Apelação Cível Nº 5012876-65.2020.4.04.7205/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: ROGERIO ESKELSEN (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação contra sentença, publicada em 26-08-2021, na qual o magistrado a quo julgou o pedido nos seguintes termos:
Ante o exposto, julgo extinto o processo sem resolução do mérito quanto ao intervalo de 01.01.2016 a 13.04.2016, junto à Empresa Nossa Senhora da Glória, com fulcro no art. 485, VI, do CPC; e, no mais, julgo parcialmente procedentes os pedidos para:
- reconhecer a especialidade do trabalho desempenhado pela parte autora nos períodos de 11.08.1986 a 08.05.1989, 25.02.1992 a 01.03.1992, 01.04.1993 a 27.06.1994 e de 02.01.1995 a 28.04.1995 e determinar ao INSS a respectiva averbação, mediante conversão em tempo comum pelo fator 1,4.
Dada a sucumbência parcial e com base no artigo 86, caput e artigo 98, § 2º, do CPC (Lei nº 13.105/2015), condeno a parte autora ao pagamento de 50% das custas processuais; em honorários advocatícios de 10% sobre 50% do valor da causa; e honorários periciais, no percentual de 50% ante a sucumbência recíproca, tudo com fundamento no artigo 85, § 2º, do CPC (Lei nº 13.105/2015).
Condeno o INSS em honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre 50% do valor da causa, nos termos do artigo 85, § 2º e artigo 86 do CPC (Lei nº 13.105/2015).
A parte autora, em suas razões recursais, alega preliminarmente a existência de interesse processual quanto ao período de 01-01-2016 a 13-04-2016. Argui cerceamento de defesa em razão do indeferimento do pedido de produção de prova pericial. No mérito, pleiteia o reconhecimento de tempo especial nos períodos de 29-04-1995 a 19-12-2000, de 21-12-2000 a 13-04-2016 e de 01-02-2016 a 16-12-2019, bem como a concessão do benefício de aposentadoria especial, ou ainda de aposentadoria por tempo de contribuição.
Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Remessa oficial
No caso dos autos, a sentença foi publicada na vigência do novo codex.
Tendo em vista que a decisão limitou-se a reconhecer o tempo de serviço especial, isto é, o provimento jurisdicional impugnado encerrou norma individual de cunho meramente declaratório, afasta-se, por imposição lógica, a reapreciação de ofício do julgado, pois trata-se de decisão que sequer possui resultado econômico aferível no momento em que exarada.
Em idêntico sentido, os seguintes julgados deste Regional: Apelação nº 5068143-84.2017.404.9999, 5ª Turma, rel. Juíza Federal Convocada Gisele Lemke, juntado aos autos em 09-04-2018; Apelação nº 0000837-86.2017.404.9999, 6ª Turma, rel. Juíza Federal Convocada Taís Schilling Ferraz, publicação em 19-12-2017; Apelação nº 0004030-17.2014.404.9999, 6ª Turma, rel. para o acórdão Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, publicação em 11-09-2017.
Dessa forma, deixo de dar por interposta a remessa oficial.
Interesse processual
Analisando os documentos do processo administrativo (Evento 1, PROCADM5, Páginas 56 e seguintes), observo que, de fato, o período de 01-01-2016 a 13-04-2016 não foi computado pelo INSS como tempo comum junto à empresa Nossa Senhora da Glória Ltda.
Pois bem.
Apesar de não haver requerimento expresso de reconhecimento de tempo comum na presente demanda, este Tribunal entende que, nos casos de pedido de reconhecimento de tempo especial, o reconhecimento da atividade urbana, que constitui pressuposto para a análise da especialidade das atividades, consiste em pedido implícito.
De fato, o parágrafo 2º do art. 322 do Código de Processo Civil dispõe que "a interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa fé". À vista deste dispositivo, se o segurado pede o reconhecimento da especialidade do trabalho exercido em determinado período, não há como deixar de analisar também - se ainda não reconhecido - o próprio tempo de serviço/contribuição (comum) subjacente, pois este é pressuposto daquele.
Nessa linha, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que o pedido decorre da interpretação lógico-sistemática das questões trazidas na inicial, o que justifica a apreciação de pretensões ali expostas, mas que não fizeram parte do pedido propriamente dito. Nesse sentido: REsp n. 1.137.304, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 25-09-2012; REsp n. 1363781, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 26-03-2014; AgRg no AREsp 377750, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 25-02-2014; AgRg nos EDcl no Ag 1415130, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe de 14-02-2014; AgRg no AREsp 426389, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 07-03-2014; AgRg no AREsp 143370 e AgInt no REsp 1614994, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 02-06-2016 e 13-12-2018, respectivamente; e AREsp 1578201, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 19-12-2019.
No mesmo sentido, colaciono os seguintes precedentes deste Tribunal:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. PERÍODO NÃO RECONHECIDO COMO TEMPO COMUM. PEDIDO IMPLÍTICO. INTERESSE PROCESSUAL CARACTERIZADO. PROVA PERICIAL. NECESSIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. NULIDADE DA SENTENÇA. 1. Tendo o autor requerido a especialidade de certo período, com relação ao qual não foi reconhecido o vínculo empregatício, o reconhecimento da atividade urbana, que constitui pressuposto para a análise da especialidade das atividades, consiste em pedido implícito. 2. (...) (TRF4, AC 5002653-83.2021.4.04.7216, Nona Turma, Relator Des Federal Celso Kipper, juntado aos autos em 04-08-2022)
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO URBANO ANOTADO EM CTPS. PEDIDO IMPLÍCITO. SENTENÇA EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. AVERBAÇÃO. TEMPO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO. CONSECTÁRIOS LEGAIS. 1. O reconhecimento da atividade urbana, que constitui pressuposto para a análise da especialidade das atividades, trata-se de pedido implícito, de modo que afastada a alegação de sentença extra petita. 2. As anotações constantes de CTPS, salvo prova de fraude, constituem prova plena para efeito de contagem de tempo de serviço. 3. (...). (TRF4, AC 5004903-28.2012.4.04.7112, Quinta Turma, Relator Des Federal Altair Antonio Gregório, juntado aos autos em 23-10-2019)
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TEMPO URBANO NÃO RECONHECIDO. EXTRA PETITAL. TEMPO ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS. FRIO. LAUDO EM EMPRESA SIMILAR. POSSIBILIDADE. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO. CABIMENTO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. LEI 11.960/2009. DIFERIMENTO PARA EXECUÇÃO. 1. Tendo o autor requerido a especialidade de certo período, com relação ao qual não foi reconhecido o vínculo empregatício, o reconhecimento da atividade urbana, que constitui pressuposto para a análise da especialidade das atividades, consiste em pedido implícito. 2. (...) (TRF4, AC 0007566-36.2014.4.04.9999, Sexta Turma, Relatora Des Federal Salise Monteiro Sanchotene, D.E. 27-04-2017)
Assim, não há razão para a extinção do processo sem resolução de mérito, devendo ser reconhecida a existência de interesse processual a fim de que seja averiguada a existência de tempo de contribuição no período de 01-01-2016 a 13-04-2016.
Cerceamento de defesa
A pretensão recursal da parte autora consiste no reconhecimento de tempo especial nos períodos de 29-04-1995 a 19-12-2000, de 21-12-2000 a 13-04-2016 e de 01-02-2016 a 16-12-2019, nos quais trabalhou como motorista de ônibus e/ou caminhão, alegando exposição ao agente nocivo vibrações, bem como a existência de condições laborais penosas.
Pois bem.
Em relação ao agente nocivo vibrações, o código 2.0.2 do Anexo IV dos Decretos n. 2.172/97 e n. 3.048/99 estabelece que a exposição às vibrações enseja o reconhecimento do tempo como especial, porém elenca apenas as vibrações decorrentes de trabalhos com perfuratrizes e marteletes pneumáticos.
Não obstante, o art. 283 da Instrução Normativa n. 77, de 2015, do INSS, regula a questão, assim estabelecendo:
Art. 283. A exposição ocupacional a vibrações localizadas ou no corpo inteiro dará ensejo à caracterização de período especial quando:
I - até 5 de março de 1997, véspera da publicação do Decreto nº 2.172, de 1997, de forma qualitativa em conformidade com o código 1.0.0 do quadro anexo ao Decreto nº 53.831, de 1964 ou Código 1.0.0 do Anexo I do Decreto nº 83.080, de 1979, por presunção de exposição;
II - a partir de 6 de março de 1997, quando forem ultrapassados os limites de tolerância definidos pela Organização Internacional para Normalização - ISO, em suas Normas ISO nº 2.631 e ISO/DIS nº 5.349, respeitando-se as metodologias e os procedimentos de avaliação que elas autorizam; e
III - a partir de 13 de agosto de 2014, para o agente físico vibração, quando forem ultrapassados os limites de tolerância definidos no Anexo 8 da NR-15 do MTE, sendo avaliado segundo as metodologias e os procedimentos adotados pelas NHO-09 e NHO-10 da FUNDACENTRO, sendo facultado à empresa a sua utilização a partir de 10 de setembro de 2012, data da publicação das referidas normas.
Dentro desse contexto, é devido o reconhecimento da especialidade pela exposição ao agente nocivo vibrações localizadas ou de corpo inteiro, de 06-03-1997 até 12-08-2014, se ultrapassados os limites de tolerância definidos pela Organização Internacional para Normalização - ISO, em suas Normas ISO nº 2.631 e ISO/DIS nº 5.349, respeitando-se as metodologias e os procedimentos de avaliação que elas autorizam, e, a partir de 13-08-2014, se ultrapassados os limites de tolerância definidos no Anexo 8 da NR-15 do MTE.
Esta Corte vem reconhecendo o exercício de atividade especial em face da exposição do segurado ao agente nocivo vibrações, como segue:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PROVA DO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DO LAUDO JUDICIAL. UTILIZAÇÃO DE PROVA EMPRESTADA. APOSENTADORIA ESPECIAL. MOTORISTA DE ÔNIBUS. EXPOSIÇÃO A RUÍDO E A VIBRAÇÕES.
1. (...)
6. O art. 283 da Instrução Normativa INSS/PRES nº 77/2015 estabelece que a exposição ocupacional a vibrações localizadas ou de corpo inteiro enseja a concessão de aposentadoria especial, quando forem ultrapassados os limites de tolerância definidos nas normas indicadas no ato regulamentar.
7. A perícia judicial concluiu que os níveis de vibração que atingem os membros superiores (vibração localizada) e que são transmitidas ao corpo como um todo, enquanto o profissional ocupa a posição sentada (vibrações de corpo inteiro), no cargo de motorista de ônibus, ficaram acima do limite permitido.
8. (...)
(AC n. 5001796-73.2012.4.04.7112, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Osni Cardoso Filho, julgado em 09-04-2019)
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO EM ESPECIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. REVISÃO. 1. (...). 3. O laudo pericial por similaridade indica que o segurado desempenhou a função de motorista de ônibus e estava exposto, de modo habitual e permanente, aos riscos físicos próprios da profissão, tais como: vibrações, risco de acidentes de trânsito, tudo permitindo concluir que exercia atividade penosa, autorizando o reconhecimento de tempo de serviço especial. 4. (...)
(AC n. 5018163-48.2016.4.04.7205, Nona Turma, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, julgado em 30-01-2019)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS. ATIVIDADE ESPECIAL. MOTORISTA DE ÔNIBUS. AGENTE NOCIVO VIBRAÇÕES. PENOSIDADE. TUTELA ESPECÍFICA.
1. O art. 283 da Instrução Normativa n. 77, de 2015, do INSS, estabelece que a exposição ocupacional a vibrações localizadas ou no corpo inteiro dará ensejo à caracterização de período especial quando ultrapassados os limites de tolerância definidos nas normas indicadas na referida Instrução.
2. Hipótese em que, até 12-08-2014, restou comprovada a exposição do segurado às vibrações de corpo inteiro, que são transmitidas ao corpo do motorista de ônibus enquanto ocupa a sua posição de trabalho (sentado), cujos níveis ficaram acima do limite permitido, de acordo com a norma ISO 2.631, de 1997, sendo devido o reconhecimento do tempo como especial.
3. A partir de 13-08-2014, resta comprovado o labor do demandante, como motorista de ônibus, em atividade penosa, em face da existência de vibrações a que estava sujeito ao realizar suas atividades profissionais, as quais eram suficientes para qualificar a atividade como penosa em virtude da constância da exposição (Incidente de Assunção de Competência n. 5033888-90.2018.4.04.0000/RS, de que foi Relator o Des. Federal João Batista Pinto Silveira, julgado pela Terceira Seção desta Corte em 25-11-2020).
4. (...)
(AC n. 5015034-98.2017.4.04.7205/SC, Nona Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, julgado em 14-12-2021)
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. MOTORISTA DE ÔNIBUS. ATIVIDADE PENOSA. EXPOSIÇÃO À VIBRAÇÃO. RECONHECIMENTO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. TUTELA ESPECÍFICA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. (...)
2. Tese fixada nos seguintes termos: 'deve ser admitida a possibilidade de reconhecimento do caráter especial das atividades de motorista ou de cobrador de ônibus em virtude da penosidade, ainda que a atividade tenha sido prestada após a extinção da previsão legal de enquadramento por categoria profissional pela Lei 9.032/1995, desde que tal circunstância seja comprovada por meio de perícia judicial individualizada, possuindo o interessado direito de produzir tal prova'. (Incidente de Assunção de Competência (Seção) nº 5033888-90.2018.4.04.0000/rs, relator João Batista Pinto Silveira, maioria, julgado na pauta da sessão virtual, realizada no período de 18/11/2020 a 25/11/2020, acórdão juntado aos autos em 27/11/2021)
3. O laudo pericial por similaridade indica que o segurado desempenhou a função de motorista de ônibus e estava exposto, de modo habitual e permanente, aos riscos físicos próprios da profissão, tais como: vibrações, risco de acidentes de trânsito, tudo permitindo concluir que exercia atividade penosa, autorizando o reconhecimento de tempo de serviço especial. (TRF4, AC 5018163-48.2016.4.04.7205, Turma Regional Suplementar de SC, relator Paulo Afonso Brum Vaz, juntado aos autos em 05/02/2019).
4. (...)
(AC n. 5012108-40.2018.4.04.7002, Décima Turma, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, julgado em 13-07-2021)
Outrossim, no que se refere à penosidade, cumpre referir que em 25-11-2020 foi realizado o julgamento, pela Terceira Seção desta Corte, do Incidente de Assunção de Competência n. 5033888-90.2018.4.04.0000/RS, de que foi Relator o Des. Federal João Batista Pinto Silveira, onde ficou decidido que deve "ser admitida a possibilidade de reconhecimento do caráter especial das atividades de motorista ou de cobrador de ônibus em virtude da penosidade, ainda que a atividade tenha sido prestada após a extinção da previsão legal de enquadramento por categoria profissional pela Lei 9.032/1995, desde que tal circunstância seja comprovada por meio de perícia judicial individualizada, possuindo o interessado direito de produzir tal prova".
Para a aferição da penosidade, foram fixados, naquele julgamento, os seguintes perâmetros:
2 - Dos critérios de reconhecimento da penosidade
Restringindo-me às atividades de motorista ou de cobrador de ônibus, que foi a delimitação estabelecida pela Terceira Seção desta Corte na proposição do presente incidente, e tendo como parâmetro a conceituação anteriormente exposta, em que se associa a penosidade à necessidade de realização de esforço fatigante, à necessidade de concentração permanente, e/ou à necessidade de manutenção de postura prejudicial à saúde, submeto à apreciação da Seção os seguintes parâmetros a serem observados pelos peritos judiciais na aferição da existência de eventual penosidade na prestação dessa atividade.
1. Análise do(s) veículo(s) efetivamente conduzido(s) pelo trabalhador. O perito deverá diligenciar junto à(s) empresa(s) empregadora(s) para descobrir a marca, o modelo e o ano de fabricação do(s) veículo(s) conduzido(s) e, de posse dessas informações, poderá analisar se existia ou não penosidade na atividade em razão da necessidade de realização de esforço fatigante, como, por exemplo, na condução do volante, na realização da troca das marchas, ou em outro procedimento objetivamente verificável. No caso dos motoristas de ônibus deverá ser averiguado se a posição do motor ficava junto à direção, ocasionando desconfortos ao trabalhador, como, por exemplo, vibrações, ruído e calor constantes (ainda que inferiores aos patamares exigidos para reconhecimento da insalubridade da atividade, mas elevados o suficiente para qualificar a atividade como penosa em virtude da constância da exposição), ou outro fator objetivamente verificável.
2. Análise dos trajetos. O profissional deverá identificar qual(is) a(s) linha(s) percorrida(s) pelo trabalhador e analisar se existia, nesse transcurso, penosidade em razão de o trajeto incluir localidades consideradas de risco em razão da alta incidência de assaltos ou outras formas de violência, ou ainda em razão de o trajeto incluir áreas de difícil acesso e/ou trânsito em razão de más condições de trafegabilidade, como, por exemplo, a ausência de pavimentação.
3. Análise das jornadas. Deverá o profissional aferir junto à empresa se, dentro da jornada laboral habitualmente desempenhada pelo trabalhador, era-lhe permitido ausentar-se do veículo, quando necessário à satisfação de suas necessidades fisiológicas.
Realizando o perito judicial a análise das atividades efetivamente desempenhadas pelo trabalhador com base nos critérios objetivos acima descritos, e detectando a existência, de forma habitual e permanente, de qualquer das circunstâncias elencadas, ou outra que, embora não aventada no presente julgamento, seja passível de expor trabalhador a desgaste considerado penoso, e desde que seja demonstrável mediante critérios objetivos, considero ser possível o reconhecimento da especialidade das atividades de motorista ou de cobrador de ônibus, independentemente da época em que prestada.
Não obstante a extensão do IAC tenha ficado restrita à penosidade das atividades de motorista ou de cobrador de ônibus, entendo viável a utilização dos mesmos critérios para avaliação da penosidade nos casos de motoristas de caminhão, em face da similaridade das atividades.
Sendo assim, tanto em razão da penosidade quanto em razão das vibrações, é possível, em tese, o enquadramento pretendido pela parte autora, diferentemente do entendimento adotado pelo magistrado a quo:
Sinale-se que o agente vibração, comumente invocado a partir de 1995, é arrolado como agente nocivo, no Código 2.0.2 do Decreto n.º 3.048/1999, para fins de enquadramento da atividade como especial, tão somente em razão da operacionalização de perfuratrizes e marteletes pneumáticos, situação bastante diversa da condição a que se submetem todos os motoristas na condução de veículos automotores. Ainda que a Súmula 198 do extinto TFR permita o enquadramento por conta de elementos não previstos em decreto, mas constatados em prova pericial, tal agente não é habitualmente constatado nas provas técnicas juntadas aos autos para motorista ou cobrador de ônibus e motorista ou ajudante de caminhão.
No que se refere à penosidade/periculosidade da atividade de motorista, cumpre pontuar que ela não encontra guarida na legislação previdenciária e não permite, em princípio, o reconhecimento da especialidade das condições de trabalho a partir de 1995, mesmo porque sua avaliação é muito relativa e pode se encontrar caracterizada ou não em atividades as mais diversas e a depender de características inclusive pessoais de quem as exerce. As causas usualmente invocadas, em casos tais, para a alegada especialidade são justamente agentes potencialmente nocivos, como ruído, vibração e variações térmicas, mas que, em regra, não superam os patamares regulamentares para a caracterização da nocividade, de modo que não podem ser usados, de forma transversa, para reconhecer a especialidade por outro fundamento não previsto; ou ainda questões físicas e psicológicas (dificuldades ergonômicas, má alimentação, distância da família, exposição à criminalidade, depressão) que não encontram guarida na lei ou nos regulamentos da Previdência e que, em boa parte, são comuns a todos ou muitos dos trabalhadores na atualidade (como a questão da segurança) e/ou dependem de hábitos e modos de vida de cada um (como os aspectos de sedentarismo, má alimentação, distância familiar e depressão). (Nessa linha:TRF4, 5011196-48.2011.404.7112, Quinta Turma, Relator para Acórdão Rogerio Favreto, juntado aos autos em 22/06/2017).
Ocorre que, para a avaliação dos referidos agentes, é imprescindível, no caso, a realização de prova pericial. Com efeito, em relação às vibrações, os laudos apontados não apresentam a devida quantificação. Já no que se refere à penosidade, não é possível a utilização de laudo de outro trabalhador, tendo em vista a necessária individualização das condições laborais do segurado.
Note-se que a realização de prova pericial foi expressamente requerida tanto na petição inicial quanto no evento 26, tendo sido indeferida pelo magistrado a quo no Evento 15.
No caso, a não realização da perícia técnica trouxe evidentes prejuízos à parte autora, que teve seu benefício de aposentadoria especial indeferido. Sobre a não realização de perícia técnica, colaciono os seguintes precedentes no sentido da existência de cerceamento de defesa:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL INDEFERIDA. PREJUÍZO CONFIGURADO. NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA. - Evidenciado prejuízo no indeferimento de produção de prova pericial, que se faz imprescindível para o deslinde da controvérsia, acolhe-se alegação de cerceamento de defesa, determinando-se a anulação da sentença e a reabertura da instrução. (TRF4, AC 5000819-40.2010.4.04.7116, Sexta Turma, Relator Julio Guilherme Berezoski Schattschneider, juntado aos autos em 14/02/2020)
PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PROVA PERICIAL. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. Evidenciado prejuízo no indeferimento de produção de prova, que se faz imprescindível para o deslinde da controvérsia, acolhe-se alegação de cerceamento de defesa, determinando-se a anulação da sentença e a reabertura da instrução processual. (TRF4, AC 5020145-56.2014.4.04.7112, Quinta Turma, Relator Altair Antonio Gregório, juntado aos autos em 12/12/2019)
PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. 1. Caracteriza-se cerceamento de defesa o indeferimento de perícia quando esta se traduz no único meio hábil a comprovar a pretensão deduzida pela parte autora, qual seja, o reconhecimento de atividade urbana desenvolvida em condições especiais. 2. Anulada a sentença com o retorno dos autos à vara de origem para restabelecimento da dilação probatória e novo julgamento do mérito da lide. (TRF4, AC 5023826-22.2018.4.04.7200, Turma Regional Suplementar de SC, Relator Paulo Afonso Brum Vaz, juntado aos autos em 27/11/2019)
Assim, a não realização da prova pericial, nas condições apontadas acima, configura cerceamento de defesa, haja vista que a instrução processual não poderia ter sido encerrada e proferida sentença sem que tivesse sido determinada a realização da perícia técnica, necessária ao julgamento dos pedidos constantes da petição inicial.
Na hipótese, o perito deverá fazer avaliação in loco nas empresas que continuam ativas, bem como avaliar por similaridade as condições laborais nas empresas extintas, sobretudo considerando o modelo de veículo conduzido pelo demandante.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora para reconhecer a existência de interesse processual quanto ao período de 01-01-2016 a 13-04-2016, bem como para anular a sentença por cerceamento de defesa, determinando a reabertura da instrução processual.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003715106v6 e do código CRC 791e0504.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CELSO KIPPER
Data e Hora: 14/3/2023, às 23:26:30
Conferência de autenticidade emitida em 22/03/2023 04:34:19.
Apelação Cível Nº 5012876-65.2020.4.04.7205/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: ROGERIO ESKELSEN (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS. PERÍODO NÃO RECONHECIDO COMO TEMPO COMUM. PEDIDO IMPLÍCITO. ATIVIDADE ESPECIAL. MOTORISTA DE ÔNIBUS E CAMINHÃO. AGENTE NOCIVO VIBRAÇÕES. PENOSIDADE. prova pericial. necessidade. cerceamento de defesa configurado. nulidade da sentença. SENTENÇA ANULADA.
1. Tendo o autor requerido a especialidade de certo período, com relação ao qual não foi reconhecido o vínculo empregatício, o reconhecimento da atividade urbana, que constitui pressuposto para a análise da especialidade das atividades, consiste em pedido implícito. Precedentes.
2. O art. 283 da Instrução Normativa n. 77, de 2015, do INSS, estabelece que a exposição ocupacional a vibrações localizadas ou no corpo inteiro dará ensejo à caracterização de período especial quando ultrapassados os limites de tolerância definidos nas normas indicadas na referida Instrução.
3. A partir de 29-04-1995, quando não mais possível o enquadramento pela categoria profissional, se constatada a existência de penosidade na realidade laboral do segurado, mediante perícia judicial, como no caso concreto, essa circunstância é condição autorizadora do reconhecimento da especialidade do trabalho, ainda que ausente previsão específica no atual regramento previdenciário, conforme tese fixada no IAC n. 5033888-90.2018.4.04.0000.
4. Hipótese em que, para a avaliação da existência de penosidade, bem como da presença de vibrações nocivas, se faz necessária a realização de perícia judicial.
5. Há cerceamento de defesa em face do julgamento de improcedência do pedido e do encerramento da instrução processual sem a produção das provas expressamente requeridas pela parte autora, as quais são imprescindíveis para o deslinde da controvérsia.
6. Sentença anulada para que, reaberta a instrução processual, seja produzida a prova pericial postulada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora para reconhecer a existência de interesse processual quanto ao período de 01-01-2016 a 13-04-2016, bem como para anular a sentença por cerceamento de defesa, determinando a reabertura da instrução processual, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 14 de março de 2023.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003715107v5 e do código CRC 7b8ce2d8.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CELSO KIPPER
Data e Hora: 14/3/2023, às 23:26:30
Conferência de autenticidade emitida em 22/03/2023 04:34:19.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 07/03/2023 A 14/03/2023
Apelação Cível Nº 5012876-65.2020.4.04.7205/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: ROGERIO ESKELSEN (AUTOR)
ADVOGADO(A): TÂNIA PIAZZA (OAB SC010717)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 07/03/2023, às 00:00, a 14/03/2023, às 16:00, na sequência 588, disponibilizada no DE de 24/02/2023.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARA RECONHECER A EXISTÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL QUANTO AO PERÍODO DE 01-01-2016 A 13-04-2016, BEM COMO PARA ANULAR A SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA, DETERMINANDO A REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 22/03/2023 04:34:19.