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PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL E TEMPO URBANO TRABALHADO NA CONDIÇÃO DE EMPREGADA DOMÉSTICA. INÍCIO DE PRO...

Data da publicação: 23/04/2024, 15:01:48

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL E TEMPO URBANO TRABALHADO NA CONDIÇÃO DE EMPREGADA DOMÉSTICA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. POSSIBILIDADE. PERÍODO DE LABOR ANTERIOR AOS 12 ANOS DE IDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA INDISPENSABILIDADE DO TRABALHO AGRÍCOLA. TEMA 629 DO STJ. 1. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante apresentação de início de prova material corroborado por prova testemunhal ou por autodeclaração rural. 2. Resta excepcional o cômputo de atividade rural para menores de doze anos de idade, pois não se pode equiparar as condições físicas de labor de uma criança às de um adolescente ou adulto. A prova exigida nesses casos é a da imprescindibilidade do labor do infante à manutenção do núcleo familiar. 3. Apenas a prova testemunhal é insuficiente à demonstração do vínvulo de trabalho urbano, mantido na condição de empregada doméstica. 6. Aplica-se o TEMA 629 do STJ diante da escassez de início de prova material para a comprovação de tempo rural e urbano. (TRF4, AC 5059480-88.2018.4.04.7000, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Relator ANA CRISTINA FERRO BLASI, juntado aos autos em 15/04/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5059480-88.2018.4.04.7000/PR

RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

APELANTE: LEONILDA ROSNER GOMES (AUTOR)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

RELATÓRIO

LEONILDA ROSNER GOMES propôs ação ordinária contra o Instituto Nacional de Seguro Social - INSS, em 19/12/2018, postulando a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a contar da data de entrada do requerimento administrativo (DER em 18/05/2017), mediante o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, no período de 02/01/1973 a 27/02/1989, bem como, período de tempo comum, entre 23/06/2008 a 31/01/2012, na qualidade de empregada doméstica sem registro na CTPS (evento 1, DOC1).

Sobreveio sentença que julgou o pedido formulado na inicial nos seguintes termos (evento 40, DOC1):

Pelo exposto, acolho, em parte, o pedido, na forma do art. 487, I e III "a" , do CPC, para:

a) reconhecer o labor rural no período de 22/01/1975 a 21/02/1981, para utilização em benefício futuro.

b) havendo sucumbência recíproca, condeno o INSS ao pagamento dos honorários de sucumbência, fixados no percentual mínimo de cada faixa estipulada pelo artigo 85, § 3°, do Novo Código de Processo Civil, sempre observando o § 5° do artigo 85 do CPC. A base de cálculo será o valor da atribuído à causa.

c) havendo sucumbência recíproca, condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, fixados no percentual mínimo de cada faixa estipulada pelo artigo 85, § 3°, do Novo Código de Processo Civil, tomando-se por base o valor atribuído á causa, cuja execução dos valores fica suspensa enquanto perdurar o benefício da justiça gratuita, nos termos e prazos dos art. 98 do CPC.

(...)

Houve interposição de embargos de declaração pela parte autora em duas ocasiões (evento 44, EMBDECL1 e evento 57, EMBDECL1), ambos rejeitados (evento 53, SENT1 e evento 59, SENT1).

Inconformada, a parte autora recorreu.

Em suas razões, defende, preliminarmente, a ocorrência de cerceamento de defesa, por falta de produção de provas, postulando a anulação da sentença, nos termos do art. 1010, III, do novo CPC, e a reabertura da instrução do processo para oitiva das testemunhas que presenciaram o trabalho da autora como doméstica sem anotação em CTPS. No mérito, sustenta ser devido o reconhecimento e a averbação do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, nos intervalos de 22/01/1973 a 21/01/1975 e de 22/02/1981 a 27/02/1989, sob o argumento de ter comprovado materialmente o labor na lavoura. No que pertine aos interregnos de 23/06/2008 a 31/01/2012 e 28/02/1989 a 30/09/1992, destaca que os serviços como doméstica foram prestados sob a pecha da informalidade, reforçando a necessidade de prova testemunhal. Quanto aos períodos 18/12/1997 a 30/12/1999, 31/12/1999 a 22/06/2008, e 01/02/2012 a 30/11/2012, requer sejam acrescidos à contagem de tempo de serviço, já estando regularmente inscritos no CNIS (evento 65, APELAÇÃO1).

Ausentes as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

1. Juízo de admissibilidade

O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.

2. Preliminares

2.1. Delimitação da controvérsia

Em sede recursal, no item 7.5, "b", a parte autora pede o reconhecimento de período trabalhado como especial entre 23/06/2008 a 31/01/2012, cuja postulação também está na exordial. Porém, também postula o reconhecimento dos interregnos de 28/02/1989 a 30/09/1992; 18/12/1997 a 30/12/1999; 31/12/1999 a 22/06/2008; 01/02/2012 a 30/11/2012.

Nos primeiros embargos de declaração (evento 44, EMBDECL1), a parte autora aponta omissão quanto ao exame dos períodos de 28/02/1989 a 30/09/1992, de 01/09/1999 a 04/09/2000, de 01/08/2001 a 24/04/2002.

​Nos segundos embargos (evento 57, EMBDECL1), a parte aponta omissão sobre os períodos 31/12/1999 a 22/06/2008; 01/02/2012 a 30/11/2012; 17/08/2015 a 20/07/2016.

​Confrontando os períodos pedidos em apelação com os lapsos apontados em ambos os embargos de declaração, ressai que não coincidem, nem entre os aclaratórios entre si, nem entre o recurso e os embargos. E, principalmente, não estão no rogo introdutório, não descritos como especiais e desacompanhados de PPP e/ou perícia.

Portanto, correta as sentenças que examinaram os declaratórios, cuja fundamentação é a seguinte (​evento 53, SENT1​ e ​evento 59, SENT1​):

A título de esclarecimento, não há omissão porque os períodos requeridos na petição inicial foram devidamente analisados na sentença. Se houveram períodos anotados na CTPS que não foram computados pelo INSS caberia a parte autora ter apresentado pedido expresso acerca de seu reconhecimento na petição inicial não podendo agora, através da via dos embargos inovar o pedido inicial.

Desta feita, o presente exame limita-se aos intervalos de 22/01/1973 a 21/01/1975 e de 22/02/1981 a 27/02/1989, como segurada especial e de 23/06/2008 a 31/01/2012 como empregada doméstica.

2.2 Pedido de anulação da sentença para realização de prova testemunhal

A parte autora alega cerceamento de defesa, ante a negativa de produção de prova testemunhal apta a fundamentar o pedido de reconhecimento do período trabalhado como segurada urbana 'trabalhadora doméstica', compreendido entre 23/06/2008 a 31/01/2012, uma vez que não obteve êxito em apresentar documentos adstritos ao período. Argumenta que não restou realizado o registro da funcionária em CTPS, não seria possível haver documentos comprobatórios do serviço prestado, como informações e extratos de FGTS, termo de rescisão de contrato, entre outros.

Tendo em conta que a preliminar em exame está inclusa na análise do mérito adstrito ao pedido, passo ao seu exame em tópico adiante (item 3.2)

3. Mérito

3.1 Atividade Rural em Regime de Economia Familiar

O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a apresentação de início de prova material, complementado por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas -, não sendo esta admitida exclusivamente, salvo caso fortuito ou força maior. Tudo conforme o art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91 e reafirmado na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário).

Ademais, nos termos do art. 106, caput, da Lei n.º 8.213/91, na redação dada pela Lei n.º 13.846/2019, "A comprovação do exercício de atividade rural será feita complementarmente à autodeclaração de que trata o § 2º e ao cadastro de que trata o § 1º, ambos do art. 38-B desta Lei, por meio de, entre outros: (...) (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)" - grifei.

Referido cadastro junto ao CNIS, que está previsto no art. 38-A, da Lei n.º 8.213/91, somente será indispensável para a comprovação da condição e do exercício da atividade rural do segurado especial a partir de 1º de janeiro de 2023, nos termos do § 1º, do art. 38-B. Já a autodeclaração ratificada por entidades públicas credenciadas ou órgãos públicos, na forma do § 2º, do art. 38-B, da Lei n.º 8.213/91, somente passou a ser exigida pela Administração Previdenciária para fins de reconhecimento do exercício de atividade rural a partir de 19/03/2019, nos termos do art. 37 da Lei n. 13.846/2019.

Todavia, conforme dispõe o § 4º, do art. 38-B, da Lei de Benefícios, "Na hipótese de divergência de informações entre o cadastro e outras bases de dados, para fins de reconhecimento do direito ao benefício, o INSS poderá exigir a apresentação dos documentos referidos no art. 106 desta Lei".

Nesse contexto probatório: (a) a lista dos meios de comprovação do exercício da atividade rural (art. 106 da Lei de Benefícios) é exemplificativa, em face do princípio da proteção social adequada, decorrente do art. 194 da Constituição da República de 1988; (b) não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, sendo suficientes documentos que, juntamente com a prova oral - ou com a autodeclaração rural -, possibilitem juízo conclusivo quanto ao período de labor rural exercido; (c) certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural (REsp. n.º 980.065/SP, DJU, Seção 1, 17-12-2007; REsp. n.º 637.437/PB, DJU, Seção 1, de 13-09-2004; REsp n.º 1.321.493-PR, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.).

Consideradas, contudo, as notórias e por vezes insuperáveis dificuldades probatórias do segurado especial, é dispensável a apresentação de prova documental que abranja todo o período postulado, desde que o início de prova material seja consubstanciado por prova testemunhal - ou, como já dito, pelo autodeclaração rural -, nada impedindo que sejam contemplados documentos extemporâneos ou emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem à conclusão pela existência e/ou continuidade da atividade rural.

Ademais, restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".

O §1º do art. 11 da Lei de Benefícios, por sua vez, define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família o exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo que os atos negociais da entidade familiar respectiva, via de regra, são formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros, ou seja, em nome daquele considerado o arrimo de família. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam-se em início de prova material do labor rural de outro, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".

No tocante à possibilidade do cômputo do tempo rural na qualidade de segurado especial a partir dos 12 anos de idade, a Terceira Seção desta Corte ao apreciar os Embargos Infringentes em AC n.º 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, na sessão de 12-03-2003, firmou entendimento no sentido da possibilidade do cômputo do tempo de serviço laborado em regime de economia familiar a partir dessa idade, na esteira de iterativa jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, tendo recentemente a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o AI n.º 529.694/RS, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, com decisão publicada no DJU de 11-03-2005, reconhecido o tempo de serviço agrícola ao menor de quatorze anos, não merecendo tal questão maiores digressões.

Por outro lado, na Ação Civil Pública n.º 5017267-34.2013.4.04.7100/RS, proposta pelo Ministério Público Federal em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), estabeleceu-se ser possível o cômputo de período de trabalho rural realizado antes dos 12 anos de idade, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, em maior amplitude, sem a fixação de requisito etário (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, Sexta Turma, Relatora p/ Acórdão Des. Salise Monteiro Sanchotene, julgado em 09/04/2018).

Portanto, o referido acórdão estabelece a possibilidade, em tese, de reconhecimento de atividade rural anterior aos 12 anos de idade, desde que amparada em prova testemunhal idônea, e mediante apresentação de prova material em nome dos pais.

Caso concreto

A autora, LEONILDA ROSNER GOMES, nascida em 22/01/1963, filha de Luiza Maria Rosner e João Anibal Rosner (​evento 1, DOC5​), pleiteia, em sede recursal, o reconhecimento do exercício de trabalho rural, em regime de economia familiar, nos períodos de 22/01/1973 a 21/01/1975, ou seja, dos 10 aos 12 anos de idade, e de 22/02/1981 a 27/02/1989.

O pedido restou reconhecido em parte na sentença nos seguintes termos:

Desta forma, entendo possível a ampliação do tempo de serviço rural além dos marcos documentais com base na prova testemunhal.

(...)

Nesse passo, analisando-se a prova oral produzida, verifica-se que as testemunhas foram coerentes e harmônicas entre si nos pontos relevantes para o deslinde da questão, uma vez que confirmaram que a autora trabalhou na agricultura, em terras próprias, juntamente com sua família, durante parte do período alegado, atendendo plenamente a todos os requisitos exigidos para obter o reconhecimento do tempo de serviço rural, na condição de trabalhador rural, pois o sustento do grupo familiar provinha, de forma exclusiva, da agricultura.

Ressalto que após o casamento a autora não apresentou documentos em nome do marido, certidão de nascimento dos filhos ou qualquer documento contemporâneo apto a comprovação do labor rural, tampouco as testemunhas foram convictas em confirmar o labor do casal nas terras que pertenciam ao pai da autora, inclusive duas das testemunhas deixaram a região em data anterior ao casamento, assim, reconheço o labor no período de 21/01/1975 (data em que completou 12 anos) a 21/02/1981 (data do casamento)

Para comprovar o efetivo trabalho agrícola, foram trazidos aos autos alguns documentos, dentre os quais se destacam:

- Certidão de casamento da autora, qualificando seu esposo como empresário em 21/02/1981 (evento 1, DOC5, fl. 3);

- Certidão de nascimento do irmãos da autora, em 1974, 1976, 1979, indicando a profissão dos genitores de lavradores (evento 1, OUT8).

No que pertine ao período de 22/01/1973 a 21/01/1975, em que pese a possibilidade teórica de reconhecimento de atividade rural anterior aos 12 anos de idade, não há indicativos de que esse período possa ser considerado como tempo de contribuição para fins previdenciários no presente caso. Ainda que se saiba que os filhos de agricultores tivessem, à época, contato com o trabalho dos pais, não há como presumir que, neste caso, a demandante efetivamente exercesse as atividades de uma jovem ou uma adulta, de modo a configurar a mútua dependência característica do regime de economia familiar. Certamente a criança não possui a mesma aptidão física ao trabalho braçal no campo de um adolescente e, muito menos, de um adulto, de forma a contribuir de forma efetiva e sensível na atividade produtiva.

​Outrossim, como bem aponta a sentença recorrida, a autora cursou o ensino fundamental, o que demonstra que pelo menos metade de seu dia era dedicado às atividades escolares.

Ademais, das declarações prestadas pela testemunha, o que se nota é que a situação é tratada com generalidade, principalmente quando observado que há indicação de que essa forma de rotina era comum na época, o que afasta a prova do caso da autora, dando indício de que sequer se está tentando provar que a requerente laborava com 7/8 anos de idade, mas que todas as crianças exerciam alguma atividade laborativa na época.

No que pertine ao período de 22/02/1981 a 27/02/1989, com efeito, após o casamento, a autora formou núcleo familiar próprio, não lhe servindo de prova documentação pertinente aos pais. Mister ser anexado prova em nome do esposo ou em nome próprio, o que não ocorreu no presente caso. Há apenas a certidão de casamento, na qual consta que o marido da autora era "empresário".

Em razão da escassez de provas sobre o trabalho rural da autora no interregno sob análise, nega-se guarida aos argumentos da apelação. Não há indício nem início de prova material de labor ligado à terra. Não foram apresentados quaisquer elementos materiais contemporâneos ao interregno pretendido.

Desta feita, a considerar a decisão proferida nos autos do REsp nº 1.352.721/SP, Tema 629 do Superior Tribunal de Justiça no seguinte sentido:

A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.

Em suma, o STJ estabeleceu o entendimento de que na hipótese de ajuizamento de ação com pedido de cômputo de tempo rural, a ausência/insuficiência de prova material não é causa de improcedência do pedido, mas, sim, de extinção sem resolução de mérito. Assegura-se, com isso que, caso o segurado especial venha a obter outros documentos que possam ser considerados prova material do trabalho rural, a oportunidade de ajuizamento de nova ação sem o risco de ser extinta em razão da coisa julgada.

Creio que o caso em tela se amolda à orientação traçada no julgamento do Recurso Especial acima citado, pois ausente início de prova material em relação ao referido lapso.

Assim, considerando a ausência de prova material apta a comprovar o efetivo exercício do labor rural, dou parcial provimento ao apelo da parte autora para extinguir o feito, sem resolução de mérito, forte no artigo 485, inc. IV, do CPC, quanto ao pedido de reconhecimento do tempo de serviço rural no período de 22/02/1981 a 27/02/1989.

3.2 Da atividade como empregada doméstica

Observo que a sentença a quo analisou o pedido sob os seguintes fundamentos:

Pretende a autora o reconhecimento do labor no período de 23/06/2008 a 31/01/2012 que exerceu atividades de doméstica sem registro em CTPS. Sustenta que não possui documentos e requer a produção da prova testemunhal para comprovação do vínculo.

Ressalto que somente a prova testemunhal para comprovação do labor é insuficiente para o reconhecimento do período, tem em conta a vedação expressa do art. 55, § 3º da Lei 8.213/91:

Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:

...

§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

Não havendo comprovação da ocorrência de força maior o caso fortuito, indefiro o pedido de reconhecimento do labor no período.

No tocante à condição de segurada da empregada doméstica, esta somente veio a ser segurada obrigatória da Previdência Social com o advento da Lei n.º 5.859/72, vigente, por força do Decreto n.º 71.885 que a regulamentou, a partir de 09.04.1973.

No período que antecede à regulamentação da profissão, este Tribunal Regional Federal e o Superior Tribunal de Justiça vêm entendendo que a doméstica estava excluída da previdência social urbana, não sendo exigível, portanto, o recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias (TRF 4ª Região, EIAC n.º 2000.04.01.139328-2/SC, Terceira Seção, Desembargador Federal Celso Kipper, DJU, Seção 2, de 09.11.2005, e AC n.º 2007.71.99.008235-0/RS, Turma Suplementar, Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, DE em 26.05.2009; STJ, AG n.º 574.087, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJU, Seção 1, de 20.04.2004; e RESP n.º 271.874, Sexta Turma, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, DJU, Seção 1, de 01.10.2001).

No momento em que adquiriu a condição de segurada obrigatória, ou seja, a partir de 09/04/1973, as contribuições previdenciárias, por consequência, passaram a ser de responsabilidade do empregador (art. 5º da Lei n.º 5.859/72 e art. 12 do Decreto n.º 71.885/73).

No caso concreto, para o período em que a parte demandante postula o reconhecimento, não há registro em CTPS ou quaisquer outro documento apto a fundamentar o pedido. Ora, tratando-se de vínculo urbano imprescindível a existência, ao menos, de início de prova documental, sendo inadmissível a prova exclusivamente testemunhal.

Ademais, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que o início de prova material deve ser feito com base em documento contemporâneo ao período que se pretende reconhecer, não sendo passível seu deferimento apenas com base em prova terstemunhal:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO. DOMÉSTICA. COMPROVAÇÃO. (...) O início de prova material é aquele feito mediante documentos contemporâneos ao exercício da atividade. (...) (AgInt no AREsp 903.354/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/02/2018, DJe 26/02/2018)

No mesmo sentido, a jurisprudência desta Corte (destaquei):

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS. TEMPO URBANO. EMPREGADA DOMÉSTICA. PROVA. FALTA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DE DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. (...) O registro constante na CTPS goza da presunção de veracidade juris tantum, constituindo prova do serviço prestado nos períodos ali anotados, sendo que eventual prova em contrário deve ser inequívoca. É ônus do empregador o recolhimento das contribuições devidas, e sua eventual ausência não implica ônus ao empregado. Considerando-se as condições predominantemente informais em que se desenvolvia a prestação de serviços dos empregados domésticos, sobretudo em períodos mais remotos, a jurisprudência tem abrandado os critérios de exigência de prova material, sem dispensá-la, mas valorando o acervo probatório como um todo, no contexto dos fatos em que ocorreu a atividade laboral. Inexistente, no caso, anotação do suposto vínculo em CTPS ou qualquer documento evidenciando a relação empregatícia, nõa há início de prova material, a qual não pode ser suprida por declarações dos supostos empregadores e prova testemunhal. Verificada a ausência de conteúdo probatório material eficaz a instruir a inicial, conforme estabelece o artigo 320 do Código de Processo Civil, resta configurada a hipótese de carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, o que implica decidir a causa sem resolução do mérito, consoante os termos do artigo 485, IV, do Código de Processo Civil. (TRF4, AC 5010250-62.2022.4.04.9999, DÉCIMA TURMA, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 26/10/2022)

A autora não juntou aos autos qualquer prova indiciária do alegado labor, eventual recibo de pagamento ou declaração escrita dos ex-empregadores. O início de prova material não é a demonstração exaustiva, mas um ponto de partida que propicie ao julgador meios de convencimento. Desse modo, não é imperativo que diga respeito a todo o período cogitado, desde que sua eficácia probatória seja ampliada por outros meios. Efetivamente, a parte autora não descreve faticamente como era seu labor informal de empregada doméstica. Não refere quem seriam os patrões, regime de trabalho, cidade ou elementos circunstâncias mais detalhados em sua narrativa. Infactível que durante cerca de 4 anos não houvesse alguma prova indicativa referente ao trabalho urbano.

Ausentes, assim, evidências materiais mínimas da alegada relação empregatícia, as quais não podem ser supridas com base apenas em prova testemunhal, resta totalmente prejudicada a alegação de cerceamento de defesa levantada ora na esfera redursal (item 2.2 supra).

Não é pacifico o entendimento sobre o alcance da tese firmada no Tema 629 do STJ, que possui a seguinte redação:

A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.

Da leitura do referido julgado, convenci-me de que os fundamentos centrais da decisão judicial que ensejou a tese firmada não estão, necessariamente, associados à espécie de benefício ou de tempo a ser analisado na ação judicial, e sim à ausência de início de prova material para o reconhecimento do período postulado, dificuldade que a prática forense tem evidenciado que não se restringe apenas ao tempo rural.

De fato, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu o entendimento de que, na hipótese de ajuizamento de ação com pedido de cômputo de tempo, a ausência/insuficiência de início de prova material não é causa de improcedência do pedido, mas sim de extinção do processo, sem resolução de mérito. Assegura-se com isso a oportunidade de ajuizamento de nova ação, sem o risco de ser extinta em razão da coisa julgada formada no processo anterior, caso o segurado venha a obter outros documentos, preservando, assim, o direito fundamental de acesso à Previdência Social.

Creio que o caso em tela se amolda à orientação traçada no julgamento do Recurso Especial acima citado, pois ausente início de prova material do período de 23/06/2008 a 31/01/2012, necessário à concessão da aposentadoria postulada.

Assim, o processo deve ser extinto, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 485, inciso IV, do Código de Processo Civil, quanto ao pedido de reconhecimento do tempo urbano prestado na condição de empregada doméstica no período de 23/06/2008 a 31/01/2012.

Honorários

Em razão do parcial provimento da apelação, não há falar em aplicação da majoração de honorários prevista no artigo 85, §11, do CPC.

Mantida a suspensão da exigibilidade da referida verba, por força da gratuidade de justiça, cumprindo ao credor, no prazo assinalado no § 3º do artigo 98 do CPC/2015, comprovar eventual alteração da situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão da benesse.

Prequestionamento

Ficam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pela parte autora cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir.

Conclusão

Reformada a sentença apenas para declarar a extinção do feito sem resolução do mérito quanto ao período de 22/02/1981 a 27/02/1989 prestado na condição de trabalhadora rural (segurada especial) e de 23/06/2008 a 31/01/2012 no qual a autora trabalhou como empregada doméstica.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento da parte autora.



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5059480-88.2018.4.04.7000
40004319357.V58


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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5059480-88.2018.4.04.7000/PR

RELATORA: Juíza Federal ÉRIKA GIOVANINI REUPKE

APELANTE: LEONILDA ROSNER GOMES (AUTOR)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR tempo de contribuição. tempo de serviço rural e tempo urbano trabalhado na condição de empregada doméstica. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO Por prova testemunhal. possibilidade. PERÍODO DE LABOR ANTERIOR AOS 12 ANOS DE IDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA INDISPENSABILIDADE do trabalho agrícola. TEMA 629 DO STJ.

1. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante apresentação de início de prova material corroborado por prova testemunhal ou por autodeclaração rural.

2. Resta excepcional o cômputo de atividade rural para menores de doze anos de idade, pois não se pode equiparar as condições físicas de labor de uma criança às de um adolescente ou adulto. A prova exigida nesses casos é a da imprescindibilidade do labor do infante à manutenção do núcleo familiar.

3. Apenas a prova testemunhal é insuficiente à demonstração do vínvulo de trabalho urbano, mantido na condição de empregada doméstica.

6. Aplica-se o TEMA 629 do STJ diante da escassez de início de prova material para a comprovação de tempo rural e urbano.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 10 de abril de 2024.



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5059480-88.2018.4.04.7000
40004340547 .V8


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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 03/04/2024 A 10/04/2024

Apelação Cível Nº 5059480-88.2018.4.04.7000/PR

RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

PROCURADOR(A): JANUÁRIO PALUDO

APELANTE: LEONILDA ROSNER GOMES (AUTOR)

ADVOGADO(A): WALÉRIA CHIBIOR (OAB PR034425)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 03/04/2024, às 00:00, a 10/04/2024, às 16:00, na sequência 565, disponibilizada no DE de 20/03/2024.

Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO DA PARTE AUTORA.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA

Secretária



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