
Apelação Cível Nº 5004730-92.2020.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
RELATÓRIO
A sentença proferida na ação ajuizada por A. A. D. O. contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS julgou parcialmente procedentes os pedidos, para condenar o réu a: a) reconhecer o exercício de atividade rural no período de 01/01/1988 a 03/12/1989 e proceder à averbação do tempo de serviço; b) reconhecer o exercício de atividade em condições especiais nos períodos de 04/12/1989 a 12/02/1990, de 17/05/1990 a 22/11/1993, de 04/04/1994 a 22/04/1996, de 01/04/1997 a 14/04/1999, de 08/02/2000 a 13/12/2001, de 03/01/2005 a 26/10/2006, de 18/04/2007 a 16/06/2007 e de 19/06/2007 a 11/12/2009 e proceder à averbação do tempo de serviço especial e à conversão em tempo comum pelo fator 1,4; c) conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição mediante a reafirmação da data de entrada do requerimento para 16 de março de 2020; d) pagar as parcelas vencidas com atualização monetária pelo INPC e juros de mora, contados desde a citação, pela taxa aplicada à caderneta de poupança, devendo incidir, a partir de 9 de dezembro de 2021, a taxa SELIC, acumulada mensalmente, a título de correção monetária e juros de mora. O INSS foi condenado ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, fixados sobre a soma das prestações vencidas até a data da sentença, em percentual a ser arbitrado quando houver a liquidação do julgado.
Ambas as partes interpuseram apelação.
O autor postulou o reconhecimento do tempo de serviço rural entre 22/03/1983 a 21/03/1985 e do tempo especial entre 17/07/2002 a 19/04/2004 e 08/09/2010 a 22/11/2016 e a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição desde a data do requerimento administrativo. Aduziu que, segundo o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e do Superior Tribunal de Justiça, é possível o reconhecimento do trabalho rural antes mesmo dos 12 anos de idade. Pontuou que o início de prova material e a prova testemunhal produzida demonstram que, de fato, exerceu atividade rural com a família desde a infância. Alegou que, no período de 17/07/2002 a 19/04/2004, exerceu a função de lixador, ficando exposto a ruído excessivo e agentes químicos, inclusive benzeno, agente nocivo cancerígeno que enseja o reconhecimento da atividade especial, qualquer que seja o nível de concentração no ambiente de trabalho. Destacou que a perícia judicial similar, que examinou as condições de trabalho em indústria calçadista na função de lixador, comprova a exposição a ruído e agentes químicos. Sustentou que, no período de 08/09/2010 a 22/11/2016, trabalhou na função de chefe de cozinha, havendo exposição a agentes químicos como álcalis cáusticos, conforme formulário expedido pela empresa. Mencionou julgado deste Tribunal que reconhece o tempo especial devido à exposição a álcalis cáusticos.
O INSS insurgiu-se contra o reconhecimento do tempo de atividade especial. Alegou, em relação ao agentes químicos, a ausência de enquadramento das atividades exercidas pelo autor no código 1.2.11 do Anexo III do Decreto nº 53.831/1964 e no código 1.2.10 do Anexo I do Decreto nº 83.080/1979, aplicáveis até 5 de março de 1997; quanto ao período posterior, a exposição ocupacional ao tolueno é inferior ao limite de tolerância previsto no Anexo 11 da NR-15. Aduziu que, conforme a análise da profissiografia e do setor de trabalho da parte autora, não há como concluir que houve exposição permanente, não ocasional nem intermitente, ao tolueno. Refutou a possibilidade de exposição a benzeno, pontuando que a atividade profissional do autor não se assemelha às atividades arroladas no código 1.0.3 do anexo IV dos Decretos nº 2.172/1997 e nº 3.048/1999. Sustentou que não se presume a exposição a agentes químicos pelo simples fato de se tratar de atividade profissional desenvolvida na indústria calçadista, sendo necessário esclarecer a composição química dos produtos utilizados, pois nem todos contêm benzeno ou substâncias tóxicas, e proceder á avaliação quantitativa, a fim de verificar se os limites de tolerância estabelecidos no Anexo 11 da NR-15.
As partes apresentaram contrarrazões.
A sentença foi publicada em 28 de novembro de 2023.
VOTO
Tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213
Segundo o art. 55, §2º, da Lei nº 8.213, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. Ainda que o marco final estabelecido seja a entrada em vigor da Lei nº 8.213, o Decreto nº 3.048/1999, no art. 127, inciso V, estendeu a possibilidade de aproveitamento do tempo rural até 31 de outubro de 1991.
O legislador ordinário não concedeu uma benesse aos trabalhadores rurais, ao permitir o cômputo de serviço anterior à Lei nº 8.213, mesmo sem o recolhimento de contribuições previdenciárias; apenas concretizou a norma do inciso II do parágrafo único do art. 194 da Constituição de 1988, que assegurou a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços aos trabalhadores urbanos e rurais. No regime anterior à Lei nº 8.213, os trabalhadores rurais contavam somente com o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) instituído pela Lei Complementar nº 11. Os beneficiários do PRORURAL, além do trabalhador rural que exercia a atividade individualmente ou em regime de economia familiar, eram o empregado rural (contratado por produtor rural pessoa física ou jurídica), o avulso rural (contratado mediante a intermediação de sindicato ou órgão gestor de mão de obra) e o trabalhador rural eventual (volante, diarista ou boia-fria). Os benefícios oferecidos pelo PRORURAL não requeriam o pagamento de contribuições, porém eram limitados e tipicamente assistenciais, não prevendo a aposentadoria por tempo de serviço. A regra do art. 55, §2º, da Lei nº 8.213, assim, objetiva conciliar a substancial diferença entre o velho e o novo regime previdenciário, no tocante à contagem de tempo de serviço.
Além de todos os beneficiários do antigo PRORURAL, o art. 55, §2º, da Lei nº 8.213, abarca os membros do grupo familiar, visto que o art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios, define como segurado especial não só o produtor rural que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, mas também o cônjuge ou companheiro e filhos maiores de dezesseis anos ou a ele equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.
A idade mínima de dezesseis anos referida no art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios considera a redação do art. 7º, inciso XXXIII, da Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 20. Em relação ao período anterior à Lei nº 8.213, a jurisprudência admite o reconhecimento da atividade rural exercida por menor a partir dos doze anos, pois as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo e não para não prejudicá-lo. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ampara esse entendimento:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADORA RURAL. MENOR DE 16 ANOS DE IDADE. CONCESSÃO DE SALÁRIO-MATERNIDADE. ART. 7º, XXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA PROTETIVA QUE NÃO PODE PRIVAR DIREITOS. PRECEDENTES. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7º, XXXIII, da Constituição “não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos” (RE 537.040, Rel. Min. Dias Toffoli). Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 600616 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 26/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-175 DIVULG 09-09-2014 PUBLIC 10-09-2014)
Para a comprovação do tempo de atividade rural, o art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213, exige início de prova material, não aceitando prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. A legalidade da norma é corroborada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consoante a Súmula 149: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário. Em julgado mais recente, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou o entendimento no Tema 297 (REsp 1133863/RN, 3ª Seção, Rel. Ministro Celso Limongi, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).
Entende-se que a tarifação da prova imposta pelo art. 55, §3º, da Lei de Benefícios, dirige-se apenas à prova exclusivamente testemunhal. Portanto, o início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213, cujo caráter é meramente exemplificativo. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural. Dessa forma, os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. Assim, representam início de prova material as certidões de casamento, nascimento, alistamento no serviço militar, do registro de imóveis e do INCRA, escritura de propriedade rural, histórico escolar, declaração da Secretaria de Educação, entre outros documentos públicos.
Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do trabalho rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rurícola, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso. A jurisprudência vem relativizando o requisito de contemporaneidade, admitindo a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, tanto de forma retrospectiva como prospectiva, com base em firme prova testemunhal. Assim, não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que as lacunas na prova documental sejam supridas pela prova testemunhal. Nesse sentido, a tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça em recurso repetitivo:
Tema 638 - Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório. (REsp 1348633 SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/08/2013, DJe 05/12/2014)
Os documentos em nome de terceiros, integrantes do mesmo grupo familiar, sobretudo pais ou cônjuge, são aceitos como início de prova material. O art. 11, § 1º, da Lei de Benefícios, define o regime de economia familiar como aquele em que os membros da família exercem em condições de mútua dependência e colaboração. Na sociedade rural, geralmente os atos negociais são formalizados em nome do chefe de família, função exercida pelo genitor ou cônjuge masculino. Na Súmula 73, este Tribunal preceitua: Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.
O membro de grupo familiar que exerça outra atividade enquadrada no regime geral de previdência social ou em outro regime, mesmo que continue trabalhando nas lides rurais, perde a qualidade de segurado especial, conforme dispõe o art. 11, § 9º, da Lei nº 8.213, incluído pela Lei nº 11.718.
O exercício de atividade urbana por um dos integrantes da família repercute em dois aspectos: a caracterização do regime de economia familiar e a comprovação do exercício da atividade rural pelos demais membros do grupo familiar.
Entende-se que, se ficar comprovado que a remuneração proveniente da atividade urbana de um dos membros da família é apenas complementar e a principal fonte de subsistência do grupo familiar continua sendo a atividade rural, não se descaracteriza a condição de segurado especial do outro cônjuge ou dos demais integrantes da família. Contudo, se as provas materiais do labor rural estão em nome do membro do grupo familiar que não ostenta a qualidade de segurado especial, por possuir fonte de renda derivada de atividade urbana, não é possível aproveitar o início de prova material para os demais membros da família.
A matéria já foi enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça, em recurso representativo da controvérsia (REsp 1304479/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012), e resultou nas seguintes teses:
Tema 532 - O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).
Tema 533 - Em exceção à regra geral (...), a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.
Em suma, o exercício da atividade rural no período anterior à Lei nº 8.213 pode ser comprovado por qualquer meio documental idôneo que propicie a formação de convencimento do julgador, não se exigindo a demonstração exaustiva dos fatos por todo o período requerido. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos. Dessa forma, a prova oral representa importante subsídio complementar ao início de prova material, devendo formar um conjunto probatório firme e coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.
Tempo de atividade especial
O reconhecimento da especialidade obedece à disciplina legal vigente na época em que a atividade foi exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, havendo a prestação laboral sob a vigência de certa legislação, o segurado adquire o direito à contagem do tempo de serviço especial na forma estabelecida, bem como à comprovação das condições de trabalho como então exigido, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial. Nesse sentido, a orientação adotada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (AR 3320/PR, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 24-09-2008) e pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (EINF 2005.71.00.031824-5/RS, Terceira Seção, Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 18-11-2009).
A evolução legislativa da matéria apresenta os seguintes marcos temporais:
a) até 28 de abril de 1995, quando esteve vigente a Lei nº 3.807 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei nº 8.213 (Lei de Benefícios da Previdência Social), em sua redação original (artigos 57 e 58), a especialidade do tempo de serviço decorria do exercício de atividade profissional prevista como especial nos Decretos nº 53.831/1964 e nº 83.080/1979 e/ou na legislação especial. As normas regulamentares classificavam as atividades de duas formas: segundo os grupos profissionais, presumindo-se a sujeição do trabalhador a condições prejudiciais à saúde ou à integridade física; e segundo os agentes nocivos, caso em que deve ser demonstrada a exposição ao agente por qualquer meio de prova. Para os agentes nocivos ruído e calor, é necessário mensurar os seus níveis por meio de perícia técnica, documentada nos autos ou informada em formulário emitido pela empresa, a fim de verificar o grau de nocividade dos agentes envolvidos;
b) entre 29 de abril de 1995 a 5 de março de 1997, período em que estavam vigentes as alterações introduzidas pela Lei nº 9.032 no artigo 57 da LBPS, torna-se necessária a demonstração efetiva da exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima. Foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção das atividades a que se refere a Lei nº 5.527, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13 de outubro de 1996, data imediatamente anterior à publicação da Medida Provisória nº 1.523, que a revogou expressamente;
c) a partir de 6 de março de 1997, data da entrada em vigor do Decreto nº 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da LBPS pela Medida Provisória nº 1.523 (convertida na Lei nº 9.528), passou a ser exigida, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico de condições ambientais do trabalho, ou por meio de perícia técnica.
Para que se caracterize a habitualidade e a permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física (referidas no artigo 57, §3º, da Lei n° 8.213), a exposição ao agente nocivo deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho e, em muitas delas, a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível (EINF n.º 0003929-54.2008.404.7003, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Rogério Favreto, D.E. 24-10-2011; EINF n.º 2007.71.00.046688-7, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07-11-2011). Em suma, somente se a exposição ao agente nocivo for eventual ou ocasional, está afastada a especialidade do tempo de serviço.
Além disso, conforme o tipo de atividade, a exposição ao agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade. Não é razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (EINF n° 2005.72.10.000389-1, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. 18-05-2011; EINF n° 2008.71.99.002246-0, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 08-01-2010).
Uma vez que se incorpora ao patrimônio jurídico do trabalhador a prestação de trabalho em condições especiais, regida pela legislação em vigor na época do exercício da atividade, é possível a conversão do tempo especial para comum, independente da data da prestação do trabalho ou do requerimento de benefício. A respeito, cabe registrar que, embora o art. 28 da MP nº 1.663-10 tenha revogado o artigo 57, § 5º, da Lei nº 8.213, a lei de conversão (Lei nº 9.711) não manteve o dispositivo, permanecendo a possibilidade de soma do tempo de serviço especial, após a respectiva conversão, ao tempo de atividade comum, para a concessão de qualquer benefício. Sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça fixou a seguinte tese:
Tema 422 - Permanece a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades especiais para comum após 1998, pois a partir da última reedição da MP n. 1.663, parcialmente convertida na Lei 9.711/1998, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto que revogava o referido § 5º do art. 57 da Lei n. 8.213/1991. (REsp 1151363/MG, Rel. MINISTRO JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/03/2011, DJe 05/04/2011)
A atual redação do artigo 70 do Decreto nº 3.048/1999 estabelece que as regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período. Contudo, o fator de conversão do tempo especial em comum a ser utilizado é o previsto na legislação vigente na data da concessão do benefício, e não aquele em vigor quando o serviço foi prestado.
De acordo com o art. 70 do Decreto nº 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto nº 4.827/2003, o fator de conversão a ser observado é de 1,4 para o homem e de 1,2 para a mulher (considerando, em ambos os casos, o exercício de atividade que ensejaria a aposentadoria especial em 25 anos).
Agente físico ruído
Em se tratando do agente nocivo ruído, o reconhecimento da especialidade do labor exige, em qualquer período, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica. Ou seja, não basta, aqui, mesmo no período anterior a 28 de abril de 1995, o enquadramento por categoria profissional, sendo exigida prova da exposição ao agente nocivo.
Em relação ao agente nocivo ruído, consideram-se os níveis de pressão sonora estabelecidos na legislação em vigor na data da prestação do trabalho, conforme o quadro a seguir:
Período trabalhado | Enquadramento | Limites de tolerância |
até 05/03/1997 | 1. Decreto nº 53.831/1964; 2. Decreto nº 83.080/1979 | 1. Superior a 80 dB; 2. Superior a 90 dB |
de 06/03/1997 a 06/05/1999 | Decreto nº 2.172/1997 | Superior a 90 dB |
de 07/05/1999 a 18/11/2003 | Decreto nº 3.048/1999, na redação original | Superior a 90 dB |
a partir de 19/11/2003 | Decreto nº 3.048/1999 com alteração introduzida pelo Decreto nº 4.882/2003 | Superior a 85 dB |
Cabe esclarecer que os Decretos nº 53.831/1964 e 83.080/1979 tiveram vigência concomitante até a edição do Decreto nº 2.172/1997, que revogou de forma expressa o fundamento de validade da legislação então vigente. Dessa forma, até 5 de março de 1997, é considerada nociva à saúde a atividade sujeita a ruídos superiores a 80 decibéis, conforme previsão mais benéfica do Decreto n° 53.831 de 1964.
O Decreto nº 4.882/2003, que reduziu o limite de tolerância ao agente físico ruído para 85 decibéis, não pode ser aplicado retroativamente. Dessa forma, entre 6 de março de 1997 e 18 de novembro de 2003, o limite de tolerância ao ruído corresponde a 90 decibéis, consoante o código 2.0.1 do Anexo IV dos Decretos n° 2.172/1997 e 3.048/1999. O Superior Tribunal de Justiça examinou a matéria em recurso especial repetitivo e fixou a seguinte tese:
Tema 694 - O limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC). (REsp 1.398.260/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/05/2014, DJe 05/12/2014)
Agentes químicos
Os Decretos nº 2.172/1997 e nº 3.048/1999, no Anexo IV, arrolam os agentes químicos nocivos à saúde, nos códigos 1.0.1 a 1.0.19. Conforme o Decreto nº 3.265, de 29 de novembro de 1999, o rol de agentes nocivos é exaustivo, enquanto que as atividades listadas nas quais pode haver a exposição é exemplificativa.
No entanto, mesmo que os atos normativos infralegais não enquadrem determinada substância química como nociva, se for constatado o efetivo prejuízo à saúde do segurado, é possível o reconhecimento da especialidade do labor desempenhado. Isso porque, consoante entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça, em recurso representativo de controvérsia, fixou a seguinte tese:
Tema 534 - As normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991). (REsp 1.306.113/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/11/2012, DJe 07/03/2013)
Desse modo, constatando-se, concretamente, a insalubridade de determinada atividade, é imperioso o reconhecimento da sua especialidade, ainda que o agente nocivo não esteja elencado no respectivo ato regulamentar. Nesse sentido, aliás, já dispunha a Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos: Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em Regulamento.
Embora o Decreto nº 3.265/1999 estabeleça que o direito ao benefício decorre da exposição ao agente nocivo em nível de concentração superior aos limites de tolerância, a avaliação para os agentes nocivos previstos nos Anexos 6, 13, 13-A e 14 da Norma Regulamentadora nº 15 - NR-15 é apenas qualitativa, sendo a nocividade presumida e independente de mensuração, constatada pela simples presença do agente no ambiente de trabalho, segundo dispõe o art. 157, § 1º, inciso I, da Instrução Normativa INSS/DC nº 118/2005 e dos atos normativos posteriores.
Vale notar, ainda, que os limites de tolerância fixados no Anexo 11 da NR-15 são válidos apenas para absorção por via respiratória. Se a substância química também for absorvida pela pele, não há como determinar o limite seguro de exposição.
Nesse sentido, já decidiu este Tribunal Regional Federal:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE LABOR EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. RUÍDO. AGENTES QUÍMICOS. EPI. REQUISITOS ATENDIDOS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. CONSECTÁRIOS. DIFERIMENTO. TUTELA ESPECÍFICA. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. (...) 6. Destacado o caráter meramente exemplificativo das listas de fatores e situações de risco constantes dos Decretos regulamentadores, bem como a desnecessidade de avaliação quantitativa dos riscos ocupacionais gerados pela exposição aos agentes químicos do Anexo 13 da NR 15 do MTE. (...) (TRF4 5004685-94.2012.4.04.7113, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 26/04/2017)
Hidrocarbonetos e óleos minerais
Os tóxicos orgânicos, especialmente os hidrocarbonetos, constituem agente químico nocivo elencado no Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/1964 (código 1.2.11 - tóxicos orgânicos), no Anexo I do Decreto nº 83.080/1979 (código 1.2.10 - hidrocarboneto e outros compostos de carbono), no Anexo IV do Decreto nº 2.172/1997 e no Anexo IV do Decreto nº 3.048/1999 (códigos 1.0.3, 1.0.7 e 1.0.19 - benzeno e seus compostos tóxicos; carvão mineral e seus derivados; outras substâncias químicas, arroladas em extenso rol).
Os hidrocarbonetos abrangem, em verdade, uma multiplicidade de substâncias químicas. O fato de o decreto regulamentar não mencionar a expressão hidrocarbonetos não significa que não tenha encampado, como agentes nocivos, diversos agentes químicos que podem ser assim qualificados. Cuida-se, precisamente, do que sucedeu nos Decretos nº 2.172/1997 e nº 3.048/1999.
De qualquer sorte, ainda que os hidrocarbonetos não estivessem arrolados nos apontados atos infralegais, não haveria óbice ao reconhecimento de sua nocividade, consoante o entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça no recurso representativo de controvérsia (Tema 534) e pelo extinto Tribunal Federal de Recursos (Súmula 198), citado anteriormente.
Também por essa perspectiva, portanto, a exposição a hidrocarbonetos autorizaria o reconhecimento da especialidade da atividade, desde que contatada, concretamente, a sua nocividade. Os danos provocados à saúde por esses agentes químicos são, aliás, bastante conhecidos. Com efeito, o contato com esses agentes (graxas, óleos minerais, hidrocarbonetos aromáticos, combustíveis, solventes, inseticidas, etc.) é responsável por frequentes dermatoses profissionais, com potencialidade de ocasionar afecções inflamatórias e até câncer cutâneo em número significativo de pessoas expostas, em razão da ação irritante da pele, com atuação paulatina e cumulativa, bem como irritação e dano nas vias respiratórias quando inalados e até efeitos neurológicos, quando absorvidos e distribuídos através da circulação do sangue no organismo. Isto para não mencionar problemas hepáticos, pulmonares e renais (TRF4, APELREEX 0002033-15.2009.404.7108, Sexta Turma, Relator Celso Kipper, D.E. 12/07/2011).
Uma vez que os tóxicos orgânicos, especialmente os hidrocarbonetos, constituem agente químico nocivo constante no Anexo 13 da NR-15, no código 1.2.11 do Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/1964, no código 1.2.10 do Anexo I do Decreto nº 83.080/1979 e no código 1.0.19 do Anexo IV do Decreto nº 2.172/1997 e do Decreto nº 3.048/1999, a avaliação quantitativa é desnecessária.
A corroborar o exposto, já decidiu este Tribunal Regional Federal:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO. EXAME LAUDO DA EMPRESA. REGISTRO DE AGENTES QUÍMICOS. ESPECIALIDADE. . Constatada omissão quanto à análise da especialidade do labor do autor em face do laudo técnico que registra trabalho exposto a agentes químicos, impõe-se a correção da irregularidade, examinando-se a matéria. . No Quadro Anexo do Decreto nº 53.831, de 25-03-1964, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24-01-1979, e o Anexo IV do Decreto nº 2.172, de 05-03-1997, constam como insalubres as atividades expostas a poeiras, gases, vapores, neblinas e fumos de derivados do carbono nas operações executadas com derivados tóxicos do carbono, em que o segurado ficava sujeito habitual e permanentemente (Códigos 1.2.11, 1.2.10; 1.0.3, 1.017 e 1.0.19). . Apesar de não haver previsão específica de especialidade pela exposição a hidrocarbonetos em decreto regulamentador, há o enquadramento de atividade especial, pois a sua manipulação de modo habitual e permanente já é suficiente para o reconhecimento da atividade exposta ao referido agente nocivo, sem necessidade de avaliação quantitativa (Precedentes desta Corte). . Embargos providos para, reconhecida a especialidade nos períodos de 01/09/1988 a 10/09/1992, 01/02/1993 a 21/04/2002 e 03/02/2003 a 22/10/2003, em face de agentes químicos, reconhecer o direito à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição a partir da primeira DER, em 24/07/2006. (TRF4 5018797-83.2012.4.04.7108, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 28/06/2018)
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL. FUNILEIRO. MECÂNICO. RUÍDO. HIDROCARBONETOS. TUTELA ESPECÍFICA. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. 1. Apresentada a prova necessária a demonstrar o exercício de atividade sujeita a condições especiais, conforme a legislação vigente na data da prestação do trabalho, deve ser reconhecido o respectivo tempo de serviço. 2. O ruído permite enquadramento no Decreto nº 53.831, de 25-03-1964, no Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24-01-1979, no Anexo IV do Decreto nº 2.172, de 05-03-1997, e no Anexo IV do Decreto nº 3.048, de 06-05-1999, alterado pelo Decreto nº 4.882, de 18-11-2003. 3. A exposição a hidrocarbonetos permite enquadramento no Decreto nº 53.831/64, em seu Quadro Anexo, item 1.2.11; no Decreto nº 72.771/73, em seu Anexo I, item 1.2.10; no Decreto nº 83.080/79, Anexo I, item 1.2.10 e no Decreto n. 3.048/99, itens 1.0.3, 1.0.7 e 1.0.19 do Anexo IV. 4. Em se tratando de agente químico, a avaliação deve ser qualitativa, mostrando-se desnecessário apontar no laudo a sua quantidade. 5. Possível afastar o enquadramento da atividade especial somente quando comprovada a efetiva utilização de equipamentos de proteção individual que elidam a insalubridade. 6. Resta assegurada à parte autora a possibilidade de continuar exercendo atividades laborais sujeitas a condições nocivas após a implantação do benefício de aposentadoria especial, pois é inconstitucional o § 8º do artigo 57 da Lei de Benefícios. Precedentes. 7. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). 8. A forma de cálculo dos consectários legais resta diferida para a fase de execução do julgado. (TRF4 5024652-61.2016.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA, juntado aos autos em 11/07/2017)
Caso concreto
1 - Tempo de serviço rural
A controvérsia diz respeito ao exercício de atividade rural no período de 22/03/1983 (quando o autor completou 10 anos de idade) a 21/03/1985.
No processo administrativo, o INSS reconheceu o tempo de serviço rural entre 22/03/1985 a 31/12/1987.
As provas documentais juntadas ao processo administrativo são as seguintes (
, p. 13, p. 51 e p. 62/87; , p. 22/39):- certidão de nascimento do autor, no ano de 1973, na qual o seu pai, Marcírio Soares de Oliveira, é qualificado como agricultor;
- título definitivo emitido pelo INCRA em nome do pai do autor, referente ao imóvel rural localizado no Município de Miraguaí, com área de 7.9 hectares, no ano de 1975;
- matrícula no Registro de Imóveis da Comarca de Tenente Portela, aberta no ano de 1976, relativa ao lote rural com área de 7,9 hectares, localizado no Município de Miraguaí, constando como proprietário o pai do autor, qualificado como agricultor;
- ficha de associação do pai do autor ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Miraguaí, no ano de 1978, constando residência na localidade de Barca do Soares e pagamento de anuidades nos anos de 1983 a 1985;
- histórico escolar do autor, emitido pela Escola Municipal de Ensino Fundamental Olavo Bilac, situada na localidade de Barca dos Soares, Município de Miraguaí/RS, referente aos anos de 1980 a 1985;
- certificado de cadastro no INCRA em nome do pai do autor, relativo ao imóvel rural localizado no Município de Miraguaí, com área de 7.9 hectares, emitido nos anos de 1984, 1986 e 1991;
- notificação de pagamento do imposto territorial rural em nome do pai do autor, relativa ao ano de 1985;
- notas fiscais de produtor rural e de venda de produtos agrícolas em nome do pai do autor, emitidas nos anos de 1985 e 1987;
- histórico escolar do autor, emitido pela Escola Estadual de 1º Grau Visconde de Mauá, localizada na Linha Bonita, Município de Miraguaí/RS, referente aos anos de 1986 a 1989.
Por determinação do juízo, foi realizada justificação administrativa (
).A testemunha Ilário Mann declarou:
A testemunha Paulino Brisist de Souza declarou:
A testemunha João Antônio Fermino declarou:
Qualquer meio material idôneo que evidencie a ocorrência de um fato relacionado ao exercício da atividade rural e propicie a formação de convencimento do julgador constitui prova documental. As notas fiscais de comercialização de produtos agropecuários à cooperativa rural demonstram, sem dúvida, o efetivo desenvolvimento do trabalho rurícola, porém não representam o único meio de prova da atividade rural.
O próprio INSS admite a aptidão probatória do título de propriedade, desde que conste no documento a profissão ou qualquer outro dado que evidencie o exercício da atividade rurícola e seja contemporâneo ao fato nele declarado, entre outros documentos arrolados no art. 54 da Instrução Normativa INSS/PRES nº 77/2015.
Além disso, as notas fiscais de produtor rural e o certificado de cadastro no INCRA consistem em prova hábil à comprovação do tempo de atividade rural, consoante dispõe o art. 106 da Lei nº 8.213, na redação anterior à Medida Provisória nº 871 de 2019, e demonstram o desempenho do trabalho rurícola pela família da autora no período controvertido.
O histórico escolar, ainda que não mencione a profissão dos pais, evidencia a permanência do autor na localidade rural onde residia a família.
No caso dos autos, existem vários documentos que são plenamente aceitos como início de prova material e atendem ao requisito de contemporaneidade.
Assinale-se que os documentos de caráter permanente, como o título de propriedade, possuem eficácia temporal estendida até que haja transmissão do imóvel.
A prova documental em nome do pai do autor é válida para a comprovação do tempo de serviço rural, porquanto o exercício da atividade ocorreu em regime de economia familiar.
Não se exige que o início de prova material demonstre exaustivamente os fatos por todo o período requerido, firmando-se a presunção de continuidade do trabalho rurícola, desde que não exista período urbano intercalado com rural ou outro indicativo que descaracterize a condição de segurado especial. O Tema 638 do Superior Tribunal de Justiça admite a extensão da eficácia probatória do início de prova material, tanto de forma retrospectiva como prospectiva, com base em robusta prova testemunhal.
A propósito, vejam-se as orientações contidas no Ofício-circular DIRBEN/INSS nº 46, de 13 de setembro de 2019:
PROVA MATERIAL
7. O disposto no § 3° do art. 55 da Lei nº 8.213, de 1991 foi alterado pela Lei nº 13.846, de 2019, exigindo-se para comprovação de atividade laboral, apresentação de prova documental contemporânea ao período autodeclarado, devendo ser observado os seguintes procedimentos:
I - quanto ao rol da prova material:
a) será admitida prova material baseada em cadastro governamental ou certidão/declaração oficial contemporâneos ao fato que se pretenda comprovar;
b) são consideradas provas, dentre outras, as listadas no art. 106 da Lei nº 8.213, de 1991, bem como nos incisos I, III e IV a XI do art. 47 e art. 54 ambos da IN nº 77/PRES/INSS, de 2015, não havendo distinção entre prova plena e início de prova material para fins de comprovação de atividade rural do SE.
(...)
III - quanto à extensão do instrumento de ratificação em relação ao grupo familiar:
a) toda e qualquer prova material vale para qualquer membro do grupo familiar, devendo o titular do documento possuir condição de SE no período pretendido, caso contrário a pessoa interessada deverá apresentar documento em nome próprio;
b) se o titular do documento for SE na data de emissão/registro/homologação do cadastro ou documento e posteriormente perder a condição de SE, poderá ser realizada a ratificação parcial do período em que o titular do documento manteve a qualidade de SE, observado o limite temporal do inciso I do Item 6 (metade da carência do B41 - aposentadoria por idade);
A questão acerca do trabalho rural desenvolvido por menores de doze anos foi objeto de análise pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região na apelação cível (em ação civil pública) nº 5017267-34.2013.4.04.7100, conforme ementa abaixo transcrita:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA AFASTAR A IDADE MÍNIMA PREVISTA NO ART. 11 DA LEI 8.213/91 PARA FINS DE RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO E DE CONTRIBUIÇÃO. INTERESSE DE AGIR DO MPF. RECONHECIMENTO. EFEITOS JURÍDICOS DA SENTENÇA. ABRANGÊNCIA NACIONAL DA DECISÃO PROLATADA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 16 DA LEI. 7.347/85. INTERPRETAÇÃO DO ART. 7º, XXXIII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TRABALHO INFANTIL X PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA. REALIDADE FÁTICA BRASILEIRA. INDISPENSABILIDADE DE PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA ÀS CRIANÇAS. POSSIBILIDADE DE SER COMPUTADO PERÍODO DE TRABALHO SEM LIMITAÇÃO DE IDADE MÍNIMA. ACP INTEGRALMENTE PROCEDENTE. JULGAMENTO PELO COLEGIADO AMPLIADO. ART. 942 DO CPC. RECURSO DO MPF PROVIDO. APELO DO INSS DESPROVIDO. 1. O interesse processual do MPF diz respeito à alteração de entendimento da autarquia no tocante às implicações previdenciárias decorrentes do exercício laboral anterior àquele limite etário mínimo, consubstanciadas inclusive na Nota 76/2013. Em que pese efetivamente constitua aquela Nota importante avanço no posicionamento do INSS sobre a questão, não torna ela despicienda a tutela jurisdicional pleiteada, já que admite aquela Nota que, uma vez reconhecida na esfera trabalhista a relação de emprego do menor de 16 anos, possa a autarquia considerá-lo segurado e outorgar efeitos de proteção previdenciária em relação ao mesmo, permanecendo - não bastasse a já referida necessidade prévia de reconhecimento trabalhista - a não admitir a proteção para as demais situações de exercício laboral por menor de 16 anos, referidas na contestação como externadas de forma voluntária. Não bastasse isto, restaria ainda a questão referente à documentação e formalidades exigidas para a comprovação de tal labor, o que evidencia a permanência da necessidade de deliberação e, por consequência, a existência do interesse de agir. 2. Não há falar em restrição dos efeitos da decisão em ação civil pública a limites territoriais, pois não se pode confundir estes com a eficácia subjetiva da coisa julgada, que se estende a todos aqueles que participam da relação jurídica. Isso porque, a imposição de limites territoriais, prevista no art. 16 da LACP, não prejudica a obrigatoriedade jurídica da decisão judicial em relação aos participantes da relação processual. 3. Logo, inexiste violação ao art. 16 da Lei nº 7.347/1985, como aventou o INSS, porquanto não é possível restringir a eficácia da decisão proferida nos autos aos limites geográficos da competência territorial do órgão prolator, sob pena de chancelar a aplicação de normas distintas a pessoas detentoras da mesma condição jurídica. 4. Mérito. A limitação etária imposta pelo INSS e que o Ministério Público Federal quer ver superada tem origem na interpretação que se dá ao art. 7º, XXXIII da Constituição Federal, que veda qualquer trabalho para menores 16 anos, salvo na condição de aprendiz. 5. Efetivamente, a aludida norma limitadora traduz-se em garantia constitucional existente em prol da criança e do adolescente, vale dizer, norma protetiva estabelecida não só na Constituição Federal, mas também na legislação trabalhista, no ECA (Lei 8.079/90) em tratados internacionais (OIT) e nas normas previdenciárias. 6. No entanto, aludidas regras, editadas para proteger pessoas com idade inferior a 16 anos, não podem prejudicá-las naqueles casos em que, não obstante a proibição constitucional e legal, efetivamente, trabalharam durante a infância ou a adolescência. 7. Não obstante as normas protetivas às crianças, o trabalho infantil ainda se faz presente no seio da sociedade. São inúmeras as crianças que desde tenra idade são levadas ao trabalho por seus próprios pais para auxiliarem no sustento da família. Elas são colocadas não só em atividades domésticas, mas também, no meio rural em serviços de agricultura, pecuária, silvicultura, pesca e até mesmo em atividades urbanas (vendas de bens de consumos, artesanatos, entre outros). 8. Além disso, há aquelas que laboram em meios artísticos e publicitários (novelas, filmes, propagandas de marketing, teatros, shows). E o exercício dessas atividades, conforme a previsão do art. 11 da Lei nº 8.213/91, enseja o enquadramento como segurado obrigatório da Previdência Social. 9. É sabido que a idade mínima para fins previdenciários é de 14 anos, desde que na condição de aprendiz. Também é certo que a partir de 16 anos o adolescente pode obter a condição de segurado com seu ingresso no mercado de trabalho oficial e ainda pode lográ-lo como contribuinte facultativo. 10. Todavia, não há como deixar de considerar os dados oficiais que informam existir uma gama expressiva de pessoas que, nos termos do art. 11 da LBPS, apesar de se enquadrarem como segurados obrigatórios, possuem idade inferior àquela prevista constitucionalmente e não têm a respectiva proteção previdenciária. 11. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) no ano de 2014, o trabalho infantil no Brasil cresceu muito em comparação com os anos anteriores, quando estava em baixa. 12. E, de acordo com o IBGE, no ano de 2014 havia 554 mil crianças de 5 a 13 anos trabalhando. Na atividade agrícola, nesta mesma faixa etária, no ano de 2013 trabalhavam 325 mil crianças, enquanto no ano de 2014 passou a ser de 344 mil, um aumento de 5,8%. Já no ano de 2015, segundo o PNAD (IBGE) houve novamente uma diminuição de 19,8%. No entanto, constatou-se o aumento de 12,3% do 'trabalho infantil na faixa entre 5 a 9 anos'. 13. O Ministério do Trabalho e Previdência Social - MPTS noticia que em mais de sete mil ações fiscais realizadas no ano de 2015, foram encontradas 7.200 crianças em situação de trabalho irregular. Dos 7.200 casos, 32 crianças tinham entre 0 e 4 - todas encontradas no Amazonas. Outras 105 estavam na faixa etária de 5 a 9 anos e foram encontradas, também, no Amazonas (62) e nos estados de Pernambuco (13), Pará (7) Roraima (5), Acre (4) Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul (3 em cada Estado), Bahia e Sergipe (2 em cada Estado). Na Paraíba, Rio de Janeiro, Rondônia e Tocantins encontrou-se uma criança em cada Estado com essa faixa etária de 5 a 9 anos. 14. Insta anotar que a realidade fática revela a existência de trabalho artístico e publicitário com nítido objetivo econômico e comercial realizados com a autorização dos pais, com a anuência do Poder Judiciário, de crianças recém nascidas, outras com 01, 2, 3, 4 e 5 anos de idade. Aliás, é possível a proteção previdenciária nesses casos? No caso de eventual ocorrência de algum acidente relacionado a esse tipo de trabalho, a criança teria direito a algum benefício previdenciário, tal como o auxílio acidente? 15. No campo da seguridade social extrai-se da norma constitucional (art. 194, parágrafo único) o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento que preconiza que a proteção social deve alcançar a todos os trabalhadores do território nacional que dela necessitem. Por corolário lógico, incluem-se nessa proteção social aquelas crianças ou adolescentes que exerceram algum tipo de labor. 16. A despeito de haver previsão legal quanto ao limite etário (art. 13 da Lei 8.213/91, art. 14 da Lei 8.212/91 e arts. 18, § 2º do Decreto 3.048/99) não se pode negar que o trabalho infantil, ainda que prestado à revelia da fiscalização dos órgãos competentes, ou mediante autorização dos pais e autoridades judiciárias (caso do trabalho artístico e publicitário), nos termos dos arts. 2º e 3º da CLT, configura vínculo empregatício e fato gerador do tributo à seguridade, nos termos do inciso I do art. 195 da Constituição Federal. 17. Assim, apesar da limitação constitucional de trabalho do infante (art. 157, IX da CF/46, art. 165, X da CF/67 e art. 7º, XXIII, da CF/88), para fins de proteção previdenciária, não há como fixar também qualquer limite etário, pois a adoção de uma idade mínima ensejaria ao trabalhador dupla punição: a perda da plenitude de sua infância em razão do trabalho realizado e, de outro lado, o não reconhecimento, de parte do INSS, desse trabalho efetivamente ocorrido. 18. Ressalte-se, contudo, que para o reconhecimento do trabalho infantil para fins de cômputo do tempo de serviço é necessário início de prova material, valendo aquelas documentais existentes em nome dos pais, além de prova testemunhal idônea. 19. Desse modo, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, mostra-se possível ser computado período de trabalho realizado antes dos 12 anos de idade, qual seja sem a fixação de requisito etário. 20. Recurso do INSS desprovido. Apelação do MPF provida. (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relatora para Acórdão SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, juntado aos autos em 12/04/2018)
Contra o acórdão do Tribunal Regional Federal, o INSS interpôs recursos especial e extraordinário. O Superior Tribunal de Justiça não conheceu do especial (AgInt na TutPrv no REsp n. 1.768.356/RS, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 7/5/2019, DJe de 13/5/2019.) e o Supremo Tribunal Federal negou seguimento ao extraordinário (RE 1225475 AgR, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em 21/12/2020, processo eletrônico DJe-022 divulg 04-02-2021 public 05-02-2021). O trânsito em julgado se deu em 21 de abril de 2022.
Posteriormente, o Superior Tribunal de Justiça, em outra demanda, enfrentou o mérito da questão acerca do trabalho rural de menor de 12 anos, conforme se mostra na ementa abaixo transcrita:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. TRABALHADOR URBANO. CÔMPUTO DO TRABALHO RURAL ANTERIOR À LEI 8.213/1991 SEM O RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES. POSSIBILIDADE DE CÔMPUTO DO TRABALHO RURAL ANTERIOR AOS 12 ANOS DE IDADE. INDISPENSABILIDADE DA MAIS AMPLA PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES. POSSIBILIDADE DE SER COMPUTADO PERÍODO DE TRABALHO PRESTADO PELO MENOR, ANTES DE ATINGIR A IDADE MÍNIMA PARA INGRESSO NO MERCADO DE TRABALHO. EXCEPCIONAL PREVALÊNCIA DA REALIDADE FACTUAL DIANTE DE REGRAS POSITIVADAS PROIBITIVAS DO TRABALHO DO INFANTE. ENTENDIMENTO ALINHADO À ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DA TNU. ATIVIDADE CAMPESINA DEVIDAMENTE COMPROVADA. AGRAVO INTERNO DO SEGURADO PROVIDO.
1. Cinge-se a controvérsia em reconhecer a excepcional possibilidade de cômputo do labor de menor de 12 anos de idade, para fins previdenciários. Assim, dada a natureza da questão envolvida, deve a análise judicial da demanda ser realizada sob a influência do pensamento garantístico, de modo a que o julgamento da causa reflita e espelhe o entendimento jurídico que confere maior proteção e mais eficaz tutela dos direitos subjetivos dos hipossuficientes.
2. Abono da legislação infraconstitucional que impõe o limite mínimo de 16 anos de idade para a inscrição no RGPS, no intuito de evitar a exploração do trabalho da criança e do adolescente, ancorado no art. 7º, XXXIII da Constituição Federal. Entretanto, essa imposição etária não inibe que se reconheça, em condições especiais, o tempo de serviço de trabalho rural efetivamente prestado pelo menor, de modo que não se lhe acrescente um prejuízo adicional à perda de sua infância.
3. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7º, XXXIII, da Constituição não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos Trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos (RE 537.040/SC, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 9.8.2011). A interpretação de qualquer regra positivada deve atender aos propósitos de sua edição; no caso de regras protetoras de direitos de menores, a compreensão jurídica não poderá, jamais, contrariar a finalidade protetiva inspiradora da regra jurídica.
4. No mesmo sentido, esta Corte já assentou a orientação de que a legislação, ao vedar o trabalho infantil, teve por escopo a sua proteção, tendo sido estabelecida a proibição em benefício do menor e não em seu prejuízo. Reconhecendo, assim, que os menores de idade não podem ser prejudicados em seus direitos trabalhistas e previdenciário, quando comprovado o exercício de atividade laboral na infância.
5. Desta feita, não é admissível desconsiderar a atividade rural exercida por uma criança impelida a trabalhar antes mesmo dos seus 12 anos, sob pena de punir duplamente o Trabalhador, que teve a infância sacrificada por conta do trabalho na lide rural e que não poderia ter tal tempo aproveitado no momento da concessão de sua aposentadoria. Interpretação em sentido contrário seria infringente do propósito inspirador da regra de proteção.
6. Na hipótese, o Tribunal de origem, soberano na análise do conjunto fático-probatório dos autos, asseverou que as provas materiais carreadas aliadas às testemunhas ouvidas, comprovam que o autor exerceu atividade campesina desde a infância até 1978, embora tenha fixado como termo inicial para aproveitamento de tal tempo o momento em que o autor implementou 14 anos de idade (1969).
7. Há rigor, não há que se estabelecer uma idade mínima para o reconhecimento de labor exercido por crianças e adolescentes, impondo-se ao julgador analisar em cada caso concreto as provas acerca da alegada atividade rural, estabelecendo o seu termo inicial de acordo com a realidade dos autos e não em um limite mínimo de idade abstratamente pré-estabelecido. Reafirma-se que o trabalho da criança e do adolescente deve ser reprimido com energia inflexível, não se admitindo exceção que o justifique; no entanto, uma vez prestado o labor o respectivo tempo deve ser computado, sendo esse cômputo o mínimo que se pode fazer para mitigar o prejuízo sofrido pelo infante, mas isso sem exonerar o empregador das punições legais a que se expõe quem emprega ou explora o trabalho de menores.
8. Agravo Interno do Segurado provido.
(AgInt no AREsp n. 956.558/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 2/6/2020, DJe de 17/6/2020.)
Tanto no acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao julgar as apelações interpostas na ação civil pública, quanto no Agravo Interno no AREsp 956558, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, há, pelo menos, duas relevantes proposições em comum.
A primeira é que as regras de limitação de idade para o reconhecimento do labor, quer rural, quer urbano, não veiculam uma restrição, propriamente, mas uma proteção para a criança. Em verdade, trata-se de preceito jurídico direcionado a adultos (responsáveis por crianças), com o fim de resguardar os direitos do infante. Com base nessa premissa, não se pode conceber que a norma protetiva opere efeito contrário e atue em prejuízo ao adulto que, na expectativa de se aposentar e que tenha efetivamente trabalhado no campo, quando contava com menos de 12 anos de idade, não veja essa efetiva jornada laboral ser aproveitada para a obtenção de benefício previdenciário.
A segunda proposição é que não é possível reescrever o fato de crianças terem trabalhado na lavoura, juntamente com sua família, em regime de economia familiar, mesmo quando ainda contavam com menos de 12 anos de idade. A ementa do acórdão proferido na ação civil pública reproduz alguns números que indicam que, em pleno século XXI, ainda ocorre o trabalho infantil. No entanto, é sabido que, em tempos outrora, sempre foi comum que crianças, filhos de agricultores em regime de economia familiar, auxiliavam na execução do trabalho desenvolvido pelo grupo familiar. Logo, conforme interpretação veiculada no acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e no acórdão do Superior Tribunal de Justiça, havendo a comprovação do trabalho rural, não será a idade que imperá o seu aproveitamento para efeito de obtenção de aposentadoria.
Assim, comprovado o exercício de atividade rural em regime de economia familiar por menor de 12 anos, é possível o cômputo do respectivo período para a análise acerca da implementação dos requisitos para a concessão de benefício previdenciário.
A única prova capaz de respaldar o reconhecimento da atividade rural, quando o autor contava com menos de 12 anos, é a oral, tendo em vista que toda a documentação está em nome de familiares.
As testemunhas confirmaram que o autor trabalhou na propriedade pertencente a seu pai no período postulado, exercendo a atividade rural com a família, sem auxílio de empregados. A respeito da idade em que o autor passou a trabalhar na agricultura, afirmaram que ele começou desde quando era muito pequeno, por necessidade de ajudar a família nas lides rurais.
Embora os depoimentos não tenham sido exatos quanto ao termo inicial do labor rurícola, é possível estabelecer com segurança a atuação do autor desde os 10 anos de idade, ou seja a partir de 22 de março de 1983.
Considerando a ausência de qualquer prova que afaste a condição de segurado especial do autor e de seus pais, o conjunto probatório é hábil a produzir o convencimento quanto ao efetivo exercício de labor rural no período de 22/03/1983 a 21/03/1985.
Por esses fundamentos, dá-se provimento à apelação do autor, para reconhecer o tempo de serviço rural no período de 22/03/1983 a 21/03/1985.
2 - Tempo de serviço especial
Extraem-se as seguintes informações dos elementos de prova produzidos nos autos:
Período | 04/12/1989 a 12/02/1990 17/05/1990 a 22/11/1993 |
Empresa | Calçados Maide Ltda. |
Cargo/setor | Serviços gerais/montagem (04/12/1989 a 12/02/1990) Serviços gerais/pré-fabricado (17/05/1990 a 22/11/1993) |
Atividades | Montagem: lixar, passar creme, passar thinner e escovar Pré-fabricado: queimar planta, escovar, marcar pontos, frezar, lixar |
Provas | Carteira de trabalho (evento 1, procadm5, p. 16) Perfil profissiográfico previdenciário (evento 1, procadm5, p. 35/38; evento 40, inf2, p. 3/6) |
Agente nocivo | Físico: ruído de 85/101 dB(A) entre 04/12/1989 a 12/02/1990 e ruído de 86/94 dB(A) entre 17/05/1990 a 22/11/1993 Químico: hidrocarbonetos aromáticos entre 04/12/1989 a 12/02/1990 |
Período | 04/04/1994 a 22/04/1996 |
Empresa | Beneficiamento de Calçados Gassen Ltda. (empresa extinta) |
Cargo/setor | Lixador/sem informação |
Atividades | Sem informação |
Provas | Carteira de trabalho (evento 1, procadm5, p. 17) Perícia judicial efetuada por semelhança na empresa Calçados Wirth (evento 98, laudo1). |
Agente nocivo | Físico: ruído de 87,8 dB(A) |
Período | 01/04/1997 a 14/04/1999 |
Empresa | Atelier de Calçados Pinguim Ltda. (empresa extinta) |
Cargo/setor | Lixador/sem informação |
Atividades | Sem informação |
Provas | Carteira de trabalho (evento 1, procadm5, p. 17/18) |
Agente nocivo | Físico: ruído de 87,8 dB(A) |
Período | 17/07/2002 a 19/04/2004 |
Empresa | Jair Bender Atelier - ME |
Cargo/setor | Lixador/produção |
Atividades | Remover sobras na planta da sola por meio de lixadeiras |
Provas | Carteira de trabalho (evento 1, procadm5, p. 18) Perfil profissiográfico previdenciário (evento 1, procadm5, p. 41/42; evento 40, inf3, p. 7/8) |
Agente nocivo | Físico: ruído de 89 dB(A) |
Período | 03/01/2005 a 26/10/2006 |
Empresa | Gerson Bender - ME |
Cargo/setor | Lixador/produção |
Atividades | Remover sobras na planta da sola por meio de lixadeiras |
Provas | Carteira de trabalho (evento 1, procadm5, p. 19) Perfil profissiográfico previdenciário (evento 1, procadm5, p. 43/44; evento 40, inf3, p. 9/10) |
Agente nocivo | Físico: ruído de 89 dB(A) |
Período | 18/04/2007 a 16/06/2007 |
Empresa | DASS Nordeste Calçados e Artigos Esportivos S/A - Calçados Dilly |
Cargo/setor | Serviços gerais/setor de amostra fem. |
Atividades | Aplicar tinta, arrancar pregos, arrancar sola, arredondar beira, asperar com escova de aço, calandrar, carimbar a mão, carimbar à máquina, colar sola e entressola, colocar tacão, cortar borracha, cortar solas e tacão, escovar, estampar à máquina, fazer cama de salto, forrar PU, forrar salto, frezar, grampear manualmente, grampear com pistola, lavar sola, limpar com crepe, limpar com lixa, lixar, passar base, passar cola, passar halogenante, passar líquido, pintar beira à mão, pintar beira/sola com pistola, prensar, queimar com rolo, rebaixar, refilar à mão, refilar à máquina, tirar rugas canhão. |
Provas | Carteira de trabalho (evento 1, procadm5, p. 20) Perfil profissiográfico previdenciário (evento 1, procadm5, p. 47/48; evento 40, inf3, p.3/4) |
Agente nocivo | Físico: ruído de 71,1 dB(A) |
Período | 19/06/2007 a 11/12/2009 |
Empresa | Nelsi Maria Klein Schons |
Cargo/setor | Serviços gerais/serviços gerais |
Atividades | Aplicar adesivos nas solas ou saltos |
Provas | Carteira de trabalho (evento 1, procadm5, p. 20) Perfil profissiográfico previdenciário (evento 1, procadm5, p. 96/97; evento 40, inf2, p.1/2) |
Agente nocivo | Físico: ruído de 85/86 dB(A) |
Período | 08/09/2010 a 22/11/2016 |
Empresa | A. Buhler S/A - Curtume |
Cargo/setor | Auxiliar de cozinha/refeitório (08/09/2010 a 31/08/2013) Chefe de cozinha/refeitório (01/09/2013 a 22/11/2016) |
Atividades | Auxiliar no preparo dos alimentos, lavar louças e limpeza em geral (auxiliar de cozinha) Organizar as tarefas do refeitório, fazer pedidos, fazer troca de gás, auxiliar no preparo dos alimentos, lavar louças e limpeza em geral (chefe de cozinha) |
Provas | Carteira de trabalho (evento 1, procadm5, p. 90) Perfil profissiográfico previdenciário (evento 1, procadm5, p. 49/50; evento 40, inf3, p. 1/2) |
Agente nocivo | Físico: ruído de 63 dB(A) Químico: álcalis cáusticos |
2.1 - Apelação do autor
A apelação da parte autora diz respeito aos períodos de 17/07/2002 a 19/04/2004 e 08/09/2010 a 22/11/2016.
Em relação ao primeiro intervalo, assiste razão em parte ao autor.
O perfil profissiográfico previdenciário (PPP) informa exposição a nível de ruído superior ao limite de tolerância entre 19/11/2003 a 19/04/2004.
O fato de o autor executar atribuições como aplicar líquidos halogenantes contendo hidrocarbonetos aromáticos, na função de lixador desempenhada nas empresas Beneficiamento de Calçados Gassen e Atelier de Calçados Pinguim, segundo apontou o laudo judicial, não permite o aproveitamento da prova.
Com efeito, o PPP expedido pela empresa Jair Bender Atelier não menciona fatores de risco químicos, nem realização de tarefas que ocasionem contato com agentes químicos. O documento atende plenamente às normas legais e não contém qualquer irregularidade formal ou material que afaste a sua aptidão probatória. Somente se o autor trouxesse aos autos elementos indiciários que demonstrassem imprecisão, omissão ou equívoco no PPP, seria plausível adotar as conclusões do laudo judicial que examinou as condições de trabalho em empresa diversa.
Por sua vez, a exposição a álcalis cáusticos entre 08/09/2010 a 22/11/2016, na realização das tarefas de lavagem de louças e limpeza em geral, não caracteriza a exposição a agentes prejudiciais à saúde nos termos da legislação previdenciária. As atividades que ensejam o enquadramento da atividade como especial, previstas no Anexo 13 da NR-15, são a fabricação e manuseio de álcalis cáusticos em estado puro. Os produtos usados na limpeza do local de trabalho do autor (refeitório) e na lavagem de louças contêm hipoclorito de sódio e hidróxido de sódio diluído em quantidades seguras, com baixa concentração, sendo empregados inclusive na limpeza doméstica.
Em conformidade com a jurisprudência deste tribunal, as atividades de limpeza realizadas em ambiente diverso do hospitalar ou de sanitários com grande circulação diária de pessoas não encontram, em geral, correspondência em nenhuma das hipóteses arroladas na legislação previdenciária. Neste sentido, confira-se:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. 1. Não é possível o enquadramento, como especial, das atividades exercidas pela autora descritas no formulário PPP, se não indicam a sujeição a agentes químicos e/ou biológicos, na forma exigida pela legislação previdenciária. O manuseio de produtos comumente utilizados para limpeza não gera presunção de insalubridade e tampouco obrigatoriedade de reconhecimento da especialidade do labor, uma vez que a concentração destas substâncias químicas ocorre de forma reduzida, porquanto são todos produtos de utilização doméstica, não expondo a trabalhadora a condições prejudiciais à sua saúde. Autora trabalhou como ajudante de limpeza, de modo que o contato com produtos químicos refere-se à utilização de produtos de limpeza ordinariamente empregados nesse mister, não configurando exposição a agentes agressivos. Não há falar em sujeição a agentes biológicos pela limpeza de banheiros por ausência de correspondência às situações previstas nos decretos regulamentares. Também não se caracteriza sujeição à umidade excessiva. (...) (TRF4, AC 5002484-50.2017.4.04.7212, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 14/12/2018)
PREVIDENCIÁRIO. PRODUÇÃO DE PROVA. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES BIOLÓGICOS E QUÍMICOS. ATIVIDADE DE LIMPEZA. AMBIENTE PRIVADO. 1. A dilação probatória é prescindível, no caso em que as provas necessárias para o julgamento da questão encontram-se juntadas aos autos. 2. A exposição ocupacional a agentes nocivos biológicos caracteriza-se devido ao exercício das atividades arroladas no código 3.0.1 dos Decretos nº 2.172/1997 e nº 3.038/1999. 3. A coleta de lixo proveniente de ambiente de uso privado não é enquadrada como atividade especial. 4. Os produtos contendo hipoclorito de sódio e hidróxido de sódio, usados na desinfecção de banheiros e desentupimento de vasos e ralos, apresentam pouca concentração de agentes químicos, não ocasionando a exposição a agentes prejudiciais à saúde, nos termos da legislação previdenciária. (TRF4, AC 5015512-02.2014.4.04.7112, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 13/12/2020)
Transcreve-se, por oportuno, precedentes do Tribunal Superior do Trabalho, associados ao adicional de insalubridade e aos agentes de limpeza:
I - AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA . RECLAMADA. LEI Nº 13.467/2017. TRANSCENDÊNCIA. (...) ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. CONTATO COM ÁLCALIS CÁUSTICOS . 1 - Esta Corte Superior tem entendido que o adicional de insalubridade somente é devido quando o contato com álcalis cáustico ocorre em sua composição original, sem nenhuma diluição ou mistura, o que não é o caso dos produtos comuns de limpeza, ainda que no laudo pericial haja manifestação em sentido diverso, nos termos da OJ n° 4 da SBDI-1 desta Corte (Súmula n° 448 do TST). Há julgados. 2 - Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (RR-20209-66.2016.5.04.0333, Sexta Turma, Relatora Ministra Kátia Magalhães Arruda, DEJT 08/05/2020)
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. O Tribunal Regional consignou que, não obstante as conclusões do laudo pericial, a análise das provas oral e documental demonstrou que o reclamante recebia luvas de látex para o manuseio de produtos de limpeza de uso doméstico, nos quais os álcalis cáusticos eram apenas elementos encontrados em sua composição, além de que não realizava a limpeza de banheiros de uso coletivo e de grande circulação, razão pela qual excluiu o pagamento de adicional de insalubridade. Nesse contexto, não está caracterizada a existência de " instalações sanitárias de uso público ou coletivo de grande circulação ", de que trata a Súmula nº 448, II, do TST , ou a insalubridade pelo contato com álcalis cáusticos presentes em produtos de limpeza de uso doméstico, pois, nesse caso, não há enquadramento da atividade no Anexo 13 da NR-15 da Portaria nº 3.214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego, o qual pressupõe o contato com a referida substância química no seu estado bruto. Incólumes, assim, o art. 189 da CLT e a Súmula nº 448, II, do TST. Agravo de instrumento conhecido e não provido. (AIRR-1000827-32.2017.5.02.0320, Oitava Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 04/05/2020)
Assinale-se, por fim, que o acórdão citado na apelação (processo nº 5004361-41.2020.4.04.7108) não reconheceu a especialidade com base na exposição a álcalis cáusticos, ainda que a ementa apresente conclusão diversa. Veja-se o parágrafo do voto proferido que trata da matéria:
No entanto, os agentes químicos álcalis cáusticos e hipoclorito de sódio, presentes em sabões em pó, alvejantes e soda cáustica, não estão previstos nos decretos previdenciários que regulamentam o exercício de atividades especiais (Decretos nºs 53.831/64, 83.080/79, 2.172/97 e 3.048/99).
Por esses fundamentos, dá-se parcial provimento à apelação do autor, para reconhecer o exercício de atividade especial no período de 19/11/2003 a 19/04/2004.
2.2 - Apelação do INSS
A apelação do INSS refere-se ao reconhecimento da especialidade dos períodos de 04/12/1989 a 12/02/1990, de 04/04/1997 a 22/04/1996, de 01/04/1997 a 14/04/1999, de 08/02/2000 a 13/12/2001 e de 18/04/2007 a 16/06/2007, visto que trata somente dos agentes nocivos químicos.
Não há insurgência específica quanto ao enquadramento com base na exposição a ruído acima do limite de tolerância, que ensejou a procedência do pedido em relação aos intervalos de 04/12/1989 a 12/02/1990, de 17/05/1990 a 22/11/1993, de 04/04/1994 a 22/04/1996, de 03/01/2005 a 26/10/2006 e de 19/06/2007 a 11/12/2009.
As alegações da autarquia não merecem acolhimento, consoante a fundamentação exposta nos tópicos "Agentes químicos" e "Hidrocarbonetos e óleos minerais" e as considerações a seguir.
Os formulários e a perícia judicial comprovam a exposição a agentes químicos (hidrocarbonetos aromáticos), presentes na composição de adesivos, solventes e líquidos halogenantes utilizados no processo de produção de calçados. O laudo judicial apontou especificamente a substância química tolueno e o PPP da empresa Calçados Dilly as substâncias químicas tolueno, acetona, acetato de etila e metil etil cetona.
Em que pese a ausência de especificação das substâncias químicas no formulário da empresa Calçados Maide, os solventes como thinner contêm hidrocarbonetos aromáticos e alifáticos que causam tontura, dor de cabeça, náuseas, tosse, ardência nos olhos, além de outros problemas de saúde ao trabalhador.
A avaliação dos agentes químicos hidrocarbonetos aromáticos, como já exposto, é qualitativa. Nessa hipótese, para caracterizar a nocividade, é suficiente a efetiva presença do agente no ambiente de trabalho. Demais, o tolueno é absorvido pela pele, não existindo limite seguro previsto no Anexo 11 da NR-15 por essa via de absorção.
Por fim, está demonstrada a habitualidade e a permanência da exposição aos agentes químicos, ainda que o autor tenha desempenhado a função de serviços gerais.
A atual redação do art. 65 do Decreto nº 3.048/1999 evidencia que o conceito de permanência não mais se relaciona à exposição do segurado a agentes nocivos em tempo integral durante a jornada de trabalho, mas sim aos riscos ocupacionais inerentes às atividades desempenhadas normalmente pelo trabalhador na produção do bem ou da prestação do serviço. Eis o teor do dispositivo:
Art. 65. Considera-se trabalho permanente, para efeito desta Subseção, aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço. (Redação dada pelo Decreto nº 4.882, de 2003)
A habitualidade e a permanência mantêm relação de causalidade com as tarefas específicas desenvolvidas pelo trabalhador, vinculadas ao processo produtivo ou à prestação do serviço, que o exponham, durante a sua rotina laboral, a condições prejudiciais à saúde. Se, no desempenho cotidiano das suas funções, ele tem contato com agentes nocivos, em período razoável da jornada de trabalho, a exposição é habitual e permanente.
As atividades desempenhadas pelo autor evidenciam o exercício de funções inerentes ao objeto social da empresa, que ocasionaram o contato com os agentes químicos nocivos. Não há qualquer indício de que a exposição era eventual ou intermitente, pois o cotidiano de trabalho exigia a realização de tarefas indissociáveis e diretamente relacionadas à fabricação de calçados.
Por esses fundamentos, nega-se provimento à apelação do INSS.
Requisitos para a aposentadoria por tempo de contribuição
Nos quadros a seguir, apura-se o cumprimento dos requisitos para a aposentadoria por tempo de contribuição, considerando a data do requerimento administrativo (26/05/2017) e a reafirmação da data de entrada do requerimento (16/03/2020).
Data de Nascimento | 22/03/1973 |
---|---|
Sexo | Masculino |
DER | 26/05/2017 |
Reafirmação da DER | 16/03/2020 |
- Tempo já reconhecido pelo INSS:
Marco Temporal | Tempo | Carência |
Até a data da EC nº 20/98 (16/12/1998) | 10 anos, 2 meses e 29 dias | 92 carências |
Até a data da Lei 9.876/99 (28/11/1999) | 10 anos, 6 meses e 27 dias | 96 carências |
Até a DER (26/05/2017) | 25 anos, 4 meses e 21 dias | 277 carências |
- Períodos acrescidos:
Nº | Nome / Anotações | Início | Fim | Fator | Tempo | Carência |
1 | Rural - segurado especial | 22/03/1983 | 21/03/1985 | 1.00 | 2 anos, 0 meses e 0 dias | 0 |
2 | Rural - segurado especial | 01/01/1988 | 03/12/1989 | 1.00 | 1 anos, 11 meses e 3 dias | 0 |
3 | Especial | 04/12/1989 | 12/02/1990 | 0.40 | 0 anos, 2 meses e 9 dias | 0 |
4 | Especial | 17/05/1990 | 22/11/1993 | 0.40 | 3 anos, 6 meses e 6 dias | 0 |
5 | Especial | 04/04/1994 | 22/04/1996 | 0.40 | 2 anos, 0 meses e 19 dias | 0 |
6 | Especial | 01/04/1997 | 14/04/1999 | 0.40 | 2 anos, 0 meses e 14 dias | 0 |
7 | Especial | 08/02/2000 | 13/12/2001 | 0.40 | 1 anos, 10 meses e 6 dias | 0 |
8 | Especial | 19/11/2003 | 19/04/2004 | 0.40 | 0 anos, 5 meses e 1 dias | 0 |
9 | Especial | 03/01/2005 | 26/10/2006 | 0.40 | 1 anos, 9 meses e 24 dias | 0 |
10 | Especial | 18/04/2007 | 16/06/2007 | 0.40 | 0 anos, 1 meses e 29 dias | 0 |
11 | Especial | 19/06/2007 | 11/12/2009 | 0.40 | 2 anos, 5 meses e 23 dias | 0 |
12 | Período posterior à DER | 27/05/2017 | 16/03/2020 | 1.00 | 2 anos, 10 meses e 4 dias | 35 |
Marco Temporal | Tempo de contribuição | Carência | Idade | Pontos (Lei 13.183/2015) |
Até a data da EC nº 20/98 (16/12/1998) | 17 anos, 2 meses e 0 dias | 92 | 25 anos, 8 meses e 24 dias | inaplicável |
Pedágio (EC 20/98) | 5 anos, 1 meses e 18 dias | |||
Até a data da Lei 9.876/99 (28/11/1999) | 17 anos, 7 meses e 15 dias | 96 | 26 anos, 8 meses e 6 dias | inaplicável |
Até a DER (26/05/2017) | 35 anos, 1 mês e 21 dias | 278 | 44 anos, 2 meses e 4 dias | 79.3194 |
Até a data da Reforma - EC nº 103/19 (13/11/2019) | 37 anos, 7 meses e 8 dias | 308 | 46 anos, 7 meses e 21 dias | 84.2472 |
Até 31/12/2019 | 37 anos, 8 meses e 25 dias | 309 | 46 anos, 9 meses e 8 dias | 84.5083 |
Até a reafirmação da DER (16/03/2020) | 37 anos, 11 meses e 11 dias | 312 | 46 anos, 11 meses e 24 dias | 84.9306 |
Em 26 de maio de 2017 (data de entrada do requerimento), o autor tem direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição, conforme o art. 201, §7º, da Constituição Federal. O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei nº 9.876, com a incidência do fator previdenciário, uma vez que a pontuação totalizada é inferior a 95 pontos (art. 29-C da Lei nº 8.213, incluído pela Lei nº 13.183).
Em 13 de novembro de 2019 (último dia de vigência das regras pré-reforma da Previdência - art. 3º da Emenda Constitucional nº 103), o autor tem direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição, conforme o art. 201, §7º, da Constituição Federal. O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei nº 9.876, com a incidência do fator previdenciário, uma vez que a pontuação totalizada é inferior a 96 pontos (art. 29-C da Lei nº 8.213, incluído pela Lei nº 13.183).
Em 31 de dezembro de 2019, o autor:
a) não tem direito à aposentadoria conforme o art. 15 das regras de transição da Emenda Constitucional nº 103, porque não cumpre a quantidade mínima de pontos (96 pontos);
b) não tem direito à aposentadoria conforme o art. 16 das regras de transição da Emenda Constitucional nº 103, porque não cumpre a idade mínima exigida (61 anos);
c) tem direito à aposentadoria conforme o art. 17 das regras de transição da Emenda Constitucional nº 103, porque cumpre o tempo mínimo de contribuição até a data da entrada em vigor da EC nº 103 (mais de 33 anos), o tempo mínimo de contribuição (35 anos), a carência de 180 contribuições e o pedágio de 50% (0 ano, 0 mês e 0 dia). O cálculo do benefício deve ser feito conforme o art. 17, parágrafo único, da mesma Emenda Constitucional ("média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações calculada na forma da lei, multiplicada pelo fator previdenciário, calculado na forma do disposto nos §§ 7º a 9º do art. 29 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991");
d) não tem direito à aposentadoria conforme o art. 20 das regras de transição da Emenda Constitucional nº 103, porque não cumpre a idade mínima exigida (60 anos).
Em 16 de março de 2020 (reafirmação da DER), o autor:
a) não tem direito à aposentadoria conforme o art. 15 das regras de transição da Emenda Constitucional nº 103, porque não cumpre a quantidade mínima de pontos (97 pontos);
b) não tem direito à aposentadoria conforme o art. 16 das regras de transição da Emenda Constitucional nº 103, porque não cumpre a idade mínima exigida (61,5 anos);
c) tem direito à aposentadoria conforme o art. 17 das regras de transição da Emenda Constitucional nº 103, porque cumpre o tempo mínimo de contribuição até a data da entrada em vigor da EC nº 103 (mais de 33 anos), o tempo mínimo de contribuição (35 anos), a carência de 180 contribuições e o pedágio de 50% (0 ano, 0 mês e 0 dia). O cálculo do benefício deve ser feito conforme o art. 17, parágrafo único, da mesma Emenda Constitucional ("média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações calculada na forma da lei, multiplicada pelo fator previdenciário, calculado na forma do disposto nos §§ 7º a 9º do art. 29 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991");
d) não tem direito à aposentadoria conforme o art. 20 das regras de transição da Emenda Constitucional nº 103, porque não cumpre a idade mínima exigida (60 anos).
Considerando o preenchimentos dos requisitos para o benefício em mais de uma data, pode a parte autora manifestar opção pela concessão da aposentadoria conforme a renda mensal inicial que entender mais vantajosa.
Majoração dos honorários advocatícios
Desprovido o recurso interposto pela parte ré, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte adversa em segundo grau de jurisdição.
Considerada a disposição do art. 85, §11, do Código de Processo Civil, majora-se em 20% a verba honorária, percentual que deve incidir sobre o valor estabelecido na sentença, observadas as faixas de valor definidas no art. 85, §3º, incisos I a V. Exemplificando, caso o valor da condenação enquadre-se na primeira faixa (até 200 salários mínimos), o percentual dos honorários, com a majoração, será de 12% sobre o montante das prestações vencidas até a data da sentença.
Tutela específica
Considerando os termos do que dispõe o art. 497 do CPC, que repete dispositivo constante do art. 461 do antigo CPC, e o fato de que, em princípio, esta decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (TRF4, AC 2002.71.00.050349-7, Terceira Seção, Relator para Acórdão Celso Kipper, D.E. 01/10/2007), o julgado deve ser cumprido imediatamente, observando-se o prazo de trinta dias úteis.
Na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB | |
---|---|
CUMPRIMENTO | Implantar Benefício |
NB | 1850596872 |
ESPÉCIE | Aposentadoria por Tempo de Contribuição |
DIB | 26/05/2017 |
DIP | Primeiro dia do mês da decisão que determinou a implantação/restabelecimento do benefício |
DCB | |
RMI | A apurar |
OBSERVAÇÕES |
Requisite a Secretaria da 5ª Turma o cumprimento desta decisão à CEAB (Central Especializada de Análise de Benefícios).
Conclusão
Dou parcial provimento à apelação da parte autora, para condenar o réu a: a) reconhecer o exercício de atividade rural no período de 22/03/1983 a 21/03/1985 e proceder à averbação do tempo de serviço, exceto para efeito de carência; b) reconhecer o exercício de atividade especial no período de 19/11/2003 a 19/04/2004 e proceder à averbação do tempo de serviço especial e à conversão em tempo comum pelo fator 1,4; c) conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição e pagar as parcelas vencidas desde a data do requerimento administrativo (26/05/2017).
Nego provimento à apelação do INSS.
De ofício, concedo a tutela específica.
Em face do que foi dito, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação da parte autora, negar provimento à apelação do INSS e, de ofício, determinar a implantação imediata do benefício, por meio da CEAB.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004625865v53 e do código CRC 2b896298.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 2/9/2024, às 10:14:3
Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 14:40:56.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

Apelação Cível Nº 5004730-92.2020.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
EMENTA
previdenciário. aposentadoria por tempo de contribuição. tempo de serviço rural anterior à lei nº 8.213. trabalho desenvolvido por menor antes dos doze anos de idade. regime de economia familiar. início de prova material. tempo de serviço especial. ruído e agentes químicos. hidrocarbonetos. produtos de limpeza.
1. O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de vigência da Lei nº 8.213, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.
2. A atividade rural em regime de economia familiar desenvolvida por menor antes dos doze anos de idade poderá ser aproveitada para efeito de obtenção de benefício previdenciário, sob a condição de estar adequadamente comprovado o seu exercício. Orientação adotada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região na ação civil pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100.
3. As notas fiscais de produtor rural e o comprovante de cadastro no INCRA consistem em prova hábil à comprovação do tempo de atividade rural, desde que atendam ao requisito de contemporaneidade.
4. Não é necessário que o início de prova material demonstre exaustivamente os fatos por todo o período requerido, mas que exista o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural.
5. Caracteriza-se o exercício de atividade especial, havendo a prova inequívoca da efetiva exposição a ruído acima do limite de tolerância e a agentes químicos (hidrocarbonetos aromáticos).
6. O limite de tolerância para o agente físico ruído é de 90 (noventa) decibéis, no período entre 6 de março de 1997 e 18 de novembro de 2003 (Tema 694 do Superior Tribunal de Justiça).
7. A ausência de expressa referência em decreto regulamentar a hidrocarbonetos não equivale a que tenha desconsiderado, como agentes nocivos, diversos compostos químicos que podem ser assim qualificados.
8. Para os agentes nocivos químicos previstos no Anexo 13 da Norma Regulamentadora - NR 15, entre os quais os hidrocarbonetos e outros derivados tóxicos de carbono, é desnecessária a avaliação quantitativa.
9. A utilização de produtos de limpeza como detergente, desinfetante e água sanitária, em ambiente diverso do hospitalar ou de sanitários públicos, não permite o enquadramento da atividade como especial, devido à reduzida concentração dos agentes químicos.
10. É inviável o enquadramento da atividade com base na exposição a agentes químicos, não havendo menção no perfil profissiográfico previdenciário à realização de tarefas que ocasionem contato com esses fatores de risco.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora, negar provimento à apelação do INSS e, de ofício, determinar a implantação imediata do benefício, por meio da CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de agosto de 2024.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004625866v5 e do código CRC c46bc6e7.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 2/9/2024, às 10:14:4
Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 14:40:56.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 20/08/2024 A 27/08/2024
Apelação Cível Nº 5004730-92.2020.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PROCURADOR(A): RICARDO LUÍS LENZ TATSCH
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 20/08/2024, às 00:00, a 27/08/2024, às 16:00, na sequência 358, disponibilizada no DE de 09/08/2024.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E, DE OFÍCIO, DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO IMEDIATA DO BENEFÍCIO, POR MEIO DA CEAB.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 14:40:56.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas