Apelação Cível Nº 5016175-44.2019.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NELCI SIGNOR
RELATÓRIO
Trata-se de ação previdenciária ajuizada na justiça estadual por NELCI SIGNOR (nascida em 06/11/1955) contra o INSS em 31/07/2017, pretendendo concessão de aposentadoria rural por idade.
O juízo de origem assim delimitou os contornos da lide:
NELCI SIGNOR ajuizou AÇÃO PREVIDENCIÁRIA- POR IDADE RURAL contra o INSTITUTO NACIONAL DE SEGURO SOCIAL – INSS, ambos qualificados nos autos. Alegou que possui 62 anos de idade, sendo filha de agricultores, tendo sempre exercido atividades agrícolas em regime de economia familiar com os pais e irmãos, mesmo após o casamento, sendo que o marido auxilia nas atividades rurais mais difíceis, após seu horário de trabalho, nos dias de folga e feriados. Alegou que o trabalho é exercido junto com o irmão Celso Quequi, e com sua cunhada, Lourdes Quequi. Asseverou que postulou, por duas vezes, junto a autarquia previdenciária o pedido de aposentadoria por idade rural na via administrativa, mas os pleitos foram indeferidos. Requereu a procedência para conceder a aposentadoria por idade rural, bem como a condenação do INSS ao pagamento dos valores vencidos e vincendos, desde o requerimento administrativo em 13/04/2016. Pediu a concessão da AJG, e acostou documentos às fls. 02/116.
Citado, o demandado apresentou contestação às fls. 120/126, arguindo que a autora não preenche os requisitos estabelecidos e lei. Ainda, asseverou que a autora não comprovou a qualidade de segurada especial conforme lei nº 8.213/91, vez que não foram juntados documentos contemporâneos aos fatos a serem comprovados. Ainda, que o marido da autora é empresário, e percebe aposentadoria urbana. Requereu a improcedência do pedido. Acostou documentos às fls. 127/185.
Houve réplica.
Realizada audiência de instrução, tendo sido ouvidas duas testemunhas arroladas pela parte autora. Ato contínuo, a instrução foi encerrada, e a parte autora apresentou razões orais remissivas às alegações já constantes nos autos. O INSS não compareceu na solenidade.
(...)
A sentença (Evento 3 - SENT12), datada de 03/12/2018, julgou procedente o pedido da inicial condenando o INSS a conceder à parte autora o benefício de aposentadoria rural por idade, bem como a pagar as parcelas atrasadas a partir da data do requerimento administrativo do benefício (13/14/2016). Entendeu o julgador que há início de prova da atividade rural da parte autora, referendado pelas testemunhas, e que o fato de o marido da autora ter vínculo urbano não serve, por si só, para afastar o direito à concessão da aposentadoria pleiteada. Assim, condenou o INSS ao pagamento de honorários fixados em dez por cento sobre o valor atualizado da condenação, excluídas as parcelas vincendas, até a data da sentença. No que diz respeito à atualização da condenação, determinou que as parcelas vencidas devem ser corrigidas monetariamente pelo IPCA-E, a contar dos respectivos vencimentos, acrescidos de juros de mora com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação da Lei 11.960/2009). Determinou, ainda, a condenação do INSS ao pagamento da taxa única, despesas processuais e honorários periciais, considerando que a demanda foi ajuizada após a entrada em vigor da Lei n. 14.634/2014. A sentença não foi submetida ao reexame necessário.
Apelou o INSS (Evento 3 - APELAÇÃO13). Em suas razões, afirmou que a parte autora não trouxe ao feito suficiente prova do cumprimento da carência legal como segurada especial. Justificou a afirmação assegurando que, não obstante o considerável início de prova material, estaria descaracterizada a qualidade de segurada especial da parte autora em função das atividades urbanas do marido. Nesse sentido, argumentou que o marido da parte autora recebe benefício de aposentadoria urbana com valor superior a dois salários mínimos, concluindo que restaria demonstrado que a atividade agrícola não era a fonte de subsistência da família. Requereu, assim, a reforma da sentença para julgar improcedentes os pedidos deduzidos na inicial. No que diz respeito à correção monetária e aos juros de mora, para o caso de ser mantida a sua condenação, defendeu a aplicação integral do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com redação dada pelo artigo 5º da Lei nº 11.960/2009, até que se tenha conhecimento a respeito da eventual modulação dos efeitos da decisão proferida no STF no julgamento do RE 870947. Requereu também a isenção de custas e suscitou o prequestionamento da matéria levantada no recurso.
Com contrarrazões (Evento 3 - CONTRAZ14), vieram os autos a este Tribunal.
VOTO
DO REEXAME NECESSÁRIO
A sentença não foi submetida ao reexame necessário.
DA APLICAÇÃO DO CPC/2015
Conforme o art. 14 do CPC/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Logo, serão examinados segundo as normas do CPC/2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças publicadas a contar do dia 18/03/2016.
Tendo em vista que a sentença foi publicada posteriormente a esta data, o recurso será analisado em conformidade com o CPC/2015.
DA APOSENTADORIA RURAL POR IDADE
Economia familiar - considerações gerais
O benefício de aposentadoria por idade do trabalhador rural qualificado como segurado especial em regime de economia familiar (inc. VII do art. 11 da Lei 8.213/1991), é informado pelo disposto nos §§ 1º e 2º do art. 48, no inc. II do art. 25, no inc. III do art. 26 e no inc. I do art. 39, tudo da Lei 8.213/1991. São requisitos para obter o benefício:
1) implementação da idade mínima (cinquenta e cinco anos para mulheres, e sessenta anos para homens);
2) exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondente à carência exigida, ainda que a atividade seja descontínua.
Não se exige prova do recolhimento de contribuições (TRF4, Terceira Seção, EINF 0016396-93.2011.404.9999, rel. Celso Kipper, D.E. 16/04/2013; TRF4, EINF 2007.70.99.004133-2, Terceira Seção, rel. Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, D.E. 23/04/2011).
A renovação do Regime Geral de Previdência Social da Lei 8.213/1991 previu regra de transição em favor do trabalhador rural, no art. 143:
Art. 143. O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício.
Complementando o art. 143 na disciplina da transição de regimes, o art. 142 da Lei 8.213/1991 estabeleceu que para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá a uma tabela de redução de prazos de carência no período de 1991 a 2010, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício.
O ano de referência de aplicação da tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991 será aquele em que o segurado completou a idade mínima para haver o benefício, desde que, até então, já disponha de tempo rural correspondente aos prazos de carência previstos. É irrelevante que o requerimento de benefício seja apresentado em anos posteriores ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, devendo ser preservado o direito adquirido quando preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que estes requisitos foram atendidos (§ 1º do art. 102 da Lei 8.213/1991).
Pode acontecer, todavia, que o segurado complete a idade mínima mas não tenha o tempo de atividade rural exigido, observada a tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991. Nesse caso, a verificação do tempo de atividade rural necessária ao cumprimento da carência equivalente para obter o benefício não poderá mais ser feita com base no ano em que implementada a idade mínima, mas sim nos anos subsequentes, de acordo com a tabela mencionada, com exigências progressivas.
Ressalvam-se os casos em que o requerimento administrativo e a implementação da idade mínima tenham ocorrido antes de 31/08/1994 (vigência da MP 598/1994, convertida na Lei 9.063/1995, que alterou o art. 143 da Lei 8.213/1991), nos quais o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural anterior ao requerimento por um período de cinco anos (sessenta meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991.
A disposição contida no art. 143 da Lei 8.213/1991, exigindo que a atividade rural deva ser comprovada em período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada a favor do segurado. A regra atende às situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente comprovar trabalho rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no § 1º do art. 102 da Lei 8.213/1991 e, principalmente, em proteção ao direito adquirido. Se o requerimento datar de tempo consideravelmente posterior à implementação das condições, e a prova for feita, é admissível a concessão do benefício.
Em qualquer caso, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo (STF, Plenário, RE 631240/MG, rel. Roberto Barroso, j. 03/09/2014).
O tempo de trabalho rural deve ser demonstrado com, pelo menos, um início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, complementada por prova testemunhal idônea. Não é admitida a prova exclusivamente testemunhal, a teor do § 3º do art. 55 da Lei 8.213/1991, preceito jurisprudencialmente ratificado pelo STJ na Súmula 149 e no julgamento do REsp nº 1.321.493/PR (STJ, 1ª Seção, rel. Herman Benjamin, j. 10/10/2012, em regime de "recursos repetitivos" do art. 543-C do CPC1973). Embora o art. 106 da Lei 8.213/1991 relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo (STJ, Quinta Turma, REsp 612.222/PB, rel. Laurita Vaz, j. 28/04/2004, DJ 07/06/2004, p. 277).
Não se exige, por outro lado, prova documental contínua da atividade rural, ou em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, mas início de prova material (notas fiscais, talonário de produtor, comprovantes de pagamento do ITR ou prova de titularidade de imóvel rural, certidões de casamento, de nascimento, de óbito, certificado de dispensa de serviço militar, quaisquer registros em cadastros diversos) que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar:
[...] considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ [...]
(STJ, Primeira Seção, REsp 1321493/PR, rel. Herman Benjamin, j. 10out.2012, DJe 19/12/2012)
Quanto à questão da contemporaneidade da prova documental com o período relevante para apuração de carência, já decidiu este Tribunal que: A contemporaneidade entre a prova documental e o período de labor rural equivalente à carência não é exigência legal, de forma que podem ser aceitos documentos que não correspondam precisamente ao intervalo necessário a comprovar. Precedentes do STJ (TRF4, Sexta Turma, REOAC 0017943-66.2014.404.9999, rel. João Batista Pinto Silveira, D.E. 14/08/2015).
Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando dos pais ou cônjuge, consubstanciam início de prova material do trabalho rural, já que o §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar o exercido pelos membros da família "em condições de mútua dependência e colaboração". Via de regra, os atos negociais são formalizados em nome do pater familias, que representa o grupo familiar perante terceiros, função esta, exercida em geral entre os trabalhadores rurais, pelo genitor ou cônjuge masculino. Nesse sentido, a propósito, preceitua a Súmula 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental", e já consolidado na jurisprudência do STJ: "A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido da admissibilidade de documentos em nome de terceiros como início de prova material para comprovação da atividade rural (STJ, Quinta Turma, REsp 501.009/SC, rel. Arnaldo Esteves Lima, j. 20/11/2006, DJ 11/12/2006, p. 407).
Importante, ainda, ressaltar que o fato de um dos membros da família exercer atividade outra que não a rural também não descaracteriza automaticamente a condição de segurado especial de quem postula o benefício. A hipótese fática do inc. VII do art. 11 da Lei 8.213/1991, que utiliza o conceito de economia familiar, somente será descaracterizada se comprovado que a remuneração proveniente do trabalho urbano do membro da família dedicado a outra atividade que não a rural seja tal que dispense a renda do trabalho rural dos demais para a subsistência do grupo familiar:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. SEGURADA ESPECIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. O exercício de atividade urbana por um dos componentes do grupo familiar não afasta, por si só, a qualidade de segurado especial dos demais membros, se estes permanecem desenvolvendo atividade rural, em regime de economia familiar. Para a descaracterização daquele regime, é necessário que o trabalho urbano importe em remuneração de tal monta que dispense o labor rural dos demais para o sustento do grupo. Precedentes do STJ.
(TRF4, Terceira Seção, EINF 5009250-46.2012.404.7002, rel. Rogerio Favreto, juntado aos autos em 12/02/2015)
O INSS alega com frequência que os depoimentos e informações tomados na via administrativa apontam para a ausência de atividade rural no período de carência. As conclusões adotadas pelo INSS no âmbito administrativo devem ser corroboradas pela prova produzida em Juízo. No caso de haver conflito entre as provas colhidas na via administrativa e as tomadas em juízo, deve-se ficar com estas últimas, uma vez que produzidas com as cautelas legais, garantindo-se o contraditório: "A prova judicial, produzida com maior rigorismo, perante a autoridade judicial e os advogados das partes, de forma imparcial, prevalece sobre a justificação administrativa" (TRF4, Quinta Turma, APELREEX 0024057-21.2014.404.9999, rel. Taís Schilling Ferraz, D.E. 25jun.2015). Dispondo de elementos que impeçam a pretensão da parte autora, cabe ao INSS produzir em Juízo a prova adequada, cumprindo o ônus processual descrito no inc. II do art. 373 do CPC2015 (inc. II do art. 333 do CPC1973).
DO CASO CONCRETO
O requisito etário, cinquenta e cinco anos, cumpriu-se em 06/11/2010, (nascimento em 09/11/1955). O requerimento administrativo deu entrada em 13/04/2016. Deve-se comprovar, de acordo com a tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991, o exercício de atividade rural nos cento e setenta e quatro meses imediatamente anteriores ao cumprimento do requisito etário ou aos cento e oitenta meses anteriores ao requerimento administrativo.
Ressalto que não há a necessidade de analisar as provas materiais e orais do exercício de atividade rural da parte autora, haja vista que o próprio INSS reconhece que há início de prova material, centrando a sua inconformidade em relação à concessão do benefício no fato de o marido da parte autora receber renda advinda de atividade urbana, o que descaracterizaria a condição de segurada especial da parte autora e, consequentemente, inviabializaria a concessão do benefício pleiteado na inicial.
A sentença entendeu que o fato de o marido da parte autora ter vínculo urbano, como contribuinte individual, não serve por si só para afastar o direito da parte autora, ressaltando que a atividade rural em regime de economia familiar pode ser exercida por apenas um dos cônjuges, não sendo necessário que os dois trabalhem na atividade rural.
Cabem aqui algumas considerações acerca do exercício de atividade diversa da rural como elemento descaracterizador da condição de segurado especial. Essa hipótese ensejará o não enquadramento do trabalhador rural na condição de segurado especial, caso a subsistência da família seja garantida pela remuneração proveniente da outra atividade, e não pelo trabalho rural desenvolvido pela rurícola.
Nesse aspecto, o fato de o cônjuge ou outro membro da família exercer atividade diversa da rural não serve para descaracterizar automaticamente a condição de segurado especial, salvo para aquela pessoa que exerce a referida atividade como meio preponderante de subsistência em relação àquele desenvolvida no meio rural.
Alega o INSS que, em razão da atividade urbana desempenhada, o esposo da parte autora aposentou-se por tempo de contribuição em 2008, sendo que o seu benefício atual, dez anos após à sua concessão, constitui valor superior a dois salários mínimos, apresentando tela do sistema Plenus (Evento 3 - APELAÇÃO13, p. 4) para comprovar a afirmação.
A parte autora, em suas contrarrazões, afirma que o marido da parte autora é aposentado urbano com renda inferior a dois salários mínimos. Alega ainda que o INSS, nos autos não apresentou qualquer prova em sentido contrário. Reiterou ainda as afirmações da inicial de que o seu marido sempre a acompanhou nas lides rurais nos finais de semana, feriados e nos finais de tarde, haja vista que nunca trabalhou a jornada inteira no setor urbano.
Cabe, portanto, analisar a renda obtida pelo marido da parte autora a fim de definir se o ganho obtido pela sua atividade urbana é suficiente para a manutenção da família da parte autora.
Como visto, afirma o INSS que o marido da parte autora recebe aposentadoria superior a dois salários mínimos, afirmação esta contestada pela parte autora, que afirma que tal valor é inferior aos dois tetos mínimos.
Nesse sentido, analisando a tela do sistema Plenus apresentada pelo INSS, ela indica que em abril de 2019 o cônjuge da autora recebia R$ 1.977,03. O salario mínimo em 2019, conforme o Decreto 9.661/2019, tem o valor mensal de R$ 998,00. Constata-se, portanto, que, ao contrário do que afirma o INSS em seu apelo, o valor mensal da aposentadoria do marido da parte autora não supera dois salários mínimos. Na verdade, o rendimento do esposo da parte autora equivale a 1,98 salários mínimos, valor muito próximo a dois salários mínimos, mas que não os supera.
Entendo que, levando em conta o valor remuneratório recebido pelo esposo da parte autora, não há como afirmar que poderiam ser dispensados os rendimentos advindos da atividade rural exercida pela parte autora sem comprometer o sustento da família. Dessa forma, o caso concreto permite afirmar que ambos os rendimentos seriam essenciais para o sustento da família, independente de qual é menor ou maior, não se podendo afastar um deles sem comprometer o orçamento familiar como um todo. Assim, entendo que os ganhos obtidos com a atividade rural devem ser considerados como essenciais para a subsistência do núcleo familiar e que deve, consequentemente, ser mantida a condição de segurada especial da parte autora.
Dessa forma, deve ser mantido o mérito da sentença que concedeu o benefício de aposentadoria por idade à parte autora, negando provimento ao recurso do INSS.
DOS CONSECTÁRIOS
Correção monetária
A sentença determinou que as parcelas vencidas devem ser corrigidas monetariamente pelo IPCA-E. O INSS, em seu recurso defendeu que a correção monetária e os juros devem dar-se nos parâmetros do art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009.
Não se desconhece o recente julgado do STF, ocorrido em 03/10/2019, rejeitando os embargos de declaração opostos no RE 870.947/SE (Tema 810 do STF). Todavia, permanece pendente de julgamento no STJ a discussão da aplicabilidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, em relação às condenações impostas à Fazenda Pública, em julgamento submetido à sistemática de recursos repetitivos sob o Tema 905 (REsp 1.495.146/MG, REsp 1.492.221/PR, REsp 1.495.144/RS - Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. em 22/02/2018), restando indefinida, ainda, a questão referente ao índice de atualização monetária aplicável aos débitos de natureza previdenciária a contar de 30/06/2009.
Em face dessa incerteza, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os artigos 4º, 6º e 8º do Código de Processo Civil de 2015, mostra-se adequado e racional diferir para a fase de execução a solução em definitivo acerca dos critérios de correção, ocasião em que, possivelmente, a questão já terá sido dirimida pelos Tribunais Superiores, o que conduzirá à observância pelos julgadores da solução uniformizadora.
A fim de evitar novos recursos, inclusive na fase de cumprimento de sentença, e anteriormente à solução definitiva sobre o tema, a alternativa é que o cumprimento do julgado se inicie adotando-se os índices da Lei 11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo para momento posterior ao julgamento pelos Tribunais Superiores a decisão do Juízo de origem sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas caso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Dessa forma, deve ser reformada a sentença a fim de diferir a definição dos consectários para a fase de cumprimento da sentença, mantendo, até a solução definitiva sobre o tema, os índices da Lei 11.960/2009, uma vez incontroversos.
Assim, deve ser dado parcial provimento ao recurso no ponto.
Juros de mora
A partir de 30/06/2009, os juros incidem, de uma só vez, de acordo com os juros aplicados à caderneta de poupança, conforme o art. 5º da Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei n.º 9.494/1997.
Este foi o entendimento da sentença, motivo pelo qual ela deve permanecer intocada em relação ao ponto.
Custas.
A sentença condenou o INSS ao pagamento das custas e despesas processuais. Em seu apelo, a autarquia requereu a sua completa isenção em relação às custas e despesas processuais.
O entendimento consolidado deste Tribunal é o de que o INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (inc. I do art. 4º da Lei 9.289/1996) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (art. 11 da Lei Estadual 8.121/1985, com a redação da Lei Estadual 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864, TJRS, Órgão Especial).
Dessa forma, deve ser dado parcial provimento à apelação do INSS no ponto, reformando a sentença a fim de adequar-se ao entendimento consolidado por este Tribunal.
Honorários advocatícios
A sentença fixou os honorários advocatícios em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença. A sentença não destoa do entendimento deste Tribunal.
Considerando o disposto no art. 85, § 11, NCPC, e que está sendo dado provimento ao recurso do INSS, ainda que parcial, não é o caso de serem majorados os honorários fixados na sentença, eis que, conforme entendimento desta Turma, "a majoração dos honorários advocatícios fixados na decisão recorrida só tem lugar quando o recurso interposto pela parte vencida é integralmente desprovido; havendo o provimento, ainda que parcial, do recurso, já não se justifica a majoração da verba honorária" (TRF4, APELREEX n.º 5028489-56.2018.4.04.9999/RS, Relator Osni Cardoso Filho, julgado em 12/02/2019).
Considerando os termos da Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência", e da Súmula 111 do STJ (redação da revisão de 06/10/2014): "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença", os honorários no percentual fixado supra incidirão sobre as parcelas vencidas até a data da sentença.
Tutela Específica
Considerando os termos do art. 497 do CPC, que repete dispositivo constante do art. 461 do Código de Processo Civil/1973, e o fato de que, em princípio, a presente decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (Questão de Ordem na AC nº 2002.71.00.050349-7/RS - Rel. p/ acórdão Desemb. Federal Celso Kipper, julgado em 09/08/2007 - 3ª Seção), o presente julgado deverá ser cumprido de imediato quanto à implantação do benefício postulado. Prazo: 45 dias.
Faculta-se ao beneficiário manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
DO PREQUESTIONAMENTO
Em suas razões de apelação, o INSS suscitou o prequestionamento dos dispositivos legais e constitucionais levantados. Assim, com a finalidade específica de possibilitar o acesso às instâncias superiores, explicito que o presente acórdão, ao equacionar a lide como o fez, não violou nem negou vigência dos dispositivos constitucionais e/ou legais mencionados no recurso, os quais dou por prequestionados.
CONCLUSÃO
Em conformidade com a fundamentação acima, deve-se:
1. Negar provimento ao apelo em relação ao mérito, convalidando a concessão de aposentadoria por idade à parte autora;
2. Dar parcial provimento ao recurso em relação à correção monetária, diferindo a sua definição para a fase de execução da sentença, mantendo-se, no entanto, até a solução final sobre o tema, a aplicação dos dispositivos da Lei 11.960/2009;
4. Dar parcial provimento ao apelo em relação às custas, na forma dos consectários;
5. Determinar a imediata implantação do benefício, na forma da tutela específica.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001440958v15 e do código CRC 26991ac0.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): GISELE LEMKE
Data e Hora: 10/11/2019, às 18:6:56
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Apelação Cível Nº 5016175-44.2019.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NELCI SIGNOR
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. ATIVIDADE URBANA EXERCIDA POR MEMBRO DA FAMÍLIA. RENDA OBTIDA PELA ATIVIDADE RURAL ESSENCIAL PARA O SUSTENTO DA FAMÍLIA. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA QUANTO AO MÉRITO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. DIFERIMENTO PARA A FASE DE EXECUÇÃO. CUSTAS. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
1. Defere-se aposentadoria rural por idade ao segurado que cumpre os requisitos previstos no inciso VII do artigo 11, no parágrafo 1º do artigo 48, e no artigo 142, tudo da Lei 8.213/1991.
2. Preenchido o requisito etário, e comprovada a carência exigida ainda que de forma não simultânea, é devido o benefício.
3. É possível a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, para alcançar período anterior ou posterior aos documentos apresentados, se a prova testemunhal for favorável ao segurado. Súmula nº 577 do STJ.
4. O fato de haver membro da família exercendo atividade não rural não afasta, por si só, a condição de segurado especial do postulante ao benefício de aposentadoria rural por idade. Uma vez demonstrado que a renda advinda da atividade rural é imprescindível para o sustento da família do postulante, deve ser mantida a sua condição de segurado especial, averbando-se o período de atividade rural postulado.
5. Manutenção do mérito da sentença, que considerou procedente o pedido da inicial.
6. Diferimento, para a fase de execução, da fixação dos índices de correção monetária aplicáveis a partir de 30/06/2009. Juros de mora simples a contar da citação (Súmula 204 do STJ), conforme o art. 5º da Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao art.1º-F da Lei 9.494/1997.
7. O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (inc. I do art. 4º da Lei 9.289/1996) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigos 2º, parágrafo único, e 5º, I da Lei Estadual 14.634/2014).
8. Sendo a sentença proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC) e que foi desprovido o recurso, aplica-se a majoração prevista no art. 85, §11, desse diploma, observados os ditames dos §§ 2º a 6º quanto aos critérios e limites estabelecidos.
9. Determinada a implantação do benefício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 26 de novembro de 2019.
Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001440959v6 e do código CRC aca0b7ae.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): GISELE LEMKE
Data e Hora: 28/11/2019, às 15:7:40
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 05:36:34.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 26/11/2019
Apelação Cível Nº 5016175-44.2019.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): CÍCERO AUGUSTO PUJOL CORRÊA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NELCI SIGNOR
ADVOGADO: DANY CARLOS SIGNOR (OAB RS052139)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 26/11/2019, às 13:30, na sequência 311, disponibilizada no DE de 08/11/2019.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 05:36:34.