Apelação Cível Nº 5001366-15.2020.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VERA LUCIA SPETH
ADVOGADO: LUCIANE MAINARDI (OAB RS034058)
ADVOGADO: VERONICA SABRINA ALT (OAB RS103288)
ADVOGADO: LUCIANE MAINARDI
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença publicada na vigência do novo CPC, cujo dispositivo tem o seguinte teor:
ANTE O EXPOSTO, julgo PROCEDENTES os pedidos fonnulados por VERA LÚCIA SPETH em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -INSS para o fim de: a) DECLARAR que a autora exerceu atividade urbana, pelo período de 16.12.1998 a 30.04.2017, devendo tal período ser considerado e computado como tempo de contribuição para fins do RGPS - INSS e, por conseguinte, DETERMINO a devida averbação pela Autarquia Previdenciária; b) CONDENAR a Autarquia Previdenciária a conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição com proventos integrais em favor da autora; e c) CONDENAR o réu ao pagamento de tal benefício previdenciário desde a data do requerimento administrativo, observando a tese firmada em apreciação ao Tema 810 do STF por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário n. 870.947/SE (relação jurídica não-tributária), ou seja: c.1) aplicação das disposições do art. 19-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09, quando aos juros moratórios, os quais restam fixados segundo os índices oficiais de remuneração da cademeta de poupança, contados desde a citação; e c.2) incidência da correção monetária pelo IPCA-E, com início no vencimento de cada parcela. Sucumbente condeno o réu ao pagamento de honorários de advogado arbitrados em 10% (dez) sobre o valor da condenação, consoante artigo 85, §3º, inciso I, do CPC, sem incluir as parcelas vincendas, como dispõe a súmula 111 do STJ. Descabida a condenação da Autarquia Federal ao pagamento da Taxa Única de Serviços Judiciais, em razao da isenção constante no art. 59, I, da Lei Estadual ng 14.634/2014. Sentença não sujeita à remessa necessária, consoante o disposto no art. 496, §3º, do CPC, na medida em que a condenação certamente terá valor inferior a 1.000 (um mil) salários-mínimos. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Em suas razões recursais o INSS alega que a sentença é extra-petita, tendo em vista que na inicial não há nenhum pedido de reconhecimento de tempo de seviço como servidora pública vinculada a RPPS sem a devida apresentação da CTC. Alega que o tempo de serviço de 16-12-1998 a 30-04-2017 somente pde ser computado para fins de aposentadoria no RGPS após a emissão da respectiva CTC pelo ente que recebeu as contribuições correspondentes.
Com as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
A apelação preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Do caso concreto
A questão dos autos singe-se ao aproveitamento do tempo em que a autora esteve vinculada ao Poder Judiciário, na Comarca de Arroio do Tigre. Conforme certidão e documentos apresentados (evento 3 - ANEXOSPET4, fls. 36-44), infere-se que o referido tempo de contribuição não foi utilizado para o regime próprio de previdência, estando à disposição do INSS. O Magistrado singular bem resolveu a questão aposta, conforme trecho extraído da sentença, a qual deve ser mantida por seus próprios fundamentos:
Quanto ao alegado labor em atividade urbana pelo período de 16.12.1998 a 30.04.2017, único controvertido nos autos, em sua decisão administrativa, a Autarquia Previdenciária afirmou que tal período não consta da Certidão de Tempo de Contribuição nº 024907, porquanto as contribuições foram recolhidas em favor do IPERGS, o que inviabilizaria o cômputo do tempo para fins de aposentadoria pelo RGPS.
Em que pese os argumentos expostos pelo INSS e considerando os elementos documentais carreados aos autos, infere-se que a autora é empregada pública vinculada ao Poder judiciário, lotada na Comarca de Arroio do Tigre desde 1987 (certidão da fl. 45), portanto anterior à CF/88, tendo seu vínculo regido pelas normas da CLT. Importante destacar, também, que a autora não é estabilizada, porquanto não preenchidos os requisitos do art. 19 do ADCT.
Pois bem. Não obstante o entendimento da Autarquia Previdenciária, entendo que, juridicamente, a autora deve ser vinculada ao Regime Geral, gerido pelo INSS, uma vez que a EC nº 20/1998, ao alterar a redação do art. 40, caput, da CF/88, bem como incluindo o §13, reservou o regime próprio de previdência tão-somente aos servidores titulares de cargos de provimento efetivo, in verbis:
'Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municipios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilibrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. "
(...)
§13 - Ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social.' [grifei].
Assim, não se pode falar em vinculação da autora ao regime previdenciário próprio dos servidores estaduais conforme precedentes abaixo colacionados:
“RECURSO INOMINADO. SERVIDOR PUBLICO ESTADUAL. CONTRATADO PELO REGIME DA CLT CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS E IPERGS. CONCESSAO DE INATIVAÇAO E LIBERAÇAO DE FGTS. IMPOSSIBILIDADE. Havendo vínculo como celetrsta, está o autor vinculado ao regime geral da previdência social - INSS. O fato de ocupar cargo celetista, ou seja, não concursado, com ingresso anterior à constituição federal, deu ao servidor o direito ã estabilidade ao emprego e não a outros direitos como o aqui perseguido. Precedentes do TJRS - Embargos Infringentes Nº 70029225729, Segundo Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 08/05/2009. MERECE SER MANTIDA A SENTENÇA OUE JULGOU IMPROCEDENTE A AÇAO, POR SEUS PRQPRIOS FUNDAMENTOS. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNANIME. (Recurso CÍvel Nº 71004431672, Turma Recursal da Fazenda Pública, Turmas Recursais, Relator: Antônio Vinicius Amaro da Silveira, Julgado em 25/06/2013)
EMBARGOS INFRINGENTES. SERVIDOR PUBLICO. AÇÃO ORDINÁRIA. EMPREGADA PÚBLICA REGIDA PELA CLT PRETENSÃO DE APOSENTDORIA POR INVALIDEZ, APÓS A VIGÊNCIA DA EC 20/1998, POR MEIO DO REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÉNCIA DOS SERVIDORES ESTADUAIS (IPERGS). A demandante não se qualifica como agente titular de cargo de provimento efetivo, estando sujeita ao Regime Geral de Previdência Social, inviabilizando o pleito de aposentadoria por invalidez por meio do IPERGS, em data posterior à vigência da EC n. 20/1998. Precedentes. EMBARGOS INFRINGENTES DESACOLHIDOS. (Embargos Infringentes Nº 70029225729, Segundo Grupo de Cámaras Cíveis, Tribunalde Justiça do RS, Relator: Rogério Gesta Leal, julgado em 08/05/2009)"
Importante, ainda, transcrever o seguinte trecho constante da certidão da fl. 45, emitida pela DIGEP - TJRS:
"(..)
Periodo de 16/12/1998 a 30/04/2017: foram vertidas ao Regime Próprio de Previdência Social - IPERGS, contudo não constam na Certidão de Tempo de Contribuição nº 024907, em razão da justificativa apresentada pelo IPERGS no Of. Nº 1192017-DP, cuja cópia segue em anexa a esta certidão.
(...)" (sic) [grifei].
Conclui-se, portanto, que a autora laborou em regime urbano, pelo período de 16.12.1998 a 30.04.2017, inclusive havendo o recolhimento das contribuições previdenciárias. Logo, o aludido período deve ser considerado e vinculado ao regime geral da previdência social - INSS, porquanto a parte autora não pode ser penalizada por decisões administrativas interpretativas proferidas pelo INSS e IPERGS.
Desse modo, o apelo do INSS não merece provimento, devendo ser computado o interregno de 16-12-1998 a 30-04-2017 como tempo de contribuição para o RGPS.
Correção monetária e Juros de mora
Após o julgamento do RE n. 870.947 pelo Supremo Tribunal Federal (inclusive dos embargos de declaração), a Turma tem decidido da seguinte forma.
A correção monetária incide a contar do vencimento de cada prestação e é calculada pelos seguintes índices oficiais: [a] IGP-DI de 5-1996 a 3-2006, de acordo com o artigo 10 da Lei n. 9.711/1998 combinado com os §§ 5º e 6º do artigo 20 da Lei n. 8.880/1994; e, [b] INPC a partir de 4-2006, de acordo com a Lei n. 11.430/2006, que foi precedida pela MP n. 316/2006, que acrescentou o artigo 41-A à Lei n. 8.213/1991 (o artigo 31 da Lei n. 10.741/2003 determina a aplicação do índice de reajustamento do RGPS às parcelas pagas em atraso).
A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo Supremo naquele julgamento. No recurso paradigma foi determinada a utilização do IPCA-E, como já o havia sido para o período subsequente à inscrição do precatório (ADI n. 4.357 e ADI n. 4.425).
O Superior Tribunal de Justiça (REsp 149146) - a partir da decisão do STF e levando em conta que o recurso paradigma que originou o precedente tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza não previdenciária (benefício assistencial) - distinguiu os créditos de natureza previdenciária para estabelecer que, tendo sido reconhecida a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização, deveria voltar a incidir, em relação a eles, o INPC, que era o índice que os reajustava à edição da Lei n. 11.960/2009.
É importante registrar que os índices em questão (INPC e IPCA-E) tiveram variação praticamente idêntica no período transcorrido desde 7-2009 até 9-2017 (mês do julgamento do RE n. 870.947): 64,23% contra 63,63%. Assim, a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
A conjugação dos precedentes acima resulta na aplicação, a partir de 4-2006, do INPC aos benefícios previdenciários e o IPCA-E aos de natureza assistencial.
Os juros de mora devem incidir a partir da citação. Até 29-6-2009 à taxa de 1% ao mês (artigo 3º do Decreto-Lei n. 2.322/1987), aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar (Súmula n. 75 do Tribunal).
A partir de então, deve haver incidência dos juros até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, de acordo com o artigo 1º-F, da Lei n. 9.494/1997, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n. 11.960/2009. Eles devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez".
Honorários Advocatícios
Tendo em vista que a sentença foi publicada sob a égide do novo CPC, este regramento é aplicável quanto à sucumbência.
No tocante ao cabimento da majoração da verba honorária, conforme previsão do §11 do art. 85 do CPC/2015, assim decidiu a Segunda Seção do STJ, no julgamento do AgInt nos EREsp nº 1.539.725-DF (DJe de 19-10-2017):
É devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, §11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente:
a) vigência do CPC/2015 quando da publicação da decisão recorrida, ou seja, ela deve ter sido publicada a partir de 18/03/2016;
b) não conhecimento integralmente ou desprovimento do recurso, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente;
c) existência de condenação da parte recorrente ao pagamento de honorários desde a origem no feito em que interposto o recurso.
No caso concreto, estão preenchidos todos os requisitos acima elencados, sendo devida, portanto, a majoração da verba honorária.
Assim, impõe-se a majoração dos honorários advocatícios em 50% sobre o percentual anteriormente fixado.
Cumprimento imediato do julgado (tutela específica)
A renda mensal do benefício, em face da ausência de efeito suspensivo de qualquer outro recurso, deve ser implementada em 45 dias a partir da intimação. A parte interessada deverá indicar, em 10 dias, o eventual desinteresse no cumprimento do acórdão
Conclusão
- recurso do INSS desprovido;
- verba honorária majorada a teor do art. 85, § 11, do CPC;
- adequados os critérios de correção monetária;
- determinada a imediata implantação do benefício.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS e determinar o cumprimento imediato do acórdão.
Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002804362v16 e do código CRC d21d0331.Informações adicionais da assinatura:
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APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VERA LUCIA SPETH
ADVOGADO: LUCIANE MAINARDI (OAB RS034058)
ADVOGADO: VERONICA SABRINA ALT (OAB RS103288)
ADVOGADO: LUCIANE MAINARDI
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. SERVIDOR PUBLICO ESTADUAL CONTRATADO PELO REGIME DA CLT. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS E IPERGS. aproveitamento.
1. Havendo vínculo como celetista, a demandante não se qualifica como agente titular de cargo de provimento efetivo, estando sujeita ao Regime Geral de Previdência Social.
2. Preenchidos os requisitos legais, o segurado tem direito à aposentadoria por tempo de contribuição integral, desde a data do requerimento administrativo.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e determinar o cumprimento imediato do acórdão, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 06 de outubro de 2021.
Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002804363v5 e do código CRC 42fb97bd.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO TELEPRESENCIAL DE 06/10/2021
Apelação Cível Nº 5001366-15.2020.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): THAMEA DANELON VALIENGO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VERA LUCIA SPETH
ADVOGADO: LUCIANE MAINARDI (OAB RS034058)
ADVOGADO: VERONICA SABRINA ALT (OAB RS103288)
ADVOGADO: LUCIANE MAINARDI
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 06/10/2021, na sequência 1012, disponibilizada no DE de 27/09/2021.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E DETERMINAR O CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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