APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5045424-79.2015.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | JOAO PEREIRA ESTEVAM |
ADVOGADO | : | EVANDRO CESAR MELLO DE OLIVEIRA |
: | HELDER MASQUETE CALIXTI | |
APELADO | : | OS MESMOS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. SEGURADO TRABALHADOR RURAL. TEMPO DE ATIVIDADE ANTERIOR À LEI Nº 8.213/1991. LIMITE DE IDADE. RAZOÁVEL INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. DOCUMENTOS EM NOME DE TERCEIROS. PROVA ORAL HARMÔNICA E COERENTE. data de início do benefício. prescrição. CONSECTÁRIOS LEGAIS.
1. Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.
2. Estão abrangidos pelo disposto no § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 todos os beneficiários do antigo PRORURAL: segurado especial, empregado, avulso e eventual rurais, além dos membros do grupo familiar incluídos na categoria de segurado especial, nos termos do art. 11, inciso VII, da mesma Lei.
3. Até o advento da Lei nº 8.213/1991, pode ser reconhecida a prestação de serviço rural por menor a partir de doze anos de idade.
4. Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não admitindo prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. Súmula nº 149 e Tema nº 297 do STJ.
5. O início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido.
6. Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo, quando realizado em regime de economia familiar, justifica a mitigação da exigência de prova documental.
7. É possível a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, para alcançar período anterior ou posterior aos documentos apresentados, se a prova testemunhal for favorável ao segurado. Súmula nº 577 do STJ.
8. Aceitam-se como início de prova material os documentos apresentados em nome de terceiros, desde que integrem o mesmo núcleo familiar. Entendimento consolidado na Súmula 73 desta Corte.
9. A prova oral complementa os subsídios colhidos dos elementos materiais de prova, devendo formar um conjunto probatório coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.
10. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos.
11. Havendo divergência quanto à data de início na atividade rural, caberia ao INSS esclarecer o ponto, inquirindo o autor na audiência de instrução. Embora deferido o pedido de depoimento pessoal do autor, o INSS deixou de comparecer na audiência. Portanto, não pode invocar o teor do depoimento prestado em outro processo, cujo pedido não abrangia o período de atividade rural pleiteado nesta demanda, como fato admitido e confessado pela parte.
12. A data de início do benefício, conforme a regra geral aplicável à aposentadoria por idade, tempo de serviço/contribuição e especial, é a data da entrada do requerimento (DER), segundo dispõe o art. 49, inciso II, combinado com o art. 54 da Lei nº 8.213/1991. Se o segurado já havia cumprido todos os requisitos exigidos pela legislação para a concessão do benefício, o direito já estava aperfeiçoado e incorporado ao seu patrimônio jurídico no momento do pedido administrativo.
13. Reconhecida de ofício a prescrição quinquenal, com fundamento no parágrafo único do art. 103 da Lei nº 8.213/1991 e nos §§ 1º e 5º do art. 219 do antigo CPC.
14. A Corte Suprema, no julgamento do RE 870.947/SE (Tema nº 810), reconheceu a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, na parte em que determina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública pelos mesmos índices de remuneração oficial da caderneta de poupança.
15. Incide a variação do IPCA-E, a partir de 30/06/2009, conforme a decisão no RE 870.947, julgado em 20/09/2017, para fins de correção monetária.
16. São aplicáveis as disposições do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, no tocante à taxa de juros de mora.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS e à remessa necessária, dar provimento à apelação do autor e, de ofício, reconhecer a prescrição quinquenal e determinar a correção monetária pelo IPCA-E a partir de 30/06/2009, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 31 de outubro de 2017.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9205539v8 e, se solicitado, do código CRC FD04F4D3. | |
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5045424-79.2015.4.04.9999/PR
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ADVOGADO | : | EVANDRO CESAR MELLO DE OLIVEIRA |
: | HELDER MASQUETE CALIXTI | |
APELADO | : | OS MESMOS |
RELATÓRIO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
Trata-se de apelações interpostas contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para: a) reconhecer o período de atividade rural exercido pelo autor de 23/01/1960 a 31/12/1966 e determinar ao INSS a sua averbação; b) condenar a autarquia ré a conceder ao autor o benefício de aposentadoria integral por tempo de contribuição, desde a data do requerimento administrativo (23/09/2010), e a pagar as parcelas vencidas com correção monetária pelo INPC e juros de mora de 1% ao mês, a partir da data da citação. A sentença homologou os períodos de atividades exercidas em condições especiais entre 14/05/1979 a 04/01/1980 e 15/04/1980 a 04/04/1988, já reconhecidos pelo INSS.
O autor aduz que fazia jus à aposentadoria por tempo de contribuição desde o primeiro requerimento administrativo, visto que, somado o tempo de atividade rural reconhecido nesta demanda e no processo nº 2006.70.51.003200-3, bem como o tempo de contribuição e de atividade especial admitido pelo INSS, possuía 36 anos, 03 meses e 22 dias na DER em 21/01/2005, suficiente para a aposentadoria integral, conforme o art. 201, § 7º, da Constituição Federal. Pleiteia a condenação do INSS a conceder e implantar o benefício desde o primeiro requerimento, ou, ao menos, a partir da segunda DER, em 02/04/2009.
O INSS sustenta que, para comprovar o exercício de atividade rural, deve a parte apresentar documentos suficientes que possam servir de início razoável de prova material, como exigido pelo § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991. Aduz que somente se admite a prova testemunhal para fins de comprovação de tempo de serviço, quando corroborada por documentos contemporâneos aos fatos alegados. Alega que o termo inicial e final do tempo de serviço rural deve ser fixado com base em início de prova material. Pugna pela exclusão do período anterior a 1964, porque há início de prova material apenas a partir desse ano e o próprio demandante confessou em audiência que começou a trabalhar em 1962. Por fim, pede que seja determinada a aplicação de juros de 0,5% ao mês mais TR, para fins de juros e correção monetária. Argumenta que o STF, nas ADI 4.357 e 4.425, declarou a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, somente para a correção dos créditos no período de trâmite constitucional do precatório.
Com contrarrazões da parte autora, vieram os autos a esta Corte, ainda, por força da remessa necessária, nos termos do art. 475, inciso I, do antigo CPC.
É o relatório. Peço dia.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
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APELADO | : | OS MESMOS |
VOTO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
Tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213/1991
Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. Não obstante o marco final estabelecido seja a entrada em vigor da Lei nº 8.213/1991, o Decreto nº 3.048/1999, no art. 127, inciso V, estendeu a possibilidade de aproveitamento do tempo rural até 31/10/1991.
O legislador ordinário não concedeu uma benesse aos trabalhadores rurais, ao permitir o cômputo de serviço anterior à Lei nº 8.213/1991, mesmo sem o recolhimento de contribuições previdenciárias; apenas concretizou a norma do inciso II do parágrafo único do art. 194 da Constituição de 1988, que assegurou a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços aos trabalhadores urbanos e rurais. No regime anterior à Lei nº 8.213/1991, os trabalhadores rurais contavam somente com o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) instituído pela Lei Complementar nº 11/1971. Os beneficiários do PRORURAL, além do trabalhador rural que exercia a atividade individualmente ou em regime de economia familiar, eram o empregado rural (contratado por produtor rural pessoa física ou jurídica), o avulso rural (contratado mediante a intermediação de sindicato ou órgão gestor de mão de obra) e o trabalhador rural eventual (volante, diarista ou boia-fria). Os benefícios oferecidos pelo PRORURAL não requeriam o pagamento de contribuições, porém eram limitados e tipicamente assistenciais, não prevendo a aposentadoria por tempo de serviço. A regra do § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991, assim, objetiva conciliar a substancial diferença entre o velho e o novo regime previdenciário, no tocante à contagem de tempo de serviço.
Além de todos os beneficiários do antigo PRORURAL, o § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 abarca os membros do grupo familiar, visto que o art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios, define como segurado especial não só o produtor rural que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, mas também o cônjuge ou companheiro e filhos maiores de dezesseis anos ou a ele equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.
A idade mínima de dezesseis anos referida no inciso VII do art. 11 da Lei de Benefícios considera a redação do inciso XXXIII do art. 7º da Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 20/1998. Em relação ao período anterior à Lei nº 8.213/1991, a jurisprudência admite o reconhecimento da atividade rural, em regime de economia familiar, exercida por menor a partir dos doze anos, pois as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo e não para não prejudicá-lo. Colaciono julgado do STJ amparando esse entendimento:
AGRAVO INTERNO. PREVIDENCIÁRIO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. INOVAÇÃO NO ÂMBITO DO AGRAVO INTERNO. IMPOSSIBILIDADE. RURÍCOLA. LABOR DE MENOR DE 12 ANOS DE IDADE. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
(...)
3. É firme neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido da possibilidade de cômputo do labor rural comprovadamente desempenhado por menor de doze anos de idade.
4. Agravo ao qual se nega provimento.
(AgRg no REsp 1150829/SP, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 14/09/2010, DJe 04/10/2010)
Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não aceitando prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. A legalidade da norma é corroborada pela jurisprudência do STJ, consoante a Súmula nº 149: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário". Em julgado mais recente, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou o entendimento no Tema nº 297 (REsp 1133863/RN, 3ª Seção, Rel. Ministro Celso Limongi, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).
Entende-se que a tarifação da prova imposta pelo § 3º do art. 55 da Lei de Benefícios dirige-se apenas à prova exclusivamente testemunhal. Portanto, o início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural. Dessa forma, os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. Assim, representam início de prova material as certidões de casamento, nascimento, alistamento no serviço militar, do registro de imóveis e do INCRA, escritura de propriedade rural, histórico escolar, declaração da Secretaria de Educação, entre outros documentos públicos.
Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rural nos intervalos próximos ao período efetivamente documentado, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso. A extensão da validade do início da prova material foi objeto da Súmula nº 577 do STJ, in verbis: "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório". Não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória, tanto de forma retrospectiva como prospectiva.
É bem de ver que, para os trabalhadores eventuais, a comprovação do exercício de atividade rural é extremamente dificultosa, justamente porque o vínculo com o contratante dos serviços caracteriza-se pela não habitualidade. Executam as tarefas por curto período de tempo, normalmente um dia, razão pela qual são chamados volantes, diaristas ou boias-frias. São recrutados por agenciadores de mão de obra rural, os "gatos", muitas vezes sequer constituídos como pessoa jurídica. Compreende-se, então, que a escassez do início de prova material é mais um elemento distintivo das relações informais de trabalho do diarista rural. Dada sua peculiar circunstância e notável dificuldade em portar documentos que comprovem sua condição de trabalhador rural diarista, o Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamento de recursos repetitivos, ao julgar o REsp 1321493/PR (Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012), fixou a seguinte tese, relativamente ao trabalhador rural boia-fria:
TEMA 554: Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
No que diz respeito à comprovação do tempo de serviço rural prestado em regime de economia familiar, aceitam-se como início de prova material os documentos apresentados em nome de terceiros, desde que integrem o mesmo núcleo familiar. Eis o teor da Súmula 73 desta Corte: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Em suma, o exercício da atividade rural no período anterior à Lei nº 8.213/1991 pode ser comprovado por qualquer meio documental idôneo que propicie a formação de convencimento do julgador, não se exigindo a demonstração exaustiva dos fatos por todo o período requerido. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos. Nessa senda, a prova oral representa importante subsídio complementar ao início de prova material, devendo formar um conjunto probatório firme e coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.
Caso concreto
A parte autora pleiteou o reconhecimento e a averbação do tempo de atividade rural exercido entre 23/01/1960 a 31/12/1966, em que trabalhou como porcenteiro na lavoura de café, em regime de economia familiar, em propriedade de terceiro, bem como a ratificação do tempo de serviço rural entre 01/01/1967 a 31/12/1974, já reconhecido no processo nº 2006.70.51.003200-3.
A título de início de prova material, foram juntados aos autos os seguintes documentos:
a) ata de exames e provas finais da Escola da Fazenda São Francisco, distrito de Cambé, Município de Cambé/PR, com data de 27/11/1958 e 12/11/1960, em que o autor estudou (evento 1, out2, fl. 07/09);
b) certidão de casamento da irmã do autor, em 14/02/1964, na qual o pai da nubente é qualificado como lavrador (evento 1, out2, fl. 10);
c) certidão de casamento do irmão do autor, em 25/09/1967, na qual o irmão e o pai do autor são qualificado como lavradores (evento 1, out2, fl. 11);
d) ata de audiência de instrução realizada em 03/10/2006, nos autos do processo nº 2006.70.51.003200-3, em que foram ouvidas três testemunhas e colhido o depoimento pessoal do autor (evento 1, out2, fl. 12/13; out7, fl. 10/20; out8, fl. 01/04).
Em juízo, foram ouvidas duas testemunhas.
A testemunha Sebastião Cristino da Silva afirmou que conhece o autor na Água do Jaborandi, em Cambé, desde 1961; morava em propriedade próxima da Fazenda Água da Alegria, onde o autor e a família residiam; o autor era porcenteiro de café, junto com a família; o autor carpia, colhia café; a família não usava maquinário nem contratava empregados; o depoente saiu da região em 1963 ou 1964, mas o autor continuou trabalhando na fazenda; acha que a família ficou na fazenda por uns quinze anos.
A testemunha Venino Feliciano de Lima, ouvido como informante, disse que conhece o autor desde 1961; morava na Fazenda Santa Helena e o autor no Sítio Água da Alegria, pertencente ao Sr. Caneloci; o autor tocava junto com a família de oito a doze mil pés de café, em regime de porcentagem; também plantava arroz, feijão, milho; toda a família trabalhava na lavoura; não tinham empregados e não utilizavam maquinário; a renda da família provinha somente da atividade rural; a testemunha saiu da área rural em 1978; o autor continuou trabalhando na propriedade; não sabe quando o autor saiu da área rural.
Os argumentos expendidos pelo INSS na apelação não merecem prosperar. Embora alguns documentos estejam em nome do pai e de irmãos do autor, podem ser aceitos como início de prova material, visto que a atividade rural era exercida em regime de economia familiar. Por sua vez, o início de prova material abarca todo o período pleiteado, considerando que a ata de exames escolares prestados pelo autor refere-se ao ano de 1960.
Conquanto o autor tenha afirmado que começou a trabalhar na lavoura em 1962na audiência realizada no processo nº 2006.70.51.003200-3, a declaração não implica confissão do fato, visto que não foi formalizada mediante termo nos autos. Havendo divergência quanto à data de início na atividade rural, caberia ao INSS esclarecer o ponto, inquirindo o autor na audiência de instrução. No caso, o juízo a quo deferiu o pedido de depoimento pessoal do autor, porém o INSS deixou de comparecer na audiência. Portanto, não pode invocar o teor do depoimento prestado em outro processo, cujo pedido não abrangia o período de atividade rural pleiteado neste processo, como fato admitido e confessado pela parte.
No caso dos autos, o conjunto probatório está alicerçado em razoável início de prova material, complementado por prova testemunhal firme e coerente, hábil a produzir o convencimento quanto ao efetivo exercício do labor rural, sem interrupção, no período de 23/01/1960 (quando o autor completou doze anos) a 31/12/1966.
Requisitos para a concessão do benefício
O autor apresentou três requerimentos administrativos de aposentadoria por tempo de contribuição. Na DER de 21/01/2005, o INSS apurou o tempo de contribuição de 17 anos, 11 meses e 12 dias e a carência de 227 meses; na DER de 02/04/2009 e de 23/09/2010, o tempo de contribuição de 30 anos, 03 meses e 29 dias e a carência de 240 meses.
Não há controvérsia quanto ao tempo exercido em condições especiais, convertido pelo fator 1,4, nos períodos de 14/05/1979 a 04/01/1980 e de 15/04/1980 a 02/04/1988, já admitido pelo INSS nos requerimentos administrativos de 04/04/2009 e 23/09/2010. Também é incontroverso o tempo de atividade rural entre 01/01/1967 a 31/12/1974, reconhecido por decisão judicial no processo nº 2006.70.51.003200-3.
O tempo de atividade rural discutido nesta demanda (23/01/1960 a 31/12/1966) corresponde a 06 anos, 11 meses e 09 dias. A soma do tempo de serviço rural e urbano resulta, na DER de 21/01/2005, em 36 anos, 11 meses e 09 dias de tempo de contribuição; na DER de 02/04/2009, em 37 anos, 03 meses e 08 dias
Logo, o autor, em 21/01/2005 (primeira DER), preencheu os requisitos para a concessão de aposentadoria integral por tempo de contribuição, de acordo com a regra permanente do art. 201, § 7º, da Constituição Federal, com a incidência do fator previdenciário.
Assinalo que a data de início do benefício, conforme a regra geral aplicável à aposentadoria por idade, tempo de serviço/contribuição e especial, é a data da entrada do requerimento (DER), segundo dispõe o art. 49, inciso II, combinado com o art. 54 da Lei nº 8.213/1991. Se o segurado já havia cumprido todos os requisitos exigidos pela legislação para a concessão do benefício, o direito já estava aperfeiçoado e incorporado ao seu patrimônio jurídico no momento do pedido administrativo. A prova do direito ao benefício não consiste em condição para o seu exercício, tanto que a apresentação de documentação incompleta não constitui motivo para a recusa do requerimento do benefício, consoante o art. 105 da Lei nº 8.213/1991.
Prescrição
Analiso a prescrição de ofício, com fundamento no art. 219, § 5º, do antigo CPC.
Conforme o parágrafo único do art. 103 da Lei nº 8.213/1991, prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social.
Por sua vez, a interrupção da prescrição retroage à data da propositura da demanda, consoante o § 1º do art. 219 do antigo CPC e o § 1º do art. 240 do CPC em vigor.
No caso dos autos, a parte autora requereu o benefício NB 133.009.966-1 em 21/01/2005. Havendo a interrupção em 30/01/2012, quando foi ajuizada a ação, restam prescritas as parcelas anteriores a 30/01/2007.
Consectários legais
O juízo a quo deixou de aplicar os índices de correção monetária e juros estabelecidos no art. 5º da Lei nº 11.960/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997.
O Plenário do STF concluiu o julgamento do Tema 810, fixando as seguintes teses sobre a questão, consoante acompanhamento processual do RE 870.947 no Portal do STF:
"Ao final, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio,fixou as seguintes teses, nos termos do voto do Relator:
1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 20.9.2017. "
Como se pode observar, o Pretório Excelso não efetuou qualquer modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, em relação à correção monetária.
Assim, a correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos pela jurisprudência:
- INPC, de 04/2006 a 29/06/2009, conforme o art. 31 da Lei nº 10.741/2003, combinado com a Lei nº 11.430/2006, precedida da MP nº 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei nº 8.213/91;
- IPCA-E, a partir de 30/06/2009, conforme a decisão no RE 870.947, julgado em 20/09/2017.
Os juros de mora são contados a partir da citação (Súmula 204 do STJ), no percentual de 1% ao mês, não capitalizado, até 29/06/2009. Desde 30/06/2009, são aplicáveis as disposições do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, utilizando-se a taxa de juros da caderneta de poupança.
Conclusão
Dou parcial provimento à apelação do INSS e à remessa necessária, apenas para determinar que os juros de mora sejam calculados, a partir de 30/06/2009, de acordo com a taxa de juros aplicados à caderneta de poupança.
Dou provimento ao apelo do autor, para condenar o INSS a conceder a aposentadoria integral por tempo de contribuição, de acordo com a regra permanente do art. 201, § 7º, da Constituição Federal, a partir de 21/01/2005.
De ofício, reconheço a prescrição quinquenal, para fixar o termo de início do pagamento das parcelas vencidas em 30/01/2007. Ainda de ofício, determino a correção monetária das parcelas vencidas, a partir de 30/06/2009, pelo IPCA-E.
Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação do INSS e à remessa necessária, dar provimento à apelação do autor e, de ofício, reconhecer a prescrição quinquenal e determinar a correção monetária pelo IPCA-E a partir de 30/06/2009.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 31/10/2017
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5045424-79.2015.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00007023420128160056
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
PRESIDENTE | : | Luiz Fernando Wowk Penteado |
PROCURADOR | : | Dr.Marcus Vinicius Aguiar Macedo |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | JOAO PEREIRA ESTEVAM |
ADVOGADO | : | EVANDRO CESAR MELLO DE OLIVEIRA |
: | HELDER MASQUETE CALIXTI | |
APELADO | : | OS MESMOS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 31/10/2017, na seqüência 241, disponibilizada no DE de 16/10/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E À REMESSA NECESSÁRIA, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR E, DE OFÍCIO, RECONHECER A PRESCRIÇÃO QUINQUENAL E DETERMINAR A CORREÇÃO MONETÁRIA PELO IPCA-E A PARTIR DE 30/06/2009.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
: | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA | |
: | Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO |
Suzana Roessing
Secretária de Turma
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