APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5004597-64.2013.4.04.7002/PR
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
APELANTE | : | ANTONIO IVAR SARABIA |
ADVOGADO | : | Guilherme Henrique Marques Pinto |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | OS MESMOS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. SEGURADO TRABALHADOR RURAL. TEMPO DE ATIVIDADE ANTERIOR À LEI Nº 8.213/1991. LIMITE DE IDADE. RAZOÁVEL INÍCIO DE PROVA MATERIAL. DOCUMENTOS EM NOME DE TERCEIROS. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR E ATIVIDADE URBANA. PROVA ORAL HARMÔNICA E COERENTE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EXTRAVIO DAS CARTEIRAS DE TRABALHO. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. CONSECTÁRIOS LEGAIS.
1. Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.
2. Estão abrangidos pelo disposto no § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 todos os beneficiários do antigo PRORURAL: segurado especial, empregado, avulso e eventual rurais, além dos membros do grupo familiar incluídos na categoria de segurado especial, nos termos do art. 11, inciso VII, da mesma Lei.
3. Até o advento da Lei nº 8.213/1991, pode ser reconhecida a prestação de serviço rural por menor a partir de doze anos de idade.
4. Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não admitindo prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. Súmula nº 149 e Tema nº 297 do STJ.
5. O início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido.
6. Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo, quando realizado em regime de economia familiar, justifica a mitigação da exigência de prova documental.
7. É possível a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, para alcançar período anterior ou posterior aos documentos apresentados, se a prova testemunhal for favorável ao segurado. Súmula nº 577 do STJ.
8. Aceitam-se como início de prova material os documentos apresentados em nome de terceiros, desde que integrem o mesmo núcleo familiar. Entendimento consolidado na Súmula 73 desta Corte.
9. A prova oral complementa os subsídios colhidos dos elementos materiais de prova, devendo formar um conjunto probatório coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.
10. Não resta descaracterizado o regime de economia familiar, quando as circunstâncias dos autos indicam que a principal fonte de subsistência do grupo familiar era o labor rural. Não foi demonstrado o efetivo exercício de atividade urbana por membro da família, nem a produção agrícola em quantidade incompatível, nem a contratação de empregados.
11. Foram preenchidos os requisitos para a concessão de aposentadoria integral por tempo de contribuição, de acordo com a regra permanente do art. 201, § 7º, da Constituição Federal.
12. A Constituição Federal adotou a teoria da responsabilidade objetiva do poder público, sob a modalidade do risco administrativo. Não se cogita a culpa na conduta estatal, bastando a presença do dano, do ato administrativo e do nexo de causalidade entre um e outro para surgir a obrigação de indenizar.
13. O extravio das carteiras de trabalho, confiadas à guarda do INSS, constitui ato lesivo passível de indenização por dano moral, uma vez que o segurado restou destituído da posse de documento indispensável para provar seus direitos trabalhistas e previdenciários, em que toda a sua vida laboral está registrada. Não se trata de mero dissabor que pode ser reparado por meio da solicitação de segunda via do documento.
14. Fixado o valor da indenização de acordo com os princípios de razoabilidade e proporcionalidade, as circunstâncias e peculiaridades do caso, a conduta da ré, a extensão do dano, a condição sócio-econômica das partes e o caráter pedagógico da indenização.
15. O benefício deve ser implantado imediatamente, diante do disposto no art. 497 do CPC e da ausência de recurso com efeito suspensivo ope legis contra a decisão.
16. A Corte Suprema, no julgamento do RE 870.947/SE (Tema nº 810), reconheceu a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, na parte em que determina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública pelos mesmos índices de remuneração oficial da caderneta de poupança.
17. São aplicáveis as disposições do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, no tocante à taxa de juros de mora.
18. Incide a variação do IPCA-E, para fins de correção monetária, a partir de 30/06/2009, conforme a decisão no RE 870.947, julgado em 20/09/2017.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e à remessa necessária, dar provimento ao recurso adesivo do autor e, de ofício, determinar a aplicação do IPCA-E, a partir de 30/06/2009, para fins de correção monetária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 14 de novembro de 2017.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9224019v11 e, se solicitado, do código CRC 3FF5536C. | |
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RELATÓRIO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
Trata-se de apelação e recurso adesivo interpostos contra sentença que julgou o pedido parcialmente procedente, para o fim de condenar o INSS a: a) reconhecer e averbar o período de 09/06/1971 a 17/06/1982 (11 anos e 09 dias), em que a parte autora laborou no meio rural, em regime de economia familiar; b) conceder o benefício de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição integral à parte autora (NB 146.598.531-7), a partir da data do requerimento administrativo (18/05/2008); c) pagar as prestações vencidas até a data da implantação do benefício, observada a prescrição das parcelas anteriores a 31/05/2008, com atualização monetária pelo INPC e juros de mora a contar da citação, à taxa de 1% ao mês e, desde 01/07/2009, conforme a taxa de juros aplicada à caderneta de poupança, de forma capitalizada. Cada parte foi condenada a pagar os honorários de seu patrono, diante da sucumbência recíproca (evento 76 e evento 98).
Na apelação, o INSS alega a ausência de início de prova material da atividade rural em regime de economia familiar, como exigido pelo § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991. Diz que, apesar de comprovada a atividade rural da família, restou descaracterizado o regime de economia familiar, visto que o pai do autor desde 1975 era contribuinte individual, o que lhe possibilitou aposentar-se por idade como comerciário, em 01/11/1996. Aduz que, se a renda da atividade agrícola possibilitava o recolhimento de contribuições, não é possível enquadrar o autor, estudante à época, como trabalhador rural em regime de economia familiar. Esgrime que o traço diferenciador dessa classe de segurados, em relação ao produtor rural equiparado a autônomo, está na exploração de atividade primária, sem o auxílio de empregados, em que o trabalho dos membros da família seja indispensável à própria subsistência, exercido em condições de mútua dependência e colaboração, ausentes outras fontes de renda. Invoca a Súmula nº 149 do STJ e o art. 106 da Lei nº 8.213/1991, que elenca a documentação idônea para a comprovação da atividade rural, a qual deve ser contemporânea dos fatos a comprovar.
O recurso adesivo do autor objetiva a condenação do INSS ao pagamento de indenização por danos morais. Aduz que o extravio das duas CTPS, reconhecido pelo próprio INSS, consoante a correspondência enviada em 03/10/2011, violou a sua integridade físico-psíquica, gerando grandes transtornos. Diz que, além da contratação de advogados, ficou mais de cinco anos sem as carteiras de trabalho, documentos indispensáveis para fazer prova de direitos trabalhistas e previdenciários, em que toda a sua vida laboral foi registrada. Menciona decisões deste Tribunal no sentido de que o extravio, pela Administração, de documentos pessoais do cidadão, em especial aqueles que indicam a sua história laboral, causa prejuízos materiais e morais, gerando o dever de indenizar (AC 2003.71.12.002460-8, Relator Márcio Antônio Rocha, Quarta Turma, DJ 09/08/2006 p. 768; APELREEX 5012882-52.2013.404.7000, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, juntado aos autos em 10/07/2014). Pede ainda a concessão dos efeitos da tutela antecipada, para que o benefício seja implantado imediatamente, pois desde o ano de 2008 faz jus ao recebimento da aposentadoria.
Com as contrarrazões da parte autora, vieram os autos a esta Corte, ainda, por força da remessa necessária, nos termos do art. 475, inciso I, do antigo CPC.
Sentença publicada em 08/05/2015. Sentença nos embargos de declaração publicada em 28/09/2015.
É o relatório. Peço dia.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9224017v24 e, se solicitado, do código CRC 608E397. | |
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APELADO | : | OS MESMOS |
VOTO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
Tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213/1991
Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. Não obstante o marco final estabelecido seja a entrada em vigor da Lei nº 8.213/1991, o Decreto nº 3.048/1999, no art. 127, inciso V, estendeu a possibilidade de aproveitamento do tempo rural até 31/10/1991.
O legislador ordinário não concedeu uma benesse aos trabalhadores rurais, ao permitir o cômputo de serviço anterior à Lei nº 8.213/1991, mesmo sem o recolhimento de contribuições previdenciárias; apenas concretizou a norma do inciso II do parágrafo único do art. 194 da Constituição de 1988, que assegurou a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços aos trabalhadores urbanos e rurais. No regime anterior à Lei nº 8.213/1991, os trabalhadores rurais contavam somente com o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) instituído pela Lei Complementar nº 11/1971. Os beneficiários do PRORURAL, além do trabalhador rural que exercia a atividade individualmente ou em regime de economia familiar, eram o empregado rural (contratado por produtor rural pessoa física ou jurídica), o avulso rural (contratado mediante a intermediação de sindicato ou órgão gestor de mão de obra) e o trabalhador rural eventual (volante, diarista ou boia-fria). Os benefícios oferecidos pelo PRORURAL não requeriam o pagamento de contribuições, porém eram limitados e tipicamente assistenciais, não prevendo a aposentadoria por tempo de serviço. A regra do § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991, assim, objetiva conciliar a substancial diferença entre o velho e o novo regime previdenciário, no tocante à contagem de tempo de serviço.
Além de todos os beneficiários do antigo PRORURAL, o § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 abarca os membros do grupo familiar, visto que o art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios, define como segurado especial não só o produtor rural que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, mas também o cônjuge ou companheiro e filhos maiores de dezesseis anos ou a ele equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.
A idade mínima de dezesseis anos referida no inciso VII do art. 11 da Lei de Benefícios considera a redação do inciso XXXIII do art. 7º da Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 20/1998. Em relação ao período anterior à Lei nº 8.213/1991, a jurisprudência admite o reconhecimento da atividade rural, em regime de economia familiar, exercida por menor a partir dos doze anos, pois as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo e não para não prejudicá-lo. Colaciono julgado do STJ amparando esse entendimento:
AGRAVO INTERNO. PREVIDENCIÁRIO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. INOVAÇÃO NO ÂMBITO DO AGRAVO INTERNO. IMPOSSIBILIDADE. RURÍCOLA. LABOR DE MENOR DE 12 ANOS DE IDADE. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
(...)
3. É firme neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido da possibilidade de cômputo do labor rural comprovadamente desempenhado por menor de doze anos de idade.
4. Agravo ao qual se nega provimento.
(AgRg no REsp 1150829/SP, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 14/09/2010, DJe 04/10/2010)
Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não aceitando prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. A legalidade da norma é corroborada pela jurisprudência do STJ, consoante a Súmula nº 149: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário". Em julgado mais recente, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou o entendimento no Tema nº 297 (REsp 1133863/RN, 3ª Seção, Rel. Ministro Celso Limongi, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).
Entende-se que a tarifação da prova imposta pelo § 3º do art. 55 da Lei de Benefícios dirige-se apenas à prova exclusivamente testemunhal. Portanto, o início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural. Dessa forma, os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. Assim, representam início de prova material as certidões de casamento, nascimento, alistamento no serviço militar, do registro de imóveis e do INCRA, escritura de propriedade rural, histórico escolar, declaração da Secretaria de Educação, entre outros documentos públicos.
Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rural nos intervalos próximos ao período efetivamente documentado, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso. A extensão da validade do início da prova material foi objeto da Súmula nº 577 do STJ, in verbis: "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório". Não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória, tanto de forma retrospectiva como prospectiva.
É bem de ver que, para os trabalhadores eventuais, a comprovação do exercício de atividade rural é extremamente dificultosa, justamente porque o vínculo com o contratante dos serviços caracteriza-se pela não habitualidade. Executam as tarefas por curto período de tempo, normalmente um dia, razão pela qual são chamados volantes, diaristas ou boias-frias. São recrutados por agenciadores de mão de obra rural, os "gatos", muitas vezes sequer constituídos como pessoa jurídica. Compreende-se, então, que a escassez do início de prova material é mais um elemento distintivo das relações informais de trabalho do diarista rural. Dada sua peculiar circunstância e notável dificuldade em portar documentos que comprovem sua condição de trabalhador rural diarista, o Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamento de recursos repetitivos, ao julgar o REsp 1321493/PR (Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012), fixou a seguinte tese, relativamente ao trabalhador rural boia-fria:
TEMA 554: Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
No que diz respeito à comprovação do tempo de serviço rural prestado em regime de economia familiar, aceitam-se como início de prova material os documentos apresentados em nome de terceiros, desde que integrem o mesmo núcleo familiar. Eis o teor da Súmula 73 desta Corte: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Em suma, o exercício da atividade rural no período anterior à Lei nº 8.213/1991 pode ser comprovado por qualquer meio documental idôneo que propicie a formação de convencimento do julgador, não se exigindo a demonstração exaustiva dos fatos por todo o período requerido. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos. Nessa senda, a prova oral representa importante subsídio complementar ao início de prova material, devendo formar um conjunto probatório firme e coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.
Caso concreto
A sentença acolheu o pedido de averbação do tempo de serviço exercido pela parte autora no período de 09/06/1971 a 17/06/1982, por estar demonstrada a atividade rural em regime de economia familiar. Transcrevo a parte da sentença que analisa os elementos de prova juntados aos autos:
Visando comprovar o exercício de atividade rural, a parte autora apresentou documentos no processo administrativo, os quais passa-se a transcrever:
a - Escritura pública em que os genitores do pai do autor doaram aos filhos, em 04/05/1972, uma área de 10 alqueires paulistas, do lugar denominado Engenho de Ferro, do Município de Ibiporã/PR (PROCADM1 - p. 20-22 - evento 71);
b - Certidão de transcrição, em 06/06/1972, de uma área de 10 alqueires paulistas, do lugar denominado Engenho de Ferro, do Município de Ibiporã/PR, em que o genitor do autor constou como adquirente, juntamente com seus irmãos (PROCADM1 - p. 23-25 - evento 71);
c - Cópia de matrícula de imóvel rural, em que consta que o lote composto de uma área de 522.184,21m², situado na Gleba Engenho de Ferro, no Município de Ibiporã/PR, foi vendido pelo genitor do autor, em 09/11/1982 (PROCADM1 - p. 28-37 - evento 71);
d - Requerimentos de matrícula escolar do autor, formulados em 17/02/1972, 10/12/1973, 13/12/1974, 22/12/1975, 01/02/1977, em que constou que seu pai era lavrador e que residiam na Água do Engenho de Ferro (PROCADM1 - p. 38-46 - evento 71);
e - Título eleitoral do autor, emitido em 1977, em que constou a profissão de agricultor (PROCADM1 - p. 47 - evento 71);
f - Certificado de Dispensa de Incorporação do autor ao exército, emitido em 1978, em que constou a profissão de agricultor (PROCADM1 - p. 49 - evento 71);
g - Notas fiscais de comercialização de produção agrícola, em nome do genitor do autor, emitidas em 1974, 1977(PROCADM1 - p. 51-52 - evento 71).
Os documentos anexados no evento 1 correspondem aos mesmos que foram apresentados no processo administrativo.
Ressalte-se não ser necessário que o postulante apresente em juízo prova do labor rural para todo o período. Contudo, deve haver prova material suficiente, corroborada por robusta prova testemunhal, capaz de demonstrar a atividade rural durante o prazo legal de carência exigido, desde que, conforme já declinado acima, tratar-se de boia-fria, nos termos da Súmula 14, editada pela Turma Regional de Uniformização da 4ª Região (DE 18/06/2009): "A falta de início de prova material não é impeditiva da valoração de outros meios de prova para o reconhecimento do labor rural por boia-fria".
Portanto, passe-se à análise das provas colhidas em audiência (AUDIO MP32 a AUDIO MP34 - evento 24 e AUDIO1 e 2 - evento 50):
Autor ANTÔNIO IVAR SARABIA: Nasci na localidade de Água de Engenho de Ferro, em Ibiporã/PR. Trabalhei na área rural nessa mesma localidade. Meu avô tinha uma propriedade de 20 alqueires. Ele tinha 7 filhos, sendo meu pai um dos filhos. Nossa família sempre morou na propriedade de meu avô. Alguns filhos de meu avô não moravam lá. Outros sim. Plantávamos lavoura de café, pastagem e criação de porcos e galinhas. Meu avô dividiu as terras posteriormente e cada filho ficou com aproximadamente 4 alqueires. Não tínhamos empregados. Trabalhávamos meu pai e os filhos. Eu estudava em Ibiporã, distante 5 quilômetros de nossa propriedade. Ia a pé, pela manhã, e trabalhava a tarde. Saí da localidade em 1982, com 25 anos de idade, quando comecei a trabalhar em um banco com carteira assinada. Atualmente sou autônomo, faço corretagem e sobrevivo de aluguel.
Testemunha JOÃO ODAIR PELISSON: Conheci o autor de Santa Paula. Nascemos na mesma comunidade. Convivia tanto com o autor como com seus irmãos. O autor morava em propriedade rural. Morei no campo até 1979, quando tinha 21 anos, e o autor continuava morando ali, em propriedade do pai. Era o autor e seu irmão Daniel que, à época, tomavam conta quase que totalmente da propriedade. Depois ele foi trabalhar no banco. Eu saí porque fui trabalhar no Bamerindus. No final de 1981 eu saí do banco e o autor começou a trabalhar no mesmo banco, depois de um ano e pouco. Até a década de noventa jogávamos futebol. O pai do autor chama-se Sebastião. Próximo a 1990 a família do autor mudou para a cidade. Eles plantavam café. Até hoje ainda existe café na propriedade. Tinham gado, porcos. A propriedade era pequena e produziam mais para o sustento da família. Desde 11-12 anos as crianças da localidade já trabalhavam no campo. Cada qual, desde cedo, já tinha suas atividades. O autor saiu do campo e foi em seguida trabalhar no banco. A família sobrevivia apenas da lavoura. Eles não tinham outra renda, que advinha exclusivamente da propriedade rural.
Testemunha ELIZETE FERNANDES: Conheci o autor, fomos vizinhos de sítio e crescemos juntos. O pai do autor tinha uma propriedade pequena próxima da nossa, em que trabalhavam apenas os pais e 7 filhos. Todos trabalhavam na roça. Com o tempo, os mais velhos foram saindo e ficaram apenas o autor e outro irmão produzindo na propriedade. Eles tiravam o sustento apenas dessa propriedade. Eles plantavam café e no meio desse café era plantado milho e feijão, que era destinado ao sustento deles e o que sobrava era vendido. Ele permaneceu na propriedade até 1982-1983. A propriedade ainda hoje é da família. Somente a família trabalhava. Eles não tinham empregados.
Analisando os documentos acima, observa-se a existência de indícios da vocação agrícola da família da parte autora durante o período postulado e, consequentemente, do exercício de atividade rural em regime de economia familiar.
No processo administrativo a parte demandante apresentou documentação apontando que os membros de sua família trabalhavam no campo, durante praticamente todo o período reclamado.
O requerente apresentou cópia de escritura pública e de certidão de transcrição, em que consta que o avô doou ao genitor uma área de terras, no ano de 1972. Também instruiu o processo administrativo com requerimentos de matrícula escolar referentes aos anos de 1972 a 1977, em que constou a profissão do genitor como agricultor, bem como com cópia do título eleitoral e do Certificado de Dispensa de Incorporação ao Exército, emitidos nos anos de 1977 e 1978, tendo constado dos documentos que o postulante era agricultor. Por fim, apresentou cópia de notas fiscais descrevendo a venda de produção agrícola, emitidas nos anos de 1974 e 1977, em nome do pai e cópia de matrícula de imóvel, em que consta que o genitor vendeu parte da propriedade rural no ano de 1982.
Esses documentos representam início de prova material de que a partir dos 12 anos, em 09/06/1971, a parte autora começou a trabalhar na lavoura, com seus genitores.
Como visto, também foi apresentada documentação a respeito da continuidade do exercício da atividade agrícola, até 17/06/1982, necessário à análise da prova testemunhal produzida em juízo.
Do teor da prova oral colhida em juízo, extrai-se que a parte demandante trouxe duas testemunhas que declararam tê-lo conhecido na localidade de de Água de Engenho de Ferro, em Ibiporã/PR, sendo que todos nasceram naquela localidade. Informaram que o requerente trabalhava na lavoura com o pai e irmãos, sem maquinários ou a contratação de empregados, e que ele permaneceu morando e trabalhando na região, nas terras do pai, até obter seu primeiro vínculo empregatício em uma instituição bancária, em Ibiporã/PR.
Todas as testemunhas confirmaram o trabalho da parte autora e o regime de economia familiar, demonstrando, inclusive, a inexistência de assalariados no imóvel, bem como a ausência de fonte de renda diversa da agricultura.
Nesse ponto, ressalta-se que o INSS não averbou o período reclamado porque verificou que o genitor do autor recolheu contribuições como autônomo, a partir de 22/10/1975.
Contudo, conquanto entenda o INSS que o autor não desempenhou atividade rural indispensável ao sustento de sua família durante o período reclamado, argumentando que durante parte desse período o cultivo da lavoura não era a fonte exclusiva de sustento da família porque o genitor do demandante teria contribuído como autônomo, tal fato não descaracteriza o trabalho rural do autor em regime de economia familiar.
O autor alegou na petição inicial que o genitor contribuiu apenas com o intuito de genitor contribuiu apenas com o intuito de garantir futuro benefício de aposentadoria, por meio do chamado "carnê leão"., por meio do chamado "carnê leão". Em audiência, esclareceu em seu depoimento pessoal que sua família, durante os anos de 1971 a 1982, sobreviveu apenas da atividade agrícola composta quase que exclusivamente de plantação de café.
Por sua vez, da prova testemunhal extrai-se que era do trabalho exclusivo do autor e de sua família no campo que era retirado o necessário para o sustento do grupo, que morava e trabalhava no campo.
Assim, é inegável que era através da lavoura que vinha a única renda da família, estando comprovada a indispensabilidade do labor rurícola do requerente para o sustento próprio e do grupo familiar, sobejamente demonstrado pela documentação acostada aos autos.
Ainda que assim não fosse, ressalta-se que o exercício atividade urbana por um dos membros da família não descaracterizaria o regime de economia familiar quando não comprovado que o exercício do labor urbano correspondeu à atividade preponderante do núcleo familiar.
Nesse sentido, o seguinte precedente jurisprudencial:
"PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO. APOSENTADORIA POR IDADE. SEGURADO ESPECIAL. ATIVIDADE URBANA. NÃO DESCARACTERIZAÇÃO. PROVIMENTO. I. O exercício de atividade urbana, durante parte do período de carência, quando não interrompe o curso normal do trabalho rural, evidenciando a indispensabilidade deste para a subsistência familiar, não afasta a caracterização da condição de segurado especial. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. II ¿ Pedido de uniformização conhecido e provido."
(PEDILEF 200670950017235, JUIZ FEDERAL EDILSON FERREIRA NOBRE, TNU - turma Nacional de Uniformização, 31/08/2007) (grifei)
Ademais, nos termos da Súmula n. 41 da TNU: "A circunstância de um dos integrantes do núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica, por si só, a descaracterização do trabalhador rural como segurado especial, condição que deve ser analisada no caso concreto".
Ressalte-se que a intenção do legislador, ao tratar dos segurados especiais, beneficiou aqueles trabalhadores que durante toda a vida exerceram atividades em situação peculiar: cultivando pequenas áreas de terra, com a exclusiva colaboração dos integrantes do grupo familiar, angariando o necessário para a sobrevivência e sem o auxílio regular ou permanente de empregados. Daí que não se pode falar em regime de economia familiar quando, por exemplo, a quantidade da produção comercializada demonstrar que se trata de produtor rural, melhor enquadrado como contribuinte individual, ou quando se verificar que o trabalho rural não era a única e indispensável fonte de subsistência, apenas se caracterizando como mais um reforço da renda familiar.
Contudo, não é o que se verifica neste caso, em que restou comprovada a relevância da renda proveniente do labor rurícola, indispensável para o sustento do grupo familiar.
Logo, diante da análise conjunta das provas material e testemunhal, tenho que ficou devidamente comprovada a atividade rural do autor, na qualidade de segurado especial, durante o período de 09/06/1971 a 17/06/1982, sendo que no caso concreto a prova testemunhal foi coerente e se mostrou conhecedora das raízes campesinas da parte autora e de seu núcleo familiar.
Sendo assim, considerando o permissivo do artigo 143 da LB que se refere tanto ao segurado especial quanto ao empregado rural, reconheço como tempo de serviço rural o período acima, a fim de integrar o cálculo de tempo de serviço para a aposentadoria da parte autora.
Sem razão o INSS, ao alegar que restou descaracterizado o regime de economia familiar. No caso dos autos, as circunstâncias indicam que a principal fonte de subsistência do grupo familiar era o labor rural, não restando demonstrado que o pai do autor exercia efetivamente atividade urbana, já que contribuiu para a Previdência como autônomo, por meio do chamado "carnê leão", com o objetivo de assegurar futura aposentadoria. Além disso, não existe prova de que a produção agrícola fosse em quantidade incompatível com o regime de economia familiar, a exigir a contratação de empregados. Por fim, cabe salientar que o autor apresentou início de prova material em seu próprio nome, relativas aos anos de 1977 e 1978, comprovando efetivamente o labor rural no período pleiteado.
No caso dos autos, o conjunto probatório está alicerçado em razoável início de prova material, complementado por prova testemunhal firme e coerente, hábil a produzir o convencimento quanto ao efetivo exercício do labor rural, sem interrupção, no período de 09/06/1971 (quando o autor completou doze anos) a 17/06/1982.
Requisitos para a concessão do benefício
O INSS reconheceu, na data do requerimento administrativo (19/05/2008), o tempo de contribuição de 25 anos, 05 meses e 1 dia e a carência de 306 meses (evento 93, extr1).
O tempo de atividade rural (09/06/1971 a 17/06/1982) corresponde a 11 anos e 09 dias. A soma do tempo de serviço rural e urbano resulta em 36 anos, 05 meses e 10 dias de tempo de contribuição.
Assim, em 19/05/2008 (DER), a parte autora preencheu os requisitos para a concessão de aposentadoria integral por tempo de contribuição, de acordo com a regra permanente do art. 201, § 7º, da Constituição Federal, com a incidência do fator previdenciário.
Consectários legais
Analiso a matéria por força da remessa necessária.
O juízo a quo deixou de aplicar o índice de correção monetária estabelecido no art. 5º da Lei nº 11.960/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997.
O Plenário do STF concluiu o julgamento do Tema 810, fixando as seguintes teses sobre a questão, consoante acompanhamento processual do RE 870.947 no Portal do STF:
"Ao final, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio,fixou as seguintes teses, nos termos do voto do Relator:
1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º,caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 20.9.2017. "
Como se pode observar, o Pretório Excelso não efetuou qualquer modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, em relação à correção monetária.
Assim, a correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos pela jurisprudência:
- INPC, de 04/2006 a 29/06/2009, conforme o art. 31 da Lei nº 10.741/2003, combinado com a Lei nº 11.430/2006, precedida da MP nº 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei nº 8.213/91;
- IPCA-E, a partir de 30/06/2009, conforme a decisão no RE 870.947, julgado em 20/09/2017.
Os juros de mora são contados a partir da citação (Súmula 204 do STJ), no percentual de 1% ao mês, não capitalizado, até 29/06/2009. Desde 30/06/2009, são aplicáveis as disposições do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, utilizando-se a taxa de juros da caderneta de poupança.
Indenização por danos morais
O INSS, na condição de pessoa jurídica de direito público, obriga-se a indenizar aqueles a quem causar danos, independentemente da existência de culpa (teoria do risco administrativo), nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal:
Art. 37.
(...)
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
A Constituição Federal adotou a teoria da responsabilidade objetiva do poder público, sob a modalidade do risco administrativo. Não se cogita a culpa na conduta estatal, bastando a presença do dano, do ato administrativo e do nexo de causalidade entre um e outro para surgir a obrigação de indenizar.
O dano moral é conceituado como o ato lesivo que afeta a personalidade do indivíduo, sua honra, sua intimidade, sua integridade psíquica, seu bem-estar íntimo, suas virtudes, causando-lhe mal-estar ou indisposição de natureza psíquica. A caracterização do dano moral tem como pressuposto a sujeição da parte à situação humilhante, vexatória ou capaz de produzir abalo psicológico relevante.
No caso em exame, o INSS enviou comunicação, em 03/10/2011, informando que as carteiras de trabalho do autor, as quais estavam sob a guarda da autarquia, não haviam sido localizadas (evento 13, decl2). Não há qualquer prova de que, até o presente momento, os documentos tenham sido encontrados.
Não resta dúvida de que o INSS reteve as carteiras de trabalho do autor e deixou de agir com o devido zelo, extraviando os documentos. Comprovada assim, a atuação administrativa no evento. Ainda que os vínculos laborais do autor tenham sido confirmados no CNIS, o dano restou caracterizado pelo fato de o autor ficar privado de documento indispensável para provar seus direitos trabalhistas e previdenciários, em que toda a sua vida laboral está registrada. Não se trata de mero dissabor que pode ser reparado por meio da solicitação de segunda via do documento. A jurisprudência desta Corte já apreciou casos análogos, entendendo que o extravio da carteira de trabalho constitui ato lesivo passível de indenização:
DIREITO ADMINISTRATIVO. EXTRAVIO DE CTPS PELO INSS. DANOS MORAIS CARACTERIZADOS. DEMORA NA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DE DANOS MORAIS. REDUÇÃO DA INDENIZAÇÃO.
Apelação parcialmente provida.
(TRF4, APELREEX 5012882-52.2013.404.7000, TERCEIRA TURMA, Relator CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, juntado aos autos em 10/07/2014)
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. EXTRAVIO DE DOCUMENTOS PELO INSS. INDEFERIMENTO DE APOSENTADORIA. INDENIZAÇÃO.
O extravio de documentos pessoais, notadamente aqueles que indicam a história laboral da autora, pessoa de poucos recursos, causa prejuízos morais, ainda mais quando fazia jus ao benefício indeferido.
(TRF4, AC 2003.71.12.001519-0, QUARTA TURMA, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, D.E. 31/03/2008)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CTPS EXTRAVIADA EM PROCESSO ADMINISTRATIVO JUNTO À PREVIDÊNCIA SOCIAL. INTIMAÇÃO DA AUTARQUIA PARA QUE DEVOLVA O DOCUMENTO OU ESCLAREÇA A DESTINAÇÃO DADA, SOB PENA DE FIXAÇÃO DE MULTA PECUNIÁRIA.
1 - Comprovado nos autos ter sido entregue em Posto do INSS a Carteira de Trabalho da impetrante, havendo anotação de estar a mesma constando do processo administrativo;
2 - A impetrante tem o direito inescusável à devolução de seu documento;
3 - Ocorrendo o extravio da CTPS nas dependências da Autarquia Previdenciária, deve ser determinado um prazo, a contar da intimação, para a devolução do documentos ou para os esclarecimentos necessários a respeito da destinação dada aos documentos, sob pena de multa pecuniária.
(TRF4, AG 2007.04.00.023639-7, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, D.E. 19/09/2007)
Quanto à quantificação do dano moral, cabe considerar a dúplice função da indenização: a reparatória, visando à minoração do sofrimento, e a dissuasória, a fim de desestimular o autor do dano a repetir a atuação lesiva. A primeira fixa o limite máximo, acima do qual se configura o enriquecimento sem causa. A segunda fixa o limite mínimo, um piso abaixo do qual a eficácia da condenação seria irrisória. No intervalo entre os dois limites há de ser encontrado o valor adequado da indenização.
Ante tais parâmetros, observando os princípios de razoabilidade e proporcionalidade e levando em conta as circunstâncias e peculiaridades do caso, sobretudo a conduta da ré, a qual deve zelar pela eficiente prestação do serviço público, nos termos do artigo 37, caput, da Constituição Federal, a extensão do dano, a condição sócio-econômica das partes e o caráter pedagógico da indenização, considero suficiente e adequado o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). O arbitramento de valor superior importaria em enriquecimento sem causa, ao passo que um valor inferior seria irrisório para os fins a que se destina.
A quantia deverá ser atualizada de acordo com parâmetros estabelecidos na jurisprudência do STJ. Segundo a Súmula nº 54, os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual); a Súmula nº 362 determina que a correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento. Quanto aos índices aplicáveis, para a correção monetária deve ser utilizado o IPCA-E; para a taxa de juros, o percentual é de 1% ao mês até 29/06/2009 e, após, o índice da caderneta de poupança.
Implantação imediata do benefício
Assim dispõe o art. 497 do CPC:
Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.
Por sua vez, a Terceira Seção desta Corte pacificou o entendimento neste sentido:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. ART. 461 do CPC. TUTELA ESPECÍFICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. EFICÁCIA PREPONDERANTEMENTE MANDAMENTAL DO PROVIMENTO. CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO. POSSIBILIDADE. REQUERIMENTO DO SEGURADO. DESNECESSIDADE.
1. Atento à necessidade de aparelhar o processo de mecanismos preordenados à obtenção do resultado prático equivalente à situação jurídica que se verificaria caso o direito material tivesse sido observado espontaneamente pelo "devedor" através da realização da conduta imposta pelo direito material, o legislador, que já havia, na época da edição do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) instituído a tutela específica do direito do "credor" de exigir o cumprimento dos deveres de fazer ou não fazer decorrentes de relação de consumo, inseriu no ordenamento processual positivo, por meio da alteração no art. 461 do Código de Processo Civil operada pela Lei 8.952/94, a tutela específica para o cumprimento dos deveres de fazer ou não fazer decorrentes das relações do direito material que não as de consumo.
2. A adoção da tutela específica pela reforma processual de 1994 do CPC veio para suprir, em parte, a morosidade judicial, na proporção em que busca dar ao cidadão aquilo e somente aquilo que lhe é devido, tirando o direito do plano genérico-abstrato da norma, conferindo-lhe efeitos concretos, com o fito de lhe garantir a mesma conseqüência do que aquela que seria obtida pelo adimplemento voluntário.
3. A sentença que concede um benefício previdenciário (ou assistencial), em regra, compõe-se de uma condenação a implantar o referido benefício e de outra ao pagamento das parcelas atrasadas. No tocante à determinação de implantação do benefício (para o futuro, portanto), a sentença é condenatória mandamental e será efetiva mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 461 do CPC, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo).
4. A respeito do momento a partir do qual se poderá tornar efetiva a sentença, na parte referente à implantação futura do benefício, a natureza preponderantemente mandamental da decisão não implica automaticamente o seu cumprimento imediato, pois há de se ter por referência o sistema processual do Código, não a Lei do Mandado de Segurança, eis que a apelação de sentença concessiva do benefício previdenciário será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo, nos termos do art. 520, caput, primeira parte, do CPC, motivo pelo qual a ausência de previsão de efeito suspensivo ex lege da apelação, em casos tais, traz por conseqüência a impossibilidade, de regra, do cumprimento imediato da sentença.
5. Situação diversa ocorre, entretanto, em segundo grau, visto que o acórdão que concede o benefício previdenciário, que esteja sujeito apenas a recurso especial e/ou recurso extraordinário, enseja o cumprimento imediato da determinação de implantar o benefício, ante a ausência, via de regra, de efeito suspensivo daqueles recursos, de acordo com o art. 542, § 2º, do CPC. Tal cumprimento não fica sujeito, pois, ao trânsito em julgado do acórdão, requisito imprescindível apenas para a execução da obrigação de pagar (os valores retroativamente devidos) e, consequentemente, para a expedição de precatório e de requisição de pequeno valor, nos termos dos parágrafos 1º, 1º-A e 3º do art. 100 da Constituição Federal.
6. O cumprimento imediato da tutela específica, diversamente do que ocorre no tocante à antecipação de tutela prevista no art. 273 do CPC, independe de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário, pois aquele é inerente ao pedido de que o réu seja condenado a conceder o benefício previdenciário, e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC. Em suma, a determinação da implantação imediata do benefício contida no acórdão consubstancia, tal como no mandado de segurança, uma ordem (à autarquia previdenciária) e decorre do pedido de tutela específica (ou seja, o de concessão do benefício) contido na petição inicial da ação.
7. Questão de ordem solvida para que, no tocante à obrigação de implantar (para o futuro) o benefício previdenciário, seja determinado o cumprimento imediato do acórdão sujeito apenas a recurso especial e/ou extraordinário, independentemente de trânsito em julgado e de pedido específico da parte autora.
(TRF4, AC 2002.71.00.050349-7, 3ª Seção, relator para acórdão Des. Federal Celso Kipper, D.E. 01/10/2007)
Dessa forma, considerando as disposições do art. 497 do CPC e o fato de que a presente decisão, em princípio, não está sujeita a recurso com efeito suspensivo, determino a implantação imediata do benefício no prazo de até trinta dias úteis. Incumbe ao representante judicial do INSS que for intimado desta decisão dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Conclusão
Nego provimento à apelação do INSS e à remessa necessária.
Dou provimento ao recurso adesivo do autor para: a) condenar o INSS ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), atualizado monetariamente e acrescido de juros de mora na forma da fundamentação; b) determinar a implantação imediata do benefício.
Determino, de ofício, a aplicação do IPCA-E para fins de correção monetária, a partir de 30/06/2009.
Uma vez que o INSS restou sucumbente na maior parte do pedido, deve arcar com os honorários advocatícios, no percentual de 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data deste acórdão, nos termos da Súmula n° 111 do STJ e da Súmula n° 76 deste TRF.
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação do INSS e à remessa necessária, dar provimento ao recurso adesivo do autor e, de ofício, determinar a aplicação do IPCA-E, a partir de 30/06/2009, para fins de correção monetária.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9224018v37 e, se solicitado, do código CRC 238A475C. | |
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 14/11/2017
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5004597-64.2013.4.04.7002/PR
ORIGEM: PR 50045976420134047002
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
PRESIDENTE | : | Luiz Fernando Wowk Penteado |
PROCURADOR | : | Dr. João Heliofar Villar |
APELANTE | : | ANTONIO IVAR SARABIA |
ADVOGADO | : | Guilherme Henrique Marques Pinto |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | OS MESMOS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 14/11/2017, na seqüência 403, disponibilizada no DE de 30/10/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E À REMESSA NECESSÁRIA, DAR PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO DO AUTOR E, DE OFÍCIO, DETERMINAR A APLICAÇÃO DO IPCA-E, A PARTIR DE 30/06/2009, PARA FINS DE CORREÇÃO MONETÁRIA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
: | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA | |
: | Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO |
Suzana Roessing
Secretária de Turma
Documento eletrônico assinado por Suzana Roessing, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9245035v1 e, se solicitado, do código CRC 5439C2ED. | |
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