
Apelação Cível Nº 5004710-97.2018.4.04.7016/PR
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: PAULO ROBERTO SALESSE (AUTOR)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
PAULO ROBERTO SALESSE propôs ação ordinária contra o Instituto Nacional de Seguro Social - INSS, em 30/10/2018, postulando a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a contar da data de entrada do requerimento administrativo (DER em 09/04/2018), mediante o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, no período de 14/02/1973 e 31/12/1979.
Sobreveio sentença que julgou o pedido formulado na inicial nos seguintes termos (
) :. DISPOSITIVO
Ante o exposto, nos termos da fundamentação, julgo procedente os pedidos, resolvendo o processo com apreciação do mérito, na forma do inciso I do artigo 487 do CPC, condenando o INSS a:
a) averbar o tempo de atividade rural, na condição de segurado especial, no período 14.2.1973 a 31.12.1979, independentemente do recolhimento de contribuição previdenciária.
b) conceder aposentadoria integral por tempo de contribuição, desde 9.4.2018 (DIB=DER), sem incidência do fator previdenciário no cálculo do benefício.
c) pagar as parcelas vencidas e vincendas do benefício previdenciário, acrescidas de correção monetária e juros de mora.
Considerando a natureza da causa e o lugar de prestação do serviço, bem como o trabalho, zelo e tempo dedicado pelo advogado, condeno a parte ré no pagamento de honorários de sucumbência que fixo nos percentuais mínimos previstos nos incisos I a V do § 3º do artigo 85 do CPC, conforme a graduação do proveito econômico obtido pela parte autora.
Inconformada, a parte ré interpôs recurso de apelação.
Em suas razões, sustenta ser indevido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, sob o argumento de que foram anexados documentos no processo administrativo que não serviram como início de prova material para atividade rural para o período que pretende reconhecer e de ser descabido o reconhecimento de período de atividade rural tão somente pela existência de propriedade rural em nome do pai do apelado (
).Em recurso adesivo, a parte autora postula alteração de base de cálculo dos honorários, devendo ser fixada no valor total da condenação, independentemente de ter havido concessão administrativa do benefício, cuja ausência de saque caracteriza não-aceitação.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
Os apelos preenchem os requisitos legais de admissibilidade.
Mérito
Atividade Rural em Regime de Economia Familiar
O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a apresentação de início de prova material, complementado por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas -, não sendo esta admitida exclusivamente, salvo caso fortuito ou força maior. Tudo conforme o art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91 e reafirmado na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário).
Ademais, nos termos do art. 106, caput, da Lei n.º 8.213/91, na redação dada pela Lei n.º 13.846/2019, "A comprovação do exercício de atividade rural será feita complementarmente à autodeclaração de que trata o § 2º e ao cadastro de que trata o § 1º, ambos do art. 38-B desta Lei, por meio de, entre outros: (...) (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)" - grifei.
Referido cadastro junto ao CNIS, que está previsto no art. 38-A, da Lei n.º 8.213/91, somente será indispensável para a comprovação da condição e do exercício da atividade rural do segurado especial a partir de 1º de janeiro de 2023, nos termos do § 1º, do art. 38-B. Já a autodeclaração ratificada por entidades públicas credenciadas ou órgãos públicos, na forma do § 2º, do art. 38-B, da Lei n.º 8.213/91, somente passou a ser exigida pela Administração Previdenciária para fins de reconhecimento do exercício de atividade rural a partir de 19/03/2019, nos termos do art. 37 da Lei n. 13.846/2019.
Todavia, conforme dispõe o § 4º, do art. 38-B, da Lei de Benefícios, "Na hipótese de divergência de informações entre o cadastro e outras bases de dados, para fins de reconhecimento do direito ao benefício, o INSS poderá exigir a apresentação dos documentos referidos no art. 106 desta Lei".
Nesse contexto probatório: (a) a lista dos meios de comprovação do exercício da atividade rural (art. 106 da Lei de Benefícios) é exemplificativa, em face do princípio da proteção social adequada, decorrente do art. 194 da Constituição da República de 1988; (b) não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, sendo suficientes documentos que, juntamente com a prova oral - ou com a autodeclaração rural -, possibilitem juízo conclusivo quanto ao período de labor rural exercido; (c) certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural (REsp. n.º 980.065/SP, DJU, Seção 1, 17-12-2007; REsp. n.º 637.437/PB, DJU, Seção 1, de 13-09-2004; REsp n.º 1.321.493-PR, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.).
Consideradas, contudo, as notórias e por vezes insuperáveis dificuldades probatórias do segurado especial, é dispensável a apresentação de prova documental que abranja todo o período postulado, desde que o início de prova material seja consubstanciado por prova testemunhal - ou, como já dito, pelo autodeclaração rural -, nada impedindo que sejam contemplados documentos extemporâneos ou emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem à conclusão pela existência e/ou continuidade da atividade rural.
Ademais, restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
O §1º do art. 11 da Lei de Benefícios, por sua vez, define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família o exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo que os atos negociais da entidade familiar respectiva, via de regra, são formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros, ou seja, em nome daquele considerado o arrimo de família. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam-se em início de prova material do labor rural de outro, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
No tocante à possibilidade do cômputo do tempo rural na qualidade de segurado especial a partir dos 12 anos de idade, a Terceira Seção desta Corte ao apreciar os Embargos Infringentes em AC n.º 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, na sessão de 12-03-2003, firmou entendimento no sentido da possibilidade do cômputo do tempo de serviço laborado em regime de economia familiar a partir dessa idade, na esteira de iterativa jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, tendo recentemente a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o AI n.º 529.694/RS, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, com decisão publicada no DJU de 11-03-2005, reconhecido o tempo de serviço agrícola ao menor de quatorze anos, não merecendo tal questão maiores digressões.
Caso concreto
O autor, PAULO ROBERTO SALESSE, nascido em 14/02/1961, filho de Pedro Salesse e Anna Maria Tognon Salesse (
), pleiteia o reconhecimento do exercício de trabalho rural, em regime de economia familiar, no período de 14/02/1973, quando fez 12 anos, até 31/12/1979, que restou reconhecido na sentença, nos seguintes termos:Como início de prova material apresentou documentação relacionada a imóvel adquirido por seu genitor no ano de 1975 e alienado em 1995, nos quais este é qualificado como lavrador (E10, doc.1, fls. 41/54).
Também juntou fichas de inscrição em Colégio Estadual de Umuarama, dos anos de 1975, 1978 e 1979, nas quais seu pai é qualificado como lavrador (E10, doc.1, fls. 55/59).
Entendo que os documentos colacionados satisfazem a exigência do art. 55, §3º, da Lei nº 8.213/91, sobretudo porque a lei não determina a apresentação de um documento para cada ano do período controvertido, mas tão somente a formação de um lastro probatório mínimo capaz de evidenciar a dedicação do trabalhador às lides do campo.
(...)
No que concerne à prova oral produzida, apresento resumo do que interessa do depoimento pessoal da parte autora (E28, VIDEO2):
(...)
Tem-se que a prova oral produzida mostrou-se idônea e apta a corroborar o labor do demandante na condição de trabalhador rural, em regime de economia familiar, no lapso temporal que busca reconhecimento judicial.
Primeiramente, destaco que o INSS não se insurge contra o conteúdo probatório da prova oral, a qual tenho chancelada. O presente exame restringe-se à análise da prova material.
Para comprovar o efetivo trabalho agrícola, foram trazidos aos autos alguns documentos, dentre os quais se destacam:
- registro de imóvel rural em nome do pai do autor, qualificado como lavrador, em 11/07/1975, com área de 562,50m² (
, fl.1);- ficha escolar constando o pai do autor como lavrador em 1975, 1978, 1979 (
, fl. 1, 3);- informação da DATAPREV/MPAS/INSS sobre o pai do autor ter se aposentado por idade rural em 1991 (
, fl. 69).Consoante se vê, portanto, os documentos apresentados constituem início razoável de prova material do labor rural no período indicado, porque denotam a vinculação do parte autora e de sua família ao meio rural, em regime de economia familiar, no lapso temporal em questão.
Portanto, nego provimento ao recurso da parte ré.
Do recurso adesivo - Honorários
Mantida a procedência do pedido, aplica-se a majoração prevista no artigo 85, § 11, desse diploma, observando-se os ditames dos §§ 2º a 6º quanto aos critérios e limites estabelecidos. Assim, majoro a verba honorária em 50% sobre o percentual mínimo da primeira faixa (art. 85, § 3º, inciso I, do CPC).
No que pertine à base de cálculo, merece guarida o pedido da parte autora. Devem ser observados os parâmetros do art. 85 do CPC, cujo §2º estipula que os honorários serão calculados seguindo a ordem de gradação, como, primeiramente o valor da causa, após, passa-se ao proveito econômico obtido,e, então, por fim o valor atualizado da causa. Assim, somente se avança para a base de cálculo seguinte se a hipótese sub judice não se enquadrar na anterior.
Dessa forma, em atenção ao julgamento acima citado, deve ser dado provimento à apelação para estipular que o INSS deverá arcar com o pagamento dos honorários advocatícios no patamar mínimo de cada uma das faixas de valor, considerando as variáveis dos incisos I a IV do §2º e §3º do artigo 85 do CPC/2015, incidente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença (Súmulas 111 do Superior Tribunal de Justiça e 76 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
Prequestionamento
Ficam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pela parte autora cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir.
Conclusão
Mantida a sentença de procedência quanto ao mérito, apenas alterando-se a base de cálculo dos honorários.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS, e dar provimento ao recurso adesivo da parte autora.
Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA FERRO BLASI, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004345023v16 e do código CRC 25b6eaa6.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5004710-97.2018.4.04.7016/PR
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: PAULO ROBERTO SALESSE (AUTOR)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR tempo de contribuição. tempo de serviço rural. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO Por prova testemunhal.
1. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante apresentação de início de prova material corroborado por prova testemunhal ou por autodeclaração rural.
2. A comprovação do exercício da atividade rural não se dá apenas por meio dos documentos elencados no art. 106 da Lei de Benefícios, em face do princípio da proteção social adequada, decorrente do art. 194 da Constituição da República de 1988.
3. Não é necessária a apresentação de documentos que façam prova do labor rural em relação a todo o período postulado, mas, sim, apenas um início de prova material que viabilize, em cotejo com a prova testemunhal ou com a autodeclaração rural, um juízo de valor seguro acerca da situação fática.
4. Nos termos da Súmula 577, do STJ "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório".
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, e dar provimento ao recurso adesivo da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 13 de março de 2024.
Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA FERRO BLASI, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004345024v6 e do código CRC 0bb11191.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 06/03/2024 A 13/03/2024
Apelação Cível Nº 5004710-97.2018.4.04.7016/PR
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PROCURADOR(A): MAURICIO PESSUTTO
APELANTE: PAULO ROBERTO SALESSE (AUTOR)
ADVOGADO(A): DANIELA SALESSE (OAB PR071804)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 06/03/2024, às 00:00, a 13/03/2024, às 16:00, na sequência 762, disponibilizada no DE de 26/02/2024.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, E DAR PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO DA PARTE AUTORA.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 27/03/2024 04:16:58.