APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000295-68.2013.4.04.7106/RS
RELATOR | : | PAULO AFONSO BRUM VAZ |
APELANTE | : | JUSSARA TERESINHA DE FREITAS DE PIETRO |
ADVOGADO | : | TANIA BEATRIZ ALVES SOARES |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REVISÃO DA RMI. POSSIBILIDADE.
Constando dos autos a prova necessária a demonstrar o exercício de atividade sujeita a condições especiais, conforme a legislação vigente na data da prestação do trabalho, o respectivo tempo de serviço deve ser computado, juntamente com os períodos de labor urbano reconhecidos pelo INSS, para fins de revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição. Direito adquirido do autor à concessão do melhor benefício (RE nº 630.501/RS, Relatora Ministra Ellen Gracie, Plenário, DJE 26/08/2013).
A exposição a agentes biológicos enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial.
Os equipamentos de proteção individual não são suficientes para descaracterizar a especialidade da atividade exercida, porquanto não comprovada a sua real efetividade por meio de perícia técnica especializada e não demonstrado o uso permanente pelo empregado durante a jornada de trabalho.
A exposição a agentes biológicos não precisa ser permanente para caracterizar a insalubridade do labor, sendo possível o cômputo do tempo de serviço especial diante do risco de contágio sempre presente.
O termo inicial dos efeitos financeiros da revisão deve retroagir à data da concessão do benefício, uma vez que o deferimento da ação revisional representa o reconhecimento tardio de um direito já incorporado ao patrimônio jurídico do segurado.
Esta Corte tem entendido, em face da natureza pro misero do Direito previdenciário e calcada nos princípios da proteção social e da fungibilidade dos pedidos (em equivalência ao da fungibilidade dos recursos), não consistir julgamento ultra ou extra petita a concessão de aposentadoria diversa da pedida. Assim, inviável a concessão de aposentadoria especial, não há óbice à análise sobre a possibilidade de revisão da RMI da aposentadoria por tempo de contribuição, mediante aplicação dos princípios jura novit curia e narra mihi factum dabo tibi ius, sem que se cogite de violação aos limites da lide.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial e dar parcial provimento à apelação da parte autora, bem como determinar a imediata revisão do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de outubro de 2016.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8572711v3 e, se solicitado, do código CRC 9A89C6D3. | |
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| Signatário (a): | Paulo Afonso Brum Vaz |
| Data e Hora: | 19/10/2016 13:53 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000295-68.2013.4.04.7106/RS
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
APELANTE | : | JUSSARA TERESINHA DE FREITAS DE PIETRO |
ADVOGADO | : | TANIA BEATRIZ ALVES SOARES |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença, publicada em 08/03/2016, proferida nos seguintes termos (evento 119):
quanto ao reconhecimento do caráter especialdosperíodosde30/07/1977 a 03/01/1980 e de 15/03/1993 a 27/04/1995, JULGO EXTINTO O FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, forte no artigo 267, VI, do Código de Processo Civil;
- no mais, JULGO PROCEDENTE EM PARTE O PEDIDO, resolvendo o mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do mesmo diploma legal, para reconhecer e determinar a averbação do período de 28/04/1995 a 10/04/2006 como tempo especial.
Tendo em vista a sucumbência recíproca e igualitária, compensam-se os honorários sucumbenciais nos termos da Súmula 306 do STJ. Ademais, a exigibilidade da verba honorária permanecerá suspensa enquanto perdurar a condição de miserabilidade do autor, situação essa que ensejou a concessão do benefício da gratuidade judiciária no curso da ação (Lei nº 1.060/50).
Em homenagem aos princípios da instrumentalidade, celeridade e economia processual, eventual apelação interposta pela parte restará recebida em seu duplo efeito (art. 520 do CPC), salvo nas hipóteses de intempestividade e, se for o caso, ausência de preparo, que serão oportunamente certificadas pela Secretaria.
Interposto o recurso, intime-se a parte contrária para contra-arrazoar. Após, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Requisite-se o pagamento dos honorários periciais fixados no evento 86.
A parte autora pretende a reforma do decisum para que seja reconhecida a especialidade do labor nos períodos de 01/05/1976 a 29/07/1977, 01/02/1980 a 30/10/1980, 01/07/1982 a 30/12/1987, 01/02/1988 a 01/07/1996 e 08/01/1998 a 01/12/2000, com a consequente revisão da RMI da aposentadoria por tempo de contribuição que lhe foi deferida, a fim de que seja transformada em aposentadoria especial, a contar da DER (evento 119).
Sem contrarrazões, foram os autos remetidos a esta Corte para julgamento do recurso e para reexame necessário.
É o relatório.
VOTO
Reexame necessário
Tenho por interposta a remessa necessária, visto que sua dispensa apenas tem lugar quando a sentença líquida veicular condenação não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos (STJ, Súmula 490, EREsp 600.596, Corte Especial, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 23/11/2009).
Saliente-se, por oportuno, que não incide o limite de 1.000 (mil) salários mínimos, previsto no art. 496, § 3º, inciso I, do NCPC, porquanto a r. sentença foi proferida antes de 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016), conforme prevê expressamente o artigo 14 do NCPC [A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada].
Atividade urbana especial
Trata-se de demanda previdenciária destinada ao reconhecimento do tempo de serviço prestado sob condições especiais, com a consequente concessão de APOSENTADORIA ESPECIAL, regulamentada no artigo 57 da Lei nº 8.213/91, ou, mediante a conversão daquele(s) interregno(s) para comum, com a concessão de APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO, prevista nos artigos 52 e 53, I e II, da Lei de Benefícios e artigo 9º, § 1º, I, "a" e "b", da Emenda Constitucional nº 20, de 1998.
A natureza da atividade é qualificada pela lei vigente à época da prestação do serviço, sem aplicação retroativa de norma ulterior que nesse sentido não haja disposto (RE nº 174.150-3/RJ, Relator Ministro Octávio Gallotti, DJ 18/08/2000). Também por força do princípio tempus regit actum, o modo de comprovação da atividade especial é orientado pela lei vigente ao tempo da prestação do serviço. A partir dessa premissa geral, articulam-se as seguintes diretrizes para o presente julgado:
a) Para as atividades exercidas até 28/04/1995, véspera da vigência da Lei nº 9.032/95, é possível o reconhecimento do tempo de atividade especial pelo pertencimento à determinada categoria profissional ou pela exposição aos agentes nocivos, nos termos previstos pelos decretos regulamentares. Por outro lado, em razão do caráter protetivo ao trabalhador, é de ser reconhecida a natureza qualificada da atividade ainda que as condições que prejudicam sua saúde ou integridade física não se encontrem expressas em determinado regulamento (inteligência da Súmula nº 198 do extinto TFR).
b) Após a vigência da Lei nº 9.032/95, em 29/04/1995, a concessão da aposentadoria especial pressupõe a comprovação, pelo segurado, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física (Lei nº 8.213/91, art. 57, § 3º). Sem embargo, para a caracterização da especialidade não se reclama exposição às condições insalubres durante todos os momentos da prática laboral, sendo suficiente que o trabalhador, em cada dia de labor, esteja exposto a agentes nocivos em período razoável da jornada (salvo exceções, v.g., periculosidade) (TRF4, EINF nº 0010314-72.2009.404.7200, Terceira Seção, Relator Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07/11/2011).
c) Para as atividades desempenhadas a partir de 06/03/1997, com a vigência do Decreto nº 2.172, a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos se dá mediante formulário, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho, expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho (Lei nº 8.213/91, art. 58, § 1º) (TRF4, AC nº 2002.71.07.001611-3, Quinta Turma, Relator Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07/07/2008).
d) Em relação aos agentes nocivos físicos ruído, frio e calor, é necessária a apresentação de laudo técnico independentemente do período de prestação da atividade, dada a necessidade de medição da intensidade desses agentes nocivos. De qualquer modo, a partir de 01/01/2004, é suficiente a apresentação de Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, elaborado conforme as exigências legais (TRF4, EINF nº 0010314-72.2009.404.7200, Terceira Seção, Relator Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07/11/2011).
e) A extemporaneidade do laudo pericial não lhe retira a força probatória, em face da presunção de conservação do anterior estado de coisas, que deve operar desde que não evidenciada a alteração das condições de trabalho. A rigor, dada a evolução das normas de proteção ao trabalhador e em face das inovações tecnológicas, é plausível a tese de que, à época da prestação do serviço, as condições ambientais eram ainda mais ofensivas à saúde do trabalhador (TRF4, EINF 0031711-50.2005.404.7000, Terceira Seção, Relator Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, D.E. 08/08/2013).
f) O limite de tolerância para ruído é de 80 dB(A) até 05/03/1997; 90 dB(A) de 06/03/1997 a 18/11/2003; e 85 dB(A) a partir de 19/11/2003 (STJ, RESP nº 1.398.260/PR, Relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 14/05/2014, DJe 05/12/2014, julgamento proferido de acordo com a sistemática de representativo de controvérsia - CPC, art. 543-C).
g) Quanto aos efeitos da utilização do equipamento de proteção individual, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. Todavia, na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria (ARE nº 664.335, Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 04/12/2014, DJ 12/02/2015). Deve-se observar, contudo, que a adoção de EPI não deve ser considerada para fins de caracterização da atividade especial em tempo anterior a 03/12/1998, visto que esta exigência apenas foi disposta pela MP nº 1.729/98, convertida na Lei nº 9.732/89 (IN INSS/PRES nº 77/2015, art. 279, §6º).
h) A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico vigente à época da prestação do serviço (STJ, EDcl no RESP nº 1.310.034/PR, Relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 26/11/2014, DJ 02/02/2015, julgamento proferido de acordo com a sistemática de representativo de controvérsia - CPC, art. 543-C). Dessa forma, é possível a conversão do tempo especial em comum mesmo para as atividades exercidas anteriormente à vigência da Lei nº 6.887/80, ao passo que a conversão do tempo comum em especial é apenas possível para o segurado que cumpriu os requisitos para aposentadoria especial até a vigência da Lei nº 9.032/95. O Egrégio STJ firmou entendimento, em recurso repetitivo representativo de controvérsia (RESP nº 1.151.363), que é possível a conversão de tempo de serviço especial em comum mesmo após 1998, já que a última reedição da MP nº 1.663, parcialmente convertida na Lei nº 9.711/98, suprimiu a parte do texto das edições anteriores que revogava o § 5º do art. 57 da Lei nº 8.213/91.
i) Segundo pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (ED no RE 567360, Rel. Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJe de 06-08-2009; RE nº 262082, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ de 18-05-2001), em matéria previdenciária, para a análise das condições da inativação, a lei de regência é aquela vigente no tempo em que implementados os requisitos legais para a concessão do benefício, consoante o princípio tempus regit actum. Assim, nos casos em que os requisitos para a aposentadoria se perfectibilizaram sob a égide da legislação anterior, quando vigia o Decreto 83.080, de 24-01-1979, o fator de conversão a ser aplicado é 1,2. No entanto, quando os requisitos da aposentadoria forem implementados durante a vigência da Lei nº 8.213, de 24-07-1991, que prevê o fator de conversão 1,4, este é o fator a ser aplicado em todo o período laboral.
Exame do tempo especial no caso concreto
Correta a orientação adotada na sentença, ao reconhecer a ausência de interesse de agir da autora quanto à pretensão de cômputo de tempo especial nos períodos de 30/07/1977 a 03/01/1980 e 15/03/1993 a 27/04/1995, já computados administrativamente pelo INSS (evento 28, PROCADM1, pp. 19-20). A questão controvertida nos autos, portanto, cinge-se ao enquadramento, como nocivas, das atividades prestadas nos interregnos de 01/05/1976 a 29/07/1977, 01/02/1980 a 30/10/1980, 01/07/1982 a 30/12/1987, 01/02/1988 a 01/07/1996, 28/04/1995 a 10/04/2006 e 08/01/1998 a 01/12/2000.
1) Períodos de 01/05/1976 a 29/07/1977, 01/02/1980 a 30/10/1980, 01/07/1982 a 30/12/1987 e 01/02/1988 a 01/07/1996
Pretende a parte autora o reconhecimento da especialidade do trabalho prestado junto ao Hospital de Caridade Nossa Senhora Auxiliadora, na função de recepcionista, bem como do labor desenvolvido na empresa Oberon Prestes Dantas Cia. Ltda., onde exerceu os cargos de balconista e de caixa. Pois bem.
No intervalo de 01/05/1976 a 29/07/1977, o formulário preenchido pelo Hospital de Caridade Nossa Senhora Auxiliadora noticia que a autora, como recepcionista, era encarregada de realizar registro dos pacientes que buscam atendimento médico; orientam pacientes conforme o atendimento que necessitam, sujeitando-se a fatores de risco biológico e ergonômico (evento 69, PPP2).
Conforme os registros anotados em CTPS, nos lapsos de 01/02/1980 a 30/10/1980 e de 01/07/1982 a 30/12/1987 a autora foi contratada para a função de balconista e, no interregno de 01/02/1988 a 01/07/1996, trabalhou como caixa do estabelecimento Oberon Prestes Dantas Cia. Ltda. A Recorrente, porém, alega ter exercido o cargo de atendente ambulatorial. Não foram juntados formulários hábeis a indicar as tarefas efetivamente desempenhadas pela segurada nestes períodos.
As testemunhas ouvidas em juízo relataram que a autora laborava no ambulatório, verificava pressão, fazia nebulização, aplicava injeção, fazia curativos, atendia pessoas com doenças de vários tipos. Colocava soro, fazia injeções e curativos também na casa dos clientes, sempre que fosse necessário, era cortesia da farmácia. Os depoentes que laboravam na farmácia, que atendiam os clientes no balcão, visualizavam a autora fazendo os procedimentos (evento 84).
Conforme dispõe a NR-15 do MTE, ao tratar da exposição a agentes biológicos em seu Anexo XIV, são insalubres as atividades desempenhadas em hospitais, serviços de emergência, enfermarias, ambulatórios, postos de vacinação e outros estabelecimentos destinados aos cuidados da saúde humana, quando houver contato direto com pacientes ou objetos por estes utilizados.
Ora, bem analisadas as tarefas exercidas pela autora e acima descritas, forçoso reconhecer a impossibilidade de enquadramento da atividade pela categoria profissional, porquanto não encontra correspondência em nenhuma das hipóteses arroladas nos Códigos 1.3.1 e 1.3.2 do Quadro Anexo ao Decreto nº 53.831/64 e nem no Quadro do Anexo I do Decreto nº 83.080/79 (Códigos 1.3.1, 1.3.2, 1.3.3, 1.3.4 e 1.3.5) ou do Anexo II (Código 2.1.3). Também não há falar em trabalho nocivo pela sujeição a agentes biológicos, de forma a justificar o deferimento da aposentadoria especial. Como se isso não bastasse, o perito, no laudo judicial, foi categórico ao concluir que, De 01-05-76 a 29-07-77, no cargo de recepcionista, a autora não ficou exposta a agentes nocivos, em caráter de habitualidade e permanência. Nos períodos de 01-02-80 a 30-10-80, de 01-07-82 a 30-12-87, de 01-02-88 a 01-07-96, no cargo de Atendente Ambulatorial, a obreira autora não ficou exposta em caráter de habitualidade e permanência (evento 95).
Não é demais dizer que os decretos regulamentares preveem o direito à aposentadoria especial somente com relação aos profissionais que mantêm contato permanente com doentes ou materiais infectocontagiantes.
A previsão, como insalubres, dos agentes biológicos, no Código 1.3.2 do Quadro Anexo ao Decreto nº 53.831/64, refere-se aos Trabalhos permanentes expostos ao contato com doentes ou materiais infectocontagiantes - assistência médica, odontológica, hospitalar e outras atividades afins.
Igualmente, o Quadro do Anexo I do Decreto nº 83.080/79, no Código 1.3.4, reconhece a nocividade do labor pela exposição do empregado a agentes biológicos, nos Trabalhos em que haja contato permanente com doentes ou materiais infecto-contagiantes (atividades discriminadas entre as do código 2.1.3 do Anexo II: médicos-laboratoristas (patologistas), técnicos de laboratório, dentistas, enfermeiros). Dispõe o Código 2.1.3 do Anexo II deste Decreto:
MEDICINA-ODONTOLOGIA-FARMÁCIA E BIOQUÍMICA-ENFERMAGEM-VETERINÁRIA
Médicos (expostos aos agentes nocivos - Código 1.3.0 do Anexo I).
Médicos-anatomopatologistas ou histopatologistas.
Médicos-toxicologistas.
Médicos-laboratoristas (patologistas).
Médicos-radiologistas ou radioterapeutas.
Técnicos de raio x.
Técnicos de laboratório de anatomopatologia ou histopatologia.
Farmacêuticos-toxicologistas e bioquímicos.
Técnicos de laboratório de gabinete de necropsia.
Técnicos de anatomia.
Dentistas (expostos aos agentes nocivos - código 1.3.0 do Anexo I).
Enfermeiros (expostos aos agentes nocivos - código 1.3.0 do Anexo I).
Médicos-veterinários (expostos aos agentes nocivos - código 1.3.0 do Anexo I).
Da mesma forma, a NR-15, em seu anexo nº 14, aprovado pela Portaria SSST nº 12, de 12/11/1979, exige esse contato permanente para fins de caracterizar insalubridade, in verbis (grifei):
Relação das atividades que envolvem agentes biológicos, cuja insalubridade é caracterizada pela avaliação qualitativa.
Insalubridade de grau máximo
Trabalho ou operações, em contato permanente com:
- pacientes em isolamento por doenças infecto-contagiosas, bem como objetos de seu uso, não previamente esterilizados;
- carnes, glândulas, vísceras, sangue, ossos, couros, pêlos e dejeções de animais portadores de doenças infectocontagiosas (carbunculose, brucelose, tuberculose);
- esgotos (galerias e tanques); e
- lixo urbano (coleta e industrialização).
Insalubridade de grau médio
Trabalhos e operações em contato permanente com pacientes, animais ou com material infecto-contagiante, em:
- hospitais, serviços de emergência, enfermarias, ambulatórios, postos de vacinação e outros estabelecimentos destinados aos cuidados da saúde humana (aplica-se unicamente ao pessoal que tenha contato com os pacientes, bem como aos que manuseiam objetos de uso desses pacientes, não previamente esterilizados);
- hospitais, ambulatórios, postos de vacinação e outros estabelecimentos destinados ao atendimento e tratamento de animais (aplica-se apenas ao pessoal que tenha contato com tais animais);
- contato em laboratórios, com animais destinados ao preparo de soro, vacinas e outros produtos;
- laboratórios de análise clínica e histopatologia (aplica-se tão-só ao pessoal técnico);
- gabinetes de autópsias, de anatomia e histoanatomopatologia (aplica-se somente ao pessoal técnico);
- cemitérios (exumação de corpos);
- estábulos e cavalariças; e
- resíduos de animais deteriorados.
Destarte, tendo em conta, de um lado, a descrição das atribuições desenvolvidas pela autora e, de outro, as exigências da legislação previdenciária, conclui-se que ela não tem direito ao cômputo desses períodos como especiais, porque suas atividades não a expunham a contato habitual e permanente com agentes químicos e/ou biológicos.
Sobre o tema, a jurisprudência já deixou assentado que, Embora no PPP conste a exposição a agentes biológicos (fezes, urina secreções), consideradas as atividades exercidas pela autora, não resta demonstrada a exposição habitual e permanente a agentes nocivos, não sendo possível o reconhecimento da atividade especial, tal como bem fundamentado pelo juízo de origem (1ª TR/SP, RI nº 00022740420124036302, Juiz Federal Raecler Baldresca, e-DJF3 14/08/2015).
Logo, não prospera o recurso quanto ao cômputo de tempo de serviço especial nos períodos de 01/05/1976 a 29/07/1977, 01/02/1980 a 30/10/1980, 01/07/1982 a 30/12/1987 e 01/02/1988 a 01/07/1996, devendo ser mantida a sentença de improcedência.
2) Período: 28/04/1995 a 10/04/2006
Empresa: Hospital de Caridade Nossa Senhora Auxiliadora
Atividades/funções: auxiliar de enfermagem
Agente nocivo: agentes biológicos
Enquadramento legal: Código 1.3.2 do Quadro Anexo ao Decreto nº 53.831/64; Código 1.3.4 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79 e Códigos 3.0.1 do Anexo IV do Decreto nº 2.172/97 e do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99
Provas: formulário DSS 8030 (evento 28, PROCADM1, p. 03); formulários PPP (evento 28, PROCADM1, pp. 46-48, e evento 69, PPP2) e laudo pericial judicial (evento 95)
Conclusão: mantida a sentença, pois devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora no período antes indicado, conforme a legislação aplicável à espécie, em virtude de sua exposição, de forma habitual e permanente, a agentes biológicos.
3) Período: 08/01/1998 a 01/12/2000
Empresa: Renal Clínica Sociedade Simples Ltda.
Atividades/funções: auxiliar de enfermagem
Agente nocivo: agentes biológicos
Enquadramento legal: Código 1.3.2 do Quadro Anexo ao Decreto nº 53.831/64; Código 1.3.4 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79 e Códigos 3.0.1 do Anexo IV do Decreto nº 2.172/97 e do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99
Provas: formulário PPP (evento 57, PPP2)
Conclusão: merece reforma a sentença, para que seja reconhecida a especialidade do labor, porquanto devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade insalubre pela parte autora no período antes indicado, conforme a legislação aplicável à espécie, em virtude de sua exposição, de forma habitual e permanente, a agentes biológicos.
Nos termos do § 3º do art. 68 do Decreto 3.048/99, A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais de trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho, preenchido conforme os critérios do § 2º do citado art. 68.
Consoante decidido por esta Corte no julgamento dos EINF nº 0010314-72.2009.404.7200 (Relator Des. Federal Celso Kipper, Terceira Seção, DE 07/11/2011), a partir de 01/01/2004, o formulário PPP, preenchido em conformidade com o art. 68 e parágrafos do Decreto nº 3.048/99, dispensa a apresentação de laudo pericial para comprovação das condições nocivas de trabalho, porquanto deve ser emitido com base em "laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho", consoante preceitua o § 1º do artigo 58 da Lei de Benefícios.
A tese de que a nocividade do trabalho foi neutralizada pelo uso de EPIs não se sustenta. A um, porque a utilização de equipamentos de proteção individual é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador, da atividade exercida no período anterior a 03 de dezembro de 1998, conforme já referido. A dois, porque o Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, deixou assentado que O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial (ARE nº 664.335, Tribunal Pleno, Relator Ministro Luiz Fux, DJE 12/02/2015). Todavia, o simples fornecimento do EPI pelo empregador não exclui a hipótese de exposição do trabalhador aos agentes nocivos à saúde. É preciso que, no caso concreto, estejam demonstradas a existência de controle e peridiocidade do fornecimento dos equipamentos, a sua real eficácia na neutralização da insalubridade ou, ainda, que o respectivo uso era, de fato, obrigatório e continuamente fiscalizado pelo empregador. Na situação em apreço, não foi evidenciado que a parte autora, efetivamente, tenha-os utilizado no desempenho de suas atividades laborais.
Ademais, Em se tratando de agentes biológicos, (...) ainda que ocorra a utilização de EPI, eles não são capazes de elidir, de forma absoluta, o risco proveniente do exercício da atividade com exposição a agentes de natureza infecto-contagiosa (TRF-4, APELREEX nº 5029112-68.2010.404.7100, Sexta Turma, Relator Juiz Federa Paulo Paim da Silva, D.E. 10/07/2014).
Sobre a habitualidade e a permanência na sujeição aos agentes agressivos, esta Corte, ao julgar os EINF nº 0010314-72.2009.404.7200 (Relator Des. Federal Celso Kipper, Terceira Seção, D.E. 07/11/2011), decidiu que Para caracterização da especialidade não se reclama exposição às condições insalubres durante todos os momentos da prática laboral, sendo suficiente que o trabalhador, em cada dia de labor, esteja exposto a agentes nocivos em período razoável da jornada. De fato, Os requisitos da habitualidade e da permanência devem ser entendidos como não-eventualidade e efetividade da função insalutífera, continuidade e não-interrupção da exposição ao agente nocivo. A intermitência refere-se ao exercício da atividade em local insalubre de modo descontínuo, ou seja, somente em determinadas ocasiões. Se o trabalhador desempenha diuturnamente suas funções em locais insalubres, mesmo que apenas em metade de sua jornada de trabalho, tem direito ao cômputo do tempo de serviço especial, porque estava exposto ao agente agressivo de modo constante, efetivo, habitual e permanente (TRF/4, AC nº 2000.04.01.073799-6/PR, 6ª Turma, Relator Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, DJU 09/05/2001).
Deve-se lembrar, ademais, que o Decreto nº 4.882/03 alterou o Decreto nº 3.048/99, o qual, para a aposentadoria especial, em seu art. 65, passou a considerar trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais, aquele cuja exposição ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, o que ocorre no caso vertente.
Com efeito, A exposição de forma intermitente aos agentes biológicos não descaracteriza o risco de contágio, uma vez que o perigo existe tanto para aquele que está exposto de forma contínua como para aquele que, durante a jornada, ainda que não de forma permanente, tem contato com tais agentes (TRF4, APELREEX 5002443-07.2012.404.7100, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão João Batista Pinto Silveira, juntado aos autos em 26/07/2013). Os requisitos da habitualidade e da permanência devem ser entendidos como não-eventualidade e efetividade da função insalutífera, continuidade e não-interrupção da exposição ao agente nocivo. A intermitência refere-se ao exercício da atividade em local insalubre de modo descontínuo, ou seja, somente em determinadas ocasiões. Se o trabalhador desempenha diuturnamente suas funções em locais insalubres, mesmo que apenas em metade de sua jornada de trabalho, tem direito ao cômputo do tempo de serviço especial, porque estava exposto ao agente agressivo de modo constante, efetivo, habitual e permanente (TRF/4, AC nº 2000.04.01.073799-6/PR, 6ª Turma, Relator Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, DJU 09/05/2001).
A Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, sobre o tema debatido, já sinalizou que, no caso de agentes biológicos, o conceito de habitualidade e permanência é diverso daquele utilizado para outros agentes nocivos, pois o que se protege não é o tempo de exposição (causador do eventual dano), mas o risco de exposição a agentes biológicos. (PEDILEF nº 0000026-98.2013.490.0000, Relator Juiz Federal Paulo Ernane Moreira Barros, DOU 25/04/2014, páginas 88/193).
Conforme dispõe a NR-15 do MTE, ao tratar da exposição a agentes biológicos em seu Anexo XIV, são insalubres as atividades desempenhadas em hospitais, serviços de emergência, enfermarias, ambulatórios, postos de vacinação e outros estabelecimentos destinados aos cuidados da saúde humana, quando houver contato direto com pacientes ou objetos por estes utilizados. Analisadas as atividades desenvolvidas pela autora, descritas nos formulários PPP acima referidos, conclui-se que era ínsito ao labor o contato direto com pacientes enfermos e a realização de procedimentos que a expunham a sangue e secreções, entre outras atividades diárias correlatas, suficientes para configurar exposição a agentes biológicos e caracterizar risco à saúde do trabalhador, tais como vírus, bactérias, protozoários, bacilos, parasitas, fungos e outros microorganismos. Vê-se, pois, que exercia suas atividades em contato permanente com pacientes, exposta, portanto, a agentes biológicos (germes infecciosos ou parasitários humanos-animais; e doentes ou materiais infecto-contagiantes).
Conclusão quanto ao tempo de atividade especial
Possível o reconhecimento da nocividade do labor prestado nos períodos de 28/04/1995 a 10/04/2006 e 08/01/1998 a 01/12/2000.
Do direito da parte autora à concessão do benefício
O somatório do tempo especial computado administrativamente pelo INSS (30/07/1977 a 03/01/1980 e 15/03/1993 a 27/04/1995 - evento 28, PROCADM1, pp. 19-20) com o que foi reconhecido em juízo totaliza 18 anos, 04 meses e 24 dias, insuficientes à concessão da aposentadoria especial.
Resta, agora, analisar a possibilidade de revisão da RMI da aposentadoria por tempo de contribuição deferida à parte autora.
Embora a autora não tenha formulado pedido expresso neste sentido, entendo possível revisar a aposentadoria por tempo de contribuição a ela deferida, assegurando-lhe o direito ao melhor benefício, com renda mensal inicial mais favorável, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, no julgamento do RE nº 630.501/RS (Relatora Ministra Ellen Gracie, Plenário, DJE 26/08/2013).
A respeito do tema, pacificou-se nos Tribunais Superiores a orientação no sentido de que nas ações previdenciárias compreende-se o pedido como sendo o do melhor benefício a que o segurado ou beneficiário tem direito.
De fato, o Supremo Tribunal Federal, apreciando o RE n. 630.501/RS (Rel. Min. Ellen Gracie, DJe de 23/8/2013), julgado sob o regime de repercussão geral, firmou a "tese do direito adquirido ao melhor benefício, assegurando-se a possibilidade de os segurados verem seus benefícios deferidos ou revisados, de modo que correspondam à maior renda mensal inicial possível, no cotejo entre aquela obtida e as rendas mensais que estariam percebendo na mesma data, caso tivessem requerido o benefício em algum momento anterior" (STJ, AERESP nº 1.278.334, Relator ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Terceira Seção, DJE 15/09/2014). O Supremo Tribunal Federal, no julgamento com repercussão geral do RE 630.501/RS (DJe 23/8/2013), firmou entendimento de que, atendidos os requisitos, o segurado tem direito adquirido ao melhor benefício. Da mesma forma, é remansosa a jurisprudência do STJ no sentido de que, preenchidos que se achassem à época os requisitos legais, o beneficiário faz jus à revisão de sua aposentadoria para que passe a perceber o benefício financeiro mais vantajoso. (STJ, RESP nº 1.255.014, Relator SÉRGIO KUKINA, Primeira Turma, DJE 19/05/2015).
Considerando julgados desta Corte, cumpre destacar que em matéria previdenciária devem ser mitigadas algumas formalidades processuais, haja vista o caráter de direito social da previdência e assistência social (CF, art. 6º), intimamente vinculado à concretização da cidadania e ao respeito à dignidade da pessoa humana, fundamentos do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, incisos II e III), bem como à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, à erradicação da pobreza e da marginalização e à redução das desigualdades sociais, objetivos fundamentais do Estado (CF, art. 3º, incisos I e III), tudo a demandar uma proteção social eficaz aos segurados e seus dependentes, e demais beneficiários, inclusive quando litigam em juízo.
Luiz Guilherme Marinoni, em sua obra "Técnica Processual e Tutela dos Direitos" (RT, 2004), ao tratar da "mitigação do princípio da congruência entre o pedido e a sentença" (p. 134 e seguintes), refere o seguinte:
"A necessidade de dar maior poder ao Juiz para a efetiva tutela dos direitos, espelhada, em primeiro lugar, na quebra do princípio da tipicidade das normas executivas e na concentração da execução no processo de conhecimento, trouxe, ainda, a superação da idéia de absoluta congruência entre o pedido e a sentença. Note-se que a superação dessa idéia é uma conseqüência lógica da quebra do princípio da tipicidade dos meios executivos e da concentração da execução no processo de conhecimento, uma vez que todas elas se destinam a dar maior mobilidade ao juiz - e assim maior poder de execução. A ligação entre tudo isso, ademais, deriva do fato de que a regra de congruência, assim como o princípio da tipicidade e a separação entre conhecimento e execução, foi estabelecida a partir da premissa de que era preciso conter o poder do juiz para evitar o risco de violação da liberdade do litigante. Tanto é verdade que, quando se pensa em congruência, afirma-se que sua finalidade é evitar que a jurisdição atue de ofício, o que poderia comprometer sua imparcialidade. O CPC, em dois artigos, alude à idéia de o juiz ater-se ao alegado pelo autor. O art. 128 diz que "o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte". E o art. 460 afirma que "é defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou objeto diverso do que lhe foi demandado". O art. 460, ao traduzir a idéia de segurança jurídica, afirma que a sentença deve limitar-se ao pedido nos sentido imediato e mediato. Ao falar na proibição de sentença de "natureza diversa da pedida" alude ao pedido imediato, e ao apontar para vedação de condenação em "quantia superior ou em objeto diverso", trata do pedido mediato. Tal distinção é fácil de ser apreendida, pois o objeto mediato reflete o "bem da vida" - a quantia, o objeto - que se procura obter com o acolhimento do pedido imediato, isto é, com a sentença solicitada. Essa proibição tinha que ser minimizada para que o juiz pudesse responder à sua função de dar efetiva tutela dos direitos. Melhor explicando, essa regra não poderia mais prevalecer, de modo absoluto, diante das novas situações de direito substancial e da constatação de que o juiz não pode ser visto como um "inimigo", mas como representante de um Estado que tem consciência que a efetiva proteção dos direitos é fundamental para a justa organização social. Pois bem: os arts. 461 do CPC e 84 do CDC - relativos às "obrigações de fazer e de não fazer" - dão ao juiz a possibilidade de impor a multa ou qualquer outra medida executiva necessária, ainda que não tenham sido pedidas. O art. 461 do CPC, por exemplo, afirma expressamente, no seu §4º, que o juiz poderá impor multa diária ao réu, "independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação", e no seu §5º que "poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como...". No mesmo sentido, o novo art. 461 -A - que entrou em vigor em agosto de 2002 -, pois afirma, no seu §3º, que são a ele aplicáveis as regras que estão nos parágrafos do art. 461. Desse modo, caso tenha sido solicitada a busca e apreensão, poderá ser imposta a multa, ou vice-versa. Nessa linha, é importante perceber que pode ser solicitada sentença executiva, ou seja, capaz de conduzir à tutela do direito mediante coerção direta ou sub-rogação, e o juiz conceder sentença mandamental (ou coerção indireta). Ou o inverso, pois pode ser concedida sentença executiva no lugar de sentença mandamental. Ademais, está expressa, nos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, a possibilidade de o juiz dar conteúdo diverso ao fazer ou ao não-fazer pedido, ou melhor, impor outro fazer ou não-fazer, desde que capaz de conferir resultado prático equivalente àquele que seria obtido em caso de adimplemento da "obrigação originária". Assim, por exemplo, se é requerida a cassação da poluição, e o juiz verifica que basta a instalação de certa tecnologia para que ela seja estancada (um filtro, por exemplo), outro fazer deve ser imposto."
Assim, se a pretensão é a aposentadoria especial, o que, como se viu, é legalmente impossível por não implementados os requisitos exigidos, nada obsta que se verifique a possibilidade de revisão da RMI da aposentadoria por tempo de contribuição da autora, tendo em conta o reconhecimento da especialidade do labor prestado nos intervalos de 28/04/1995 a 10/04/2006 e 08/01/1998 a 01/12/2000.
Destarte, observo que a soma do tempo de serviço considerado administrativamente pelo INSS (30 anos e 09 dias - evento 28, PROCADM1, pp. 19-20) com o acréscimo decorrente da conversão, em comum, do tempo especial reconhecido, pelo fator multiplicador 1,2 (02 anos, 09 meses e 08 dias), equivale a 32 anos, 09 meses e 17 dias, o que permite a revisão da RMI da aposentadoria por tempo de contribuição, a contar da DER (10/04/2006), bem como ao pagamento das parcelas devidas desde então, descontados os valores já pagos a título de inativação e observada a prescrição quinquenal das prestações anteriores a 11/02/2008 (art. 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91).
Termo inicial da revisão do benefício
A jurisprudência pátria pacificou orientação no sentido de que o termo inicial dos efeitos financeiros da revisão deve retroagir à data da concessão do benefício, uma vez que o deferimento da ação revisional representa o reconhecimento tardio de um direito já incorporado ao patrimônio jurídico do segurado, não obstante a comprovação posterior do tempo de serviço laborado em condições nocivas (STJ - AGRESP nº 1.467.290, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, DJE 28/10/2014).
De fato, em casos análogos, já assentou este Regional que existe direito adquirido à aposentadoria na data em que preenchidos os requisitos necessários ao jubilamento, sendo viável, consequentemente, a concessão do amparo desde então, de acordo com a legislação então vigente, devendo o INSS proceder à revisão e pagar as diferenças apuradas, sendo que os efeitos financeiros da revisão são devidos desde a DER, observada a prescrição quinquenal e os limites do pedido (EINF nº 2009.70.00.005982-6, Relator Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Junior, Terceira Seção, D.E. 19/05/2010).
Não se pode olvidar do caráter social do Direito Previdenciário, do qual decorre, a partir de uma interpretação extensiva dos artigos 88 e 105 da Lei nº 8.213/91, o dever do INSS de conceder aos segurados a melhor proteção possível, ainda que, para tanto, tenha que orientar, sugerir ou solicitar novos documentos. Vale dizer, se a Administração, ao analisar a documentação que embasa o pedido de aposentadoria, constatar a existência de tempo de serviço prestado em condições especiais face ao tipo de atividade exercida, ou mesmo o desempenho de atividade rural pelo segurado em épocas remotas, incumbe à referida autarquia orientar o segurado no sentido de buscar a documentação necessária à comprovação. A inobservância desse dever recomenda que os efeitos financeiros da condenação retroajam, como regra, à data do requerimento administrativo, e não apenas à da sentença, da citação ou do ajuizamento da demanda. Isso só não ocorrerá naquelas situações em que, além de inexistir pedido específico para reconhecimento de tempo rural ou especial, não seja possível vislumbrar, à luz da documentação apresentada na via administrativa pelo segurado, a possibilidade de reconhecimento de tempo rural ou especial. (AC nº 0005470-82.2013.404.9999/SC, Relator Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, 5ª Turma, D.E. 14/04/2014).
Assim, fixo a DER (10/04/2006) como marco do início dos efeitos financeiros da revisão do benefício.
Imediata revisão do benefício
Os dois pressupostos para a execução imediata do acórdão, ao que vejo, são a carga eficacial de natureza mandamental e executiva lato senso das sentença que condenam à obrigações de fazer e a ausência de efeito suspensivo dos recursos às instâncias superiores. Não tem relação com o tipo de pedido ou conteúdo da obrigação de fazer contida no comando sentencial. Assim, determino a imediata da revisão do benefício, nos termos do art. 497 do NCPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] Dessa forma, deve o INSS revisar o benefício em até 45 dias, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção Monetária e Juros
Não obstante a determinação do artigo 491 do NCPC no sentido de que na ação relativa à obrigação de pagar quantia, ainda que formulado pedido genérico, a decisão definirá desde logo a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de juros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso, tal deliberação resta inviabilizada, neste momento, em razão da pendência do julgamento das ADIs 4.357 e 4.425 pelo STF e dos recursos representativos de controvérsia (Resp 1495146/MG, 1495144/RS e 1492221/PR) pelo STJ (Tema 905).
Por conseguinte, ainda que o percentual de juros e o índice de correção monetária devam ser aqueles constantes da legislação em vigor em cada período em que ocorreu a mora da Fazenda Pública (INSS), difere-se, excepcionalmente, para a fase de execução a forma de cálculo dos consectários legais, nos termos da deliberação proferida pelo STJ (EDcl no MS 14.741/DF , Rel. Ministro JORGE MUSSI, Terceira Seção, DJe 15/10/2014).
Honorários Advocatícios: devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas após o acórdão, observando-se a Súmula 76 desta Corte: Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência.
Saliente-se, por oportuno, que não incide a sistemática dos honorários prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida antes de 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016), conforme prevê expressamente o artigo 14 do NCPC [A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada].
Honorários periciais: Sucumbente o INSS, deverá arcar com o pagamento dos honorários periciais arbitrados.
Custas processuais: O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que, no Estado de Santa Catarina (art. 33, par. único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Conclusão
Devem ser computados como tempo de serviço especial os períodos de 28/04/1995 a 10/04/2006 e 08/01/1998 a 01/12/2000.
A parte autora conta com 32 anos, 09 meses e 17 dias de atividades, suficientes à revisão da RMI da aposentadoria por tempo de contribuição deferida à parte autora, a contar da DER (10/04/2006), bem como ao pagamento das parcelas devidas desde então, descontados os valores já pagos a título de inativação e observada a prescrição quinquenal das prestações anteriores a 11/02/2008 (art. 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91).
O termo inicial dos efeitos financeiros da revisão do benefício é a data do requerimento administrativo.
Sentença reformada para (a) reconhecer a especialidade no período de 08/01/1998 a 01/12/2000; (b) condenar o INSS a revisar a RMI da aposentadoria por tempo de contribuição e a pagar as parcelas devidas desde a DER, acrescidas de correção monetária e juros de mora, na forma a ser estabelecida na execução do julgado, além dos honorários periciais e advocatícios.
Recurso da parte autora parcialmente provido. Não acolhidos os pedidos de cômputo de tempo especial nos lapsos de 01/05/1976 a 29/07/1977, 01/02/1980 a 30/10/1980, 01/07/1982 a 30/12/1987 e 01/02/1988 a 01/07/1996 e de concessão da aposentadoria especial.
DISPOSITIVO
Pelo exposto, voto por negar provimento à remessa oficial e dar parcial provimento à apelação da parte autora, bem como determinar a imediata revisão do benefício.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 18/10/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000295-68.2013.4.04.7106/RS
ORIGEM: RS 50002956820134047106
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dra. Márcia Neves Pinto |
APELANTE | : | JUSSARA TERESINHA DE FREITAS DE PIETRO |
ADVOGADO | : | TANIA BEATRIZ ALVES SOARES |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 18/10/2016, na seqüência 223, disponibilizada no DE de 27/09/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL E DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, BEM COMO DETERMINAR A IMEDIATA REVISÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
: | Juíza Federal ANA PAULA DE BORTOLI | |
: | Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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