| D.E. Publicado em 22/08/2018 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0017906-05.2015.4.04.9999/SC
RELATOR | : | Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | TEODOMIRO KRZESINSKI |
ADVOGADO | : | Glauco Humberto Bork |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 2A VARA DA COMARCA DE SÃO BENTO DO SUL/SC |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO/SERVIÇO. REQUISITOS. ATIVIDADE rural. início de prova material. reconhecimento parcial. tempo urbano. sentença em reclamatória trabalhista. não comprovação. atividade ESPECIAL. AGENTE NOCIVO radiações ionizantes. reafirmação da der. possibilidade. requisitos não cumpridos.
1. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante início de prova material corroborado por testemunhas.
2. No caso, há ser mantida a sentença em parte, eis que os documentos demonstram que os pais do autor eram afetos ao trabalho urbano, não havendo sequer um documento qualificando seus genitores ou mesmo um de seus irmãos como lavradores no período entre 23-03-1978 a 31-12-1981.
3. Somente a chamada reclamatória trabalhista típica - ajuizada com fins eminentemente trabalhistas, contemporaneamente ao término do vínculo laboral, na qual foram produzidas provas da existência do contrato de emprego - poderá produzir efeitos na esfera previdenciária.
4. Verifica-se que não há nos autos qualquer prova material concreta acerca da existência do vínculo urbano entre 03-11-2002 a 31-10-2004, tampouco do exercício da função de declarada. Não há, pois, indícios de que a contenda trabalhista em questão tenha sido embasada em início de prova material que vinculasse o autor ao seu local de trabalho. Período não reconhecido.
5. O reconhecimento da especialidade da atividade exercida sob condições nocivas é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador (STJ, Recurso Especial Repetitivo n. 1.310.034).
6. Considerando que o § 5.º do art. 57 da Lei n. 8.213/91 não foi revogado pela Lei n. 9.711/98, e que, por disposição constitucional (art. 15 da Emenda Constitucional n. 20, de 15-12-1998), permanecem em vigor os arts. 57 e 58 da Lei de Benefícios até que a lei complementar a que se refere o art. 201, § 1.º, da Constituição Federal, seja publicada, é possível a conversão de tempo de serviço especial em comum inclusive após 28-05-1998 (STJ, Recurso Especial Repetitivo n. 1.151.363).
7. Até 28-04-1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, aceitando-se qualquer meio de prova (exceto para ruído, calor e frio); a partir de 29-04-1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, devendo existir comprovação da sujeição a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05-03-1997; a partir de então, por meio de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica; e, a partir de 01-01-2004, passou a ser necessária a apresentação do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), que substituiu os formulários SB-40, DSS 8030 e DIRBEN 8030, sendo este suficiente para a comprovação da especialidade desde que devidamente preenchido com base em laudo técnico e contendo a indicação dos responsáveis técnicos legalmente habilitados, por período, pelos registros ambientais e resultados de monitoração biológica, eximindo a parte da apresentação do laudo técnico em juízo.
8. A exposição do obreiro ao agente físico nocivo radiação do raio X permitia o enquadramento do tempo especial em face do código 1.1.4 do Decreto nº 53.831/64, bem como código 2.0.3 do Decreto nº 2.172/97 e código 2.0.3 do Decreto nº 3.048/99, permitindo a aposentadoria após 25 anos de tempo de serviço.
9. É possível a reafirmação da DER, com o cômputo de trabalho realizado entre a data do requerimento administrativo e a do ajuizamento da ação.
10. No caso dos autos, contudo, ainda que computado tempo de contribuição entre a DER e a data do afastamento do trabalho, não alcança a parte autora tempo suficiente à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição integral nem proporcional.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS e à remessa necessária a fim de afastar o tempo rural entre 23-03-1978 a 31-12-1981, tempo comum e especial entre 03-11-2002 a 31-10-2004, e julgar improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição. Negar, também, provimento ao recurso da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 15 de agosto de 2018.
Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9443600v71 e, se solicitado, do código CRC ACB9E133. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Gabriela Pietsch Serafin |
| Data e Hora: | 15/08/2018 18:34 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0017906-05.2015.4.04.9999/SC
RELATOR | : | Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | TEODOMIRO KRZESINSKI |
ADVOGADO | : | Glauco Humberto Bork |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 2A VARA DA COMARCA DE SÃO BENTO DO SUL/SC |
RELATÓRIO
Cuida-se de apelações e remessa necessária contra sentença, publicada em 20-08-2015, na qual o magistrado a quo julgou procedente o pedido para, reconhecer a atividade rural em favor do autor no período de 23-03-1978 (12 anos de idade) a 27-02-1986, bem como tempo de contribuição urbana período reconhecido em reclamatória trabalhista entre 03-11-2002 a 31-10-2004, além de tempo especial (25 anos) de 01-03-1986 a 03-01-1989, 01-02-1989 a 01-09-1997, 02-01-1998 a 03-06-2002 e de 03-11-2002 a 31-10-2004, e consequentemente conceder a aposentadoria por tempo de contribuição integral à parte autora, condenando o Instituto Previdenciário ao pagamento das parcelas vencidas, a partir da data do requerimento na esfera administrativa (28-05-2013).
Determinou, ainda, o pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença.
Em suas razões, a Autarquia Previdenciária sustenta, em síntese, a ausência de comprovação do período rural pretendido, bem como da carência e tempo de contribuição necessários ao deferimento do benefício na DER. Impugna genericamente o tempo especial reconhecido, além de defender que não integrou a lide trabalhista, razão pela qual não deve ser computado o tempo urbano reconhecido. Por fim, impugna a correção monetária adotada, pugnando pela aplicação da Lei nº 11.960/09.
A parte autora, por sua vez, recorre a fim de reformar a sentença para possibilitar a reafirmação da DER caso necessário à concessão da aposentadoria requerida, havendo comprovação por meio da CTPS da continuação de vínculo empregatício após a DER.
Apresentadas as contrarrazões e por força da remessa necessária, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Embora tenhamos novas regras vigentes regulando o instituto da remessa necessária, aplicam-se as disposições constantes no artigo 475 do CPC de 1973, uma vez que a sentença foi publicada antes de 18-03-2016.
Nesse sentido, esclareço que as sentenças proferidas contra o Instituto Nacional do Seguro Social só não estarão sujeitas ao duplo grau obrigatório se a condenação for de valor certo inferior a sessenta salários mínimos, não se aplicando às sentenças ilíquidas (Súmula 490 do STJ).
Não sendo esse o caso dos autos, conheço da remessa necessária.
Mérito
A controvérsia restringe-se ao reconhecimento do tempo de serviço laborado em atividade rural, em regime de economia familiar, no período de 23-03-1978 (12 anos de idade) a 27-02-1986, bem como tempo de contribuição urbana período reconhecido em reclamatória trabalhista entre 03-11-2002 a 31-10-2004, além de tempo especial (25 anos) de 01-03-1986 a 03-01-1989, 01-02-1989 a 01-09-1997, 02-01-1998 a 03-06-2002 e de 03-11-2002 a 31-10-2004, e consequentemente conceder a aposentadoria por tempo de contribuição integral à parte autora, condenando o Instituto Previdenciário ao pagamento das parcelas vencidas, a partir da data do requerimento na esfera administrativa (28-05-2013). Por conta do recurso da parte autora, há controvérsia também acerca do pedido de reafirmação da DER mediante o cômputo de tempo de contribuição após a DER, não acolhido pelo magistrado sentenciante.
DA ATIVIDADE RURAL
Para a comprovação do tempo de atividade rural com vista à obtenção de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, faz-se necessário início de prova material, não sendo admitida, via de regra, prova exclusivamente testemunhal (art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91; Súmula 149 do STJ).
A respeito, está pacificado nos Tribunais que não se exige comprovação documental ano a ano do período que se pretende comprovar, seja porque se deve presumir a continuidade nos períodos imediatamente próximos, sobretudo no período anterior à comprovação, à medida que a realidade em nosso país é a migração do meio rural ao urbano, e não o inverso, seja porque é inerente à informalidade do trabalho campesino a escassez documental (TRF - 4ª Região, AC n. 0021566-75.2013.4.04.9999, Sexta Turma, Rel. Des. Celso Kipper, D.E. 27-05-2015; TRF - 4ª Região, AC n. 2003.04.01.009616-5, Terceira Seção, Rel. Des. Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. de 19-11-2009; TRF - 4ª Região, EAC n. 2002.04.01.025744-2, Terceira Seção, Rel. para o Acórdão Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julgado em 14-06-2007; TRF - 4ª Região, EAC n. 2000.04.01.031228-6, Terceira Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, DJU de 09-11-2005).
Ainda, está pacificado que constituem prova material os documentos civis (STJ, AR n. 1166/SP, Terceira Seção, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU de 26-02-2007; TRF - 4ª Região, AC 5010621-36.2016.4.04.9999, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, julgado em 14-12-2016; TRF - 4ª Região, AC n. 2003.71.08.009120-3/RS, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. de 20-05-2008; TRF - 4ª Região, AMS n. 2005.70.01.002060-3, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJ de 31-05-2006) - tais como certificado de alistamento militar, certidões de casamento e de nascimento, dentre outros - em que consta a qualificação como agricultor tanto da parte autora como de membros do grupo parental. Assim, os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando integrantes do mesmo núcleo familiar, consubstanciam início de prova material do labor rural (Súmula 73 desta Corte).
No entanto, não existe consenso sobre o alcance temporal dos documentos, para efeitos probatórios, nem se há ou não necessidade de documento relativo ao início do período a ser comprovado. Para chegar a uma conclusão, parece-me necessário averiguar a função da prova material na comprovação do tempo de serviço.
A prova material, conforme o caso, pode ser suficiente à comprovação do tempo de atividade rural, bastando, para exemplificar, citar a hipótese de registro contemporâneo em CTPS de contrato de trabalho como empregado rural. Em tal situação, não é necessária a inquirição de testemunhas para a comprovação do período registrado.
Na maioria dos casos que vêm a juízo, no entanto, a prova material não é suficiente à comprovação de tempo de trabalho, necessitando ser corroborada por prova testemunhal. Nesses casos, a prova material (ainda que incipiente) tem a função de ancoragem da prova testemunhal, sabido que esta é flutuante, sujeita a esquecimentos, enganos e desvios de perspectiva. A prova material, portanto, serve de base, sustentação, pilar em que se apoia (apesar dos defeitos apontados) a necessária prova testemunhal.
Em razão disso, entendo que, no mais das vezes, não se pode averiguar os efeitos da prova material em relação a si mesma, devendo a análise recair sobre a prova material em relação à prova testemunhal, aos demais elementos dos autos e ao ambiente socioeconômico subjacente; em outras palavras, a análise deve ser conjunta. A consequência dessa premissa é que não se pode afirmar, a priori, que há necessidade de documento relativo ao início do período a ser comprovado, ou que a eficácia probatória do documento mais antigo deva retroagir um número limitado de anos. O alcance temporal da prova material dependerá do tipo de documento, da informação nele contida (havendo nuances conforme ela diga respeito à parte autora ou a outrem), da realidade fática presente nos autos ou que deles possa ser extraída e da realidade socioeconômica em que inseridos os fatos sob análise.
Considerando tais premissas e conclusões, passo à análise do caso em questão.
O autor, nascido em 23-03-1966 (p. 23), pretende comprovar o labor rural no período de 23-03-1978 (12 anos de idade) a 27-02-1986 em propriedade rural na cidade de Mafra.
Em sua entrevista administrativa o autor relatou que trabalhava em terras da família, que pertencia ao seu pai, Sr. Romário, com escritura de 1970; que não se afastou do trabalhou rural no período pretendido, e que trabalhava algumas vezes como diarista em plantação de fumo dos vizinhos; que nas terras trabalhavam seus pais, o autor e mais 4 irmãos, que também tinham ajuda de uma tia deficiente, que morava com a família; que plantavam milho, feijão, batata doce e aipim, apicultura, criavam porcos, gado, galinha, pato, marreco; cultivavam também erva mate; que comercializavam mel, porcos e erva mate; o restante produzido era na maioria para consumo da família; que em 1984 filiou-se a cooperativa Coopernorte onde passou a comercializar feijão e mel com documentos em seu nome; que não se afastou do trabalho rural no período e que seu pai trabalhou um tempo no IBGE realizando o censo no município, mas não sabe dizer o ano (pp. 21/22).
Juntou aos autos os seguintes documentos: declaração de exercício de atividade rural de Sindicato, documento com valor de prova testemunhal (pp. 50/51); escritura de compra e venda de 1970, referente a terreno rural na localidade de Vila Ruthes, também conhecido como Espigão do Bugre ou Colônia Ruthes, com área de 90.750m2, em nome do pai do autor, qualificado como "professor (pp. 52/54); ficha escolar indicando que no ano de 1976 o autor estudou na Escola Colônia Ruthes (p. 55); declaração da Coopernorte informando que o autor foi sócio entre 01/1985 a 10/1986, operando normalmente na compra de insumos e venda de cereal (p. 56); certificado de aperfeiçoamento de tratorista em nome do autor, ano de 1982 (p. 57); certificado do INCRA de curso de apicultura em nome do autor, ano de 1983 (p. 58); nota fiscal de produtor rural emitidos em nome do autor, endereço na Vila Ruthes em Mafra, informando a venda de feijão, ano de 1984 (p. 59); certificado de admissão do autor em cooperativa de trabalhadores rurais em Mafra, em janeiro de 1985 (p. 60); certificados de primeira eucaristia e crisma em nome do autor, em 1975 e 1982, na Vila Ruthes (pp. 62/63); lembrança de batismo do autor, ocorrido em 1966, na igreja de Vila Ruthes (p. 64).
A CTPS do autor foi emitida em 06-1983, com o primeiro vínculo urbano em março de 1986, em consultório médico, como secretário (pp. 38/39), em São Bento do Sul/SC.
Há nos autos prova no sentido de o pai do autor, Sr. Romário Delourdes Krzesinski, ser empregado da área urbana, junto à Secretaria de Estado da Administração, desde 01/1954 até, no mínimo, 12/1991 (p. 80). Mãe era segurada urbana.
A prova oral produzida foi convergente em atestar o labor rural do autor juntamente com a família, em regime de economia familair, em terras da família, no período em análise.
Pois bem.
Entendo que no caso restou comprovando o labor rural do autor no período de 01-01-1982 a 27-02-1986, eis que a partir de 1982 o autor demonstrou satisfatoriamente que era afeto das lides campesinas, tanto é que em 1984 comercializou feijão e se inscreveu na cooperativa de trabalhadores rurais em 1985. Porém, no intervalo entre seus 12 anos de idade (23-03-1978 a 31-12-1981), os documentos apresentados demonstram que vivia na localidade de Vila Ruthes, conforme informou em sua entrevista administrativa, não havendo nada nos autos no sentido de a família do autor, nesse período, retirar seu sustento da lavoura. Some-se a isso o fato de o pai do autor ser qualificado como professor em 1970, no documento de imóvel rural, além de ser empregado da Secretaria de Estado da Administração desde 1954 até 1991, no mínimo, e sua mãe também ser segurado da área urbana, tudo conforme demonstram os documentos colacionados aos autos.
É sabido que o fato de um membro do núcleo familiar possuir outra fonte de renda do trabalho urbano não afasta por si só o reconhecimento de tempo rural. Todavia, no caso concreto, os documentos demonstram que os pais do autor eram afetos ao trabalho urbano, não havendo sequer um documento qualificando seus genitores ou mesmo um de seus irmãos como lavradores. O fato de possuírem imóvel rural não prova, por si só, o labor rural em regime de economia familiar.
Nesse contexto, entendo que restou comprovado, portanto, o exercício da atividade rural pelo autor no intervalo de 01-01-1982 a 27-02-1986. Nesse ponto, dou provimento ao recurso do INSS para afastar o reconhecimento de tempo rural entre 23-03-1978 a 31-12-1981.
TEMPO URBANO NÃO COMPUTADO PELO INSS - 03-11-2002 a 31-10-2004
O período urbano entre 03-11-2002 a 31-10-2004 foi reconhecido pelo magistrado sentenciante com base, apenas, na sentença proferida na reclamatória trabalhista nº 000952.2005.024.12.00.0, juntada nas pp. 44/47.
Pois bem. Entendo que nessa parte a sentença merece ser reformada.
Acerca do período urbano postulado, dispõe o § 3º do art. 55 da Lei n.º 8.213/91 que: "a comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme estabelecido no regulamento".
As anotações em Carteira de Trabalho e Previdência Social constituem prova plena, para todos os efeitos, dos vínculos empregatícios ali registrados, porquanto gozam de presunção iuris tantum de veracidade (Decreto nº 3.048/99, artigos 19 e 62, § 2º, inciso I), ilidida apenas quando da existência de suspeitas objetivas e razoavelmente fundadas acerca dos assentos contidos do documento.
Cabe referir, ainda, que mesmo a ausência de recolhimentos previdenciários correspondentes, os quais estavam a cargo do empregador, não pode obstar o reconhecimento do labor prestado pelo segurado como tempo de serviço para fins previdenciários, especialmente quando o interregno vem regularmente anotado em CTPS, respeitando a ordem cronológica.
Em relação ao reconhecimento de tempo de serviço por meio de reclamatória trabalhista, a Terceira Seção do Egrégio STJ tem reiteradamente decidido que "a sentença trabalhista será admitida como início de prova material apta a comprovar o tempo de serviço, caso ela tenha sido fundada em elementos que evidenciem o labor exercido na função e o período alegado pelo trabalhador na ação previdenciária." (EREsp n. 616.242/RN, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJ de 24-10-2005).
No caso concreto, o autor alega ter prestado serviços como gerente/operador de Raio X, na empresa Centro Médico M.C Duarte Ltda, no período de 03-11-2002 a 31-10-2004, sem registro em sua CTPS pelo empregador. Requer o reconhecimento da condição de segurado empregada no referido período, com base em sentença proferida em sede de reclamatória trabalhista.
Na hipótese, trata-se de decidir acerca do alcance, na esfera previdenciária, do reconhecimento de vínculo laboral em ação trabalhista.
Importa mencionar que a decisão prolatada em reclamatória trabalhista pode ser tomada como prova plena do que se pretende alegar, quando apresenta algumas características, a saber: a) a contemporaneidade do ajuizamento; b) a inexistência de acordo entre empregador e empregado; c) a existência de prova; d) a não prescrição das verbas indenizatórias, nos termos do que já foi decidido por esta Corte; e) não tenha somente fins previdenciários.
Veja-se, a respeito, a jurisprudência do STJ:
RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. SENTENÇA TRABALHISTA EMBASADA EM PROVAS. VALIDADE.
1. "A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no artigo 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento." (artigo 55, parágrafo 3º, da Lei nº 8.213/91).
2. O início de prova material, de acordo com a interpretação sistemática da lei, é aquele feito mediante documentos que comprovem o exercício da atividade nos períodos a serem contados, devendo ser contemporâneos dos fatos a comprovar, indicando, ainda, o período e a função exercida pelo trabalhador.
3. Esta Corte Superior de Justiça firmou sua jurisprudência no sentido de que a sentença trabalhista pode ser considerada como início de prova material, desde que fundada em provas que demonstrem o exercício da atividade laborativa na função e períodos alegados na ação previdenciária, sendo irrelevante o fato de que a autarquia previdenciária não interveio no processo trabalhista .
4. Em reconhecendo o próprio acórdão recorrido que a sentença trabalhista foi embasada em dilação probatória, não há falar em ausência de prova material do exercício da atividade laborativa.
5. Recurso improvido.
(STJ, Sexta Turma, Resp 616389/CE, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Data da Publicação/Fonte DJ 28.06.2004 p.00446)
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. FILIAÇÃO À PREVIDÊNCIA. TEMPO DE SERVIÇO. COMPROVAÇÃO. SENTENÇA TRABALHISTA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. POSSIBILIDADE.
1. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que a sentença trabalhista pode ser considerada como início de prova material, sendo hábil para a determinação do tempo de serviço enunciado no artigo 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, desde que fundada em elementos que evidenciem o exercício da atividade laborativa na função e períodos alegados na ação previdenciária, ainda que o INSS não tenha integrado a respectiva lide.
2. Precedentes.
3. Recurso conhecido e improvido.
(STJ, Resp 463570/PR, Sexta Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJU 02/06/2003, p. 362)
RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. DISSÍDIO NÃO COMPROVADO. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. VALORAÇÃO DE PROVA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. INEXISTÊNCIA.
1. O conhecimento do recurso especial fundado na alínea "c" do permissivo constitucional requisita, em qualquer caso, a comprovação da divergência jurisprudencial invocada, mediante juntada das certidões ou cópias autenticadas dos acórdãos paradigmas, ou pela citação de repositório oficial, autorizado ou credenciado, em que os mesmos se achem publicados, não se oferecendo, como bastante, a simples transcrição de ementas ou votos (artigo 255, parágrafo 2º, do RISTJ).
2. A violação de dispositivo constitucional constitui matéria estranha ao âmbito de cabimento do recurso especial.
3. O início de prova material, de acordo com a interpretação sistemática da lei, é aquele feito mediante documentos que comprovem o exercício da atividade nos períodos a serem contados, devendo ser contemporâneos dos fatos a comprovar, indicando, ainda, o período e a função exercida pelo trabalhador.
4. Esta Corte Superior de Justiça firmou sua jurisprudência no sentido de que a sentença trabalhista pode ser considerada como início de prova material, desde que fundada em provas que demonstrem o exercício da atividade laborativa na função e períodos alegados na ação previdenciária, sendo irrelevante o fato de que a autarquia previdenciária não interveio no processo trabalhista .
5. A sentença trabalhista , meramente homologatória de acordo, onde não houve a produção de qualquer espécie de prova, não constitui início de prova material do exercício da atividade laborativa.
6. Recurso parcialmente conhecido e improvido.
(RESP n. 614692/PR, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJ de 21-06-2004)
PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO. ANOTAÇÃO NA CARTEIRA DE TRABALHO E PREVIDÊNCIA SOCIAL. SENTENÇA TRABALHISTA DESACOMPANHADA DE DOCUMENTAÇÃO A EVIDENCIAR A ATIVIDADE LABORATIVA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO.
1. A jurisprudência desta Corte é pacífica de que, a sentença trabalhista pode ser considerada como início de prova material, sendo hábil para a determinação do tempo de serviço enunciado no artigo 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, desde que fundada em elementos que evidenciem o exercício da atividade laborativa na função e nos períodos alegados na ação previdenciária, ainda que o INSS não tenha integrado a respectiva lide.
2. In casu, a decisão da Justiça do Trabalho não serve como prova apta a autorizar o reconhecimento do tempo de serviço em comento, pois os autos dão conta da inexistência de qualquer espécie de documentação a evidenciar o exercício da atividade laborativa alegada.
3. Recurso especial provido.
(RESP n. 396644/RN, Relator Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, DJ de 27-09-2004)
A jurisprudência da 3ª Seção desta Corte já assentou que é possível a adoção da sentença trabalhista como prova plena do tempo de serviço para fins previdenciários, desde que (1) o ajuizamento da ação trabalhista seja contemporâneo ao término do vínculo laboral; (2) a sentença não se configure em mera homologação de acordo entre empregador e empregado; (3) tenha sido produzida prova do vínculo laboral; e (4) não tenha ocorrido a prescrição das verbas indenizatórias. Veja-se, como exemplo, o seguinte julgado:
EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO NA JUSTIÇA DO TRABALHO. REQUISITOS.
1. É viável o reconhecimento do vínculo laboral de sentença proferida em sede de reclamatória trabalhista, malgrado o INSS não tenha participado da contenda laboral, desde que, naquele feito, se verifiquem elementos suficientes que afastem a possibilidade de sua propositura meramente para fins previdenciários, dentre os quais se destaca a contemporaneidade do ajuizamento, a ausência de acordo entre empregado e empregador, a confecção de prova pericial e a não prescrição das verbas indenizatórias.
2. Embargos infringentes desprovidos para manter a prevalência do voto condutor do acórdão.
(TRF, 4ª Região, Embargos Infringentes em AC nº 95.04.13032-1/RS, Terceira Seção, Rel. João Batista Pinto Silveira, DJU de 01/03/2006).
Dessa forma, somente a chamada reclamatória trabalhista típica - ajuizada com fins eminentemente trabalhistas, contemporaneamente ao término do vínculo laboral, na qual foram produzidas provas da existência do contrato de emprego - poderá produzir efeitos na esfera previdenciária. Acaso não cumpridos tais requisitos, necessária a produção de prova material na ação ajuizada perante o INSS, em obediência ao disposto no art. 55, § 3º da Lei n.º 8.213/91:
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.
No caso em apreço, a única prova do suposto vínculo empregatício é a sentença trabalhista juntada nas pp. 44/47, na qual restou reconhecido o vínculo em face da confissão ficta do reclamado, porquanto não compareceu à audiência designada. No âmbito trabalhista, houve anotação da CTPS pelo Diretor de Secretaria da Vara Trabalhista (p. 40), e não há informação nos autos no sentido de ter sido efetuado o recolhimento integral das contribuições previdenciárias devidas.
Ademais, verifica-se que não há nos autos qualquer prova material concreta acerca da existência do vínculo, tampouco do exercício da função de declarada. Não há, pois, indícios de que a contenda trabalhista em questão tenha sido embasada em início de prova material que vinculasse o autor ao seu local de trabalho.
Dessa forma, não há como admitir a existência do vínculo laboral no intervalo de 03-11-2002 a 31-10-2004 para fins previdenciários, razão pela qual nessa parte dou parcial provimento à remessa necessária.
DA ATIVIDADE ESPECIAL
O reconhecimento da especialidade da atividade exercida é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar, em 26-11-2014, os Embargos de Declaração no Recurso Especial Repetitivo n. 1.310.034, da Relatoria do Ministro Herman Benjamin, fixou o entendimento de que a configuração do tempo especial é de acordo com a lei vigente no momento do labor, seguindo assim orientação que já vinha sendo adotada desde longa data por aquela Corte Superior (AgRg no AREsp 531814/RS, Segunda Turma, Rel. Ministro Humberto Martins, DJe de 29-09-2014; AR 2745/PR, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe de 08-05-2013; AR n. 3320/PR, Terceira Seção, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 24-09-2008; EREsp n. 345554/PB, Terceira Seção, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ de 08-03-2004; AGREsp n. 493.458/RS, Quinta Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJU de 23-06-2003; e REsp n. 491.338/RS, Sexta Turma, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, DJU de 23-06-2003) e também por este Tribual (APELREEX n. 0000867-68.2010.404.9999/RS, Sexta Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. de 30-03-2010; APELREEX n. 0001126-86.2008.404.7201/SC, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. de 17-03-2010; APELREEX n. 2007.71.00.033522-7/RS, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva, D.E. de 25-01-2010; e EINF n. 2005.71.00.031824-5/RS, Terceira Seção, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. de 18-11-2009).
Feita essa consideração e tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário inicialmente definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema sub judice:
a) no período de trabalho até 28-04-1995, quando vigente a Lei n. 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei n. 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial, ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para os agentes nocivos ruído e calor (STJ, AgRg no REsp n. 941885/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe de 04-08-2008; e STJ, REsp n. 639066/RJ, Quinta Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ de 07-11-2005), além do frio, em que necessária a mensuração de seus níveis por meio de perícia técnica, carreada aos autos ou noticiada em formulário emitido pela empresa, com o fim de se verificar a nocividade ou não desses agentes;
b) a partir de 29-04-1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção daquelas a que se refere a Lei n. 5.527/68, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13-10-1996, dia anterior à publicação da Medida Provisória n. 1.523, de 14-10-1996, que revogou expressamente a Lei em questão - de modo que, no interregno compreendido entre 29-04-1995 (ou 14-10-1996) e 05-03-1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei n. 9.032/95 no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva da exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído, calor e frio, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima;
c) a partir de 06-03-1997, data da entrada em vigor do Decreto n. 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Medida Provisória n. 1.523/96 (convertida na Lei n. 9.528/97), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica;
d) a partir de 01-01-2004, passou a ser necessária a apresentação do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), que substituiu os formulários SB-40, DSS 8030 e DIRBEN 8030, sendo este suficiente para a comprovação do tempo especial desde que devidamente preenchido com base em laudo técnico e contendo a indicação dos responsáveis técnicos legalmente habilitados, por período, pelos registros ambientais e resultados de monitoração biológica, eximindo a parte da apresentação do laudo técnico em juízo. Nesse sentido, cumpre destacar que, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que, em regra, trazido aos autos o Perfil Profissiográfico Previdenciário, dispensável a juntada do respectivo laudo técnico ambiental, inclusive em se tratando de ruído, na medida em que o PPP já é elaborado com base nos dados existentes no LTCAT. Ressalva-se, todavia, a necessidade da apresentação desse laudo quando idoneamente impugnado o conteúdo do PPP (STJ, Petição n. 10.262/RS, Primeira Seção, Relator Ministro Sérgio Kukina, DJe de 16-02-2017). De qualquer modo, sempre possível a comprovação da especialidade por meio de perícia técnica judicial.
Acerca da conversão do tempo especial em comum, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial Repetitivo n. 1.151.363, do qual foi Relator o Ministro Jorge Mussi, pacificou o entendimento de que é possível a conversão mesmo após 28-05-1998, como segue:
PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL APÓS 1998. MP N. 1.663-14, CONVERTIDA NA LEI N. 9.711/1998 SEM REVOGAÇÃO DA REGRA DE CONVERSÃO.
1. Permanece a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades especiais para comum após 1998, pois a partir da última reedição da MP n. 1.663, parcialmente convertida na Lei 9.711/1998, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto que revogava o referido § 5º do art. 57 da Lei n. 8.213/91.
2. Precedentes do STF e do STJ.
Assim, considerando que o parágrafo 5.º do art. 57 da Lei n. 8.213/91 não foi revogado nem expressa, nem tacitamente pela Lei n. 9.711/98 e que, por disposição constitucional (art. 15 da Emenda Constitucional n. 20, de 15-12-1998), permanecem em vigor os artigos 57 e 58 da Lei de Benefícios até que a lei complementar a que se refere o art. 201, § 1.º, da Constituição Federal, seja publicada, é possível a conversão de tempo de serviço especial em comum inclusive após 28-05-1998.
Observo, ainda, quanto ao enquadramento das categorias profissionais, que devem ser considerados os Decretos n. 53.831/64 (Quadro Anexo - 2ª parte), n. 72.771/73 (Quadro II do Anexo) e n. 83.080/79 (Anexo II) até 28-04-1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos n. 53.831/64 (Quadro Anexo - 1ª parte), n. 72.771/73 (Quadro I do Anexo) e n. 83.080/79 (Anexo I) até 05-03-1997, e, a partir de 06-03-1997, os Decretos n. 2.172/97 (Anexo IV) e n. 3.048/99, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto n. 4.882/03. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível, também, a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula n. 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP n. 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30-06-2003).
Na hipótese vertente, passo à análise dos períodos reconhecidos na sentença como tempo especial.
O magistrado sentenciante reconheceu os períodos especiais de 01-03-1986 a 31-01-1989 (Ulyseea Meneses da Costa Duarte), 01-02-1989 a 01-09-1997, 02-01-1998 a 03-06-2002 e de 03-11-2002 a 31-10-2004 (Centro Médico M.C Duarte Ltda), em face da exposição do segurado ao agente físico radiações ionizantes em níveis considerados insalubres, de forma habitual e permanente, com base no laudo judicial pericial, juntado nas pp. 166/169.
Pois bem.
Quanto ao interregno de 03-11-2002 a 31-10-2004, desconsiderado como tempo decontribuição no item acima analisado, não há se falar em tempo especial.
No que diz respeito aos demais períodos, há na CTPS do autor anotações nos seguintes sentidos:
- de 01-03-1986 a 31-01-1989 (Ulyseea Meneses da Costa Duarte), consultório médico, registrado como secretário (p. 39);
- 01-02-1989 a 01-09-1997 e 02-01-1998 a 03-06-2002 - Centro Médico M.C Duarte Ltda - auxiliar de serviços médicos e gerente/operador de Raixa X, ramo do estabelecimento "clínica radiológica" (p. 39).
O PPP juntado nas pp. 26/27 informa que no período de 01-03-1986 a 31-01-1989 as atividades do autor consistiam em "auxiliar e executar as radiologias; operar câmara escura e auxiliar nas atividades administrativas". Ao que tudo indica, tal PPP foi assinado pelo empregador em 2014, sem informação da existência de LTCAT. Informa que o autor estava exposto a radiações ionizantes em face do Raio X, de forma permanente.
O laudo pericial judicial realizado por Engenheiro de Segurança do Trabalho em empresa similar de radiologia (pp. 166/169) informa expressamente que o autor estava exposto a radiações ionizantes por 24h semanais, presentes nas fontes de radiação, emissoras de Raio X, caracterizando insalubridade em grau máximo.
Pois bem.
A exposição do obreiro ao agente físico nocivo radiação do raio X permitia o enquadramento do tempo especial em face do código 1.1.4 do Decreto nº 53.831/64, bem como código 2.0.3 do Decreto nº 2.172/97 e código 2.0.3 do Decreto nº 3.048/99, permitindo a aposentadoria após 25 anos de tempo de serviço.
Oportuno referir que, para a caracterização da especialidade, não se reclama exposição às condições insalubres durante todos os momentos da prática laboral, sendo suficiente que o trabalhador, em cada dia de labor, esteja exposto a agentes nocivos em período razoável da jornada, salvo exceções (periculosidade, por exemplo). Caso se admitisse o contrário, chegar-se-ia ao extremo de entender que nenhum ofício faria jus àquela adjetivação, e, como é curial, o intérprete deve afastar a interpretação que o leve ao absurdo. Habitualidade e permanência hábeis para os fins visados pela norma - que é protetiva - devem ser analisadas à luz do serviço cometido ao trabalhador, cujo desempenho, não descontínuo ou eventual, exponha sua saúde à prejudicialidade das condições físicas, químicas, biológicas ou associadas que degradam o meio ambiente do trabalho.
Neste sentido, a Terceira Seção deste Tribunal já harmonizou seu entendimento:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. TEMPO ESPECIAL. ATIVIDADE INSALUBRE. HABITUALIDADE E CONTINUIDADE. CARACTERIZAÇÃO. A habitualidade e a continuidade a caracterizar o trabalho especial não pressupõe a permanência da insalubridade em toda a jornada de trabalho do segurado. Na verdade, o entendimento extraído da norma legal é a exposição diuturna de parcela da jornada de trabalho, desde que referida exposição seja diária. (EINF 5024390-63.2011.4.04.7000, Rel. Des. Federal Rogerio Favreto, julgado em 16-04-2015)
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. ATIVIDADE ESPECIAL. INSALUBRIDADE. COMPROVAÇÃO. EXPOSIÇÃO HABITUAL E PERMANENTE. PERÍODO ANTERIOR A ABRIL DE 1995. INSTALADOR HIDRÁULICO JUNTO A HOSPITAL.
1) Para caracterizar a especialidade, não há necessidade de haver exposição às condições insalubres durante todos os momentos da prática laboral. Habitualidade e permanência hábeis para os fins visados pela norma - que é protetiva - devem ser analisadas à luz do serviço cometido ao trabalhador, cujo desempenho, não descontínuo ou eventual, exponha sua saúde à prejudicialidade das condições físicas, químicas, biológicas ou associadas que degradam o meio ambiente do trabalho, como no caso de hospital.
2) É pacífico nesta Corte que, no período de trabalho até 28-04-95, quando vigente a Lei nº 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei nº 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para ruído, em que necessária sempre a aferição do nível de decibéis por meio de perícia técnica, carreada aos autos ou noticiada em formulário emitido pela empresa, a fim de se verificar a nocividade ou não desse agente.
3) Embargos infringentes improvidos.
(EINF n. 2004.71.00.028482-6/RS, Rel. Des. Federal Luís Alberto D"Azevedo Aurvalle, D.E. de 08-01-2010)
EMBARGOS INFRINGENTES. ATIVIDADE ESPECIAL. INSALUBRIDADE. COMPROVAÇÃO. EXPOSIÇÃO HABITUAL E PERMANENTE RUÍDOS ACIMA DE 80 Db.
Prevaleceu o entendimento de que a exposição habitual e permanente a ruídos superiores a 80 dB caracteriza atividade especial, segundo o Decreto nº 53.831/64, deve ser aplicado o limite mais favorável ao segurado. Não há falar em eventualidade e intermitência, se a exposição ao agente nocivo é não-eventual, diurna e contínua; mesmo que durante parte de sua jornada de trabalho não haja contato ou presença de agentes insalutíferos, o trabalhador tem direito ao cômputo do tempo de serviço especial.
(EIAC n. 2000.04.01.088061-6/RS, Rel. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva, DJU 03-03-2004)
Por conta disso, os períodos em questão devem ser computados como tempo especial, não havendo reforma da sentença no ponto.
Conclusão: após a análise de todo o processo, do recurso interposto pelo INSS e da remessa necessária, restou devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade rural entre 01-01-1982 a 27-02-1986 e tempo especial nos períodos de 01-03-1986 a 03-01-1989, 01-02-1989 a 01-09-1997 e 02-01-1998 a 03-06-2002, devendo ser reformada a sentença para afastar o tempo rural entre 23-03-1978 a 31-12-1981 e tempo comum e especial entre 03-11-2002 a 31-10-2004.
CONCLUSÃO
No caso concreto, somando-se o tempo de serviço incontroverso já computado pelo INSS até a DER 28-05-2013 (pp. 89/90) ao tempo de labor rural reconhecido na sentença e mantido parcialmente nesta decisão (01-01-1982 a 27-02-1986), além do tempo especial reconhecido entre 01-03-1986 a 03-01-1989, 01-02-1989 a 01-09-1997 e de 02-01-1998 a 03-06-2002, a parte autora implementa até a DER 31 anos, 09 meses e 28 dias de tempo de contribuição.
Assim, o autor não faz jus ao benefício aposentadoria por tempo de contribuição com proventos integrais ou proporcionais na DER 28-05-2013, eis que não computou tempo mínimo necessário considerando o período adicional previsto no art. 9º da EC nº 20/98 (3 anos 04 meses e 02 dias além dos 30 anos para aposentadoria proporcional), além de somente completar 53 anos em 2019, não atingindo assim o requisito etário previsto no artigo mencionado.
Recurso da parte autor - reafirmação da DER
Busca a parte autora a reafirmação da DER, a fim de ver concedida a aposentadoria pretendida.
A implementação, após a entrada do requerimento administrativo, dos requisitos para recebimento do benefício pode ser considerada como fato superveniente, apto a ensejar a reafirmação da DER.
Tal procedimento está consolidado administrativamente na Instrução Normativa nº 45/2010:
Art. 623. Se por ocasião do despacho, for verificado que na DER o segurado não satisfazia as condições mínimas exigidas para a concessão do benefício pleiteado, mas que os completou em momento posterior ao pedido inicial, será dispensada nova habilitação, admitindo-se, apenas, a reafirmação da DER.
A mesma regra foi mantida no art. 690 da Instrução Normativa n. 77/2015:
Art. 690. Se durante a análise do requerimento for verificado que na DER o segurado não satisfazia os requisitos para o reconhecimento do direito, mas que os implementou em momento posterior, deverá o servidor informar ao interessado sobre a possibilidade de reafirmação da DER, exigindo-se para sua efetivação a expressa concordância por escrito.
Parágrafo único. O disposto no caput aplica-se a todas as situações que resultem em benefício mais vantajoso ao interessado.
Com efeito, a jurisprudência da 3º Seção desta Corte orienta-se no sentido da possibilidade de reafirmação da DER computando-se o tempo de contribuição entre a data do requerimento e a data do ajuizamento na ação, na hipótese de a parte autora não implementar o tempo mínimo para o benefício até aquela data (EI nº 5007742-38.2012.4.04.7108, TRF4, 3ª SEÇÃO, juntado aos autos em 30/08/2016).
No caso concreto, conforme consulta ao CNIS, verifica-se que o autor manteve vínculo ativo com a empresa Associação Franciscana de Ensino Senhor Bom Jesus até 04-02-2014, ou seja, após a DER (28-05-2013).
Contudo, no caso em apreço, mesmo considerando tempo de contribuição até 04-02-2014 (data do afastamento do trabalho), o autor alcançaria apenas 32 anos, 07 meses e 01 dia de tempo de contribuição até o ajuizamento da presente ação, o que não garante à parte autora o direito à aposentadoria por tempo de contribuição com proventos proporcionais, conforme acima já aduzido.
Desta forma, impossível a reafirmação da DER para fins de concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição no caso concreto.
Honorários advocatícios
Considerando que a sentença foi proferida antes de 18-03-2016, data definida pelo Plenário do STJ para início da vigência do NCPC (Enunciado Administrativo nº 1-STJ), bem como o Enunciado Administrativo n. 7 - STJ (Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC), aplica-se ao caso a sistemática de honorários advocatícios da norma anteriormente vigente.
Desse modo, havendo sucumbência parcial de ambas as partes do processo, condeno-as ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, reciprocamente e proprocionalmente compensados.
Custas
Custa pela metade à cada parte. Como a parte autora é beneficiário da AJG, ficam elas suspensas. O INSS é isento do pagamento das custas judiciais na Justiça Federal, nos termos do art. 4º, I, da Lei n. 9.289/96. A isenção, entretanto, não se aplica quando o INSS é demandado na Justiça Estadual de Santa Catarina, sendo as custas judiciais devidas pela metade, a teor do que preceitua o art. 33, parágrafo primeiro, da Lei Complementar Estadual n. 156/97.
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação do INSS e à remessa necessária a fim de afastar o tempo rural entre 23-03-1978 a 31-12-1981, tempo comum e especial entre 03-11-2002 a 31-10-2004, e julgar improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição. Negar, também, provimento ao recurso da parte autora.
Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9443599v67 e, se solicitado, do código CRC 98F1160F. | |
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| Data e Hora: | 15/08/2018 18:34 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 15/08/2018
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0017906-05.2015.4.04.9999/SC
ORIGEM: SC 03006653220148240058
RELATOR | : | Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr Claudio Dutra Fontella |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | TEODOMIRO KRZESINSKI |
ADVOGADO | : | Glauco Humberto Bork |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 2A VARA DA COMARCA DE SÃO BENTO DO SUL/SC |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 15/08/2018, na seqüência 55, disponibilizada no DE de 27/07/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E À REMESSA NECESSÁRIA A FIM DE AFASTAR O TEMPO RURAL ENTRE 23-03-1978 A 31-12-1981, TEMPO COMUM E ESPECIAL ENTRE 03-11-2002 A 31-10-2004, E JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO DE CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. NEGAR, TAMBÉM, PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN |
: | Des. Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE | |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
Ana Carolina Gamba Bernardes
Secretária
| Documento eletrônico assinado por Ana Carolina Gamba Bernardes, Secretária, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9454435v1 e, se solicitado, do código CRC BEF9EAD0. | |
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