| D.E. Publicado em 11/06/2018 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0002476-13.2015.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | MARIA APARECIDA BENTO |
ADVOGADO | : | Luiz Miguel Vidal |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE TOMAZINA/PR |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. SEGURADO TRABALHADOR RURAL. TEMPO DE ATIVIDADE ANTERIOR À LEI Nº 8.213/1991. LIMITE DE IDADE. RAZOÁVEL INÍCIO DE PROVA MATERIAL. DOCUMENTOS EM NOME DO MARIDO. TRABALHO NA CONDIÇÃO DE BOIA-FRIA. ATIVIDADE RURAL NÃO COMPROVADA EM PARTE DO PERÍODO. TEMPO DE ATIVIDADE ESPECIAL. SERVENTE/AUXILIAR DE LIMPEZA EM HOSPITAL. EXPOSIÇÃO CONTÍNUA E PERMANENTE A AGENTES NOCIVOS. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. UTILIZAÇÃO DE EPI. IMPLANTAÇÃO IMEDIATA DO BENEFÍCIO.
1. Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.
2. Estão abrangidos pelo disposto no § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 todos os beneficiários do antigo PRORURAL: segurado especial, empregado, avulso e eventual rurais, além dos membros do grupo familiar incluídos na categoria de segurado especial, nos termos do art. 11, inciso VII, da mesma Lei.
3. Até o advento da Lei nº 8.213/1991, pode ser reconhecida a prestação de serviço rural por menor a partir de doze anos de idade.
4. Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não admitindo prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. Súmula nº 149 e Tema nº 297 do STJ.
5. O início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido.
6. Prestam-se para o fim de comprovar o exercício da atividade rural da autora as certidões de nascimento e casamento em que o seu marido é qualificado como lavrador, pois ambos trabalhavam na condição de boias-frias para prover a subsistência familiar.
7. Tratando-se de trabalhador rural diarista ou boia-fria, o requisito de início de prova material deve ser abrandado, de acordo com a análise do caso concreto, visto que a atividade é exercida sem qualquer formalização e proteção social. Admite-se a ampliação da eficácia probatória dos documentos apresentados, desde que a prova oral seja convincente e forneça suficiente informação sobre o período carente de prova documental. Súmula nº 577 e Tema nª 554 do STJ.
8. Deve ser afastado o reconhecimento do tempo de serviço rural no período em que o marido da autora exerceu atividade urbana, considerando que a prova oral não esclareceu adequadamente esse ponto e a autora não apresentou início de prova material relativo ao exercício da atividade rurícola no período em questão.
9. O reconhecimento da especialidade e o enquadramento da atividade exercida sob condições nocivas são disciplinados pela lei em vigor à época em que efetivamente exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Até 28/04/1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, admitindo-se qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor); a partir de 29/04/1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, sendo necessária a comprovação da exposição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova e, a partir de 06/03/1997, mediante formulário embasado em laudo técnico ou por meio de perícia técnica.
10. Demonstrada a exposição da segurada a agentes biológicos nocivos, na atividade de auxiliar de limpeza/servente em estabelecimento hospitalar, em razão do contato com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas e com o manuseio de materiais contaminados.
11. Não é factível que a limpeza de materiais, secreções e sangue contaminados e a atuação em dependências do hospital com pacientes doentes fosse realizada de forma eventual ou intermitente, pois essas tarefas integravam o cotidiano do trabalho da autora. Percebe-se que a exposição aos agentes nocivos biológicos era habitual e permanente, já que ínsita ao desenvolvimento das atividades de servente/auxiliar de limpeza no hospital.
12. No caso de profissões desenvolvidas em ambientes hospitalares, em contato habitual e permanente com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas e com o manuseio de materiais contaminados, os equipamentos de proteção individual utilizados não neutralizam por completo a exposição aos agentes nocivos, diante do risco de acidentes em locais contaminados por diversidade de bactérias e vírus, cuja infestação pode se dar por via digestiva, respiratória ou por contato através da pele.
13. O fator de conversão do tempo especial em comum é aquele previsto na legislação em vigor na data concessão do benefício, e não o estabelecido na lei vigente na data da prestação dos serviços.
14. A autora atendeu aos requisitos para a aposentadoria integral por tempo de contribuição, conforme a regra permanente do art. 201, § 7º, da Constituição Federal.
15. A Corte Suprema, no julgamento do RE 870.947/SE (Tema nº 810), reconheceu a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, na parte em que determina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública pelos mesmos índices de remuneração oficial da caderneta de poupança.
16. São aplicáveis as disposições do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, no tocante à taxa de juros de mora.
17. O benefício deve ser implantado imediatamente, diante do disposto no art. 497 do CPC e da ausência de recurso com efeito suspensivo ope legis contra a decisão.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS e à remessa necessária e, de ofício, determinar a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 29 de maio de 2018.
Juiz Federal Convocado Oscar Valente Cardoso
Relator
| Documento eletrônico assinado por Juiz Federal Convocado Oscar Valente Cardoso, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9378957v19 e, se solicitado, do código CRC 30351DBB. | |
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedente o pedido para: a) reconhecer o tempo de serviço laborado pela autora na condição de trabalhadora rural, no período de 03/07/1968 a 30/09/1990; b) reconhecer o tempo de serviço especial, no período de 01/10/1990 a 05/03/2009, e determinar a conversão para tempo de serviço comum pelo fator 1,2; c) condenar o INSS a conceder o benefício de aposentadoria integral por tempo de contribuição à autora, a contar da DER (05/03/2009); c) condenar o INSS a pagar à autora as parcelas atrasadas desde a DER, acrescidas de correção monetária pelo INPC e de juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação (fls. 117/121 e 130/132).
O INSS alega que foi comprovado o trabalho rural somente no período de 31/05/1975 a 30/04/1988. Aponta que o primeiro documento apresentado pela autora, relativo à atividade rural de seu marido, é datado de 1975. Em relação ao termo final, aduz que, a partir de maio de 1988, o marido da autora iniciou trabalho urbano, conforme os dados constantes no CNIS. Salienta que, entre 01/06/1989 a 13/02/1990, o marido da autora trabalhou como empregado em Curitiba, sendo improvável que a autora estivesse trabalhando na lavoura até 1990. Insurge-se contra o reconhecimento da especialidade no período em que a autora trabalhou como servente/auxiliar de limpeza em instituição hospitalar, visto que a atividade desempenhada a submetia, no máximo, ao contato ocasional/intermitente com agentes biológicos, sem exposição causadora de prejuízo ou risco significativo à saúde. Entende impossível o enquadramento no código 3.0.1 do anexo IV do Decreto nº 3.048/1999 (coleta e industrialização de lixo), já que a autora não lidava com a coleta de lixo urbano nas vias públicas. Argumenta que o laudo pericial descreve a utilização de EPI eficaz, o que retira o direito à conversão do tempo de serviço especial. Preconiza a aplicação do índice de correção monetária e de juros de mora estabelecido pelo art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, tendo em vista que o STF ainda não decidiu sobre a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade da EC nº 62/2009, no julgamento das ADI 4.357 e 4.425. Observa, ainda, que a Lei nº 11.960/2009 foi declarada inconstitucional apenas no que se refere ao índice de juros de mora incidente sobre precatórios de natureza tributária.
Em contrarrazões, a autora pugnou pelo não conhecimento do recurso, porquanto o INSS limitou-se a repetir as alegações oferecidas em contestação, deixando de observar o disposto no art. 514, inciso II, do antigo CPC.
Sentença publicada em 21/10/2013.
É o relatório. Peço dia.
Juiz Federal Convocado Oscar Valente Cardoso
Relator
| Documento eletrônico assinado por Juiz Federal Convocado Oscar Valente Cardoso, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9378955v12 e, se solicitado, do código CRC 55A846F8. | |
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VOTO
Tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213/1991
Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. Não obstante o marco final estabelecido seja a entrada em vigor da Lei nº 8.213/1991, o Decreto nº 3.048/1999, no art. 127, inciso V, estendeu a possibilidade de aproveitamento do tempo rural até 31/10/1991.
O legislador ordinário não concedeu uma benesse aos trabalhadores rurais, ao permitir o cômputo de serviço anterior à Lei nº 8.213/1991, mesmo sem o recolhimento de contribuições previdenciárias; apenas concretizou a norma do inciso II do parágrafo único do art. 194 da Constituição de 1988, que assegurou a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços aos trabalhadores urbanos e rurais. No regime anterior à Lei nº 8.213/1991, os trabalhadores rurais contavam somente com o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) instituído pela Lei Complementar nº 11/1971. Os beneficiários do PRORURAL, além do trabalhador rural que exercia a atividade individualmente ou em regime de economia familiar, eram o empregado rural (contratado por produtor rural pessoa física ou jurídica), o avulso rural (contratado mediante a intermediação de sindicato ou órgão gestor de mão de obra) e o trabalhador rural eventual (volante, diarista ou boia-fria). Os benefícios oferecidos pelo PRORURAL não requeriam o pagamento de contribuições, porém eram limitados e tipicamente assistenciais, não prevendo a aposentadoria por tempo de serviço. A regra do § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991, assim, objetiva conciliar a substancial diferença entre o velho e o novo regime previdenciário, no tocante à contagem de tempo de serviço.
Além de todos os beneficiários do antigo PRORURAL, o § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 abarca os membros do grupo familiar, visto que o art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios, define como segurado especial não só o produtor rural que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, mas também o cônjuge ou companheiro e filhos maiores de dezesseis anos ou a ele equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.
A idade mínima de dezesseis anos referida no inciso VII do art. 11 da Lei de Benefícios considera a redação do inciso XXXIII do art. 7º da Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 20/1998. Em relação ao período anterior à Lei nº 8.213/1991, a jurisprudência admite o reconhecimento da atividade rural exercida por menor a partir dos doze anos, pois as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo e não para não prejudicá-lo. Colaciono julgado do STJ amparando esse entendimento:
AGRAVO INTERNO. PREVIDENCIÁRIO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. INOVAÇÃO NO ÂMBITO DO AGRAVO INTERNO. IMPOSSIBILIDADE. RURÍCOLA. LABOR DE MENOR DE 12 ANOS DE IDADE. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
(...)
3. É firme neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido da possibilidade de cômputo do labor rural comprovadamente desempenhado por menor de doze anos de idade.
4. Agravo ao qual se nega provimento.
(AgRg no REsp 1150829/SP, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 14/09/2010, DJe 04/10/2010)
Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não aceitando prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. A legalidade da norma é corroborada pela jurisprudência do STJ, consoante a Súmula nº 149: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário". Em julgado mais recente, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou o entendimento no Tema nº 297 (REsp 1133863/RN, 3ª Seção, Rel. Ministro Celso Limongi, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).
Entende-se que a tarifação da prova imposta pelo § 3º do art. 55 da Lei de Benefícios dirige-se apenas à prova exclusivamente testemunhal. Portanto, o início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural. Dessa forma, os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. Assim, representam início de prova material as certidões de casamento, nascimento, alistamento no serviço militar, do registro de imóveis e do INCRA, escritura de propriedade rural, histórico escolar, declaração da Secretaria de Educação, entre outros documentos públicos.
Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rural nos intervalos próximos ao período efetivamente documentado, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso. A extensão da validade do início da prova material foi objeto da Súmula nº 577 do STJ, in verbis: "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório". Não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória, tanto de forma retrospectiva como prospectiva.
É bem de ver que, para os trabalhadores eventuais, a comprovação do exercício de atividade rural é extremamente dificultosa, justamente porque o vínculo com o contratante dos serviços caracteriza-se pela não habitualidade. Executam as tarefas por curto período de tempo, normalmente um dia, razão pela qual são chamados volantes, diaristas ou boias-frias. São recrutados por agenciadores de mão de obra rural, os "gatos", muitas vezes sequer constituídos como pessoa jurídica. Compreende-se, então, que a escassez do início de prova material é mais um elemento distintivo das relações informais de trabalho do diarista rural. Dada sua peculiar circunstância e notável dificuldade em portar documentos que comprovem sua condição de trabalhador rural diarista, o Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamento de recursos repetitivos, ao julgar o REsp 1321493/PR (Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012), fixou a seguinte tese, relativamente ao trabalhador rural boia-fria:
TEMA 554: Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
No que diz respeito à comprovação do tempo de serviço rural prestado em regime de economia familiar, aceitam-se como início de prova material os documentos apresentados em nome de terceiros, desde que integrem o mesmo núcleo familiar. Eis o teor da Súmula 73 desta Corte: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Em suma, o exercício da atividade rural no período anterior à Lei nº 8.213/1991 pode ser comprovado por qualquer meio documental idôneo que propicie a formação de convencimento do julgador, não se exigindo a demonstração exaustiva dos fatos por todo o período requerido. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos. Nessa senda, a prova oral representa importante subsídio complementar ao início de prova material, devendo formar um conjunto probatório firme e coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.
Caso concreto
A parte autora pleiteou o reconhecimento e a averbação do tempo em que exerceu atividade agrícola, entre 03/07/1968 (quando completou doze anos de idade) a 30/09/1990.
A título de início de prova material, foram juntados aos autos os seguintes documentos:
a) certidão de casamento da autora, em 31/05/1975, em que o seu marido é qualificado profissionalmente como lavrador;
b) certidão de nascimento da filha da autora, em 02/02/1976, constando a qualificação do pai como lavrador;
c) certidão de nascimento da filha da autora, em 07/03/1986, com a qualificação do pai como lavrador;
d) certidão de óbito do marido da autora, em 29/04/2003, constando a qualificação do falecido como lavrador.
Em juízo, foram ouvidas duas testemunhas e colhido o depoimento pessoal da autora.
Valdomiro Pereira Vidal declarou que conhece a autora há bastante tempo, ela era ainda criança, tinha uns 12 anos; ela morava e trabalhava com a mãe e os irmãos na Fazenda do Arthur Ribeiro; o trabalho da autora era carpir, plantar, colher; a família tocava café de "a meia" e vivia somente do trabalho rural; o depoente via a autora trabalhando, quando ia na fazenda; depois que ela se casou, foi para uma fazenda vizinha à propriedade do Arthur; na Fazenda do Joaquim Machado, ela trabalhava com o marido de "a meia", na lavoura de café, e também como boia-fria para os vizinhos; lembra do José Machado, sobrinho do Joaquim, e do José Cervino; a autora estava sempre trabalhando, quando o depoente a via; em 1990, mais ou menos, a autora e o marido se mudaram para a cidade; ela começou a trabalhar no hospital, no serviço de limpeza, mas o marido continuou no trabalho de boia-fria; o depoente não recorda se, quando o marido da autora trabalhou na APAE, ela já estava laborando no hospital; o trabalho na APAE era rural, o marido da autora cuidava da chácara da APAE, não era serviço na cidade.
Luiz Fermino da Cunha disse que conhece a autora desde criança; ela começou a trabalhar com uns 12 anos de idade; ela estudava e também trabalhava; ela parou de estudar para trabalhar; ela trabalhava na lavoura de café e na lavoura branca, plantando, carpindo, fazendo colheita; o pai da autora já era falecido; a autora e os irmãos trabalhavam na fazenda do Arthur Ribeiro; o depoente era vizinho e via a autora trabalhar; ela trabalhou também no sítio do Joaquim Machado; conheceu o marido da autora, o casal trabalhava na Fazenda do Joaquim de arrendo; quando sobrava tempo, a autora trabalhava para outras pessoas por dia; o marido não ia junto; ela já trabalhou para o depoente e para o Dito Sabino; em 1990, mais ou menos, a autora foi trabalhar em Tomazina, no hospital; o marido veio junto para a cidade; não sabe se o marido da autora trabalhou na APAE de Tomazina; o pai da autora faleceu quando ela era bem novinha; até se mudar para a cidade, a autora sempre trabalhou na roça.
Por sua vez, a autora, no depoimento pessoal, contou que nasceu na fazenda do Sr. Arthur Ribeiro; quando tinha uns 04 anos, o pai faleceu, mas a família continuou morando e trabalhando nessa fazenda; estudou até os 12 anos, parando para trabalhar; ela e mais quatro irmãos ajudavam a mãe no sítio; tocavam café e no meio plantavam lavoura branca; o trabalho na roça era a única fonte de renda da família; com 19 anos foi morar e trabalhar na Fazenda do Joaquim Machado, junto com o marido; quando sobravam dias, ia trabalhar para outros proprietários vizinhos; já trabalhou para o José Cervino, Antônio Cruz, José Machado; em 1990 veio embora para a cidade, para que as filhas pudessem estudar; trabalhou no hospital de zeladora; o marido continuou trabalhando de boia-fria no sítio; no hospital, fazia a limpeza e servia os pacientes; levava o almoço, lavava a louça; agora recebe uma pensão do marido que já faleceu; a pensão saiu por ele ser boia-fria.
As razões expendidas na apelação do INSS merecem acolhimento em parte.
O início de prova material não precisa demonstrar a atividade ano a ano, firmando-se a presunção de continuidade do trabalho rural, em razão da notória informalidade que predomina no meio rurícola, desde que não exista período urbano intercalado com rural. As lacunas na prova documental podem ser supridas pela prova testemunhal, contanto que seja firme, consistente e harmônica, fornecendo subsídios relevantes quanto a datas, propriedades em que houve o trabalho, descrição das tarefas desempenhadas, etc.
Conquanto as provas documentais não se refiram a todo o período requerido, conformam o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária. Prestam-se para o fim de comprovar o exercício da atividade rural da autora as certidões de nascimento e casamento em que o seu marido é qualificado como lavrador, pois ambos trabalhavam na condição de boias-frias para prover a subsistência familiar. Ademais, é cediço que, nos registros civis e de atos negociais da época, comumente a mulher era qualificada como "do lar", refletindo a mentalidade patriarcal da sociedade, ainda vigorante nos dias atuais, que não valorizava o trabalho feminino.
Tratando-se de trabalhador rural diarista ou boia-fria, o requisito de início de prova material deve ser abrandado, de acordo com a análise do caso concreto, visto que a atividade é exercida sem qualquer formalização e proteção social. Admite-se a ampliação da eficácia probatória dos documentos apresentados, desde que a prova oral seja convincente e forneça suficiente informação sobre o período carente de prova documental.
No caso dos autos, embora a autora não tenha trazido aos autos provas documentais da atividade no período de 1968 a 1974, as testemunhas presenciaram o labor da demandante desde criança, relatando que ela trabalhou em propriedade de terceiros, contribuindo com seu labor para o próprio sustento, assim como da mãe e dos irmãos. Após o casamento, passou a exercer a atividade rurícola juntamente com o marido. Percebe-se a coesão do depoimento das testemunhas com o início de prova material, permitindo a formação de firme convencimento acerca da continuidade do trabalho rural no lapso temporal entre 03/07/1968 a 01/05/1988.
Em relação ao período posterior a 02/05/1988, consta no CNIS que o marido da autora exerceu atividade urbana, primeiramente na APAE de Tomazina e após em empresas de construção civil com sede em Curitiba. Embora a testemunha Valdomiro Pereira Vidal tenha afirmado que o trabalho na APAE de Tomazina era prestado em uma chácara, o vínculo não tem natureza rural, visto que somente a atividade produtiva voltada à agropecuária pode ser enquadrada como tal. Por outro lado, não se sabe se o local de trabalho do autor, quando prestou serviços para empresas de construção civil sediadas em Curitiba, era efetivamente desempenhado em Tomazina. Considerando que a prova oral não esclareceu adequadamente esses pontos e a autora não apresentou início de prova material relativo ao exercício da atividade rurícola no período em questão, deve ser afastado o reconhecimento do tempo de serviço rural entre 02/05/1988 a 30/09/1990.
Assim, a sentença deve ser reformada em parte, para afastar o reconhecimento do tempo de serviço rural entre 02/05/1988 a 30/09/1990.
Tempo de atividade especial
O reconhecimento da especialidade obedece à disciplina legal vigente à época em que a atividade foi exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a vigência de certa legislação, o segurado adquire o direito à contagem na forma estabelecida, bem como à comprovação das condições de trabalho como então exigido, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial. Nesse sentido, a orientação adotada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (AR 3320/PR, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 24/9/2008) e pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (EINF 2005.71.00.031824-5/RS, Terceira Seção, Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 18/11/2009).
A evolução legislativa da matéria apresenta os seguintes marcos temporais:
a) até 28/04/1995, quando esteve vigente a Lei nº 3.807/1960 (LOPS) e suas alterações e, posteriormente, a Lei nº 8.213/1991 (LBPS), em sua redação original (artigos 57 e 58), era possível o reconhecimento da especialidade do trabalho mediante a comprovação do exercício de atividade prevista como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial ou, ainda, quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova. Para os agentes nocivos ruído e calor, é necessário mensurar os seus níveis por meio de perícia técnica, documentada nos autos ou informada em formulário emitido pela empresa, a fim de verificar a nocividade dos agentes envolvidos;
b) entre 29/04/1995 a 05/03/1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei nº 9.032/1995 no artigo 57 da LBPS, torna-se necessária a demonstração efetiva da exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima. Foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção das atividades a que se refere a Lei nº 5.527/1968, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13/10/1996, data imediatamente anterior à publicação da Medida Provisória nº 1.523, de 14/10/1996, que a revogou expressamente;
c) a partir de 06/03/1997, data da entrada em vigor do Decreto nº 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da LBPS pela Medida Provisória nº 1.523/1996 (convertida na Lei nº 9.528/1997), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
Para que se caracterize a habitualidade e a permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física (referidas no artigo 57, § 3º, da Lei n° 8.213/91), a exposição ao agente nocivo deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho, e em muitas delas a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível (EINF n.º 0003929-54.2008.404.7003, TRF/4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Rogério Favreto, D.E. 24-10-2011; EINF n.º 2007.71.00.046688-7, TRF/4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07-11-2011). Em suma, somente se a exposição ao agente nocivo for eventual ou ocasional, está afastada a especialidade do tempo de serviço.
Ademais, conforme o tipo de atividade, a exposição ao respectivo agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade, não sendo razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (EINF n° 2005.72.10.000389-1, TRF/4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. 18-05-2011; EINF n° 2008.71.99.002246-0, TRF/4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 08-01-2010).
Registre-se que, após 28/05/1998, é possível a conversão de tempo especial para comum, porque, embora o art. 28 da MP nº 1.663-10 tenha determinado, de maneira expressa, a revogação do § 5º do artigo 57 da Lei nº 8.213/1991, não se manteve tal determinação na respectiva lei de conversão (Lei nº 9.711/1998).
Por outro lado, a atual redação do artigo 70 do Decreto nº 3.048/1999 estabelece que as regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período. Dessa forma, o fator de conversão do tempo especial em comum a ser utilizado é aquele previsto na legislação vigente na data concessão do benefício - e não o contido na legislação vigente quando o serviço foi prestado. A propósito, a questão já foi pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de Recurso Especial Repetitivo (REsp 1310034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 24/10/2012, DJe 19/12/2012), vindo-se a editar a seguinte tese: A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço.
De acordo com o art. 70 do Decreto nº 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto nº 4.827/2003, o fator de conversão a ser observado é de 1,4 para o homem e de 1,2 para a mulher (considerando, em ambos os casos, o exercício de atividade que ensejaria a aposentadoria especial em 25 anos).
Caso concreto
A autora postulou o reconhecimento da especialidade do tempo de serviço no período de 01/10/1990 a 05/03/2009, em que trabalhou no Hospital São Vicente de Paula, em Tomazina, no cargo de servente/auxiliar de limpeza, comprovado por meio de Perfil Profissiográfico Previdenciário e de laudo técnico pericial realizado para fins de aposentadoria especial.
O PPP informa que a autora executava trabalhos de limpeza em geral em todas as dependências do hospital, tais como enfermarias, banheiros, corredores, salas, etc, atuando ainda na coleta de lixo dos depósitos, exposta a bactérias e vírus e a produtos de limpeza, com a utilização de EPI eficaz.
O laudo técnico pericial enumera as atividades desenvolvidas pela autora: controle das roupas dos pacientes, com especial risco na remoção das roupas sujas para local adequado; limpeza dos recipientes coletores de dejetos dos pacientes; limpeza/desinfecção dos fluidos corporais (vômitos, urina, fezes, sangue, catarro e outras secreções) acidentalmente extravasadas para o ambiente, móveis e outros utensílios; limpeza/desinfecção de sanitários; limpeza de quartos e enfermarias; limpeza do escritório; ajuda na lavanderia. Indica a exposição aos seguintes agentes nocivos: vírus, bactérias, fungos e outros microorganismos responsáveis por doenças transmissíveis através de contato frequente com pacientes infectados, material infectocontagiante, sangue e secreções contaminadas. Afirma que a empresa fornece os equipamentos de proteção individual recomendados que permitem a realização dos trabalhos, embora não eliminem os riscos da exposição aos agentes biológicos nocivos. Conclui que, conforme a NR-15, Anexo 14, os trabalhos e operações em contato habitual e permanente, não ocasional e não intermitente, com pacientes, em hospitais, enfermarias e ambulatórios, são caracterizados como insalubridade de grau médio pela avaliação qualitativa, nos quais se enquadra a autora.
Segundo o disposto no Decreto nº 83.080/1979, Anexo I, código 1.3.4, o segurado que trabalha com exposição a doentes e materiais infectocontagiantes tem direito à aposentadoria especial com tempo mínimo de trabalho de 25 anos. Já o Decreto nº 3.048/1999, no Anexo IV, código 3.01, considera especial o trabalho com exposição a microorganismos em estabelecimentos de saúde, em contato com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas ou com manuseio de materiais contaminados.
Não procede o argumento do INSS no sentido de que o contato com agentes biológicos, na atividade de servente/auxiliar de limpeza em instituição hospitalar, era ocasional/intermitente. Não é factível que a limpeza de materiais, secreções e sangue contaminados e a atuação em dependências do hospital com pacientes doentes fosse realizada de forma eventual ou intermitente, pois essas tarefas integravam o cotidiano do trabalho da autora. Percebe-se que a exposição aos agentes nocivos biológicos era ínsita ao desenvolvimento das atividades de servente/auxiliar de limpeza no hospital. Nesse sentido, já decidiu esta Corte:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PRESCRIÇÃO. TEMPO ESPECIAL. LIMPEZA HOSPITALAR. AGENTES BIOLÓGICOS. EPI. CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL EM COMUM. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REVISÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DIFERIMENTO. CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO. HONORÁRIOS.
1. Estão prescritas eventuais diferenças nas parcelas vencidas antes dos últimos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação.
2. O desempenho de atividades profissionais no interior de um Hospital, na condição de serviços gerais de limpeza, enseja o enquadramento nos Códigos 1.3.2 do Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64, 1.3.4 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79, 3.0.1 do Anexo IV do Decreto 2.172/97 e 3.0.1 do Anexo IV do Decreto 3.048/99 (Microorganismos e parasitas infecciosos vivos e suas toxinas), devendo ser utilizado o fator de conversão 1,20.
3. Os equipamentos de proteção individual não são suficientes, por si só, para descaracterizar a especialidade da atividade desempenhada pelo segurado, devendo cada caso ser apreciado em suas particularidades.
4. Comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade da atividade laboral por ele exercida.
5. Os equipamentos de proteção individual não são suficientes, por si só, para descaracterizar a especialidade da atividade desempenhada pelo segurado, devendo cada caso ser apreciado em suas particularidades.
6. A conversão de tempo de serviço especial em comum é admitida, inclusive, para os períodos anteriores a 10/12/1980 e posteriores a 28/05/1998.
7. O segurado pode optar pela forma de cálculo mais vantajosa da aposentadoria por tempo de contribuição, de acordo com o direito adquirido antes da EC 20/98 ou antes ou depois da Lei 9.876/99, para a concessão do benefício a partir da data de entrada do requerimento administrativo.
8. Deliberação sobre índices de correção monetária e taxas de juros diferida para a fase de cumprimento de sentença, a iniciar-se com a observância dos critérios da Lei 11.960/2009, de modo a racionalizar o andamento do processo, permitindo-se a expedição de precatório pelo valor incontroverso, enquanto pendente, no Supremo Tribunal Federal, decisão sobre o tema com caráter geral e vinculante. Precedentes do STJ e do TRF da 4ª Região.
9. Determinado o cumprimento imediato do acórdão no tocante à revisão do benefício, a ser efetivada em 45 dias, nos termos do artigo 497, caput, do novo Código de Processo Civil, assegurado o direito à manutenção de benefício mais vantajoso, eventualmente já concedido na via administrativa.
(TRF4 5042106-26.2013.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relator EZIO TEIXEIRA, juntado aos autos em 25/04/2017)
No caso de profissões desenvolvidas em ambientes hospitalares, em contato habitual e permanente com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas e com o manuseio de materiais contaminados, os equipamentos de proteção individual utilizados não neutralizam por completo a exposição aos agentes nocivos, diante do risco de acidentes em locais contaminados por diversidade de bactérias e vírus, cuja infestação pode se dar por via digestiva, respiratória ou por contato através da pele. Nessa esteira, colaciono o seguinte julgado:
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL. AGENTES BIOLÓGICOS. TRANSFORMAÇÃO DE APOSENTADORIA POR IDADE EM APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. LEI 11.960/09. CRITÉRIOS DE ATUALIZAÇÃO. DIFERIMENTO PARA A FASE PRÓPRIA (EXECUÇÃO).
1. Comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade da atividade laboral por ele exercida.
2. Em se tratando de agentes biológicos, o enquadramento decorre do fato do labor ter sido prestado em ambiente hospitalar, onde é notória a presença de germes infecciosos ou parasitários humanos-animais e onde o risco de contágio é inerente às atividades prestadas, sendo desnecessário que o contato se dê de forma permanente, já que o risco de acidente independe do tempo de exposição. (...)
(AC n° 2009.72.99.000176-1, TRF/4ª Região, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene, D.E. de 05-10-2016)
Assim, reconheço a especialidade das atividades desenvolvidas pela autora no período de 01/10/1990 a 05/03/2009.
Requisitos para a concessão do benefício
O INSS reconheceu, na data do requerimento administrativo (05/03/2009), o tempo de contribuição correspondente a 18 anos e 05 meses e a carência de 219 meses.
O tempo de atividade rural (03/07/1968 a 01/05/1988) perfaz 19 anos, 09 meses e 29 dias.
A soma do tempo de serviço, após a conversão do período de atividade especial (fator 1,2), resulta em 41 anos, 11 meses e 05 dias de tempo de contribuição.
Logo, na data do requerimento administrativo (05/03/2009), a autora atendeu aos requisitos para a aposentadoria integral por tempo de contribuição, conforme a regra permanente do art. 201, § 7º, da Constituição Federal.
Conquanto o período de 02/05/1988 a 30/09/1990 não tenha integrado o cálculo do tempo de contribuição, deve ser mantida a sentença que condenou o INSS a conceder à autora o benefício de aposentadoria integral por tempo de contribuição.
Consectários legais
Correção Monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelo INPC a partir de 4-2006 (Lei n.º 11.430/06, que acrescentou o artigo 41-A à Lei n.º 8.213/91), conforme decisão do STF no RE nº 870.947, DJE de 20-11-2017 e do STJ no REsp nº 1.492.221/PR, DJe de 20-3-2018.
Juros Moratórios
a) os juros de mora, de 1% (um por cento) ao mês, serão aplicados a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29-6-2009;
b) a partir de 30-6-2009, os juros moratórios serão computados de acordo com os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme dispõe o artigo 5º da Lei nº 11.960/09, que deu nova redação ao artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, consoante decisão do STF no RE nº 870.947, DJE de 20-11-2017 e do STJ no REsp nº 1.492.221/PR, DJe de 20-3-2018.
Implantação imediata do benefício
Assim dispõe o art. 497 do CPC:
Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.
Por sua vez, a Terceira Seção desta Corte pacificou o entendimento neste sentido:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. ART. 461 do CPC. TUTELA ESPECÍFICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. EFICÁCIA PREPONDERANTEMENTE MANDAMENTAL DO PROVIMENTO. CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO. POSSIBILIDADE. REQUERIMENTO DO SEGURADO. DESNECESSIDADE.
1. Atento à necessidade de aparelhar o processo de mecanismos preordenados à obtenção do resultado prático equivalente à situação jurídica que se verificaria caso o direito material tivesse sido observado espontaneamente pelo "devedor" através da realização da conduta imposta pelo direito material, o legislador, que já havia, na época da edição do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) instituído a tutela específica do direito do "credor" de exigir o cumprimento dos deveres de fazer ou não fazer decorrentes de relação de consumo, inseriu no ordenamento processual positivo, por meio da alteração no art. 461 do Código de Processo Civil operada pela Lei 8.952/94, a tutela específica para o cumprimento dos deveres de fazer ou não fazer decorrentes das relações do direito material que não as de consumo.
2. A adoção da tutela específica pela reforma processual de 1994 do CPC veio para suprir, em parte, a morosidade judicial, na proporção em que busca dar ao cidadão aquilo e somente aquilo que lhe é devido, tirando o direito do plano genérico-abstrato da norma, conferindo-lhe efeitos concretos, com o fito de lhe garantir a mesma conseqüência do que aquela que seria obtida pelo adimplemento voluntário.
3. A sentença que concede um benefício previdenciário (ou assistencial), em regra, compõe-se de uma condenação a implantar o referido benefício e de outra ao pagamento das parcelas atrasadas. No tocante à determinação de implantação do benefício (para o futuro, portanto), a sentença é condenatória mandamental e será efetiva mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 461 do CPC, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo).
4. A respeito do momento a partir do qual se poderá tornar efetiva a sentença, na parte referente à implantação futura do benefício, a natureza preponderantemente mandamental da decisão não implica automaticamente o seu cumprimento imediato, pois há de se ter por referência o sistema processual do Código, não a Lei do Mandado de Segurança, eis que a apelação de sentença concessiva do benefício previdenciário será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo, nos termos do art. 520, caput, primeira parte, do CPC, motivo pelo qual a ausência de previsão de efeito suspensivo ex lege da apelação, em casos tais, traz por conseqüência a impossibilidade, de regra, do cumprimento imediato da sentença.
5. Situação diversa ocorre, entretanto, em segundo grau, visto que o acórdão que concede o benefício previdenciário, que esteja sujeito apenas a recurso especial e/ou recurso extraordinário, enseja o cumprimento imediato da determinação de implantar o benefício, ante a ausência, via de regra, de efeito suspensivo daqueles recursos, de acordo com o art. 542, § 2º, do CPC. Tal cumprimento não fica sujeito, pois, ao trânsito em julgado do acórdão, requisito imprescindível apenas para a execução da obrigação de pagar (os valores retroativamente devidos) e, consequentemente, para a expedição de precatório e de requisição de pequeno valor, nos termos dos parágrafos 1º, 1º-A e 3º do art. 100 da Constituição Federal.
6. O cumprimento imediato da tutela específica, diversamente do que ocorre no tocante à antecipação de tutela prevista no art. 273 do CPC, independe de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário, pois aquele é inerente ao pedido de que o réu seja condenado a conceder o benefício previdenciário, e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC. Em suma, a determinação da implantação imediata do benefício contida no acórdão consubstancia, tal como no mandado de segurança, uma ordem (à autarquia previdenciária) e decorre do pedido de tutela específica (ou seja, o de concessão do benefício) contido na petição inicial da ação.
7. Questão de ordem solvida para que, no tocante à obrigação de implantar (para o futuro) o benefício previdenciário, seja determinado o cumprimento imediato do acórdão sujeito apenas a recurso especial e/ou extraordinário, independentemente de trânsito em julgado e de pedido específico da parte autora.
(TRF4, AC 2002.71.00.050349-7, 3ª Seção, relator para acórdão Des. Federal Celso Kipper, D.E. 01/10/2007)
Dessa forma, considerando as disposições do art. 497 do CPC e a ausência de recurso com efeito suspensivo ope legis, determino a implantação imediata do benefício no prazo de até trinta dias úteis. Incumbe ao representante judicial do INSS que for intimado desta decisão dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Conclusão
Dou parcial provimento à apelação do INSS e à remessa necessária, para: a) afastar o reconhecimento do tempo de serviço rural entre 02/05/1988 a 30/09/1990; b) determinar a aplicação dos consectários legais nos termos da decisão do STF no RE nº 870.947, DJE de 20-11-2017 e do STJ no REsp nº 1.492.221/PR, DJe de 20-3-2018.
Determino, de ofício, a imediata implantação da aposentadoria.
Diante da sucumbência mínima da parte autora, mantenho a condenação do INSS ao pagamento de honorários advocatícios e de custas processuais, na forma estabelecida na sentença.
Dispositivo
Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação do INSS e à remessa necessária e, de ofício, determinar a imediata implantação do benefício.
Juiz Federal Convocado Oscar Valente Cardoso
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 29/05/2018
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0002476-13.2015.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00005823920098160171
RELATOR | : | Juiz Federal OSCAR VALENTE CARDOSO |
PRESIDENTE | : | Luiz Fernando Wowk Penteado |
PROCURADOR | : | Dr. Claudio Dutra Fontella |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | MARIA APARECIDA BENTO |
ADVOGADO | : | Luiz Miguel Vidal |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE TOMAZINA/PR |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 29/05/2018, na seqüência 693, disponibilizada no DE de 14/05/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E À REMESSA NECESSÁRIA E, DE OFÍCIO, DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiz Federal OSCAR VALENTE CARDOSO |
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal OSCAR VALENTE CARDOSO |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
Suzana Roessing
Secretária de Turma
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