APELAÇÃO CÍVEL Nº 5040482-04.2015.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MARIA HELENA CARBONERA |
ADVOGADO | : | CARINA MARINI |
: | LUCINDA APARECIDA POLOTTO BAVELONI |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TRABALHADOR RURAL. TEMPO DE ATIVIDADE ANTERIOR À LEI Nº 8.213/1991. SEGURADO ESPECIAL. LIMITE DE IDADE. RAZOÁVEL INÍCIO DE PROVA MATERIAL. DOCUMENTOS EM NOME DE TERCEIROS. TRABALHADOR RURAL BOIA-FRIA. FRAGILIDADE DA PROVA ORAL. CONSECTÁRIOS LEGAIS. REMESSA NECESSÁRIA.
1. Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.
2. Estão abrangidos pelo disposto no § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 todos os beneficiários do antigo PRORURAL: segurado especial, empregado, avulso e eventual rurais, além dos membros do grupo familiar incluídos na categoria de segurado especial, nos termos do art. 11, inciso VII, da mesma Lei.
3. Até o advento da Lei nº 8.213/1991, pode ser reconhecida a prestação de serviço rural por menor a partir de doze anos de idade.
4. Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não admitindo prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. Súmula nº 149 e Tema nº 297 do STJ.
5. O início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido.
6. Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo, quando realizado em regime de economia familiar, justifica a mitigação da exigência de prova documental.
7. É possível a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, para alcançar período anterior ou posterior aos documentos apresentados, se a prova testemunhal for favorável ao segurado. Súmula nº 577 do STJ.
8. Aceitam-se como início de prova material os documentos apresentados em nome de terceiros, desde que integrem o mesmo núcleo familiar. Entendimento consolidado na Súmula 73 desta Corte.
9. A prova oral complementa os subsídios colhidos dos elementos materiais de prova, devendo formar um conjunto probatório coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.
10. Tratando-se de trabalhador rural boia-fria, o requisito de início de prova material deve ser abrandado, de acordo com a análise do caso concreto, considerando que exercem a atividade sem qualquer formalização e proteção social. Dessa forma, as lacunas na prova documental podem ser supridas pela prova testemunhal, contanto que seja firme, consistente e harmônica.
11. Mostrou-se frágil a prova oral quanto ao trabalho de boia-fria. As testemunhas e a própria parte autora não forneceram subsídios precisos quanto a datas, propriedades rurais em que foi exercida a atividade, nome dos agenciadores de mão de obra, colegas de trabalho ou outros dados relevantes.
12. Mesmo excluída a contagem do período de atividade como boia-fria, foram preenchidos os requisitos para a aposentadoria integral por tempo de contribuição, conforme a regra permanente do art. 201, § 7º, da Constituição.
13. A Corte Suprema, no julgamento do RE 870.947/SE (Tema nº 810), reconheceu a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, na parte em que determina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública pelos mesmos índices de remuneração oficial da caderneta de poupança.
14. Aplica-se o IPCA-E, a partir de 30/06/2009, na atualização monetária das prestações vencidas, conforme a decisão no RE 870.947.
15. Considera-se interposta a remessa necessária, pois a sentença foi proferida sob a vigência do antigo CPC e o valor da condenação depende de liquidação (Súmula nº 490 do STJ).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS e à remessa necessária, considerada interposta, e determinar, de ofício, a aplicação do IPCA-E a partir de 30/06/2009, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 14 de novembro de 2017.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9216886v12 e, se solicitado, do código CRC 5226DE40. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5040482-04.2015.4.04.9999/PR
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ADVOGADO | : | CARINA MARINI |
: | LUCINDA APARECIDA POLOTTO BAVELONI |
RELATÓRIO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedente o pedido para: a) determinar a averbação do período de trabalho rural exercido pela autora no período de 01/10/1972 a 31/12/1975 e de 01/01/1987 a 31/12/1990; b) condenar o INSS a conceder à autora o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição desde a data do requerimento administrativo (08/07/2013) e a pagar as prestações vencidas até a efetiva implantação do benefício, com correção monetária pelo INPC e juros de mora a partir da citação, de acordo com o índice aplicável à remuneração das cadernetas de poupança.
O INSS alega que o juízo a quo reconheceu o exercício da atividade rural unicamente com base em prova oral, já que não há prova documental relativa aos períodos requeridos. Observa que, nos períodos em que foi apresentado início de prova material, a contagem do tempo de serviço foi admitida e averbada na via administrativa. Aduz que a prova oral não confirma o trabalho rural da autora nos períodos em questão, porque os depoimentos não foram seguros e coerentes e o número de testemunhas foi insuficiente. Sustenta que o início de prova material deve ser contemporâneo à época dos fatos a comprovar e o termo inicial do reconhecimento da atividade rural deve corresponder ao ano do primeiro documento válido. Por fim, pede que seja determinada a aplicação da Lei nº 11.960/2009, com a aplicação da TR para fins de correção monetária.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório. Peço dia.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5040482-04.2015.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MARIA HELENA CARBONERA |
ADVOGADO | : | CARINA MARINI |
: | LUCINDA APARECIDA POLOTTO BAVELONI |
VOTO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
Reexame necessário
A Súmula nº 490 do STJ dispõe: "A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas" (Corte Especial, julgado em 28/06/2012, DJe 01/08/2012).
No caso dos autos, a sentença foi proferida sob a vigência do antigo CPC e o valor da condenação depende de liquidação.
Assim, considero interposta a remessa necessária, nos termos do art. 475, § 2º, do antigo CPC.
Tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213/1991
Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. Não obstante o marco final estabelecido seja a entrada em vigor da Lei nº 8.213/1991, o Decreto nº 3.048/1999, no art. 127, inciso V, estendeu a possibilidade de aproveitamento do tempo rural até 31/10/1991.
O legislador ordinário não concedeu uma benesse aos trabalhadores rurais, ao permitir o cômputo de serviço anterior à Lei nº 8.213/1991, mesmo sem o recolhimento de contribuições previdenciárias; apenas concretizou a norma do inciso II do parágrafo único do art. 194 da Constituição de 1988, que assegurou a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços aos trabalhadores urbanos e rurais. No regime anterior à Lei nº 8.213/1991, os trabalhadores rurais contavam somente com o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) instituído pela Lei Complementar nº 11/1971. Os beneficiários do PRORURAL, além do trabalhador rural que exercia a atividade individualmente ou em regime de economia familiar, eram o empregado rural (contratado por produtor rural pessoa física ou jurídica), o avulso rural (contratado mediante a intermediação de sindicato ou órgão gestor de mão de obra) e o trabalhador rural eventual (volante, diarista ou boia-fria). Os benefícios oferecidos pelo PRORURAL não requeriam o pagamento de contribuições, porém eram limitados e tipicamente assistenciais, não prevendo a aposentadoria por tempo de serviço. A regra do § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991, assim, objetiva conciliar a substancial diferença entre o velho e o novo regime previdenciário, no tocante à contagem de tempo de serviço.
Além de todos os beneficiários do antigo PRORURAL, o § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 abarca os membros do grupo familiar, visto que o art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios, define como segurado especial não só o produtor rural que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, mas também o cônjuge ou companheiro e filhos maiores de dezesseis anos ou a ele equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.
A idade mínima de dezesseis anos referida no inciso VII do art. 11 da Lei de Benefícios considera a redação do inciso XXXIII do art. 7º da Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 20/1998. Em relação ao período anterior à Lei nº 8.213/1991, a jurisprudência admite o reconhecimento da atividade rural, em regime de economia familiar, exercida por menor a partir dos doze anos, pois as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo e não para não prejudicá-lo. Colaciono julgado do STJ amparando esse entendimento:
AGRAVO INTERNO. PREVIDENCIÁRIO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. INOVAÇÃO NO ÂMBITO DO AGRAVO INTERNO. IMPOSSIBILIDADE. RURÍCOLA. LABOR DE MENOR DE 12 ANOS DE IDADE. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
(...)
3. É firme neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido da possibilidade de cômputo do labor rural comprovadamente desempenhado por menor de doze anos de idade.
4. Agravo ao qual se nega provimento.
(AgRg no REsp 1150829/SP, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 14/09/2010, DJe 04/10/2010)
Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não aceitando prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. A legalidade da norma é corroborada pela jurisprudência do STJ, consoante a Súmula nº 149: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário". Em julgado mais recente, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou o entendimento no Tema nº 297 (REsp 1133863/RN, 3ª Seção, Rel. Ministro Celso Limongi, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).
Entende-se que a tarifação da prova imposta pelo § 3º do art. 55 da Lei de Benefícios dirige-se apenas à prova exclusivamente testemunhal. Portanto, o início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural. Dessa forma, os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. Assim, representam início de prova material as certidões de casamento, nascimento, alistamento no serviço militar, do registro de imóveis e do INCRA, escritura de propriedade rural, histórico escolar, declaração da Secretaria de Educação, entre outros documentos públicos.
Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rural nos intervalos próximos ao período efetivamente documentado, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso. A extensão da validade do início da prova material foi objeto da Súmula nº 577 do STJ, in verbis: "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório". Não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória, tanto de forma retrospectiva como prospectiva.
É bem de ver que, para os trabalhadores eventuais, a comprovação do exercício de atividade rural é extremamente dificultosa, justamente porque o vínculo com o contratante dos serviços caracteriza-se pela não habitualidade. Executam as tarefas por curto período de tempo, normalmente um dia, razão pela qual são chamados volantes, diaristas ou boias-frias. São recrutados por agenciadores de mão de obra rural, os "gatos", muitas vezes sequer constituídos como pessoa jurídica. Compreende-se, então, que a escassez do início de prova material é mais um elemento distintivo das relações informais de trabalho do diarista rural. Dada sua peculiar circunstância e notável dificuldade em portar documentos que comprovem sua condição de trabalhador rural diarista, o Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamento de recursos repetitivos, ao julgar o REsp 1321493/PR (Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012), fixou a seguinte tese, relativamente ao trabalhador rural boia-fria:
TEMA 554: Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
No que diz respeito à comprovação do tempo de serviço rural prestado em regime de economia familiar, aceitam-se como início de prova material os documentos apresentados em nome de terceiros, desde que integrem o mesmo núcleo familiar. Eis o teor da Súmula 73 desta Corte: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Em suma, o exercício da atividade rural no período anterior à Lei nº 8.213/1991 pode ser comprovado por qualquer meio documental idôneo que propicie a formação de convencimento do julgador, não se exigindo a demonstração exaustiva dos fatos por todo o período requerido. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos. Nessa senda, a prova oral representa importante subsídio complementar ao início de prova material, devendo formar um conjunto probatório firme e coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.
Caso concreto
A sentença acolheu o pedido de averbação do tempo de serviço exercido pela autora em regime de economia familiar (01/10/1972 a 31/12/1975) e como boia-fria (01/01/1987 a 31/12/1990).
A título de início de prova material, foram juntados aos autos os seguintes documentos:
a) declaração de exercício de atividade rural, expedida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Colorado, na condição de segurada especial (como porcenteira), entre 01/10/1972 a 1987, na Fazenda Santa Izabel, em Colorado/PR, pertencente a Francisco Manzano Gonçales, e como volante, entre 1988 a 1990, em várias propriedades rurais do Município de Colorado/PR (evento 1, out7);
b) notas fiscais de venda de café, em nome do pai da autora, emitidas nos anos de 1979 a 1986 (evento 1, out8 a out15);
c) contratos de parceria agrícola firmados pelo pai da autora com Francisco Manzano Gonçales, com vigência no período 01/10/1971 a 30/09/1987, para o desenvolvimento da cafeicultura (evento 1, out16 a out25);
d) declaração de matrícula escolar da autora na antiga Escola Rural Água do Jupira, emitida pela Secretaria de Educação, Cultura e Esportes de Colorado (evento 1, out26);
e) ficha de inscrição no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Colorado em nome do pai da autora, em 20/01/1976, como porcenteiro no Sítio Santa Izabel, em Água do Jupira, constando o pagamento de contribuições nos anos de 1976 a 1988 (evento 1, out27).
Em juízo, foram ouvidas três testemunhas, as quais relataram, em síntese, que eram vizinhos da família da autora em Água do Jupira; a autora e a família foram morar e trabalhar no Sítio Santa Izabel em 1970/1971 como porcenteiros na lavoura de café; presenciaram a autora nas lides agrícolas; a propriedade era do Sr. Manzano. As testemunhas Aristides Ulian e Lourenço Fernandes da Silva afirmaram que a autora e a família ficaram no sítio até 1987; após essa data, a autora foi morar em Colorado e começou a trabalhar como boia-fria; viram a autora nessa atividade em diversas propriedades da região.
Sem razão o INSS, ao alegar que não existe prova material apta e suficiente para a comprovação do tempo de atividade rural exercido pela autora na condição de segurada especial. Em se tratando de trabalho em regime de economia familiar, os documentos em nome dos membros da família são válidos como início de prova material. Além de haver prova documental contemporânea ao período pleiteado, percebe-se a continuidade das lides rurícolas, visto que o período de 01/01/1976 a 31/12/1986 foi homologado na via administrativa. Ademais, o relato das testemunhas, em consonância com a prova documental juntada aos autos, mostrou-se harmônico e firme no tocante ao trabalho rural da autora em regime de economia familiar.
Quanto ao período em que a autora trabalhou como boia-fria, o requisito de início de prova material deve ser abrandado, de acordo com a análise do caso concreto, considerando que a atividade é exercida sem qualquer formalização e proteção social. Dessa forma, as lacunas na prova documental podem ser supridas pela prova testemunhal, contanto que seja firme, consistente e harmônica, indicando de forma minuciosa e segura as circunstâncias e as condições relevantes do exercício da atividade (datas, propriedades em que houve o trabalho de boia-fria, forma de contratação, agenciadores de mão de obra, etc).
No caso dos autos, a prova oral mostrou-se frágil quanto ao lapso temporal de 01/01/1987 a 31/12/1990. As testemunhas não forneceram qualquer dado concreto acerca das propriedades em que a autora trabalhou ou dos agenciadores de mão de obra e foram imprecisas quanto a datas. Na entrevista rural realizada na via administrativa (evento 1, out30), a autora expôs com detalhes o labor em regime de economia familiar, mas não soube informar precisamente a data em que começou a trabalhar como boia-fria. Também não lembrou do nome dos proprietários ou dos sítios nos quais trabalhou, nem dos gatos que a levavam às propriedades rurais. Recordou o nome de apenas uma pessoa entre as várias que a acompanhavam nas jornadas de trabalho, a qual não foi arrolada como testemunha. Uma vez que a prova oral não tem o condão de produzir o convencimento quanto ao período em que a autora teria trabalhado como boia-fria, o apelo do INSS deve provido quanto ao período de 01/01/1987 a 31/12/1990.
Requisitos para a concessão do benefício
O INSS reconheceu, na data do requerimento administrativo (08/07/2013), o tempo de contribuição de 27 anos, 02 meses e 20 dias e a carência de 196 meses.
O tempo de atividade rural (01/10/1972 a 31/12/1975) corresponde a 03 anos e 03 meses. A soma do tempo de serviço rural e urbano resulta em 30 anos, 05 meses e 20 dias de tempo de contribuição.
Assim, mesmo excluída a contagem do período entre 01/01/1987 a 31/12/1990, a parte autora preencheu os requisitos para a concessão de aposentadoria integral por tempo de contribuição, de acordo com a regra permanente do art. 201, § 7º, da Constituição Federal, com a incidência do fator previdenciário.
Consectários legais
O juízo a quo deixou de aplicar os índices de correção monetária estabelecidos no art. 5º da Lei nº 11.960/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997.
O Plenário do STF concluiu o julgamento do Tema 810, fixando as seguintes teses sobre a questão, consoante acompanhamento processual do RE 870.947 no Portal do STF:
"Ao final, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio, fixou as seguintes teses, nos termos do voto do Relator:
1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º,caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 20.9.2017. "
Como se pode observar, o Pretório Excelso não efetuou qualquer modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, em relação à correção monetária.
Assim, a correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos pela jurisprudência:
- INPC, de 04/2006 a 29/06/2009, conforme o art. 31 da Lei nº 10.741/2003, combinado com a Lei nº 11.430/2006, precedida da MP nº 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei nº 8.213/91;
- IPCA-E, a partir de 30/06/2009, conforme a decisão no RE 870.947, julgado em 20/09/2017.
Os juros de mora são contados a partir da citação (Súmula 204 do STJ), no percentual de 1% ao mês, não capitalizado, até 29/06/2009. Desde 30/06/2009, são aplicáveis as disposições do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, utilizando-se a taxa de juros da caderneta de poupança.
Conclusão
Dou parcial provimento à apelação do INSS e à remessa necessária, considerada interposta, para julgar improcedente o pedido de averbação do tempo de serviço rural entre 01/01/1987 a 31/12/1990, mantida, porém, a condenação da autarquia a conceder à autora o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
De ofício, determino a aplicação do IPCA-E para fins de correção monetária, a partir de 30/06/2009.
Considerando a sucumbência mínima da autora, mantenho a condenação do INSS ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, no montante arbitrado na sentença (10% do valor correspondente às prestações vencidas até a sentença).
Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação do INSS e à remessa necessária, considerada interposta, e determinar, de ofício, a aplicação do IPCA-E a partir de 30/06/2009.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9216885v41 e, se solicitado, do código CRC EA2AAE75. | |
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| Signatário (a): | Amaury Chaves de Athayde |
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 14/11/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5040482-04.2015.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00023840520148160072
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
PRESIDENTE | : | Luiz Fernando Wowk Penteado |
PROCURADOR | : | Dr. João Heliofar Villar |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MARIA HELENA CARBONERA |
ADVOGADO | : | CARINA MARINI |
: | LUCINDA APARECIDA POLOTTO BAVELONI |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 14/11/2017, na seqüência 410, disponibilizada no DE de 30/10/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E À REMESSA NECESSÁRIA, CONSIDERADA INTERPOSTA, E DETERMINAR, DE OFÍCIO, A APLICAÇÃO DO IPCA-E A PARTIR DE 30/06/2009.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
: | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA | |
: | Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO |
Suzana Roessing
Secretária de Turma
| Documento eletrônico assinado por Suzana Roessing, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9245042v1 e, se solicitado, do código CRC 70F39047. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Suzana Roessing |
| Data e Hora: | 16/11/2017 14:44 |
