| D.E. Publicado em 28/04/2017 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001512-49.2017.4.04.9999/RS
RELATORA | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
APELANTE | : | MARTA MIRANDA DO ROSARIO |
ADVOGADO | : | Juarez Antonio da Silva e outro |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | (Os mesmos) |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO RURAL COMO SEGURADO ESPECIAL. TEMPO URBANO. REQUISITOS NÃO CUMPRIDOS. AVERBAÇÃO.
Não comprovado tempo de serviço/contribuição suficiente à concessão da aposentadoria pleiteada, o período reconhecido como rural deve ser averbado para futura concessão de benefício previdenciário.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso da parte autora para reconhecer o tempo de labor rural do período compreendido entre 05/12/1981 a 31/10/1991, negar provimento ao recurso do INSS, de ofício, determinar o cumprimento imediato do acórdão quanto à implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 19 de abril de 2017.
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8890155v6 e, se solicitado, do código CRC 1677A1F3. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Vânia Hack de Almeida |
| Data e Hora: | 20/04/2017 17:34 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001512-49.2017.4.04.9999/RS
RELATORA | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
APELANTE | : | MARTA MIRANDA DO ROSARIO |
ADVOGADO | : | Juarez Antonio da Silva e outro |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | (Os mesmos) |
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação contra sentença em que o magistrado a quo julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial para reconhecer o efetivo exercício do labor rural pela autora, no período compreendido entre 18/08/1972 a 04/12/1981. Condenou a parte autora ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, na forma do RT. 85, §2º, do CPC. Suspensa a exigibilidade em relação às custas e despesas processuais. Quanto aos honorários advocatícios, entendeu o Juiz a quo que não incide a suspensão da exigibilidade.
A parte autora recorre, sustentando, em síntese: a) que as provas carreadas aos autos comprovam o efetivo exercício do labor rural, nos períodos de 18/08/1972 a 04/12/1981 e de 14/12/1981 a 30/10/1991, primeiramente, com seu pai, após o casamento, com o marido; b) Sustentou, por fim, que, no período compreendido entre 01/10/1997 a 15/07/1999, trabalhou junto à Cooperativa de Prestação de Serviço - Cootrabalho na condição de empregada, assim sendo, computando-se todos os períodos postulados, a autora contabiliza mais de trinta anos de tempo de contribuição.
Em suas razões de apelação, a Autarquia Previdenciária sustentou, em síntese, que os documentos em nome do genitor da autora não servem como início de prova material, uma vez que, no período compreendido entre 01/05/1975 a 07/03/2013, ele foi titular do benefício de aposentadoria por invalidez.
Foram oportunizadas contrarrazões. Processados, subiram os autos a esta Corte.
É o sucinto relatório.
VOTO
Do Direito Intertemporal
Considerando que o presente processo está sendo apreciado por esta Turma após o início da vigência da Lei n.º 13.105/15, novo Código de Processo Civil, necessário se faz a fixação, à luz do direito intertemporal, dos critérios de aplicação dos dispositivos processuais concernentes ao caso em apreço, a fim de evitar eventual conflito aparente de normas.
Para tanto, cabe inicialmente ressaltar que o CPC/2015 procurou estabelecer, em seu CAPÍTULO I, art. 1º que 'o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código'; em seu CAPÍTULO II, art. 14, que 'a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada'; bem como, em suas DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS, art. 1.046, caput, que 'ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973' (grifo nosso).
Neste contexto, percebe-se claramente ter o legislador pátrio adotado o princípio da irretroatividade da norma processual, em consonância com o art. 5º, inc. XXXVI da Constituição Federal, o qual estabelece que 'a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada'.
Desta forma, a fim de dar plena efetividade às referidas disposições normativas, e tendo em vista ser o processo constituído por um conjunto de atos, dirigidos à consecução de uma finalidade, qual seja, a composição do litígio, adoto, como critério de solução de eventual conflito aparente de normas, a Teoria dos Atos Processuais Isolados, segundo a qual cada ato deve ser considerado separadamente dos demais para o fim de se determinar a lei que o rege, a qual será, segundo o princípio tempus regit actum, aquela que estava em vigor no momento em que o ato foi praticado.
Por consequência, para deslinde da antinomia aparente supracitada, deve ser aplicada no julgamento a lei vigente:
(a) Na data do ajuizamento da ação, para a verificação dos pressupostos processuais e das condições da ação;
(b) Na data da citação (em razão do surgimento do ônus de defesa), para a determinação do procedimento adequado à resposta do réu, inclusive quanto a seus efeitos;
(c) Na data do despacho que admitir ou determinar a produção probatória, para o procedimento a ser adotado, inclusive no que diz respeito à existência de cerceamento de defesa;
(d) Na data da publicação da sentença (entendida esta como o momento em que é entregue em cartório ou em que é tornado público o resultado do julgamento), para fins de verificação dos requisitos de admissibilidade dos recursos, de seus efeitos, da sujeição da decisão à remessa necessária, da aplicabilidade das disposições relativas aos honorários advocatícios, bem como de sua majoração em grau recursal.
Do tempo rural
O trabalho rural como segurado especial dá-se em regime individual (produtor usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais) ou de economia familiar, este quando o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes (art. 11, VII e § 1º da Lei nº 8.213/91).
A atividade rural de segurado especial deve ser comprovada mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, e súmula 149 do STJ.
Desde logo ressalto que somente excluirá a condição de segurado especial a presença ordinária de assalariados - insuficiente a tanto o mero registro em ITR ou a qualificação como empregador rural (II b) - art. 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71. Já o trabalho urbano do cônjuge ou familiar, relevante e duradouro, não afasta a condição de regime de economia familiar quando excluído do grupo de trabalho rural. Finalmente, a constitucional idade mínima de dezesseis anos para o trabalho, como norma protetiva, deve ser interpretada em favor do protegido, não lhe impedindo o reconhecimento de direitos trabalhistas ou previdenciários quando tenham efetivamente desenvolvido a atividade laboral.
Quanto ao início de prova material, necessário a todo reconhecimento de tempo de serviço (§ 3º do art. 56 da Lei nº 8.213/91 e Súmula 149/STJ), por ser apenas inicial, tem sua exigência suprida pela indicação contemporânea em documentos do trabalho exercido, embora não necessariamente ano a ano, mesmo fora do exemplificativo rol legal (art. 106 da Lei nº 8.213/91), ou em nome de integrantes do grupo familiar (Admite-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental -Súmula 73 do TRF 4ª Região).
Nos casos de trabalhadores informais, especialmente em labor rural de boia-fria, a dificuldade de obtenção de documentos permite maior abrangência na admissão do requisito legal de início de prova material, valendo como tal documentos não contemporâneos ou mesmo em nome terceiros (patrões, donos de terras arrendadas, integrantes do grupo familiar ou de trabalho rural). Se também ao boia-fria é exigida prova documental do labor rural, o que com isto se admite é mais amplo do que seria exigível de um trabalhador urbano, que rotineiramente registra suas relações de emprego.
Da carência
A carência exigida no caso de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição é de 180 contribuições. Entretanto, para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá à tabela constante do art. 142 da Lei 8.213/91, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício.
Da dispensa do recolhimento de contribuições. Labor anterior à Lei 8.213/91.
Sobre a matéria, dispõe a Lei n.º 8.213/91, ipsis literis:
Art. 55, §2.º - O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
Já o art. 96, que regula os critérios dentro dos quais a contagem recíproca é admitida, consigna em seu inciso IV:
(...) IV- O tempo de serviço anterior ou posterior à obrigatoriedade de filiação à Previdência Social só será contado mediante indenização da contribuição correspondente ao período respectivo, com acréscimo de juros moratórios de 0,5% ao mês, capitalizados anualmente, e multa de 10%". (redação dada pela MP nº 2.022-17, de 23-05-2000, atual MP nº 2.187-13, de 24-08-2001)
O correto alcance e aplicação dos dispositivos referidos foi objeto de julgamento nos Tribunais Superiores, onde restou consignado (1) que o tempo de serviço rural anterior à vigência da Lei n.º 8.213/91 pode ser computado para a aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, sem recolhimento de contribuições, por expressa ressalva do § 2.º do art. 55, acima transcrito, salvo para carência (STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1465931/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 09-12-2014; AR 3902/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 07-05-2013), e (2) que não cabe indenização das exações correspondentes ao interregno de trabalho rural (constante do inciso IV do art. 96, também transcrito) nos períodos nos quais o trabalhador rural estava desobrigado de contribuir ao Regime Geral de Previdência Social, justificando-se a imposição da indenização apenas em relação à contagem recíproca de tempo de serviço público (AgRg no REsp 1413730/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, 2.ª Turma, DJe de 09-12-2013; REsp 1266143/SP, Rel. Jorge Mussi, 5.ª Turma, DJe de 09-10-2014).
Por fim, ressalte-se que o tempo de serviço rural sem o recolhimento das contribuições, em se tratando de regime de economia familiar, aproveita tanto ao arrimo de família como aos demais dependentes do grupo familiar que com ele laboram (STJ - REsp 506.959/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 07-10-03 e REsp n.º 603.202, Rel. Min. Jorge Scartezzini, decisão de 06-05-04).
Do recolhimento de contribuições após a Lei 8.213/91
O cômputo do tempo de serviço prestado na atividade rural posterior à vigência da Lei n° 8.213/91, para fins de concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, fica condicionado ao pagamento das contribuições correspondentes.
No mesmo sentido o enunciado da súmula 272 do STJ, verbis:
"O trabalhador rural, na condição de segurado especial, sujeito à contribuição obrigatória sobre a produção rural comercializada, somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço, se recolher contribuições facultativas."
Como já dito, a teor do disposto no art. 55, §2°, da Lei n° 8.213/91 c/c os arts. 123 e 127, V, ambos do Decreto 3.048/99, para fins de aposentadoria por tempo de serviço ou contribuição, o trabalhador rural poderá computar o tempo de serviço prestado sem o recolhimento de contribuições até a competência de outubro de 1991, exceto para efeito de carência.
O art. 39, inc. II, da Lei n° 8.213/91, condicionou o reconhecimento do tempo rural posterior à referida Lei, para fins de aposentadoria por tempo de serviço, ao recolhimento, pelo segurado, das contribuições previdenciárias, na condição de facultativo.
Da idade para reconhecimento do labor rural
A idade mínima a ser considerada, no caso de segurado especial, em princípio, dependeria da data da prestação da atividade, conforme a legislação então vigente (nesse sentido: EREsp 329.269/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/08/2002, DJ 23/09/2002, p. 221). Não obstante, cumpre destacar que a limitação constitucional ao trabalho de menor é norma protetiva da infância, não podendo conduzir ao resultado de que, uma vez verificada a prestação laboral, a incidência do preceito legal/constitucional resulte em sua nova espoliação (desta feita, dos direitos decorrentes do exercício do trabalho).
Assim, é de ser admitida a prestação laboral, como regra, a partir dos 12 anos, pois, já com menos responsabilidade escolar e com inegável maior potência física, os menores passam efetivamente a contribuir na força de trabalho do núcleo familiar, motivo pelo qual tanto a doutrina quanto a jurisprudência aceitam esta idade como termo inicial para o cômputo do tempo rural na qualidade de segurado especial (nesse sentido: TRF4, EIAC n.º 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, Terceira Seção, julgado na sessão de 12-03-2003; STF, AI n.º 529694/RS, Relator Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, decisão publicada no DJU de 11-03-05).
Do caso concreto
No caso concreto é controvertido o labor rural no período de 18/08/1972 a 31/10/1991.
Como início de prova material do labor rural juntou a parte autora os seguintes documentos: Cópia de guias do Imposto de Sobre a Propriedade Territorial Rural referente aos anos de 1972, 1973, 1975 e 1977, em nome de seu genitor (fls. 13, 17, 20, 27); Boletim Escolar onde consta que a autora frequentou a Escola Augusto Pestana, localizada no Município de Três de Maio/RS, no ano de 1973 (fl. 16); Notas fiscais emitidas pelo seu genitor, em 22/04/1976 31/08/1978, 20/07/1979, 30/09/980, 30/09/1981; Certidão de casamento, datada de 05/12/1981, onde o marido da autora, Porfírio Alves do Rosário, é qualificado como agricultor (fl. 34); Notas fiscais emitidas pelo marido da autora e/ou pelas empresas adquirentes da produção agrícola, no período de 29/06/1981 a 24/04/1992 ( fls. 35/54);Cópia de Contrato Particular de Arrendamento Agrícola firmado pelo marido da autora, em 16/09/1986, na condição de arrendatário (fls. 42/43).
Em sede de audiência de instrução foram ouvidas 03 testemunhas, constando, em síntese, o seguinte (transcrição de fl. 114):
João Amadeu Bueno de Oliveira: Advertido e compromissado. Conhece a autora há mais de 50 anos. A autora sempre foi agricultora junto com o pai. Não tinham empregados. Cultivavam milho, feijão, soja, porcos. Os produtos eram vendidos em nome do pai da autora. O grupo familiar era composto de 12 pessoas. Viu a autora trabalhando na lavoura. Depois de casar ela continuou trabalhando na lavoura. O pai da autora era agricultor. Após o acidente do pai a autora continuou trabalhando.
Roque dos Santos: Advertida e compromissada. Conhece a autora desde criança. A autora sempre foi agricultora. Eles tinham cerca de 30 hectares. Cultivavam milho, soja, mandioca. Os produtos eram vendidos em nome do pai da autora. A autora tinha mais 9 irmãos. Após o acidente do pai a autora continuou trabalhando com os irmãos e a mãe.
Ivo Barcelos: Advertido e compromissado. Conhece a autora desde que ela era criança. O pai da autora sempre foi agricultor e ela também. Eles tinham 30 hectares de terra. Não tinham empregados. Cultivavam soja, milho, mandioca. Os produtos eram vendidos em nome do pai da autora. O grupo familiar era composto de 12 pessoas. Viu a autora trabalhando na lavoura. Mesmo após o acidente do pai, a autora continuou trabalhando na agricultura.
Em razões de apelação, o INSS arguiu que os documentos em nome do genitor da autora não servem como início de prova material, uma vez que, no período compreendido entre 01/05/1975 e 07/03/2013, ele foi titular do benefício de aposentadoria por invalidez (NB 0917696069).
No caso em apreço, para comprovação do labor rural no intervalo compreendido entre 18/08/1972 a 04/12/1981, a parte autora juntou diversos documentos em nome de seu genitor, que à época era titular do benefício de aposentadoria por invalidez.
Resta assentado nesta Corte que o exercício de atividade urbana ou mesmo percepção de benefício previdenciário por integrante do núcleo familiar concomitante ao trabalho rural não tem o condão de descaracterizar, por si só, a condição de segurado especial em regime de economia familiar da parte autora, sempre que o trabalho agrícola for indispensável à sobrevivência dos membros do grupo familiar com um mínimo de dignidade.
No caso concreto, observa-se que a aposentadoria por invalidez percebida pelo genitor da autora, na qualidade de rurícola, tinha como base o salário mínimo à época, não podendo ser considerada suficientes para a manutenção do grupo familiar, tornando essenciais os rendimentos auferidos pela parte autora e, em consequência, não serve para descaracterizar a qualidade de segurada especial.
Desta forma, entendo que a parte autora logrou comprovar o exercício de atividade rural no período de 18/08/1972 a 04/12/1981, resultando no acréscimo de: 09 anos, 03 meses e 17 dias.
Destarte, merece ser mantida a sentença no ponto, negando-se provimento ao recurso do INSS.
Em relação ao período de 05/12/1981 a 31/10/1991, a parte autora apresentou início de prova material em nome de seu marido, o qual foi corroborado pela prova testemunhal, restando plenamente comprovado o exercício de atividade campesina, no período em questão.
Assim, entendo que a parte autora logrou comprovar o exercício de atividade rural no período de 05/12/1981 a 31/10/1991, resultando no acréscimo de 09 anos, 10 meses e 27 dias, devendo ser reformada a sentença, no ponto.
Do tempo de serviço/contribuição
Administrativamente, até a DER em 12/09/2014 já foram reconhecidos 13 anos, 1 mês e 26 dias de tempo de contribuição, bem como 158 contribuições a título de carência (fls.86/87).
Tempo de atividade urbana
- Cooperativa de prestação de serviço
A parte autora postula o reconhecimento do trabalho urbano, no período compreendido entre 01/10/1997 a 15/07/1999, em que laborou junto à Cooperativa de Prestação de Serviço - COOPERTRABALHO, como agente comunitário, na condição de empregada.
Quanto ao tempo de serviço urbano, este pode ser comprovado mediante apresentação de início de prova material, o qual poderá ser corroborado por prova testemunhal idônea, caso necessário o preenchimento de eventuais lacunas. A prova testemunhal, no entanto, não pode ser admitida exclusivamente. Ressalte-se que não é exigida prova plena do labor em todo o período postulado pelo segurado, devendo existir apenas um início de documentação que, em conjunto com os testemunhos colhidos, permita que se valore com segurança os fatos sobre os quais se esteia a pretensão.
Atinentemente aos meios de prova para comprovação do labor urbano, assim dispõe o § 3º do artigo 55 da LB:
"A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativamente ou judicial, conforme o disposto no artigo 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento."
Na hipótese, a controvérsia restringe-se ao reconhecimento e a averbação de tempo de serviço urbano do período em que alega ter laborado como empregada junto à Cooperativa de Prestação de Serviço - COOPERTRABALHO, como agente comunitário, no período de 01/10/1997 a 15/07/1999, com a consequente concessão de benefício.
Com relação ao período controvertido, verifico que o conjunto probatório consiste em cinco recibos emitidos pela Cooperativa de Prestação se Serviços - COOPERTRABALHO relativos aos serviços prestados pela autora, no cargo de agente comunitário, no lapso temporal compreendido entre 10/97 a 03/98 (fls. 56/60).
Após a análise do contexto probatório dos autos, concluo acertada a decisão do Magistrado sentenciante, a qual tomo seus fundamentos como razão de decidir, nos seguintes termos:
"(...)
A parte autora postula o reconhecimento do período compreendido entre 01-10-1997 a 15-07-1999, período em que laborou como agente comunitária em Cooperativa de Prestação de Serviços (COOTRABALHO).
Nos termos do art. 9o, inciso V, alínea "n" do Decreto Lei n° 3.048/99, é considerado contribuinte individual o "o cooperado de cooperativa de produção que, nesta condição, presta serviço à sociedade cooperativa mediante remuneração ajustada ao trabalho executado".
Desse modo, deveria a parte autora ter efetuado as devidas contribuições previdenciárias como contribuinte individual referente ao período postulado, mesmo que em atraso, o que não o fez, já que não há qualquer notícia sobre isso nos autos, de modo que inviável o reconhecimento de referido período para fins de aposentadoria por tempo de contribuição.(...)"
Entendo que não assiste razão à autora, uma vez que o recolhimento das contribuições previdenciárias, à época, deveria ter sido feito pela própria requerente, de acordo com as regras atinentes aos demais contribuintes individuais.
Ademais, não há provas nos autos de que a relação da autora com a Cooperativa de Prestação se Serviços - COOPERTRABALHO era uma relação de subordinação, pessoal, não-eventual e onerosa a caracterizar vínculo de emprego e, destarte, a condição de segurada obrigatória da autora ao RGPS.
Rejeito, portanto, o pedido de averbação do período laborado junto à Cooperativa de Prestação de Serviço - COOPERTRABALHO (01/10/1997 a 15/07/1999).
Analiso, pois, a possibilidade de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
Considerando-se o tempo de labor reconhecido e tendo-se em vista a data do protocolo do requerimento administrativo, resta analisar o preenchimento dos requisitos para a concessão da aposentadoria pleiteada frente às regras dispostas pela Emenda Constitucional nº 20, em vigor desde 16-12-1998.
Tem-se, pois, as seguintes possibilidades:
(a) concessão de aposentadoria por tempo de serviço proporcional ou integral, com o cômputo do tempo de serviço até a data da Emenda Constitucional nº 20, de 16-12-1998, cujo salário de benefício deverá ser calculado nos termos da redação original do art. 29 da Lei nº 8.213/91: exige-se o implemento da carência (art. 142 da Lei nº 8.213/91) e do tempo de serviço mínimo de 25 anos para a segurada e 30 anos para o segurado (art. 52 da Lei de Benefícios), que corresponderá a 70% do salário de benefício, acrescido de 6% (seis por cento) para cada ano de trabalho que superar aquela soma, até o máximo de 100%, que corresponderá à inativação integral (art. 53, I e II da LBPS);
(b) concessão de aposentadoria por tempo de contribuição proporcional ou integral, com o cômputo do tempo de contribuição até 28-11-1999, dia anterior à edição da Lei que instituiu o fator previdenciário, cujo salário de benefício deverá ser calculado nos termos da redação original do art. 29 da Lei nº 8.213/91: exige-se o implemento da carência (art. 142 da Lei nº 8.213/91) e do tempo de contribuição mínimo de 25 anos para a segurada e 30 anos para o segurado, e a idade mínima de 48 anos para a mulher e 53 anos para o homem, além, se for o caso, do pedágio de 40% do tempo que, em 16-12-1998, faltava para atingir aquele mínimo necessário à outorga do benefício (art. 9.º, § 1.º, I, "a" e "b", da Emenda Constitucional nº 20, de 1998), que corresponderá a 70% do salário de benefício, acrescido de 5% (cinco por cento) para cada ano de trabalho que superar aquela soma, até o máximo de 100%, que corresponderá à inativação integral (inciso II da norma legal antes citada); contudo, se o segurado obtiver tempo suficiente para a concessão do benefício de forma integral até 28-11-1999, ou seja, 35 anos para homem e 30 anos para mulher, o requisito etário e o pedágio não lhe podem ser exigidos;
(c) concessão de aposentadoria por tempo de contribuição integral, com o cômputo do tempo de contribuição até a data do requerimento administrativo, quando posterior às datas dispostas nas alíneas acima referidas: exige-se o implemento da carência (art. 142 da Lei nº 8.213/91) e do tempo de serviço mínimo de 30 anos para a segurada e 35 anos para o segurado (art. 201, § 7.º, I, da Constituição Federal de 1988), que corresponderá a 100% do salário de benefício, a ser calculado nos termos do inciso I do art. 29 da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 9.876/99.
No caso concreto, o resultado da soma do tempo de serviço/contribuição reconhecido pela administração previdenciária, com o tempo de serviço/contribuição reconhecido judicialmente demonstra que:
(a) Em 16/12/1998, a parte autora possuía 19 anos, 2 meses e 14 dias, não tendo direito à aposentadoria por tempo de serviço integral/proporcional.
(b) Em 28/11/1999, a parte autora possuía 19 anos, 2 meses e 14 dias, não tendo direito à aposentadoria por tempo de contribuição integral/proporcional.
(c) Em 12/09/2014 (DER), a parte autora possuía 32 anos, 4 meses e 10 meses, não preenchia a carência exigida (180 meses: artigo 142 da Lei 8.213/91 / 180 meses, art. 25, II, da Lei n. 8.213/91), não tendo direito à aposentadoria por tempo de contribuição integral/proporcional.
Portanto, a autora não implementou requisitos necessários à concessão da aposentadoria proporcional ou integral por tempo de serviço ou contribuição, no entanto, o segurado faz jus à averbação do período rural ora reconhecido (18/08/1972 a 31/10/1991), para fins de futura obtenção de aposentadoria.
Das Custas Processuais e dos Honorários Advocatícios
Sendo hipótese de sucumbência recíproca, os honorários advocatícios dos patronos de cada parte devem ser fixados em R$ 937,00 (art. 85 e §§ do CPC/2015), vedada a compensação, nos termos do § 14 do referido artigo. Em relação à parte autora, entretanto, por litigar sob o pálio da Gratuidade de Justiça, deve ser observada a suspensão da exigibilidade do pagamento de tal verba.
Quanto às custas processuais, que devem ser suportadas por ambas as partes na proporção de metade, resta suspensa sua exigibilidade no tocante à parte autora, em virtude da concessão da prefalada benesse. Já o INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4.º, I, da Lei n.º 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual n.º 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI n.º 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, p. único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Tutela Específica
Considerando os termos do art. 497 do CPC/2015, que repete dispositivo constante do art. 461 do Código de Processo Civil/1973, e o fato de que, em princípio, a presente decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (Questão de Ordem na AC nº 2002.71.00.050349-7/RS - Rel. p/ acórdão Desemb. Federal Celso Kipper, julgado em 09/08/2007 - 3ª Seção), o presente julgado deverá ser cumprido de imediato quanto à averbação do labor rural ora reconhecido. Prazo: 45 dias.
Faculta-se ao beneficiário manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao recurso da parte autora para reconhecer o tempo de labor rural do período compreendido entre 05/12/1981 a 31/10/1991, negar provimento ao recurso do INSS, de ofício, determinar o cumprimento imediato do acórdão quanto à implantação do benefício.
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 19/04/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001512-49.2017.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00021330620158210074
RELATOR | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procuradora Regional da República Solange Mendes de Souza |
APELANTE | : | MARTA MIRANDA DO ROSARIO |
ADVOGADO | : | Juarez Antonio da Silva e outro |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | (Os mesmos) |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 19/04/2017, na seqüência 167, disponibilizada no DE de 03/04/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA PARA RECONHECER O TEMPO DE LABOR RURAL DO PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE 05/12/1981 A 31/10/1991, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS, DE OFÍCIO, DETERMINAR O CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO QUANTO À IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
: | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE | |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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