior do Município de Liberato Salzano - RS, em 17.10.2002, bem como que transmitiu as terras, em 09.05.2003, a Gilmar Palaoro (fl. 73);
(h) declaração para fins de pagamento de ITR, expedida em nome de José Palaoro, pai da autora, referente a uma área de terras com extensão de 0,9 hectares, datada de 27.09.1999 (fl. 79);
(i) comprovante de pagamento de contribuição federativa na condição de trabalhadora rural, emitida em nome de Emília Palaore, mãe da autora, datada de 26.02.1993 (fl. 80);
(j) ficha de filiação de José Palaoro, pai da autora, junto ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Liberato Salzano - RS, datada de 10.12.1973, porém indicando a exclusão do genitor da autora do quadro de associados em 07.04.1968 (fl. 82);
(k) notas fiscais de comercialização de produtos agrícolas emitidas em nome de José Palaoro, pai da autora, datadas dos anos de 1973, 1978 e 1979 (fls. 83-87);
(l) matrícula e escritura pública de compra e venda, expedidas pelo Registro de Imóveis da Comarca de Sarandi - RS, datadas de 05.03.1981, indicando que José Palaoro, pai da autora, adquiriu uma área de terras com extensão de 1,25 hectares (fls. 88-90).
Do depoimento pessoal da autora (gravado em mídia que segue acostada aos autos) colhe-se "(...) que é casada com o Sr. Elói; que o sogro da autora tinha um comércio na cidade e assinava a Carteira de Trabalho do marido da autora para contribuir para o INSS, mas que o seu marido jamais trabalhou nesse estabelecimento; que o sogro da autora saiu da roça por volta de 1990, mas ela e o marido continuaram exercendo atividades agrícolas; que a autora e o marido saíram da roça apenas por volta de 2000, quando vieram para a cidade e passaram a exercer atividade urbana; que plantavam milho, feijão, soja, batata, mandioca; que a terra não era muito grande; que vendiam apenas o que sobrava da produção; (...)".
A prova testemunhal corrobora a pretensão exposta na inicial, uma vez que as testemunhas foram uníssonas em confirmar que a parte autora trabalhava nas lides rurais.
Neste sentido, a testemunha Maria Marcolandres (depoimento gravado em mídia que segue acostada aos autos) referiu "(...) que conhece a autora desde que ela tinha por volta de seis anos de idade; que com sete ou oito anos de idade já ajudava os pais na roça; que até a autora começar a trabalhar na cidade sempre trabalhou na roça; que trabalhou na roça depois de casada; que plantavam soja, milho, feijão, batata; criavam porcos só para o gasto; que tinham uma ou duas vacas de leite; que não tinham trator, faziam todo o serviço de modo braçal; que sabe que a autora chagou a trabalhar nas terras de uma vizinha; que via a autora trabalhando na roça todos os dias; (...)".
Na mesma linha, a testemunha Terezinha Piva (depoimento gravado em mídia que segue acostada aos autos) afirmou "(...) que conhece a autora desde que ela tinha sete anos; que já com cerca de 12 anos de idade a depoente via a autora trabalhando na roça; que plantavam milho, soja, feijão, trigo, abóbora; que as terras eram arrendadas junto à família da depoente; que a autora trabalhou na roça até se mudar para a cidade; que tinham porcos, galinhas e vacas de leite; que tinham também junta de bois, pois o trabalho era todo manual; que confirma que a autora começou a trabalhar aos doze anos de idade e só deixou a agricultura para trabalhar na cidade; (...)".
Por fim, a testemunha Maximino Kunterato (depoimento gravado em mídia que segue acostada aos autos) disse "(...) que conheceu a autora ainda criança; que eram vizinhos; que com 8 ou 10 anos de idade a autora já trabalhava na roça; que a autora trabalhava com os irmãos e os pais; que a família da autora trabalhava em terras de terceiros; que plantavam feijão, arroz, soja, milho; que não tinham maquinário; que criavam animais; que via a autora trabalhando na roça; que a autora sempre trabalhou na roça (...)".
Busca a parte autora o reconhecimento do exercício de atividades agrícolas em relação a dois grandes intervalos, a saber: (a) o período compreendido entre os anos de 1980 e 1986, no qual alega haver exercido atividades agrícolas na companhia de seus pais e irmãos; e (b) o interregno compreendido entre 1988 e 1998, ao longo do qual afirma haver laborado na companhia de seu marido, em terras que pertenciam ao seu sogro.
Quanto ao primeiro período, a parte autora trouxe aos autos documentos que comprovam a aquisição, por seu genitor, de uma área de terras com extensão de 1,25 hectares, em março de 1981, bem como notas fiscais de comercialização de produtos agrícolas emitidas em nome de seu pai em relação aos anos imediatamente anteriores (1973, 1978 e 1979), o que evidencia, a meu sentir, que mesmo antes de a família da autora adquirir uma pequena área de terras, exerciam labor rurícola em terras de terceiros. Tal fato, vale dizer, restou confirmado pelas testemunhas ouvidas na audiência de instrução do feito, que afirmaram que a autora, seus pais e irmãos trabalhavam em terras arrendadas de terceiros. Por tudo isso, entendo que resta comprovado o exercício de atividades agrícolas pela autora no interregno compreendido entre 07.05.1980 e 30.03.1986.
No que diz respeito ao segundo intervalo, entendo que o conjunto probatório não autoriza o acolhimento da pretensão da parte autora.
Com efeito, ainda que tenham sido juntadas aos autos notas fiscais de comercialização de produtos agrícolas emitidas em nome do marido da autora em relação aos anos de 1989 a 1998, imperioso reconhecer que a força probatória de tal documentação resta enfraquecida em razão de circunstâncias especificas, a saber: (a) o próprio marido da autora possui vínculo de natureza urbana entre os anos de 1987 e 1991, bem como recolhimentos como contribuinte individual a partir de 1991 e até o ano de 2011 (consoante informações do Sistema CNIS - fl. 110); (b) na certidão de casamento da autora, lavrada no ano de 1986, seu marido é qualificado como comerciário, ao passo que a própria demandante é qualificada como auxiliar de escritório; (c) a contar de 1992, a autora e seu marido constituíram sociedade empresária destinada à comercialização de cereais, a qual funcionava em endereço comercial situado na área urbana do Município de Constantina - RS, conforme contrato social acostado às fls. 35-36; (d) entre os anos de 1986 e 1988 a autora possui vínculos de natureza urbana junto à Prefeitura Municipal de Liberato Salzano, conforme anotações constantes da CTPS da autora e declaração da fl. 37, não havendo nos autos elementos que demonstrem, de forma segura, que a própria segurada tenha tornado a exercer labor rurícola após tal período.
Não bastasse a existência de tais documentos, também a prova testemunhal não é conclusiva a respeito do labor rurícola da autora entre os anos de 1988 e 1998. Note-se, por exemplo, que nenhuma das três testemunhas ouvidas na audiência de instrução do feito mencionou o fato de a autora haver laborado em atividades urbanas por um período de aproximadamente três anos (1986 a 1988) e depois haver retornado para o meio rurícola. Tampouco referiram o fato de que, a contar de 1992 a autora e seu marido passaram a ser titulares de empresa de comercialização de cereais, não sendo crível que, ainda que mantivessem o exercício de labor rurícola a contar de 1992, não se ausentassem eventualmente para cuidar de questões relacionadas à empresa que constituíram, fato que certamente seria de conhecimento de vizinhos e amigos próximos. As testemunhas, entretanto, se limitaram a mencionar que a autora sempre exerceu atividades agrícolas, desde criança até quando se mudou para a cidade e passou a exercer atividades urbanas, não tendo sido apontado por nenhuma das três testemunhas em que ano se deu tal ida da autora para o meio urbano, ou mesmo que atividades passou a exerceu quando deixou de trabalhar na agricultura, de tal forma que a incompletude das informações prestadas, associada à existência de documentação contraditória, enfraquece uma vez mais o acervo probatório constante dos autos.
Tais contradições conduzem, a meu sentir, à conclusão de que a autora deixou o meio rural em 1986, quando passou a exercer atividades urbanas, inicialmente junto à Prefeitura Municipal de Liberato Salzano e, posteriormente, na condição de integrante de sociedade empresária juntamente com seu marido, a qual, reitero, operava em endereço urbano, evidenciando que neste momento a autora já não mais residia no meio rural e eventual atividade que possa ter sido exercida por ela e pelo marido não mais se caracterizava como o principal meio de subsistência do grupo familiar.
Entendo, portanto, que o conjunto probatório constante dos autos evidencia que, ainda que a autora e seu marido tenham exercido atividades agrícolas entre os anos de 1988 e 1998, tal labor não se deu na condição de segurados especiais que exercem atividade em regime de economia familiar, nos termos e parâmetros estabelecidos pelo inciso VII do artigo 11 da Lei nº. 8.213/91, razão pela qual se impõe a improcedência do pedido quanto ao ponto.
É devido, em síntese, o reconhecimento do exercício de atividades agrícolas pela parte autora, em regime de economia familiar, apenas no interregno compreendido entre 07.05.1980 e 30.03.1986, o qual perfaz um total de 05 anos, 10 meses e 24 dias.
Da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição
A aposentadoria por tempo de serviço, extinta pela Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998 e transformada em aposentadoria por tempo de contribuição, foi garantida (art. 3º) aos segurados da previdência social que, até a data da publicação da Emenda, em 16.12.98, tivessem cumprido os requisitos para sua obtenção, com base nos critérios da legislação então vigente (arts. 29, caput, e 52 a 56 da Lei nº 8.213/91, na sua redação original), quais sejam: a) 25 anos de tempo de serviço, se mulher, ou 30 anos, se homem e b) carência (conforme a tabela do art. 142 da Lei nº 8.213/91, inscritos até 24-7-1991, ou conforme o art. 25, II, da Lei, para os inscritos posteriormente). O valor da aposentadoria corresponde a 70% do salário-de-benefício, acrescido de 6% por ano para cada ano completo de atividade até o máximo de 100% (aposentadoria integral), o que se dá aos 30 anos de tempo de serviço para as mulheres, e 35 para os homens.
Oportuno enfatizar que o direito adquirido a tal modalidade de benefício exige a satisfação de todos os requisitos até a data da EC nº 20/98, já que, a partir de então, passa a viger a aposentadoria por tempo de contribuição, consoante previsão do art. 201, §7º, da Constituição Federal, para a qual exigem-se 35 anos de contribuição, se homem, ou 30, se mulher, e carência de 180 contribuições mensais.
Em caráter excepcional, para os segurados filiados até a data da publicação da Emenda, foi estabelecida regra de transição no art. 9º, §1º, possibilitando aposentadoria proporcional quando, o segurado I) contando com 53 anos de idade, se homem, e 48 anos, se mulher e, atendido o requisito da carência, II) atingir tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de: a) 30 anos, se homem, e 25, se mulher; e b) um período adicional de contribuição (pedágio) equivalente a 40% do tempo que, na data da publicação da Emenda, faltaria para atingir o mínimo de tempo para a aposentadoria proporcional. O valor da aposentadoria proporcional será equivalente a 70% do salário-de-benefício, acrescido de 5% por ano de contribuição que supere a soma a que se referem os itens a e b supra, até o limite de 100%).
De qualquer modo, o disposto no art. 56 do Decreto n.º 3.048/99 (§3º e 4º) expressamente ressalvou, independentemente da data do requerimento do benefício, o direito à aposentadoria pelas condições legalmente previstas à época do cumprimento de todos os requisitos, assegurando sua concessão pela forma mais benéfica, desde a entrada do requerimento.
Forma de cálculo da renda mensal inicial (RMI)
A renda mensal inicial do benefício será calculada de acordo com as regras da legislação infraconstitucional vigente na data em que o segurado completar todos os requisitos do benefício.
Assim, o segurado que completar os requisitos necessários à aposentadoria antes de 29/11/1999 (início da vigência da Lei n.º 9.876/99), terá direito a uma RMI calculada com base na média dos 36 últimos salários-de-contribuição apurados em período não superior a 48 meses (redação original do art. 29 da Lei n.º 8.213/91), não se cogitando da aplicação do fator previdenciário, conforme expressamente garantido pelo art. 6º da respectiva lei.
Completando o segurado os requisitos da aposentadoria já na vigência da Lei nº 9.876/99 (em vigor desde 29.11.1999), o período básico do cálculo (PBC) estender-se-á por todo o período contributivo, extraindo-se a média aritmética dos 80% maiores salários-de-contribuição, a qual será multiplicada pelo "fator previdenciário" (Lei n.º 8.213/91, art. 29, I, e §7º).
Do direito à aposentadoria no caso concreto
Considerando-se o presente provimento judicial, a parte autora contabiliza o seguinte tempo de contribuição até a DER em 02.08.2011:
a) reconhecido na via administrativa: 13 anos, 02 meses e 27 dias.
b) reconhecido judicialmente: 05 anos, 10 meses e 24 dias.
Tempo total até a DER: 19 anos, 01 mês e 21 dias.
Não cumprindo com todos os requisitos para a concessão do benefício, a parte autora tem direito à averbação dos períodos ora reconhecidos, para fins de obtenção de futura aposentadoria.
Dos ônus sucumbenciais
Fica mantida a distribuição dos ônus processuais nos exatos termos em que determinada pelo julgador monocrático, na medida em que mantida a procedência parcial dos pedidos formulados pela parte autora.
Conclusão
Nega-se provimento ao recurso de apelação interposto pela parte autora.
O apelo do INSS e a remessa oficial, a seu turno, são parcialmente acolhidos apenas para o fim de limitar o reconhecimento do exercício de atividades agrícolas pela parte autora a 30.03.1986.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo interposto pela parte autora, e dar parcial provimento ao apelo do INSS e à remessa oficial.
É o voto.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 29/11/2016
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0013542-58.2013.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00038995120118210069
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Jorge Luiz Gasparini da Silva |
APELANTE | : | DULCE POTRICH |
ADVOGADO | : | Ivo Signor e outros |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE SARANDI/RS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 29/11/2016, na seqüência 943, disponibilizada no DE de 16/11/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AO APELO INTERPOSTO PELA PARTE AUTORA, E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DO INSS E À REMESSA OFICIAL.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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