APELAÇÃO CÍVEL Nº 5006607-43.2015.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
APELANTE | : | NEIDE BENEDITA FERREIRA |
ADVOGADO | : | MARCOS DE QUEIROZ RAMALHO |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. SEGURADO TRABALHADOR RURAL. TEMPO DE ATIVIDADE ANTERIOR À LEI Nº 8.213/1991. LIMITE DE IDADE. RAZOÁVEL INÍCIO DE PROVA MATERIAL. DOCUMENTOS EM NOME DE TERCEIROS. PERÍODO POSTERIOR À LEI Nº 8.213/1991. BOIA-FRIA. AUSÊNCIA DE PROVA DO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES. PROVA ORAL FRÁGIL.
1. Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.
2. Estão abrangidos pelo disposto no § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 todos os beneficiários do antigo PRORURAL: segurado especial, empregado, avulso e eventual rurais, além dos membros do grupo familiar incluídos na categoria de segurado especial, nos termos do art. 11, inciso VII, da mesma Lei.
3. Até o advento da Lei nº 8.213/1991, pode ser reconhecida a prestação de serviço rural por menor a partir de doze anos de idade.
4. Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não admitindo prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. Súmula nº 149 e Tema nº 297 do STJ.
5. O início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido.
6. Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo, quando realizado em regime de economia familiar, justifica a mitigação da exigência de prova documental.
7. É possível a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, para alcançar período anterior ou posterior aos documentos apresentados, se a prova testemunhal for favorável ao segurado. Súmula nº 577 do STJ.
8. Aceitam-se como início de prova material os documentos apresentados em nome de terceiros, desde que integrem o mesmo núcleo familiar. Entendimento consolidado na Súmula 73 desta Corte.
9. Em relação ao trabalhador rural eventual (diarista, volante ou boia-fria), a escassez do início de prova material é mais um elemento distintivo das relações informais de trabalho, razão pela qual deve ser admitido qualquer documento que evidencie a atividade rural, ainda que de forma indireta, desde que a prova testemunhal seja firme e convincente.
10. O cômputo do tempo de contribuição do trabalhador conhecido como diarista, volante ou boia-fria, a partir de novembro de 1991, exige a comprovação do recolhimento de contribuição previdenciária, exceto se for demonstrada a relação de emprego, ainda que temporária, por meios de prova documentais e apropriados. Não se caracterizando a condição de empregado rural ou contribuinte individual, a jurisprudência fixou entendimento no sentido de que o trabalhador boia-fria equipara-se ao segurado especial, fazendo jus ao benefício de aposentadoria por idade previsto no art. 39, inciso I, da Lei nº 8.213/1991. Portanto, inexistindo o recolhimento de contribuição previdenciária, não se admite o aproveitamento do período de atividade rural do trabalhador boia-fria, posterior à Lei nº 8.213/1991, como tempo de contribuição.
11. Diante da fragilidade da prova oral, não é possível reconhecer todo o período de atividade rural pleiteado, admitindo-se somente o lapso temporal corroborado pelo início de prova material e pelo depoimento da autora e das testemunhas.
12. Não foram preenchidos os requisitos para a aposentaria por tempo de contribuição.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 31 de outubro de 2017.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5006607-43.2015.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
APELANTE | : | NEIDE BENEDITA FERREIRA |
ADVOGADO | : | MARCOS DE QUEIROZ RAMALHO |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos de condenação do INSS a: a) reconhecer e averbar os períodos de atividade rural entre 01/04/1972 a 28/02/1989 e 01/04/1989 a 30/04/1997; b) conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição desde a data do requerimento administrativo (26/04/2012); c) pagar as prestações vencidas com correção monetária e juros de mora.
A autora aduz que laborou no meio rurícola no período de 01/04/1972 a 28/02/1989 sob o regime de economia familiar e no período de 01/04/1989 a 30/04/1997 como boia-fria. Alega que os documentos apresentados, bem como a prova testemunhal produzida em audiência, são capazes de comprovar a atividade rural. Argumenta que não se exige a comprovação cabal do labor rural, em razão da informalidade das relações trabalhistas no campo. Entende que o início de prova material não se limita aos documentos elencados no art. 106 da Lei nº 8.213/1991. A respeito da sua qualificação como "do lar" e do seu marido como lavrador na documentação juntada, afirma que é notória a desvalorização da força de trabalho feminina no meio rural. Esgrime que, no caso de boias-frias, a prova testemunhal é de grande valor probatório. Assevera que a prova testemunhal foi robusta e contundente no sentido de afirmar o efetivo desempenho das atividades rurícolas. Defende que o trabalho em atividade urbana durante um ano não impede o retorno ao labor rural, nem descaracteriza a condição de trabalhadora rural. Por fim, pede que os juros de mora incidam no percentual de 1% ao mês e a correção monetária observe a variação do INPC.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório. Peço dia.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5006607-43.2015.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
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APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
VOTO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
Tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213/1991
Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. Não obstante o marco final estabelecido seja a entrada em vigor da Lei nº 8.213/1991, o Decreto nº 3.048/1999, no art. 127, inciso V, estendeu a possibilidade de aproveitamento do tempo rural até 31/10/1991.
O legislador ordinário não concedeu uma benesse aos trabalhadores rurais, ao permitir o cômputo de serviço anterior à Lei nº 8.213/1991, mesmo sem o recolhimento de contribuições previdenciárias; apenas concretizou a norma do inciso II do parágrafo único do art. 194 da Constituição de 1988, que assegurou a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços aos trabalhadores urbanos e rurais. No regime anterior à Lei nº 8.213/1991, os trabalhadores rurais contavam somente com o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) instituído pela Lei Complementar nº 11/1971. Os beneficiários do PRORURAL, além do trabalhador rural que exercia a atividade individualmente ou em regime de economia familiar, eram o empregado rural (contratado por produtor rural pessoa física ou jurídica), o avulso rural (contratado mediante a intermediação de sindicato ou órgão gestor de mão de obra) e o trabalhador rural eventual (volante, diarista ou boia-fria). Os benefícios oferecidos pelo PRORURAL não requeriam o pagamento de contribuições, porém eram limitados e tipicamente assistenciais, não prevendo a aposentadoria por tempo de serviço. A regra do § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991, assim, objetiva conciliar a substancial diferença entre o velho e o novo regime previdenciário, no tocante à contagem de tempo de serviço.
Além de todos os beneficiários do antigo PRORURAL, o § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 abarca os membros do grupo familiar, visto que o art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios, define como segurado especial não só o produtor rural que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, mas também o cônjuge ou companheiro e filhos maiores de dezesseis anos ou a ele equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.
A idade mínima de dezesseis anos referida no inciso VII do art. 11 da Lei de Benefícios considera a redação do inciso XXXIII do art. 7º da Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 20/1998. Em relação ao período anterior à Lei nº 8.213/1991, a jurisprudência admite o reconhecimento da atividade rural, em regime de economia familiar, exercida por menor a partir dos doze anos, pois as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo e não para não prejudicá-lo. Colaciono julgado do STJ amparando esse entendimento:
AGRAVO INTERNO. PREVIDENCIÁRIO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. INOVAÇÃO NO ÂMBITO DO AGRAVO INTERNO. IMPOSSIBILIDADE. RURÍCOLA. LABOR DE MENOR DE 12 ANOS DE IDADE. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
(...)
3. É firme neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido da possibilidade de cômputo do labor rural comprovadamente desempenhado por menor de doze anos de idade.
4. Agravo ao qual se nega provimento.
(AgRg no REsp 1150829/SP, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 14/09/2010, DJe 04/10/2010)
Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não aceitando prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. A legalidade da norma é corroborada pela jurisprudência do STJ, consoante a Súmula nº 149: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário". Em julgado mais recente, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou o entendimento no Tema nº 297 (REsp 1133863/RN, 3ª Seção, Rel. Ministro Celso Limongi, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).
Entende-se que a tarifação da prova imposta pelo § 3º do art. 55 da Lei de Benefícios dirige-se apenas à prova exclusivamente testemunhal. Portanto, o início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural. Dessa forma, os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. Assim, representam início de prova material as certidões de casamento, nascimento, alistamento no serviço militar, do registro de imóveis e do INCRA, escritura de propriedade rural, histórico escolar, declaração da Secretaria de Educação, entre outros documentos públicos.
Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rural nos intervalos próximos ao período efetivamente documentado, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso. A extensão da validade do início da prova material foi objeto da Súmula nº 577 do STJ, in verbis: "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório". Não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória, tanto de forma retrospectiva como prospectiva.
É bem de ver que, para os trabalhadores eventuais, a comprovação do exercício de atividade rural é extremamente dificultosa, justamente porque o vínculo com o contratante dos serviços caracteriza-se pela não habitualidade. Executam as tarefas por curto período de tempo, normalmente um dia, razão pela qual são chamados volantes, diaristas ou boias-frias. São recrutados por agenciadores de mão de obra rural, os "gatos", muitas vezes sequer constituídos como pessoa jurídica. Compreende-se, então, que a escassez do início de prova material é mais um elemento distintivo das relações informais de trabalho do diarista rural. Dada sua peculiar circunstância e notável dificuldade em portar documentos que comprovem sua condição de trabalhador rural diarista, o Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamento de recursos repetitivos, ao julgar o REsp 1321493/PR (Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012), fixou a seguinte tese, relativamente ao trabalhador rural boia-fria:
TEMA 554: Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
No que diz respeito à comprovação do tempo de serviço rural prestado em regime de economia familiar, aceitam-se como início de prova material os documentos apresentados em nome de terceiros, desde que integrem o mesmo núcleo familiar. Eis o teor da Súmula 73 desta Corte: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Em suma, o exercício da atividade rural no período anterior à Lei nº 8.213/1991 pode ser comprovado por qualquer meio documental idôneo que propicie a formação de convencimento do julgador, não se exigindo a demonstração exaustiva dos fatos por todo o período requerido. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos. Nessa senda, a prova oral representa importante subsídio complementar ao início de prova material, devendo formar um conjunto probatório firme e coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.
Tempo de serviço rural posterior à Lei nº 8.213/1991
A partir da vigência da Lei nº 8.213/1991, é fundamental definir a categoria em que se insere o trabalhador rural, visto que o regramento legal difere substancialmente em relação a cada categoria de segurado da Previdência Social.
O empregado rural, a partir da implantação da Lei de Benefícios da Previdência Social, passou a fazer jus aos mesmos benefícios previdenciários que o empregado urbano tinha direito, inclusive a aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, desde que devidamente comprovado o vínculo empregatício. Via de regra, a prova da relação de emprego é feita mediante a anotação na carteira de trabalho, confirmada por meio de consulta no Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, de acordo com o disposto no art. 29-A da Lei nº 8.213/1991, com a redação dada pela Lei Complementar nº 128/2008. Admite-se, todavia, a comprovação por outros documentos idôneos, caso o empregador não tenha cumprido o dever de anotar o contrato na carteira de trabalho do empregado, servindo para esse fim o acordo coletivo de trabalho e os recibos de pagamento contemporâneos ao fato alegado, com a necessária identificação do empregador.
No entanto, é diversa a disciplina legal em relação ao trabalhador rural que exerce a atividade individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o eventual auxílio de terceiros. O art. 39, inciso I, da Lei nº 8.213/1991 garantiu ao segurado especial os benefícios de aposentadoria por idade ou por invalidez, auxílio-doença, auxílio-reclusão ou pensão, no valor de um salário mínimo, bastando comprovar a filiação à Previdência Social nos termos do art. 11, inciso VII, da Lei nº 8.213/1991.
Para que o segurado especial perceba aposentadoria por tempo de serviço ou contribuição, deve recolher a contribuição facultativa de que trata o art. 21 da Lei nº 8.212/1991 (Lei de Custeio da Previdência Social), no percentual de 20% sobre o salário de contribuição. A Lei de Benefícios não considera a contribuição incidente sobre a comercialização da produção rural para efeito de concessão de outros benefícios, salvo os enumerados no inciso I do art. 39 (aposentadoria por idade ou por invalidez, auxílio-doença, auxílio-reclusão, pensão e auxílio-acidente). Esse é o entendimento consolidado do STJ:
O trabalhador rural, na condição de segurado especial, sujeito à contribuição obrigatória sobre a produção rural comercializada, somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço, se recolher contribuições facultativas.
(Súmula 272, Terceira Seção, julgado em 11/09/2002, DJ 19/09/2002, p. 191)
Importa salientar que a Lei de Benefícios concede uma faculdade ao segurado especial, caso queira contar o tempo de atividade rural ulterior à Lei nº 8.213/1991 como tempo de serviço/contribuição.
Por fim, o cômputo do tempo de contribuição do trabalhador conhecido como diarista, volante ou boia-fria, a partir de novembro de 1991, exige a comprovação do recolhimento de contribuição previdenciária, exceto se for demonstrada a relação de emprego, ainda que temporária, por meios de prova documentais e apropriados. Não se caracterizando a condição de empregado rural ou contribuinte individual, a jurisprudência fixou entendimento no sentido de que o trabalhador boia-fria equipara-se ao segurado especial, fazendo jus ao benefício de aposentadoria por idade previsto no art. 39, inciso I, da Lei nº 8.213/1991. Portanto, inexistindo o recolhimento de contribuição previdenciária, não se admite o aproveitamento do período de atividade rural do trabalhador boia-fria, posterior à Lei nº 8.213/1991, como tempo de contribuição.
Caso concreto
A autora pleiteou o reconhecimento do tempo de atividade rural no período de 01/04/1972 a 28/02/1989, em que trabalhou em regime de economia familiar, e no período de 01/04/1989 a 30/04/1997, em que prestou serviços como boia-fria em diversas propriedades rurais da região de Cornélio Procópio/PR.
A título de início de prova material, foram juntados aos autos os seguintes documentos:
a) certidão de casamento da autora, em 08/04/1972, na qual seu marido é qualificado como lavrador;
b) certidão de nascimento dos filhos da autora, em 15/04/1975, 28/09/1978, 15/03/1980 e 27/08/1981, constando a qualificação do pai como lavrador;
c) certidão de óbito do marido da autora, em 03/06/1990, em que ele é qualificado como lavrador;
d) carteira de trabalho da autora, constando vínculos empregatícios urbanos entre 01/03/1989 a 26/03/1989 e a partir de 01/05/1997.
Em juízo, foram ouvidas três testemunhas e colhido o depoimento pessoal da autora.
A autora disse que os pais moravam e trabalhavam na Fazenda São Manoel desde 1968; nessa época ajudava os pais na lavoura; casou em 1972 e continuou morando nessa propriedade; fazia serviços como carpir e colher café; ficou na Fazenda Manoel por cerca de cinco anos depois do casamento; após passou a morar na cidade de Cornélio Procópio, trabalhando como doméstica, faxineira, cozinheira; ficou algum tempo na boia-fria, mas não lembra o período, só que o marido ainda era vivo; depois que o marido faleceu, não voltou a trabalhar na roça.
A testemunha Maria Lúcia Alves Ricardo disse que foi vizinha da autora na Fazenda São Manoel por muito tempo; conhece-a desde 1968, pois trabalhava e morava na mesma fazenda que a autora; a autora morou na propriedade com o marido e os filhos; via a autora trabalhando na lavoura, carpindo e colhendo café; a autora deixava os filhos em casa para trabalhar ou levava junto para a roça; era uma propriedade grande. Afirmou que saiu da fazenda em 1981, mas a autora continuou na fazenda; na época, a autora tinha dois filhos; não sabe dizer quando a autora veio para a cidade e passou a trabalhar como doméstica. Contou que trabalhou como boia-fria junto com a autora, porém não lembra o ano, quanto tempo ficou na atividade de boia-fria ou o nome dos "gatos" que contratavam o serviço.
A testemunha Eurídice Rodrigues Leite, ouvida como informante, relatou que trabalhou junto com a autora na Fazenda São Manoel, em Cornélio Procópio/PR; conhece a autora desde 1968, quando começou a trabalhar na fazenda; saiu em 1973 da propriedade, mas a autora ficou trabalhando bastante tempo na Fazenda São Manoel; sabe disso porque visitava o seu pai na fazenda; a autora carpia, colhia café, catava algodão, trabalhando junto com o marido; levava junto as filhas para a lavoura; quando a autora veio para a cidade, tinha duas filhas; ela trabalhou como doméstica na cidade e também como boia-fria, quando não estava no emprego; não lembra quando a autora trabalhou como boia-fria, nem por quanto tempo, acha que foi por cinco anos.
No caso dos autos, a prova testemunhal não se mostrou firme e coerente. A autora afirmou que permaneceu trabalhando na Fazenda São Manoel por volta de cinco anos após o casamento, ocorrido em 1972, passando a laborar como doméstica na cidade depois que saiu da fazenda. Já a testemunha Maria Lúcia Alves Ricardo disse que saiu da fazenda em 1981 e a autora teria continuado morando e trabalhando na propriedade; a testemunha Eurídice Rodrigues Leite não soube precisar até quando a autora permaneceu na Fazenda São Manoel.
Quanto ao período em que a autora laborou como boia-fria, a prova oral é ainda mais precária, pois nem a autora nem as testemunhas forneceram qualquer dado concreto acerca de datas, propriedades em que ela trabalhou ou agenciadores de mão de obra. É certo, porém, que a autora deixou de exercer atividade rurícola depois de junho de 1990, já que afirmou não haver mais trabalhado na roça após o falecimento do marido. Além disso, cabe considerar que o marido da autora desempenhou atividade urbana na Prefeitura Municipal de Cornélio Procópio entre 01/10/1985 a 07/04/1989, o que torna o conjunto probatório ainda mais frágil.
Por conseguinte, ainda que exista início de prova material abrangendo o período de 1972 a 1990, o conjunto probatório, pelos motivos expendidos, ampara o reconhecimento da atividade rural somente do lapso temporal entre 01/04/1972 e 31/12/1977, que deve ser averbado pelo INSS para os fins previdenciários.
Requisitos para a concessão do benefício
O INSS reconheceu, na data do requerimento administrativo (26/04/2013), o tempo de contribuição correspondente a 08 anos, 02 meses e 13 dias e a carência de 101 meses.
O tempo de atividade rural reconhecido em juízo (01/04/1972 a 31/12/1977) perfaz 05 anos e 09 meses. A soma do tempo de serviço rural e urbano resulta em 13 anos, 11 meses e 13 dias.
A parte autora não tem direito à aposentadoria integral ou proporcional por tempo de contribuição, visto que não preencheu os requisitos de tempo de contribuição e carência.
Conclusão
Dou parcial provimento à apelação da autora, apenas para reconhecer o período de atividade rural entre 01/04/1972 a 31/12/1977 e determinar que o INSS proceda à averbação do tempo de serviço para os fins previdenciários.
Considerando a sucumbência mínima do INSS, mantenho a condenação da autora ao pagamento integral das custas processuais e dos honorários advocatícios, no valor arbitrado na sentença. Esclareço que a exigibilidade das verbas de sucumbência fica suspensa, em razão da concessão da gratuidade de justiça à autora.
Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação da autora.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9205529v46 e, se solicitado, do código CRC D4A7CAEA. | |
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| Signatário (a): | Amaury Chaves de Athayde |
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 31/10/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5006607-43.2015.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00038826420138160075
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
PRESIDENTE | : | Luiz Fernando Wowk Penteado |
PROCURADOR | : | Dr.Marcus Vinicius Aguiar Macedo |
APELANTE | : | NEIDE BENEDITA FERREIRA |
ADVOGADO | : | MARCOS DE QUEIROZ RAMALHO |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 31/10/2017, na seqüência 244, disponibilizada no DE de 16/10/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA AUTORA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
: | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA | |
: | Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO |
Suzana Roessing
Secretária de Turma
| Documento eletrônico assinado por Suzana Roessing, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9231381v1 e, se solicitado, do código CRC DF5BE3F6. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Suzana Roessing |
| Data e Hora: | 06/11/2017 12:49 |
