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PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO RURAL. TRABALHO URBANO DO GENITOR. INDISPENSABILIDADE DA ATIVIDADE RURAL PARA O SUSTENTO FAMIL...

Data da publicação: 12/12/2024, 23:23:00

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO RURAL. TRABALHO URBANO DO GENITOR. INDISPENSABILIDADE DA ATIVIDADE RURAL PARA O SUSTENTO FAMILIAR REAFIRMAÇÃO DA DER. POSSIBILIDADE. 1. A comprovação do tempo de atividade rural para fins previdenciários exige, pelo menos, início de prova material (documental), complementado por prova testemunhal idônea. O início de prova material não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. A prova testemunhal, desde que robusta, é apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documental. 2. O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ). 3. Hipótese em que a atividade urbana exercida pelo genitor não descaracteriza a condição de segurado especial, uma vez que não houve a percepção de renda superior a dois salários-mínimos no período controvertido, bem como se mostrou indispensável o labor rural para a subsistência da família. 4. Cabível o deferimento da aposentadoria mediante reafirmação da DER, com aproveitamento do tempo de contribuição posterior ao requerimento concessório, na linha da orientação adotada administrativamente e do Tema 995 do Superior Tribunal de Justiça, a fim de que seja respeitado o consagrado direito ao melhor benefício. 5. A concessão do benefício mediante reafirmação da DER implica sucumbência recíproca entre as partes. 6. A implantação do benefício só poderá ocorrer após a indenização do tempo rural posterior a 10/1991, na fase de cumprimento da sentença. (TRF4, AC 5001100-07.2021.4.04.7117, 11ª Turma, Relatora ELIANA PAGGIARIN MARINHO, julgado em 19/11/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5001100-07.2021.4.04.7117/RS

RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos em face de sentença que julgou procedentes em parte os pedidos, nos seguintes termos (evento 40, SENT1):

Ante o exposto, rejeito a prejudicial da prescrição suscitada pelo INSS e julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, forte no art. 487, I, do CPC, para determinar ao INSS que:

a) reconheça em favor da parte autora o período de labor rural em regime de economia familiar entre 09/03/1987 e 31/10/1991, o qual deverá ser computado para todos os fins perante o RGPS, exceto carência e contagem recíproca; e

b) reconheça em favor da parte autora o período de 01/11/1991 a 31/12/1995, no qual também laborou em atividade rural em regime de economia familiar, mediante prévia indenização a ser calculada, nos termos do art. 45-A da Lei n° 8.212/91 e do art. 239, §8-A, do Decreto nº 3.048/99.

Custas ex lege.

No que concerne aos honorários advocatícios, não há possibilidade de compensação (art. 85, §14, parte final, do CPC). Assim, condeno a parte autora a pagar, em favor dos advogados públicos, honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor atribuído à causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, atualizados desde o ajuizamento da ação pelo IPCA-E.

No que tange ao INSS, condeno-o também a pagar honorários advocatícios, os quais, tendo em conta a norma inserta no art. 85, §§ 2º e 3º, I, do CPC, fixo também em 10% sobre o valor da causa (até 200 salários-mínimos), atualizados pelo IPCA-E desde a data do ajuizamento até o efetivo pagamento.

Finalmente, observo que o pagamento de tais valores, em relação à parte autora, resta sob condição suspensiva de exigibilidade, por ser beneficiária da gratuidade judiciária (ex vi art. 98, §3º, do CPC).

A parte autora, em suas razões, sustenta ter comprovado o exercício de atividade rural durante todo o período postulado. Alega que, muito embora o seu pai tenha mantido vínculo empregatício no período de 1972 a 1993, "a família permaneceu dependente da renda advinda do trabalho rural". Aduz que não era possível ao pai dedicar-se ao trabalho urbano sem a ajuda do requerente no trabalho campesino, especialmente a partir de seus 12 anos de idade. Pondera que as notas fiscais foram emitidas em nome de seu pai em razão da constituição patriarcal da família. Por fim, requer a reforma da sentença para reconhecer o labor rural entre 18/05/1975 (12 anos) e 08/03/1987, bem como conceder o benefício desde a DER ou na data de sua reafirmação (evento 45, APELAÇÃO1).

O INSS também interpôs apelação (evento 44, APELAÇÃO1).

​Oportunizada a apresentação de contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.

Pelo INSS foi apresentado pedido de desistência do recurso (evento 3, PET1).

É o relatório.

VOTO

Juízo de Admissibilidade

O apelo do autor preenche os requisitos de admissibilidade.

Não há óbice à homologação do pedido de desistência do recurso formulado pelo INSS.

Mérito

Do Tempo de Serviço Rural

Acerca do reconhecimento de tempo de serviço rural, o art. 55, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213/1991, com a redação dada pela Lei 13.846/2019, exige a apresentação de início de prova material (documental):

Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:

[...]

§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.

§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

A jurisprudência a respeito da matéria encontra-se pacificada, retratada na Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, que possui o seguinte enunciado: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de benefício previdenciário.

O reconhecimento do tempo de serviço rural exercido em regime de economia familiar aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da Lei 8.213/1991 (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU 10/11/2003).

A relação de documentos referida no art. 106 da Lei 8.213/1991 para comprovação do tempo rural é apenas exemplificativa, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural no período controvertido, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar, em conformidade com o teor da Súmula n.º 73 deste Tribunal Regional Federal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental." (DJU, Seção 2, de 02/02/2006, p. 524).

Ainda sobre a extensão do início de prova material em nome de membro do mesmo grupo familiar, “o trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar”, mas, “em exceção à regra geral (...) a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana” (Temas nº 532 e 533, respectivamente, do Superior Tribunal de Justiça, de 19/12/2012).

O início de prova material, de outro lado, não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. A prova testemunhal, desde que robusta, é apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documental (STJ, AgRg no REsp 1.217.944/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 25/10/2011, DJe 11/11/2011; TRF4, EINF 0016396-93.2011.4.04.9999, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 16/04/2013).

No mesmo sentido, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".

De ressaltar que a ausência de notas fiscais de comercialização de gêneros agrícolas não impede o reconhecimento de atividade rural como segurado especial, não apenas porque a exigência de comercialização dos produtos não consta da legislação de regência, mas também porque, num sistema de produção voltado para a subsistência, é normal que a venda de eventuais excedentes aconteça de maneira informal (TRF4, 3ª Seção, EIAC 199804010247674, DJU 28/01/2004, p. 220).

Do Caso Concreto

O ponto controvertido cinge-se ao reconhecimento do tempo rural no intervalo de 18/05/1975 (12 anos) a 08/03/1987, período em que o pai do autor, FRANCISCO ANZOLIN, possuía vínculo de trabalho urbano (evento 14, CNIS1).

A sentença reconheceu o labor rural exercido pela parte autora nos períodos de 09/03/1987 a 31/10/1991 e de 01/11/1991 a 31/12/1995, conforme segue (evento 40, SENT1):

(...) Com efeito, a prova material se mostrou apta a comprovar que a família do autor, de fato, possui origem rural, constando dos autos documentos que demonstram a vinculação do grupo com a agricultura, pelo menos, desde a década de 1960, época na qual o genitor efetuou sua inscrição como sócio de sindicato rural.

Contudo, também revela-se incontroverso o fato de que o pai do demandante, sr. Francisco Anzolin, manteve atividade laborativa como empregado junto à empresa Segundo Ronsoni & Cia Ltda, conforme demonstra o CNIS anexado ao evento 38, CNIS1:

(...)

Muito embora as testemunhas tenham sugerido que o genitor exercia tal labor apenas de modo eventual, não há como desprezar os dados do CNIS, que apontam para a existência de um vínculo de trabalho ininterrupto de mais de 20 anos, compreendido entre 02/01/1972 e 08/11/1993, que levou, inclusive, à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição na condição de segurado empregado a partir de 31/05/1994 (NB 42/059.921.778-2).

Logo, resta comprovado que o grupo contava com uma renda regular proveniente do contrato de trabalho do pai.

No que toca ao valor da remuneração percebida pelo sr. Francisco, cabe registrar que não se tratava de montante desprezível. Quando se analisa o salário de contribuição registrado no CNIS e o valor do salário mínimo vigente entre os anos de 1980 e 1990 (tabela juntada ao evento 39), chega-se à conclusão de que a renda obtida como empregado alcançava, em média, valores próximos a 2 (dois) salários mínimos mensais.

Registro que, muito embora o trabalho urbano de um dos membros do grupo não descaracterize, por si só, a condição de segurado especial dos demais integrantes, deve a prova material e testemunhal produzida demonstrar, de forma bastante contundente, que o trabalho rural exercido por estes continuava sendo indispensável ao sustento da família.

(...)

Por conseguinte, descabe o acolhimento do pleito autoral, exclusivamente, com base em documentos emitidos em nome de seu pai, havendo necessidade de que a prova rural seja bem mais robusta e específica para que cumpra o objetivo de atestar o efetivo desenvolvimento de atividade campesina pelo requerente.

A partir da prova oral produzida, identifica-se que o autor permaneceu na casa dos genitores até o momento do seu matrimônio, aos 30 anos de idade. A partir daí passou a residir nas terras dos sogros, que também eram agricultores e possuíam seu imóvel na localidade vizinha de Km 10, interior de Erechim/RS, local no qual se mantém até os dias de hoje.

Além de os depoimentos prestados pelas testemunhas terem se mostrado convincentes acerca da condição de agricultor do autor, também vieram aos autos documentos rurais em nome do próprio requerente. Destacam-se, entre eles, a ficha de filiação junto ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Erechim/RS, com admissão em 09/03/1987 e pagamento de mensalidades até o ano de 2009 (evento 1, PROCADM4), a certidão de casamento, de 26/01/1994, na qual ambos os nubentes foram qualificados como agricultores e notas fiscais da comercialização agrícola para os anos de 1989 e 1995.

Tal espécie de prova atende à exigência de maior robustez e especificidade referida pela fundamentação supra, permitindo, por consequência, a formação do convencimento positivo deste Juízo a respeito do labor rurícola em regime de economia familiar exercido pelo autor para o período compreendido entre 09/03/1987, data na qual emitido o primeiro documento rural em nome próprio, e 31/12/1995, marco final postulado.

Para comprovar o exercício de atividade rural, a parte autora apresentou documentos, dentre os quais cito:

a) Histórico escolar com a informação de que o autor estudou em colégio da localidade de Capo-Erê, interior de Erechim/RS, entre os anos de 1971 e 1977 (evento 1, PROCADM4, pp.23/25);

b) Ficha de filiação junto ao Sindicato Rural de Erechim/RS, com admissão em 22/01/1968, em nome do pai do autor (evento 1, PROCADM4, pp.31/32);

c) Ficha de filiação do autor junto ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Erechim/RS, com admissão em 09/03/1987 e pagamento de mensalidade entre os anos de 1987 e 2009 (evento 1, PROCADM4, pp.33/34);

d) Notas fiscais da comercialização rural em nome do genitor, referente aos anos de 1975 a 1993 (evento 1, PROCADM4, pp.35/70)

e) Notas fiscais da comercialização rural em nome do autor, referente aos anos de 1995 a 2002 (​​​​​​evento 1, PROCADM4, pp.71/84; evento 1, PROCADM5, pp.1/6; evento 1, PROCADM6, pp.10/17

f) Certidão do Registro de Imóveis da comarca de Erechim/RS, relativo a imóvel rural de matrícula n.º 53.303 e 53.304, de propriedade dos pais do autor, localizados naquele município, tendo sido tais imóveis herdados pelo autor por conta do falecimento de sua mãe, ocorrido em 08/11/2006 (evento 1, PROCADM5, pp.39/42).

Em depoimento pessoal, o autor declarou, conforme destacado pelo juízo:

Autor: Que morava com seus pais em área rural própria, de cerca de 12 hectares, na localidade de Capo-Erê, no interior de Erechim/RS. Que possuía mais duas irmãs. Que todos laboravam na agricultura e que não havia auxílio de empregados. Que cultivavam milho, soja, feijão e miudezas. Que também mantinham animais (suínos e vacas de leite) e que o excedente da produção era comercializado. Que o genitor mantinha atividade laborativa como empregado junto a um moinho, mas que não exercia tal labor todos os dias e que continuava desempenhando suas tarefas na agricultura de modo concomitante. Que após o casamento passou a residir com sua cônjuge na propriedade dos sogros, que também eram agricultores e possuíam imóvel próprio na localidade de Km 10, a cerca de 10 km de distância das terras de sua família. Que no local passou a cultivar soja, milho e criar alguns animais, referindo que a área explorada pelo casal alcançava cerca de 10 hectares. Que até hoje mora naquela comunidade. Que o trabalho sempre se deu de modo manual e que não houve contratação de empregados.

Ouvidas em juízo, as testemunhas declararam, também de acordo com a síntese redigida pelo juízo a quo:

1ª testemunha, sr. Dionísio Rigo: Que conhece o demandante desde criança, pois ambos residiam na mesma localidade (cerca de 2 km de distância entre as casas). Que era uma família de agricultores, que laborava em imóvel rural próprio, de aproximadamente 20 hectares. Que todos laboravam na agricultura e que não havia empregados. Que o pai do demandante exercia atividade laborativa junto a um moinho da região, mas acredita que ele não era empregado e que apenas prestava auxílio de modo eventual. Que a esposa do autor é da localidade de Km 10, local onde o requerente passou a residir após o casamento. Que o casal mora até hoje nas terras dos sogros, que também são agricultores. Que o labor campesino continuou sendo a principal fonte de sustento do requerente nesse novo endereço.

2ª testemunha, sr. Arthur Rigo: Que conhece o autor desde a infância, pois eram vizinhos na localidade de Capo-Erê, zona rural do Município de Erechim/RS. Que era uma família de agricultores que laborava em área rural própria de cerca de 20 hectares. Que todos trabalhavam na agricultura, mas que o pai do demandante prestava atividade laborativa junto a um moinho, onde atuava apenas durante o período de safra. Que não era empregado. Que quando o requerente se casou ele passou a morar com a esposa na terra dos sogros, onde também atuava como agricultor. Que o cultivo da área se dava de modo braçal e que até hoje ele reside naquele mesmo local.

O trabalho urbano de um dos componentes do grupo familiar não tem o condão de descaracterizar, por si só, a qualidade de segurado especial dos demais.

A respeito, decidiu o Superior Tribunal de Justiça no Julgamento do Tema 532 (REsp 1304479/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012):

O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).

Assim, demonstrada a indispensabilidade do trabalho rural para o sustento da família, apesar da atividade urbana desempenhada por um de seus integrantes, é possível reconhecer a condição de segurado especial daquele que continuou trabalhando na lavoura.

Nesse sentido, é válido o parâmetro traçado pelo Desembargador Federal Celso Kipper, na fundamentação do voto que proferiu na AC 5008361-74.2012.404.7202, onde expõe estar consagrada na jurisprudência desta Casa que são aceitáveis, a título de remuneração percebida pelo cônjuge de segurado especial, sem descaracterizar tal condição, valores equivalentes ou próximos a dois salários-mínimos, in verbis:

(a) reconhece-se a atividade agrícola desempenhada na condição de segurado especial quando os rendimentos do cônjuge não retiram a indispensabilidade daquela para a subsistência da família (normalmente rendimentos que não superem o valor de dois salários mínimos): Apelação Cível Nº 0007819-29.2011.404.9999, 6ª Turma, Des. Federal Celso Kipper, por unanimidade, sessão de 14-09-2011, D.E. 26-09-2011; Apelação Cível Nº 0006403-26.2011.404.9999, 6ª Turma, Juíza Federal Eliana Paggiarin Marinho, por unanimidade, sessão de 10-08-2011, D.E. 22-08-2011; AC 0000314-84.2011.404.9999, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, sessão de 08-06-2011, D.E. 16-06-2011; AC 0014562-55.2011.404.9999, Sexta Turma, Relator Luís Alberto D"azevedo Aurvalle, sessão de 09-11-2011, D.E. 21-11-2011; TRF4, AC 0008495-11.2010.404.9999, Quinta Turma, Relator Rogerio Favreto, sessão de 12-07-2011, D.E. 21/07/2011 (6ª T, julgado em 21/05/2014).

No caso concreto, o genitor da parte autora - FRANCISCO ANZOLIN, exerceu labor urbano entre 02/01/1972 e 08/11/1993, na empresa SEGUNDO RONSONI & CIA LTDA, recebendo vencimentos inferiores a dois salários-mínimos (evento 14, CNIS1).

Além disso, as notas fiscais de produtor rural em nome do genitor do autor, referentes aos anos de 1975 a 1987 (período controvertido), demonstram a manutenção do labor rural, bem como sua indispensabilidade para a sobrevivência da família (evento 1, PROCADM4, pp.35/60​).

Desse modo, merece acolhimento a pretensão recursal ora analisada, a fim de reconhecer o exercício de atividade rural pelo autor, em condições que o qualificam como segurado especial, também no período de 18/05/1975 (12 anos) a 08/03/1987.

Requisitos para Aposentadoria

O INSS apurou, na DER (12/07/2019), 14 anos e 11 meses de tempo de contribuição e 177 meses de carência (evento 1, PROCADM6, p. 84).

Considerando o tempo rural reconhecido na sentença e nesta decisão, tem-se que o autor implementa 35 anos, 06 meses e 13 dias de contribuição (mediante indenização do tempo rural posterior a 10/1991), não fazendo jus ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição desde a DER (12/07/2019), por falta de carência, conforme tabela abaixo:

CONTAGEM DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO

TEMPO DE SERVIÇO COMUM

Data de Nascimento18/05/1963
SexoMasculino
DER12/07/2019

- Tempo já reconhecido pelo INSS:

Marco TemporalTempoCarência
Até a data da EC nº 20/98 (16/12/1998)0 anos, 0 meses e 0 dias0 carências
Até a data da Lei 9.876/99 (28/11/1999)0 anos, 0 meses e 0 dias0 carências
Até a DER (12/07/2019)14 anos, 11 meses e 0 dias177 carências

- Períodos acrescidos:

Nome / AnotaçõesInícioFimFatorTempoCarência
1TEMPO RURAL (Rural - segurado especial)09/03/198731/10/19911.004 anos, 7 meses e 22 dias0
2TEMPO RURAL (Rural - segurado especial)01/11/199131/12/19951.004 anos, 2 meses e 0 dias0
3TEMPO RURAL (Rural - segurado especial)18/05/197508/03/19871.0011 anos, 9 meses e 21 dias0

Marco TemporalTempo de contribuiçãoCarênciaIdadePontos (Lei 13.183/2015)
Até a data da EC nº 20/98 (16/12/1998)20 anos, 7 meses e 13 dias035 anos, 6 meses e 28 diasinaplicável
Pedágio (EC 20/98)3 anos, 9 meses e 0 dias
Até a data da Lei 9.876/99 (28/11/1999)20 anos, 7 meses e 13 dias036 anos, 6 meses e 10 diasinaplicável
Até a DER (12/07/2019)35 anos, 6 meses e 13 dias17756 anos, 1 meses e 24 dias91.6861

Em 12/07/2019 (DER), o segurado não tem direito à aposentadoria por tempo de contribuição, ainda que proporcional (regras de transição da EC 20/98), porque não preenche a carência de 180 contribuições .

Destaco que a sentença consignou que o cômputo efetivo do tempo rural posterior a 31/10/1991 depende do pagamento da indenização respectiva. A emissão da guia pelo INSS somente não foi determinada porque o autor não perfazia o tempo necessário à aposentação, com o tempo reconhecido na sentença.

Reafirmação da DER

Não obstante, tendo em vista que a parte autora manteve-se em atividade após o requerimento administrativo (evento 13, CNIS2), faz jus à reafirmação da DER para a data em que preenchidos os requisitos, cabendo ao INSS realizar a contagem de tempo de contribuição e apurar a data em que implementados.

Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão sobre a matéria, em 23/10/2019, no julgamento do Tema 995, entendendo ser possível requerer a reafirmação da DER até segunda instância, com a consideração das contribuições vertidas após o início da ação judicial até o momento em que o segurado houver implementado os requisitos para o benefício postulado.

Além disso, fixou que somente são devidos juros “[se] o INSS não efetivar a implantação do benefício, primeira obrigação oriunda de sua condenação, no prazo razoável de até quarenta e cinco dias [...] Nessa hipótese deve haver a fixação dos juros, a serem embutidos no requisitório”. Nesse sentido: TRF4, EI 5018054-77.2010.4.04.7000, Terceira Seção, Relatora Des. Fed. Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 26/11/2020.

Em síntese:

a) reafirmação da DER durante o processo administrativo: efeitos financeiros a partir da implementação dos requisitos e os juros de mora a partir da citação;

b) implementação dos requisitos entre o final do processo administrativo e o ajuizamento da ação: efeitos financeiros a partir da propositura da demanda e juros de mora a partir da citação;

c) implementados os requisitos após o ajuizamento da ação: efeitos financeiros a partir da implementação dos requisitos; juros de mora apenas se o INSS não implantar o benefício no prazo de 45 dias da intimação da respectiva decisão, contados a partir desse termo final (caso dos autos).

Por fim, para a reafirmação da DER faz-se necessária a indenização do tempo rural posterior a 10/1991, conforme consignado na sentença.

Correção Monetária e Juros

A atualização monetária das parcelas vencidas deve observar o INPC no que se refere ao período compreendido entre 11/08/2006 e 08/12/2021, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DE 02/03/2018), inalterado após a conclusão do julgamento, pelo Plenário do STF, de todos os EDs opostos ao RE 870.947 (Tema 810 da repercussão geral), pois rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.

Quanto aos juros de mora, observado o tópico acerca da reafirmação da DER, entre 29/06/2009 e 08/12/2021, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice oficial aplicado à caderneta de poupança, por força da Lei 11.960/2009, que alterou o art. 1º-F da Lei 9.494/97, conforme decidido pelo Pretório Excelso no RE 870.947 (Tema STF 810).

A partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, impõe-se a observância do art. 3º da Emenda Constitucional 113/2021, segundo o qual, "nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente".

Honorários Advocatícios

Diante do fato de que o benefício foi concedido mediante reafirmação da DER, entendo se tratar da hipótese de sucumbência recíproca entre as partes.

Desse modo, condeno o INSS ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data do presente julgamento, a teor das Súmulas 111 do STJ e 76 desta Corte, conforme tese firmada pelo STJ no julgamento do Tema 1.105.

Condeno também a parte autora ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, suspensa a exigibilidade em razão do benefício da gratuidade de justiça.

Assinalo ainda que, sendo caso de sentença prolatada na vigência do Código de Processo Civil de 2015, é vedada a compensação, a teor do disposto no art. 85, §14.

Da Tutela Específica

Reconhecido o direito da parte autora, seria o caso de determinar a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do CPC.

No entanto, diante da necessidade da implantação ocorrer em duas etapas, entendo conveniente que isso ocorra após o trânsito em julgado, já na fase de cumprimento de sentença.

Com efeito, na primeira etapa deverá o autor informar acerca do interesse na indenização do tempo rural, especificando o período necessário.

Após, deverá o INSS disponibilizar a guia necessária para o pagamento da indenização das contribuições relativas aos períodos de labor rural ora reconhecido.

Comprovado o recolhimento até o vencimento da guia emitida, o INSS deverá ser novamente intimado para implantar o benefício, mediante reafirmação da DER.

Prequestionamento

No que concerne ao prequestionamento, tendo sido a matéria analisada, não há qualquer óbice, ao menos por esse ângulo, à interposição de recursos aos tribunais superiores.

Conclusão

Dar provimento à apelação da parte autora para:

- reconhecer o exercício de atividade rural no período de 18/05/1975 (12 anos) a 08/03/1987;

- reconhecer o direito à aposentadoria por tempo de contribuição mediante reafirmação da DER, condicionado o cômputo do tempo rural posterior a 31/10/1991 ao pagamento da indenização respectiva.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por homologar o pedido de desistência do recurso do INSS e dar parcial provimento à apelação do autor.



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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5001100-07.2021.4.04.7117/RS

RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. aposentadoria por tempo de contribuição. TEMPO RURAL. trabalho urbano do genitor. indispensabilidade da atividade rural para o sustento familiar reafirmação da der. possibilidade.

1. A comprovação do tempo de atividade rural para fins previdenciários exige, pelo menos, início de prova material (documental), complementado por prova testemunhal idônea. O início de prova material não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. A prova testemunhal, desde que robusta, é apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documental.

2. O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).

3. Hipótese em que a atividade urbana exercida pelo genitor não descaracteriza a condição de segurado especial, uma vez que não houve a percepção de renda superior a dois salários-mínimos no período controvertido, bem como se mostrou indispensável o labor rural para a subsistência da família.

4. Cabível o deferimento da aposentadoria mediante reafirmação da DER, com aproveitamento do tempo de contribuição posterior ao requerimento concessório, na linha da orientação adotada administrativamente e do Tema 995 do Superior Tribunal de Justiça, a fim de que seja respeitado o consagrado direito ao melhor benefício.

5. A concessão do benefício mediante reafirmação da DER implica sucumbência recíproca entre as partes.

6. A implantação do benefício só poderá ocorrer após a indenização do tempo rural posterior a 10/1991, na fase de cumprimento da sentença.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, homologar o pedido de desistência do recurso do INSS e dar parcial provimento à apelação do autor, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 19 de novembro de 2024.



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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO PRESENCIAL DE 19/11/2024

Apelação Cível Nº 5001100-07.2021.4.04.7117/RS

RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

PRESIDENTE: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

PROCURADOR(A): ORLANDO MARTELLO JUNIOR

SUSTENTAÇÃO ORAL PRESENCIAL: LUIZ GUSTAVO FERREIRA RAMOS por J. A. A.

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Presencial do dia 19/11/2024, na sequência 55, disponibilizada no DE de 07/11/2024.

Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, HOMOLOGAR O PEDIDO DE DESISTÊNCIA DO RECURSO DO INSS E DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR. ADVOGADO DECLINOU DA SUSTENTAÇÃO ORAL TENDO EM VISTA O RESULTADO FAVORÁVEL.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

Votante: Juíza Federal ÉRIKA GIOVANINI REUPKE

LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA

Secretária



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