APELAÇÃO CÍVEL Nº 5013206-78.2014.4.04.7009/PR
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
APELANTE | : | ARI LEITE PEREIRA |
ADVOGADO | : | PLÍNIO MARCOS MILLÉO |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. SEGURADO TRABALHADOR RURAL. TEMPO DE ATIVIDADE ANTERIOR À LEI Nº 8.213/1991. LIMITE DE IDADE. RAZOÁVEL INÍCIO DE PROVA MATERIAL. TRABALHADOR RURAL BOIA-FRIA. PROVA ORAL HARMÔNICA E COERENTE. COMPROVAÇÃO DE PARTE DO PERÍODO PLEITEADO.
1. Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.
2. Estão abrangidos pelo disposto no § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 todos os beneficiários do antigo PRORURAL: segurado especial, empregado, avulso e eventual rurais, além dos membros do grupo familiar incluídos na categoria de segurado especial, nos termos do art. 11, inciso VII, da mesma Lei.
3. Até o advento da Lei nº 8.213/1991, pode ser reconhecida a prestação de serviço rural por menor a partir de doze anos de idade.
4. Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não admitindo prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. Súmula nº 149 e Tema nº 297 do STJ.
5. O início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido.
6. Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo, quando realizado em regime de economia familiar, justifica a mitigação da exigência de prova documental.
7. É possível a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, para alcançar período anterior ou posterior aos documentos apresentados, se a prova testemunhal for favorável ao segurado. Súmula nº 577 do STJ.
8. Aceitam-se como início de prova material os documentos apresentados em nome de terceiros, desde que integrem o mesmo núcleo familiar. Entendimento consolidado na Súmula 73 desta Corte.
9. Tratando-se de trabalhador rural boia-fria, o requisito de início de prova material deve ser abrandado, de acordo com a análise do caso concreto, considerando que exercem a atividade sem qualquer formalização e proteção social. Dessa forma, as lacunas na prova documental podem ser supridas pela prova testemunhal, contanto que seja firme, consistente e harmônica, fornecendo subsídios relevantes quanto a datas, propriedades em que houve o trabalho de boia-fria, forma de contratação e realização da atividade rural, etc.
10. A única prova documental relativa a extenso lapso temporal não tem força probatória suficiente, por si só, para comprovar o exercício da atividade rural, já que as testemunhas não presenciaram o labor do demandante nesse período.
11. Admitindo-se a extensão da eficácia da prova documental em relação aos intervalos próximos ao efetivamente documentado, quando a prova testemunhal permite formar convencimento nesse sentido, deve ser reconhecida a atividade rural em parte do período pleiteado.
12. Não foram preenchidos os requisitos para a aposentadoria por tempo de contribuição, tanto proporcional como integral.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do autor, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 31 de outubro de 2017.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9205533v12 e, se solicitado, do código CRC F435A09B. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5013206-78.2014.4.04.7009/PR
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RELATÓRIO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, para condenar o INSS a averbar em favor do autor o tempo de serviço rural, na condição de segurado especial, de 22/12/1973 a 19/09/1978, para fins de direito. Ambas as partes foram condenadas ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, fixados em 10% sobre o valor da condenação, restando a execução dos valores devidos pela parte autora suspensos enquanto persistirem as condições que ensejaram a concessão da gratuidade de justiça.
A parte autora postula o reconhecimento da atividade rural no período de 06/09/1962 a 21/12/1973 e a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição. Alega que os documentos juntados constituem início de prova material e que as testemunhas confirmaram o labor rural no período. Aduz que, no caso dos trabalhadores boias-frias, a exigência de início de prova material deve ser flexibilizada, permitindo-se que a prova testemunhal amplie a eficácia dos documentos juntados aos autos, ainda que a prova material não corresponda a todo o período a que busca reconhecimento. Por fim, requer a condenação do INSS ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor das atualizado da causa ou com base no proveito econômico obtido na demanda (evento 58).
Sem contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório. Peço dia.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9205531v5 e, se solicitado, do código CRC 3D461817. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5013206-78.2014.4.04.7009/PR
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VOTO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
Tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213/1991
Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. Não obstante o marco final estabelecido seja a entrada em vigor da Lei nº 8.213/1991, o Decreto nº 3.048/1999, no art. 127, inciso V, estendeu a possibilidade de aproveitamento do tempo rural até 31/10/1991.
O legislador ordinário não concedeu uma benesse aos trabalhadores rurais, ao permitir o cômputo de serviço anterior à Lei nº 8.213/1991, mesmo sem o recolhimento de contribuições previdenciárias; apenas concretizou a norma do inciso II do parágrafo único do art. 194 da Constituição de 1988, que assegurou a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços aos trabalhadores urbanos e rurais. No regime anterior à Lei nº 8.213/1991, os trabalhadores rurais contavam somente com o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) instituído pela Lei Complementar nº 11/1971. Os beneficiários do PRORURAL, além do trabalhador rural que exercia a atividade individualmente ou em regime de economia familiar, eram o empregado rural (contratado por produtor rural pessoa física ou jurídica), o avulso rural (contratado mediante a intermediação de sindicato ou órgão gestor de mão de obra) e o trabalhador rural eventual (volante, diarista ou boia-fria). Os benefícios oferecidos pelo PRORURAL não requeriam o pagamento de contribuições, porém eram limitados e tipicamente assistenciais, não prevendo a aposentadoria por tempo de serviço. A regra do § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991, assim, objetiva conciliar a substancial diferença entre o velho e o novo regime previdenciário, no tocante à contagem de tempo de serviço.
Além de todos os beneficiários do antigo PRORURAL, o § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 abarca os membros do grupo familiar, visto que o art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios, define como segurado especial não só o produtor rural que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, mas também o cônjuge ou companheiro e filhos maiores de dezesseis anos ou a ele equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.
A idade mínima de dezesseis anos referida no inciso VII do art. 11 da Lei de Benefícios considera a redação do inciso XXXIII do art. 7º da Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 20/1998. Em relação ao período anterior à Lei nº 8.213/1991, a jurisprudência admite o reconhecimento da atividade rural, em regime de economia familiar, exercida por menor a partir dos doze anos, pois as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo e não para não prejudicá-lo. Colaciono julgado do STJ amparando esse entendimento:
AGRAVO INTERNO. PREVIDENCIÁRIO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. INOVAÇÃO NO ÂMBITO DO AGRAVO INTERNO. IMPOSSIBILIDADE. RURÍCOLA. LABOR DE MENOR DE 12 ANOS DE IDADE. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
(...)
3. É firme neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido da possibilidade de cômputo do labor rural comprovadamente desempenhado por menor de doze anos de idade.
4. Agravo ao qual se nega provimento.
(AgRg no REsp 1150829/SP, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 14/09/2010, DJe 04/10/2010)
Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não aceitando prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. A legalidade da norma é corroborada pela jurisprudência do STJ, consoante a Súmula nº 149: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário". Em julgado mais recente, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou o entendimento no Tema nº 297 (REsp 1133863/RN, 3ª Seção, Rel. Ministro Celso Limongi, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).
Entende-se que a tarifação da prova imposta pelo § 3º do art. 55 da Lei de Benefícios dirige-se apenas à prova exclusivamente testemunhal. Portanto, o início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural. Dessa forma, os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. Assim, representam início de prova material as certidões de casamento, nascimento, alistamento no serviço militar, do registro de imóveis e do INCRA, escritura de propriedade rural, histórico escolar, declaração da Secretaria de Educação, entre outros documentos públicos.
Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rural nos intervalos próximos ao período efetivamente documentado, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso. A extensão da validade do início da prova material foi objeto da Súmula nº 577 do STJ, in verbis: "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório". Não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória, tanto de forma retrospectiva como prospectiva.
É bem de ver que, para os trabalhadores eventuais, a comprovação do exercício de atividade rural é extremamente dificultosa, justamente porque o vínculo com o contratante dos serviços caracteriza-se pela não habitualidade. Executam as tarefas por curto período de tempo, normalmente um dia, razão pela qual são chamados volantes, diaristas ou boias-frias. São recrutados por agenciadores de mão de obra rural, os "gatos", muitas vezes sequer constituídos como pessoa jurídica. Compreende-se, então, que a escassez do início de prova material é mais um elemento distintivo das relações informais de trabalho do diarista rural. Dada sua peculiar circunstância e notável dificuldade em portar documentos que comprovem sua condição de trabalhador rural diarista, o Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamento de recursos repetitivos, ao julgar o REsp 1321493/PR (Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012), fixou a seguinte tese, relativamente ao trabalhador rural boia-fria:
TEMA 554: Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
No que diz respeito à comprovação do tempo de serviço rural prestado em regime de economia familiar, aceitam-se como início de prova material os documentos apresentados em nome de terceiros, desde que integrem o mesmo núcleo familiar. Eis o teor da Súmula 73 desta Corte: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Em suma, o exercício da atividade rural no período anterior à Lei nº 8.213/1991 pode ser comprovado por qualquer meio documental idôneo que propicie a formação de convencimento do julgador, não se exigindo a demonstração exaustiva dos fatos por todo o período requerido. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos. Nessa senda, a prova oral representa importante subsídio complementar ao início de prova material, devendo formar um conjunto probatório firme e coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.
Caso concreto
Na inicial, a parte autora pleiteou o reconhecimento do tempo de atividade rural, em que trabalhou como boia-fria, no período de 06/09/1962 a 19/09/1978. A sentença considerou a prova documental e testemunhal insuficiente no tocante ao lapso temporal entre 06/09/1962 a 21/12/1973. Transcrevo a parte da fundamentação que analisa os elementos de prova juntados aos autos:
No caso dos autos, visando atender aos reclames de prova material foram apresentados os seguintes documentos:
1950 - certidão de nascimento do autor - nascido em Cerqueira César/SP - sem qualificação dos pais;
1973 - certidão de casamento - autor e esposa lavradores;
1973 - certidão de nascimento da irmã EDITE (nascida em 1956 no município de Iretama/PR e registrada em Araruna/PR) - pai PAULO lavrador;
1976 - certidão de nascimento do filho MARCOS PEREIRA (nascido em 1975) - autor lavrador;
1977 - certidão de nascimento da filha LUCIMAR - autor lavrador e residente na Fazenda Ana, em Araruna/PR;
1979 - certificado de dispensa do serviço militar - autor lavrador e residente em Telêmaco Borba/PR.
Além dos documentos consta do conjunto probatório depoimento pessoal do autor colhido em Juízo e depoimentos colhidos em carta precatória.
Em seu depoimento pessoal o autor disse:
"que nasceu no município de Cerqueira César/SP, e com 04 anos de idade, veio morar em Iretama/PR. Ficou ali até seus 09 anos, quando mudou para Peabiru/PR. Que seu pai também era bóia-fria e trabalhou nesta profissão até falecer. Que o autor começou a trabalhar como bóia-fria com 11 anos de idade, o que fez até seus 23 anos de idade. Que iniciou seu trabalho na lavoura no interior do município de Araruna. Que trabalhava nas fazendas de José Frade, Mateus Grossi e Alfredo Martins. Que sempre morou nas fazendas para os patrões/fazendeiros para quem trabalhou. Que não era empregado mensalista, recebendo por dia ou por empreita/tarefa. Que nunca recebeu um pedaço de terra para plantar para si próprio. Que nunca recebeu por mês. Que se casou com 23 anos, em Araruna. Que sua esposa também era bóia-fria. Que teve 02 filhos em Araruna. Que a diária de bóia-fria na época corresponderia hoje a cerca de R$ 35,00. Que ficou nestas fazendas até seus 28 anos de idade, quando então mudou para Telêmaco Borba/PR. Que seus filhos vieram junto para esta cidade, ainda pequenos. Que apenas o casal trabalhou em Araruna como bóia-fria. Que ficou desempregado por cerca de 02 meses, em Telêmaco Borba, até conseguir o emprego na Klabin. Que neste período ficou residindo na casa de seu sogro, até se mudar para a localidade km 28 (vila dos funcionários da Klabin), em Telêmaco Borba".
A testemunha JOSÉ CARLOS DE LUCAS disse:
"Conheceu o autor do município de Araruna. Que morou ali dos seus 16 até vinte e poucos anos de idade. Que o pai do depoente era lavrador, bóia-fria, sem terras próprias. Que trabalharam para os fazendeiros Mateus Grossi, José Fábio, Emidio, Erco Cazarini, entre outros. Que costumavam morar nas fazendas onde trabalhavam, nunca tendo tido propriedade rural, tampouco arrendaram. Que naquela mesma época o autor também trabalhava como bóia-fria, nas mesmas condições, sem área própria, morando nas fazendas onde prestavam serviços de lavoura. Que o pagamento pelo trabalho era feito por dia ou por empreita. Que o autor também trabalhou para Mateus, Emídio, José Fábio. Que o autor morava com os pais e depois se casou com Isabel, que também era lavradora. Que o autor teve o filho Marcos quando ainda era bóia-fria. Que o depoente foi lavrador e, assim como o autor, também não era empregado registrado. Que havia 05/10/15/20 famílias morando no sítio, dependo da época da cultura. Que quando conheceu o autor, este estava trabalhando para Mateus Grossi, lidando com lavoura de café. Não sabe que idade o autor tinha, mas que era rapaz, estimando que tivesse 20 anos de idade, tendo o depoente 17/18 anos. Que o depoente e o autor estudaram muito pouco, por causa do trabalho. Acredita que chegou na região por volta de 1970/72 e quando chegou, o autor já ali morava e trabalhava. Que viu o autor trabalhando várias vezes na lavoura, principalmente com café. Acredita que trabalharam juntos por 04 anos, aproximadamente, colhendo café, passando veneno. Que o autor ia para as fazendas a pé. Que as ferramentas eram próprias dos bóias-frias (enxada, machado, foice). Que o depoente deixou a região em 1980, sendo que na época, o autor já havia saído, estimando tenha sido em 1975/76. Que desde quando conheceu o autor e a família, pode afirmar que o autor vivia apenas da lavoura, até ele se mudar para Telêmaco Borba. Que não conheceu a filha do autor, de nome Lucimar. Que, ao que ficou sabendo, o autor foi trabalhar na Klabin".
A testemunha ZILDA LUCAS DOS SANTOS disse:
"Conheceu o autor do município de Araruna, por volta de 1972, época em que o autor ainda era bem novo. Que quando chegou na localidade, a depoente era solteira e morava com os pais, que trabalhavam na lavoura. Que quando chegou, o autor já ali morava, também com os pais. Que a família da autora e da depoente trabalhavam como bóia-fria em fazenda de café, carpindo, colhendo café. Que as fazendas eram de Mateus, Alfredinho, José Fábio. Que conheceu o autor na fazenda do Alfredinho, na Fazenda Bambu, próximo de Araruna. Que é concunhada do autor. Que o autor, na época, era solteiro e morava com os pais e 01 irmã. Que o autor também era bóia-fria e era rapaz. Que costumavam morar nas fazendas onde trabalhavam, nunca tendo tido propriedade rural. Que a depoente deixou a fazenda de Alfredinho antes de o depoente. Que depois a depoente foi trabalhar na fazenda de Mateus, para onde o autor também foi trabalhar. Que o autor é casado com a irmã (Isabel) do marido da depoente. Que o autor casou primeiro que a autora. Que a depoente casou há 38 anos (por volta de 1977). Que a depoente veio para Telêmaco Borba antes de o autor, que passou a trabalhar com corte de madeira. Que a esposa do autor, Isabel, também era lavradora. Que o autor, pelo que acredita, recebia em dinheiro e por semana. Que não era empregado mensalista e não tinha direito a plantar para si nas terras dos fazendeiros. Que os pais do autor, Paulo e Donaria, e a irmã também eram bóias-frias. Não sabe se o autor estudou. Que trabalhou junto com o autor nas fazendas de Alfredinho e Mateus. Que a cultura era de café. Que o autor colhia e carpia. Que o autor ia para as fazendas a pé. Que as ferramentas eram próprias dos bóias-frias (enxada, rastelo, peneira). Que no período de Araruna, o autor trabalhou apenas na lavoura, não tendo exercido outra atividade. Que conheceu os filhos Marcos e Lucimar, que nasceram enquanto o autor estava trabalhando de bóia-fria. Que o autor não foi ao casamento da depoente. Não sabe que idade os filhos do autor tinham quando este deixou a lavoura e mudou-se para a cidade".
O informante ANTÔNIO DE LUCAS disse:
"que é cunhado do autor, casado com a irmã dele. Conheceu o autor em Araruna, por volta de 1972/73, sendo que quando o depoente se estabeleceu ali, a família do autor já ali morava. Que quando chegou na localidade, o depoente era solteiro e mudou-se com os pais e 05 irmãos. Que foi para a região para trabalhar na lavoura, como volante/diarista/bóia-fria. Que o pagamento pelo trabalho era feito por dia ou por empreita. Que costumavam morar nas fazendas onde trabalhavam, citando as propriedades de José Fábio, Antônio Emídio, Alfredo, entre outros. Que o autor e família trabalhavam nestas mesmas fazendas, lembrando que a última fazenda onde o autor trabalhou foi na de José Fábio. Que o depoente se casou com a irmã do autor, de nome Edite, em 1973 e que naquela época estavam trabalhando na fazenda de Mateus Grossi. Que o depoente também trabalhou para Mateus. Que morou, assim como o autor, nas fazendas de Mateus e José Fábio. Que o autor deixou a fazenda de José Fábio em 1978 e o depoente, em 1979, tendo ambos ido morar na Klabin, em Telêmaco Borba. Que o autor, quando saiu da lavoura, já tinha 02 filhos. Que todos os 04 filhos do depoente nasceram na lavoura. Que o depoente chegou na região de Araruna em 1968, mas só conheceu o autor em 1972, que na época, ainda era solteiro e morava com os pais. Que a esposa do autor chama-se Isabel. Que o depoente nasceu em Mococa/SP e que chegou em Araruna apenas em 1968. Que o pai do autor e também os irmãos também eram bóias-frias. Que o autor ia para as fazendas a pé ou de trator ou caminhão, levados pelos fazendeiros. Que as ferramentas eram próprias dos bóias-frias (enxada, machado, foice). Que desde quando conheceu o autor e a família, até 1978, pode afirmar que o autor vivia apenas da lavoura. Que o trabalho da lavoura como bóia-fria era lidar com plantação de café, arroz, milho, feijão, de forma braçal. Que sempre via o autor indo trabalhar, colhendo café".
Descrito o conjunto probatório, passo a analisar se permite o reconhecimento do período requerido, à luz da legislação previdenciária.
A prova testemunhal produzida é vigorosa, sendo ouvidos os vizinhos do autor do interior do município de Araruna/PR.
As testemunhas confirmaram que o autor era lavrador, iniciando na lavoura ainda criança, na companhia dos pais. Relataram que a família do autor não tinha sítio próprio, de modo que trabalhavam por dia, como bóias-frias, nas fazendas da região, sem vínculo de emprego. Da mesma forma, as testemunhas também foram bóias-frias na juventude e inclusive trabalharam juntos com o autor nestas propriedades.
Quanto aos documentos apresentados, consigno, entretanto, que há início de prova material do exercício de atividade rural pelo autor apenas a partir do ano de 1973, quando o autor contraiu matrimônio.
Embora o autor tenha se casado com 23 anos, laborando na agricultura, e sendo filho de lavradores, conforme alega em seu depoimento, seria pouco provável que nos anos anteriores tenha desenvolvido atividade de natureza diversa.
Inclusive é cediço que nas relações de trabalho campesinas impera a informalidade, bem como de que a grande maioria dos trabalhadores rurais é hipossuficiente, notadamente o autor e sua família, que desenvolviam trabalho como bóias-frias.
Contudo, ainda que não se exija que a prova documental do tempo de serviço rural compreenda toda a pretensão do segurado (a jurisprudência da TNU é pacífica neste sentido), é necessário que haja documentos que indiquem pelo menos o termo inicial do labor rural. E não se pode negar ainda que se trata de um intervalo de tempo significativo - 10 anos (1962-1973), não sendo crível que não tenha havido quaisquer outros registros documentais do trabalho na lavoura nesse intervalo, seja por meio de certidão de casamento dos pais, certidão de nascimento sua e de seus irmãos, histórico escolar próprio, etc.
Como se não bastasse, todos os depoentes ouvidos disseram que conheceram o autor apenas no início da década de 70, o que impede a extensão dos efeitos da certidão de casamento do autor para os anos anteriores.
Como prova da atividade rural, vale destacar, pois, a sua certidão de casamento (1973), o registro de nascimento de sua irmã (1973), certidões de nascimento dos filhos Marcos e Lucimar (1976 e 1977) e certificado de dispensa do serviço militar (1979), documentos os quais descrevem que o autor era agricultor.
Portanto, há provas para o reconhecimento do exercício de atividade rural em parte do período controvertido, para o qual há prova documental e depoimentos consistentes quanto ao efetivo labor rural pelo autor.
Logo, reconheço o exercício de atividade rural pelo autor, em regime de economia familiar, no período de 22/12/1973 (data do casamento civil) a 19/09/1978, que deverá ser averbado pelo INSS como tempo de serviço independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias, nos termos do artigo 55, § 2º da Lei de Benefícios.
Tratando-se de trabalhador rural boia-fria, o requisito de início de prova material deve ser abrandado, de acordo com a análise do caso concreto, considerando que exercem a atividade sem qualquer formalização e proteção social. Dessa forma, as lacunas na prova documental podem ser supridas pela prova testemunhal, contanto que seja firme, consistente e harmônica, fornecendo subsídios relevantes quanto a datas, propriedades em que houve o trabalho de boia-fria, forma de contratação e realização da atividade rural, etc.
No caso dos autos, a única prova documental anterior a 1973, a certidão de nascimento da irmã do autor, em 1956, não tem força probatória suficiente, por si só, para comprovar o exercício da atividade rural no período anterior a 1972, visto que nenhuma das testemunhas declarou ter presenciado o labor do demandante em tempo pretérito. Considerando, todavia, que se admite a extensão da eficácia da prova documental em relação aos intervalos próximos ao efetivamente documentado, quando a prova testemunhal permite formar convencimento nesse sentido, deve ser reconhecida a atividade rural do autor no período de 01/01/1972 a 21/12/1973.
Portanto, merece ser parcialmente reformada a sentença, para reconhecer o tempo de serviço rural exercido pelo autor no período de 01/01/1972 a 21/12/1973 e determinar a sua averbação para fins previdenciários.
Requisitos para a concessão do benefício
O INSS reconheceu, na data do requerimento administrativo (04/08/2014), o tempo de contribuição correspondente a 26 anos, 04 meses e 25 dias e a carência de 228 meses.
O tempo de atividade rural (01/01/1972 a 19/09/1978) perfaz 06 anos, 08 meses e 19 dias. A soma do tempo de serviço rural e urbano resulta em 33 anos, 01 mês e 13 dias de tempo de contribuição.
Assim, na data do requerimento administrativo (04/08/2014), o autor não atendia os requisitos para a aposentadoria proporcional por tempo de contribuição, conforme as regras transitórias da Emenda Constitucional nº 20/1998, faltando completar o pedágio de 03 anos, 02 meses e 26 dias. Também não atingiu tempo de contribuição suficiente para a aposentadoria integral por tempo de contribuição (35 anos).
Conclusão
Dou parcial provimento à apelação, para reconhecer o tempo de serviço rural exercido pelo autor no período de 01/01/1972 a 21/12/1973 e condenar o INSS a proceder à averbação do tempo de serviço, salvo para efeito de carência.
Mantenho a distribuição da verba honorária na forma determinada pela sentença, visto que não houve alteração substancial na sucumbência de cada parte. Considerando que não há condenação ao pagamento de prestações vencidas, arbitro o valor dos honorários advocatícios em 10% sobre o valor da causa, com atualização pelo IPCA-E.
Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação do autor.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 31/10/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5013206-78.2014.4.04.7009/PR
ORIGEM: PR 50132067820144047009
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
PRESIDENTE | : | Luiz Fernando Wowk Penteado |
PROCURADOR | : | Dr.Marcus Vinicius Aguiar Macedo |
SUSTENTAÇÃO ORAL | : | Videoconferência: Dr. Plinio Marcos Milleo - Ponta Grossa |
APELANTE | : | ARI LEITE PEREIRA |
ADVOGADO | : | PLÍNIO MARCOS MILLÉO |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 31/10/2017, na seqüência 243, disponibilizada no DE de 16/10/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
: | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA | |
: | Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO |
Suzana Roessing
Secretária de Turma
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