Apelação Cível Nº 5028843-18.2017.4.04.9999/PR
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
APELANTE: ORANILDE MINICOSI
ADVOGADO: ALBINA MARIA DOS ANJOS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela parte autora contra sentença, publicada antes da vigência do novo CPC, que julgou parcialmente procedente o pedido de aposentadoria por tempo de contribuição, determinando a averbação do período de labor rural, exercido em regime de economia familiar, de 16-11-1970 a 30-11-1976, e condenando a parte autora ao pagamento das custas e despesas judiciais, bem como dos honorários advocatícios, fixados em R$ 1.000,00 (mil reais). A exigibilidade restou suspensa, contudo, em face da assistência judiciária gratuita deferia nos autos.
A parte autora recorre, alegando que faz jus ao reconhecimento do labor rural em todos os períodos postulados, tendo apresentado documentos idôneos que foram corroborados pela oitiva de testemunhas. Aduz que o fato de possuir vínculos urbanos por curto tempo não descaracteriza o regime de economia familiar. Reclama que a sentença é nula, por falta de fundamentação, pois não informa o total do tempo de contribuição da autora, e não menciona quais os vínculos urbanos/contribuições computou para chegar ao somatório de 17 anos, 4 meses e 6 dias. Aduz que completou mais de 19 anos de tempo de contribuição. Pede a concessão da aposentadoria requerida, desde a data do protocolo administrativo.
Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão-somente os recursos e remessas em face de sentenças publicadas a contar do dia 18/03/2016.
Tempo Rural - Regime de economia familiar
O exercício de atividade em regime de economia familiar, para o fim de demonstração da qualidade de segurado especial, deve ser comprovado mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, e súmula 149 do STJ. Trata-se de exigência que vale tanto para o trabalho exercido em regime de economia familiar quanto para o trabalho exercido individualmente.
O rol de documentos do art. 106 da LBPS não é exaustivo, de forma que documentos outros, além dos ali relacionados, podem constituir início de prova material, que não deve ser compreendido como prova plena, senão como um sinal deixado no tempo acerca de fatos acontecidos no passado e que agora se pretendem demonstrar, com a necessária complementação por prova oral.
Não há necessidade de que o início de prova material abarque todo o período de trabalho rural, desde que todo o contexto probatório permita a formação de juízo seguro de convicção: está pacificado nos Tribunais que não é exigível a comprovação documental, ano a ano, do período pretendido (TRF4, EINF 0016396-93.2011.404.9999, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 16/04/2013).
No tocante ao requisito etário, a Terceira Seção desta Corte, ao apreciar os Embargos Infringentes em AC n.º 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, na sessão de 12/03/2003, firmou entendimento no sentido da possibilidade de cômputo de tempo de serviço laborado em regime de economia familiar a partir dos 12 anos de idade, na esteira de iterativa jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, tendo a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal se pronunciado favoravelmente a esse posicionamento no julgamento d AI n.º 529.694/RS, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes (DJU 11/03/2005). Nesse sentido, não há se falar em violação ao art. 157, IX, da Constituição Federal de 1946, art. 158, X, da Constituição Federal de 1967, arts. 7º, XXXIII, e 202, § 2º, da Constituição Federal de 1988, Lei n.º 4.214/63, art. 3º, § 1º, da Lei Complementar n.º 11/1971, arts. 11, VII, e 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, art. 292 do Decreto n.º 83.080/79 e art. 32 da IN n.º 20/2007.
Caso Concreto
Para a comprovação da atividade desempenhada no período de 18-08-1982 a 30-04-1987, foram acostados aos autos os seguintes documentos (evento 3, PET8):
a) Livro de Registro de Matrícula de Imóvel (fls. 161v/163v);
b) Guia de Recolhimento Sindical, do ano de 1968, que qualifica seu pai como trabalhador rural (fls. 164);
c) Apólice de Seguro (fl. 164v), onde consta a profissão de seu pai como sendo agricultor;
d) Notas Fiscais de Produtor Rural emitidas em 1970, 1971, 1972, 1973, 1975, 1976, 1978,1979 (fls. 164/174v);
e) Recibo de entrega de declaração de rendimentos, datado de 1972 (fl. 166v);
f) Requerimento de matrícula do irmão da autora, onde consta a profissão do pai como sendo lavrador em 1978 (fl. 174v);
g) Requerimento de matrícula da autora, onde consta a profissão do pai como sendo lavrador em 1980 e 1987 (fls. 175/176);
Os documentos acima citados são suficientes para servirem como início de prova material.
Em Audiência, realizada em 04-12-2014, foram ouvidas a parte autora e três testemunhas (evento 3, AUDIÊNCI16).
Em seu depoimento pessoal a autora disse que trabalhou numa loja durante 4,5 anos, entre 01-12-1976 a 15-03-1981. Antes, trabalhava no sítio do seu avô, juntamente com os pais. Em 1982, trabalhou em outra loja, e depois voltou para o sítio. Logo se casou, em 1983, quando novamente foi trabalhar na chácara. Permaneceu por pouco mais de 1 ano. Após, já casada, voltava a ajudar os pais eventualmente, pois morou numa chácara com o marido por aproximadamente 4 anos. Após, o marido comprou uma lanchonete e a autora foi trabalhar com ele.
As testemunhas confirmaram o exercício de atividade desde quando a autora ainda era pequena até completar 18 anos, no sítio do avô, onde plantavam café, milho, feijão, arroz. Embora os depoentes afirmem que depois de ter deixado o meio rural para exercer trabalho urbano, a autora tenha retornado à chácara dos pais, nada mais souberam relatar acerca do referido fato, nem mesmo souberam precisar alguma data.
Assim, inviável o reconhecimento do alegado labor rural, tendo em vista que a autora apresentou apenas um único documento referente ao hiato que quer comprovar, qual seja, requerimento de matrícula, constando a profissão de seu pai como sendo lavrador em 1980 e 1987. Frise-se que nessa época a requerente já estava casada, tendo constituído novo núcleo familiar. Ademais, a oitiva de testemunhas não corroborou adequadamente o período após 1976, tendo apenas mencionado que houve um retorno ao meio rural.
Desse modo, ainda que a demandante tenha exercido atividade rural no intervalo entre 1982 e 1987, não restou demonstrado que a agricultura era a principal fonte de renda da autora e sua família, devendo ser mantida a sentença, no ponto.
Do tempo de atividade urbana
Consta da Comunicação de indeferimento do pedido administrativo de 02-12-2013, que a autora computou 17 anos, 04 meses e 6 dias (evento 3, PET12, fl. 9).
Da CTPS da requerente (evento 3, ANEXOS PET4, fls. 7-9), consta o registro dos seguintes vínculos urbanos: 01-12-1976 a 15-03-1981, 01-06-1982 a 17-08-1982, 01-03-1995 a 31-08-1995, 01-09-1995 a 01-03-1996, 01-03-1996 a 01-09-1996, 01-09-1996 a 01-03-1997, cujas anotações estão legíveis e sem rasuras.
Parte dos vínculos já está averbada no CNIS, entretanto, alguns encontram-se em aberto.
Considerando que o tempo de serviço urbano pode ser demonstrado mediante a apresentação da CTPS, cujas anotações constituem prova plena, para todos os efeitos, dos vínculos empregatícios ali registrados, gozando de presunção iuris tantum de veracidade, salvo suspeitas objetivas e razoavelmente fundadas acerca dos assentos contidos do documento, determino ao INSS que averbe corretamente os períodos de labor urbano acima citados.
Computando os períodos registrados na CTPS corretamente, e considerando o período de 01-09-1999 a 31-07-2012, constante do CNIS, a autora totaliza 19 anos, 5 meses e 7 dias de tempo de contribuição, apenas com a contagem do tempo urbano.
1 | 01/12/1976 | 15/03/1981 | 1.545 | 4 | 3 | 15 |
2 | 01/06/1982 | 17/08/1982 | 77 | - | 2 | 17 |
3 | 01/03/1995 | 31/08/1995 | 181 | - | 6 | 1 |
4 | 01/09/1995 | 01/03/1996 | 181 | - | 6 | 1 |
5 | 01/03/1996 | 01/09/1996 | 181 | - | 6 | 1 |
6 | 01/09/1996 | 01/03/1997 | 181 | - | 6 | 1 |
7 | 01/09/1999 | 31/07/2012 | 4.651 | 12 | 11 | 1 |
Total | 6.997 | 19 anos | 5 meses | 7 dias |
Da aposentadoria por Tempo de Contribuição
Somando-se o tempo urbano (19 anos, 5 meses e 7 dias) ao tempo rural reconhecido na sentença, de 16-11-1970 a 30-11-1976 (6 anos e 15 dias), a parte autora totaliza 25 anos, 5 meses e 22 dias, insuficiente para a aposentadoria requerida na data da DER ou em 16-12-1998.
Cumpre ao INSS, portanto, a averbação do período de atividade rural, exercida em regime de economia familiar, de 16-11-1970 a 30-11-1976, bem como a a correta anotação dos períodos de labor urbano registrados na CTPS da autora, de 01-12-1976 a 15-03-1981, 01-06-1982 a 17-08-1982, 01-03-1995 a 31-08-1995, 01-09-1995 a 01-03-1996, 01-03-1996 a 01-09-1996 e de 01-09-1996 a 01-03-1997.
Das custas e dos honorários advocatícios
Considerando que o proveito econômico da parte autora não é mensurável, pois determinada apenas a averbação de períodos como trabalhador rural e urbano, reconheço a ocorrência de sucumbência recíproca, porém não equivalente, distribuindo a verba honorária, fixada em R$ 1.000,00 (um mil reais), nos termos do art. 20, § 4º, do CPC/73, na proporção de 60% pela parte autora e 40% pelo INSS.
Suspensa a execução em relação à parte autora, pois beneficiária da AJG, sem prejuízo, todavia, da exigibilidade da parcela devida pela requente quando deixar de perdurar a situação que lhe proporcionou o deferimento da gratuidade da justiça.
Na mesma proporção as custas deverão ser pagas, observando-se, contudo, a gratuidade da justiça deferida à apelante.
Prequestionamento
Para fins de possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores dou por prequestionadas as matérias constitucionais e legais alegadas em recurso pela(s) parte(s), nos termos das razões de decidir já externadas no voto, deixando de aplicar dispositivos constitucionais ou legais não expressamente mencionados e/ou tidos como aptos a fundamentar pronunciamento judicial em sentido diverso do declinado.
Conclusão
- recurso da autora parcialmente provido; determinada a averbação de períodos de labor rural e urbano;
- ônus da sucumbência devido pelas partes, na proporção de 60% pela autora e 40% pelo INSS.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação da parte autora.
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Apelação Cível Nº 5028843-18.2017.4.04.9999/PR
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
APELANTE: ORANILDE MINICOSI
ADVOGADO: ALBINA MARIA DOS ANJOS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. tempo rural. reconhecimento parcial. tempo urbano. averbação.
1. A qualidade de segurado especial, em regime de economia familiar, deve ser comprovado mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, e súmula 149 do STJ.
2. O tempo de serviço urbano pode ser demonstrado mediante a apresentação da CTPS, cujas anotações constituem prova plena, para todos os efeitos, dos vínculos empregatícios ali registrados.
3. Os dados constantes do CNIS têm valor probatório equivalente às anotações em CTPS (art. 19 do Decreto nº 3.048/99, com a redação do Decreto 6.722/08), sendo devido o cômputo do tempo de serviço/contribuição respectivo.
4. Não sendo apresentada a CTPS, nem havendo outro documento entendido como prova plena do labor, como o registro das contribuições previdenciárias do empregador junto ao CNIS, o tempo de serviço urbano pode ser comprovado mediante a produção de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea.
4. Não preenchidos os requisitos legais, inviável a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
5. Determinada a averbação de períodos de atividade rural e urbana.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 15 de abril de 2019.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 15/04/2019
Apelação Cível Nº 5028843-18.2017.4.04.9999/PR
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: ORANILDE MINICOSI
ADVOGADO: ALBINA MARIA DOS ANJOS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído no 2º Aditamento do dia 15/04/2019, na sequência 823, disponibilizada no DE de 01/04/2019.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA, DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Votante: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 20:45:35.