APELAÇÃO CÍVEL Nº 5061241-18.2017.4.04.9999/RS
RELATOR | : | GISELE LEMKE |
APELANTE | : | TERESINHA NOELI DE BRUM |
ADVOGADO | : | MÁRCIA ZUFFO |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE.
CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA.
1. Comprovado o exercício de atividade rural nos 180 meses anteriores ao inicio do benefício, é devido a aposentadoria por idade rural, no valor de um salário minimo.
2. Correção monetária desde cada vencimento, pelo IPCA-E. Juros de mora desde a citação, conforme o art. 5º da Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/1997.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação e determinar a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 24 de abril de 2018.
Juíza Federal Gisele Lemke
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Gisele Lemke, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9335252v13 e, se solicitado, do código CRC 5495EC9A. | |
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| Signatário (a): | Gisele Lemke |
| Data e Hora: | 26/04/2018 16:28 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5061241-18.2017.4.04.9999/RS
RELATOR | : | GISELE LEMKE |
APELANTE | : | TERESINHA NOELI DE BRUM |
ADVOGADO | : | MÁRCIA ZUFFO |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação previdenciária intentada por TERESINHA NOELI DE BRUM (nascida em 17/07/1959) contra o INSS em 06/07/2015, pretendendo haver benefício de aposentadoria por idade rural.
Em sua petição inicial (Evento 3 - INIC2), afirma a parte autora que sempre trabalhou em atividades agrícolas, em regime de economia familiar e que está devidamente comprovada a sua atividade rural nos 180 meses anteriores ao requerimento administrativo, motivo pelo qual faria jus à concessão de aposentadoria rural por idade.
O requerimento administrativo da parte autora foi indeferido pelo INSS (Evento 3 - ANEXOS PET4, p. 48) sob a alegação de falta de período de carência - não comprovação do efetivo exercício de atividade rural (tabela progressiva). No despacho em que arquivou o requerimento (Evento 3 - ANEXOS PET4, p. 53), justificou a decisão concluindo que restou comprovada a atividade rural apenas no período de 120 meses, o que é insuficiente para a concessão do benefício pretendido, o qual exige a carência de 180 meses (art. 146, II da IN 45/2010).
A sentença (evento 3 - SENT17), proferida em 10/05/2017, julgou improcedente o pedido. O fundamento para a não concessão do benefício foi o entendimento de que a parte autora não comprovou o exercício de atividade agrícola em regime de economia familiar, tendo em vista que o cônjuge labora em outra atividade, podendo ser caracterizada como construção civil. Condenou a parte autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios fixados em R$ 800,00 (oitocentos reais). Foi suspensa a exigibilidade de tais encargos, ante a AJG que lhe foi concedida. A ação não foi submetida ao reexame necessário.
Apelou a parte autora, afirmando que sempre trabalhou como agricultora em regime de economia familiar. Alega que os documentos são contemporâneos e cobrem todo o período de carência: notas de produtora rural abrangendo os anos de 1999 a 2014. Alega ainda que a prova testemunhal é coerente e relata de forma convicta que a apelante exerceu a atividade desde pequena na agricultura, inicialmente com seus pais e posteriormente com o marido, e que em nenhum momento se desvinculou do exercício da atividade agrícola. Alega ainda que o fato de o cônjuge exercer outra atividade que não a rural não serve para descaracterizar automaticamente a condição de segurado especial de quem postula o benefício. Reforça afirmando que a atividade exercida pelo seu cônjuge é apenas um "quebra-galho", sendo a atividade rural indispensável para o sustento da família. Requereu ainda, o prequestionamento dos dispositivos legais e constitucionais referidos no recurso.
Sem contrarrazões, vieram os autos a este tribunal.
VOTO
DO REEXAME NECESSÁRIO
A presente ação não foi submetida ao reexame necessário.
DA APLICAÇÃO DO CPC/2015
Conforme o art. 14 do CPC/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Logo, serão examinados segundo as normas do CPC/2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças publicadas a contar do dia 18/03/2016.
Tendo em vista que a sentença foi publicada posteriormente a esta data (10/05/2017), o recurso será analisado em conformidade com o CPC/2015.
DA APOSENTADORIA RURAL POR IDADE
Economia familiar - considerações gerais
O benefício de aposentadoria por idade do trabalhador rural qualificado como segurado especial em regime de economia familiar (inc. VII do art. 11 da Lei 8.213/1991), é informado pelo disposto nos §§ 1º e 2º do art. 48, no inc. II do art. 25, no inc. III do art. 26 e no inc. I do art. 39, tudo da Lei 8.213/1991. São requisitos para obter o benefício:
1) implementação da idade mínima (cinquenta e cinco anos para mulheres, e sessenta anos para homens);
2) exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondente à carência exigida, ainda que a atividade seja descontínua.
Não se exige prova do recolhimento de contribuições (TRF4, Terceira Seção, EINF 0016396-93.2011.404.9999, rel. Celso Kipper, D.E. 16/04/2013; TRF4, EINF 2007.70.99.004133-2, Terceira Seção, rel. Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, D.E. 23/04/2011).
A renovação do Regime Geral de Previdência Social da Lei 8.213/1991 previu regra de transição em favor do trabalhador rural, no art. 143:
Art. 143. O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício.
Complementando o art. 143 na disciplina da transição de regimes, o art. 142 da Lei 8.213/1991 estabeleceu que para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá a uma tabela de redução de prazos de carência no período de 1991 a 2010, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício.
O ano de referência de aplicação da tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991 será aquele em que o segurado completou a idade mínima para haver o benefício, desde que, até então, já disponha de tempo rural correspondente aos prazos de carência previstos. É irrelevante que o requerimento de benefício seja apresentado em anos posteriores ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, devendo ser preservado o direito adquirido quando preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que estes requisitos foram atendidos (§ 1º do art. 102 da Lei 8.213/1991).
Pode acontecer, todavia, que o segurado complete a idade mínima mas não tenha o tempo de atividade rural exigido, observada a tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991. Nesse caso, a verificação do tempo de atividade rural necessária ao cumprimento da carência equivalente para obter o benefício não poderá mais ser feita com base no ano em que implementada a idade mínima, mas sim nos anos subsequentes, de acordo com a tabela mencionada, com exigências progressivas.
Ressalvam-se os casos em que o requerimento administrativo e a implementação da idade mínima tenham ocorrido antes de 31/08/1994 (vigência da MP 598/1994, convertida na Lei 9.063/1995, que alterou o art. 143 da Lei 8.213/1991), nos quais o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural anterior ao requerimento por um período de cinco anos (sessenta meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991.
A disposição contida no art. 143 da Lei 8.213/1991, exigindo que a atividade rural deva ser comprovada em período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada a favor do segurado. A regra atende às situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente comprovar trabalho rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no § 1º do art. 102 da Lei 8.213/1991 e, principalmente, em proteção ao direito adquirido. Se o requerimento datar de tempo consideravelmente posterior à implementação das condições, e a prova for feita, é admissível a concessão do benefício.
Em qualquer caso, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo (STF, Plenário, RE 631240/MG, rel. Roberto Barroso, j. 03/09/2014).
O tempo de trabalho rural deve ser demonstrado com, pelo menos, um início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, complementada por prova testemunhal idônea. Não é admitida a prova exclusivamente testemunhal, a teor do § 3º do art. 55 da Lei 8.213/1991, preceito jurisprudencialmente ratificado pelo STJ na Súmula 149 e no julgamento do REsp nº 1.321.493/PR (STJ, 1ª Seção, rel. Herman Benjamin, j. 10/10/2012, em regime de "recursos repetitivos" do art. 543-C do CPC1973). Embora o art. 106 da Lei 8.213/1991 relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo (STJ, Quinta Turma, REsp 612.222/PB, rel. Laurita Vaz, j. 28/04/2004, DJ 07/06/2004, p. 277).
Não se exige, por outro lado, prova documental contínua da atividade rural, ou em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, mas início de prova material (notas fiscais, talonário de produtor, comprovantes de pagamento do Imposto Territorial Rural (ITR) ou prova de titularidade de imóvel rural, certidões de casamento, de nascimento, de óbito, certificado de dispensa de serviço militar, quaisquer registros em cadastros diversos) que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar:
[...] considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ [...]
(STJ, Primeira Seção, REsp 1321493/PR, rel. Herman Benjamin, j. 10out.2012, DJe 19/12/2012)
Quanto à questão da contemporaneidade da prova documental com o período relevante para apuração de carência, já decidiu este Tribunal que: A contemporaneidade entre a prova documental e o período de labor rural equivalente à carência não é exigência legal, de forma que podem ser aceitos documentos que não correspondam precisamente ao intervalo necessário a comprovar. Precedentes do STJ (TRF4, Sexta Turma, REOAC 0017943-66.2014.404.9999, rel. João Batista Pinto Silveira, D.E. 14/08/2015).
Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando dos pais ou cônjuge, consubstanciam início de prova material do trabalho rural, já que o §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar o exercido pelos membros da família "em condições de mútua dependência e colaboração". Via de regra, os atos negociais são formalizados em nome do pater familias, que representa o grupo familiar perante terceiros, função esta, exercida em geral entre os trabalhadores rurais, pelo genitor ou cônjuge masculino. Nesse sentido, a propósito, preceitua a Súmula 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental", e já consolidado na jurisprudência do STJ: "A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido da admissibilidade de documentos em nome de terceiros como início de prova material para comprovação da atividade rural (STJ, Quinta Turma, REsp 501.009/SC, rel. Arnaldo Esteves Lima, j. 20/11/2006, DJ 11/12/2006, p. 407).
Importante, ainda, ressaltar que o fato de um dos membros da família exercer atividade outra que não a rural também não descaracteriza automaticamente a condição de segurado especial de quem postula o benefício. A hipótese fática do inc. VII do art. 11 da Lei 8.213/1991, que utiliza o conceito de economia familiar, somente será descaracterizada se comprovado que a remuneração proveniente do trabalho urbano do membro da família dedicado a outra atividade que não a rural seja tal que dispense a renda do trabalho rural dos demais para a subsistência do grupo familiar:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. SEGURADA ESPECIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. O exercício de atividade urbana por um dos componentes do grupo familiar não afasta, por si só, a qualidade de segurado especial dos demais membros, se estes permanecem desenvolvendo atividade rural, em regime de economia familiar. Para a descaracterização daquele regime, é necessário que o trabalho urbano importe em remuneração de tal monta que dispense o labor rural dos demais para o sustento do grupo. Precedentes do STJ.
(TRF4, Terceira Seção, EINF 5009250-46.2012.404.7002, rel. Rogerio Favreto, juntado aos autos em 12/02/2015)
O INSS alega com frequência que os depoimentos e informações tomados na via administrativa apontam para a ausência de atividade rural no período de carência. As conclusões adotadas pelo INSS no âmbito administrativo devem ser corroboradas pela prova produzida em Juízo. No caso de haver conflito entre as provas colhidas na via administrativa e as tomadas em juízo, deve-se ficar com estas últimas, uma vez que produzidas com as cautelas legais, garantindo-se o contraditório: "A prova judicial, produzida com maior rigorismo, perante a autoridade judicial e os advogados das partes, de forma imparcial, prevalece sobre a justificação administrativa" (TRF4, Quinta Turma, APELREEX 0024057-21.2014.404.9999, rel. Taís Schilling Ferraz, D.E. 25jun.2015). Dispondo de elementos que impeçam a pretensão da parte autora, cabe ao INSS produzir em Juízo a prova adequada, cumprindo o ônus processual descrito no inc. II do art. 373 do CPC2015 (inc. II do art. 333 do CPC1973).
DO CASO CONCRETO
O requisito etário, cinquenta e cinco anos, cumpriu-se em 17/07/2014 (nascimento em 17/07/1959, f. 08). O requerimento administrativo deu entrada em 08/08/2014 (f. 07). Deve-se comprovar o exercício de atividade rural nos 180 meses imediatamente anteriores ao requerimento administrativo.
Em prova do exercício de atividade rural, o processo foi instruído com os seguintes documentos:
01. certidão do registro de imóveis, datada de 15 de fevereiro de 2006, no qual consta a qualificação da parte autora e de seu marido como agricultores (Evento 3 - ANEXOS PET4, p. 3);
02. certidão de casamento da parte autora, ocorrido em 20/06/1981, no qual consta a qualificação do marido como agricultor (Evento 3 - ANEXOS PET4, p. 09);
03. notas de produtor rural em nome da parte autora ou de seu marido abrangendo os anos de 1999 a 2014 (Evento 3 - ANEXOS PET4, p. 12 a 37);
04. declaração da COTRIEL (Cooperativa Tritícola de Espumoso Ltda.) de que há registros de movimentação de entrega de grãos feitas pelo marido da parte autora no período de 2002 a 2005, sendo este associado da cooperativa desde o dia 07/05/1993, sob matrícula 5928-5 (Evento 3 - ANEXOS PET4, p. 38);
05. CNIS do Sr. João Lair de Brum, esposo da parte autora, no qual constam vínculos de empregados descontínuos entre 1979 e 1993, além de 2 meses como contribuinte individual em 2006 (Evento 3 - ANEXOS PET4, p. 42 e 43);
06. Entrevista Rural da parte autora (Evento 3 - ANEXOS PET4, p. 44/45);
07. Comunicação de Indeferimento do pedido junto ao INSS (Evento 3 - ANEXOS PET4, p. 48/53).
Em relação às provas orais, colheu-se, em 06/09/2016, o depoimento pessoal das testemunhas arroladas pela parte autora (evento 3 - AUDIENCI14, com os vídeos anexados ao Evento 7), que afirmaram que não possuem laços de parentesco com a parte autora e confirmaram as atividades rurais indicadas na petição inicial.
A testemunha LUIZ FLÁVIO VARGAS afirmou que (a) conhece a parte autora desde os doze anos; que (b) a parte autora sempre trabalhou na agricultura, nunca tendo exercido atividade urbana; que (c) o marido da autora sempre trabalhou na agricultura, mas depois que foram para a cidade, ele começou a trabalhar eventualmente, quando faltavam recursos, como servente de pedreiro, para se manter; que (d) faz uns sete anos que moram na cidade, vieram para a zona urbana porque nela os filhos estavam estudando, porém no meio da semana sempre estavam lidando no campo; e) plantavam soja, trigo e produziam leite; (f) a autora trabalha no meio rural desde "que se conhece por gente"; (g) que eventualmente pagavam terceirizados para ajudar a colher ou para plantar, porque o trator que o pai da parte autora possuía foi vendido após o seu falecimento por ocasião da partilha. Dessa forma, necessitavam da ajuda de terceiros nas atividades que exigiam maquinário agrícola, mas que não possuíam empregados; e que (h) a atividade principal do casal é a agricultura, os eventuais trabalhos urbanos do marido são apenas para complementar a renda.
A testemunha MARINES BIANCHI afirmou que (a) antes morava em Ijuí (a depoente) e a mãe da parte autora morava nos fundos de sua casa e só a via quando visitava a mãe, mas que sabia que trabalhava no campo das histórias que ouvia falar; que (b) em 2011 foi morar no interior (a depoente) e que passou a testemunhar as lides rurais da parte autora; que (c) a parte autora plantava de tudo nas suas terras: amendoim, batata-doce, pé de marmelo etc., que (d) durante esse período após 2011 a parte autora ia e voltava da campo para a cidade e vice-versa, pois tinha os filhos que estudavam na cidade; que (e) pelo que sabe, a parte autora sempre trabalhou na agricultura, nunca teve atividade urbana e que (f) as terras em que trabalha são pequenas, mas não sabe precisar o tamanho.
A testemunha AELTON PORTELA DA SILVA afirmou que (a) conhece a parte autora desde jovem, uns 10/12 anos de idade; que (b) a parte autora sempre trabalhou na terra dos pais, primeiro com os seus genitores e depois com o marido; que (c) presta serviços para a parte autora há uns 14 anos: como a família não tem maquinário agrícola, o depoente faz a parte mecânica do plantio e da colheita de soja, trigo e aveia, recebendo como pagamento parte da produção; que (d) a atividade básica da parte autora é a agricultura de subsistência sua e da família: mandioca, feijão e miudezas; que (e) as terras tem uns 4 ou 5 hectares; que (f) a parte autora e o marido atualmente moram tanto na cidade quanto na área rural, na localidade Pontão dos Cavalli, sendo que o depoente sempre cruza com a parte autora e seu marido pelo menos umas duas ou três vezes por semana; (g) que a principal fonte de renda da família é a lavoura e que (h) o trabalho urbano que o marido eventualmente faz quando não está na lavoura, pelo que sabe, é trabalho braçal de ajudante em construções, um dia para um e um dia para outro.
A sentença, apesar de reconhecer que há comprovação da atividade rural da parte autora, não concedeu o benefício em função das atividades urbanas de seu marido, entendendo que eram a fonte principal de renda da família. No entanto, ao analisar o CNIS do marido da parte autora anexado aos autos, constata-se que o período de vínculo formal que ele tem é descontínuo e abrange o período de 1979 a 1993, tempo este que está fora do período de carência. Durante o período de carência, a pesquisa do CNIS aponta apenas dois meses de contribuição individual (junho e julho de 2006). O esposo da autora não teve, portanto, nenhum vínculo formal de emprego durante todo o período de carência. O que se percebe nos autos é que este eventualmente desempenha a atividade de ajudante de pedreiro para complementar a renda familiar. O depoimento das testemunhas é unânime em apontar a eventualidade dessa atividade. Entendo que não há como afirmar que uma atividade eventual - sem nenhum vínculo de emprego ou contrato de prestação de serviços e sem uma periodicidade definida - seja a principal fonte de renda da família. Ficou claro nos autos que tal atividade serve apenas para complementar a renda obtida da agricultura. A atividade eventual, portanto, não pode ser considerada como a principal fonte de renda da família e não descaracteriza a condição de segurada especial da parte autora.
No que diz respeito ao período de carência, o INSS, já reconheceu o período equivalente a 120 meses de atividade rural (de 1999 a 2008). Logo, o período a ser reconhecido é tão somente o de 01/01/2009 a 08/08/2014. Em relação a este último período, a análise das notas de produtor rural apresentadas demonstra que a parte autora tem prova material de todo este último período, sendo que as notas de produtor rural dos últimos anos - a partir de 2007 - estão exclusivamente em seu nome.A análise do conjunto de provas e o afastamento do entendimento de que a agricultura não é a principal fonte de renda da família permite, assim, confirmar a condição de segurada especial durante este último período. Reconheço, portanto, o período de 01/01/2009 a 08/08/2014. Dessa forma, resta cumprida a carência de 180 meses e, uma vez que também cumprido o requisito etário, evidencia-se o direito da parte autora ao benefício pleiteado.
Deve-se, portanto, reformar a sentença no sentido de conceder o benefício de aposentadoria pleiteado a partir da DER, dando provimento ao recurso.
CONSECTÁRIOS
Uma vez que foi dado provimento ao recurso da parte autora, a sucumbência decai contra o INSS.
Correção monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação, e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- IPCA-E (a partir de 30/06/2009, conforme RE 870.947, julgado em 20/09/2017).
Juros de mora
A partir de 30/06/2009, os juros incidem de uma só vez, desde a citação, de acordo com os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme o art. 5º da Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei n.º 9.494/1997.
Em face do intrínseco efeito expansivo de decisões desta natureza, deve a eficácia do julgamento proferido pelo STF incidir no presente caso, não se cogitando de reformatio in pejus contra a Fazenda Pública, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça (AgInt no REsp 1577634/RS, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, DJe de 30/05/2016; AgInt no REsp 1364982/MG, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Turma, DJe de 02/03/2017).
Honorários advocatícios
Os honorários advocatícios são em regra fixados em dez por cento sobre o valor da condenação (TRF4, Terceira Seção, EIAC 96.04.44248-1, rel. Nylson Paim de Abreu, DJ 07/04/1999; TRF4, Quinta Turma, AC 5005113-69.2013.404.7007, rel. Rogerio Favreto, 07/07/2015; TRF4, Sexta Turma, AC 0020363-44.2014.404.9999, rel. Vânia Hack de Almeida, D.E. 29/07/2015), excluídas as parcelas vincendas nos termos da Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência", e da Súmula 111 do STJ (redação da revisão de 06/10/2014): "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença".
Dessa forma, tendo em vista o provimento do recurso da parte autora, deve a autarquia ser condenada ao pagamento de honorários fixados em 10% do valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas. O termo final do cômputo dos honorários advocatícios neste caso será a data de julgamento deste recurso.
Custas.
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (inc. I do art. 4º da Lei 9.289/1996) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (art. 11 da Lei Estadual 8.121/1985, com a redação da Lei Estadual 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864, TJRS, Órgão Especial).
DA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO
A Terceira Seção deste Tribunal Regional Federal da Quarta Região definiu a questão da implantação imediata de benefício previdenciário, tanto em casos de concessão quanto de revisão de benefício:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. ART. 461 do CPC. TUTELA ESPECÍFICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. EFICÁCIA PREPONDERANTEMENTE MANDAMENTAL DO PROVIMENTO. CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO. POSSIBILIDADE. REQUERIMENTO DO SEGURADO. DESNECESSIDADE.
1. Atento à necessidade de aparelhar o processo de mecanismos preordenados à obtenção do resultado prático equivalente à situação jurídica que se verificaria caso o direito material tivesse sido observado espontaneamente pelo "devedor" através da realização da conduta imposta pelo direito material, o legislador, que já havia, na época da edição do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) instituído a tutela específica do direito do "credor" de exigir o cumprimento dos deveres de fazer ou não fazer decorrentes de relação de consumo, inseriu no ordenamento processual positivo, por meio da alteração no art. 461 do Código de Processo Civil operada pela Lei 8.952/94, a tutela específica para o cumprimento dos deveres de fazer ou não fazer decorrentes das relações do direito material que não as de consumo.
2. A adoção da tutela específica pela reforma processual de 1994 do CPC veio para suprir, em parte, a morosidade judicial, na proporção em que busca dar ao cidadão aquilo e somente aquilo que lhe é devido, tirando o direito do plano genérico-abstrato da norma, conferindo-lhe efeitos concretos, com o fito de lhe garantir a mesma conseqüência do que aquela que seria obtida pelo adimplemento voluntário.
3. A sentença que concede um benefício previdenciário (ou assistencial), em regra, compõe-se de uma condenação a implantar o referido benefício e de outra ao pagamento das parcelas atrasadas. No tocante à determinação de implantação do benefício (para o futuro, portanto), a sentença é condenatória mandamental e será efetiva mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 461 do CPC, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo).
4. A respeito do momento a partir do qual se poderá tornar efetiva a sentença, na parte referente à implantação futura do benefício, a natureza preponderantemente mandamental da decisão não implica automaticamente o seu cumprimento imediato, pois há de se ter por referência o sistema processual do Código, não a Lei do Mandado de Segurança, eis que a apelação de sentença concessiva do benefício previdenciário será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo, nos termos do art. 520, caput, primeira parte, do CPC, motivo pelo qual a ausência de previsão de efeito suspensivo ex lege da apelação, em casos tais, traz por conseqüência a impossibilidade, de regra, do cumprimento imediato da sentença.
5. Situação diversa ocorre, entretanto, em segundo grau, visto que o acórdão que concede o benefício previdenciário, que esteja sujeito apenas a recurso especial e/ou recurso extraordinário, enseja o cumprimento imediato da determinação de implantar o benefício, ante a ausência, via de regra, de efeito suspensivo daqueles recursos, de acordo com o art. 542, § 2º, do CPC. Tal cumprimento não fica sujeito, pois, ao trânsito em julgado do acórdão, requisito imprescindível apenas para a execução da obrigação de pagar (os valores retroativamente devidos) e, consequentemente, para a expedição de precatório e de requisição de pequeno valor, nos termos dos parágrafos 1º, 1º-A e 3º do art. 100 da Constituição Federal.
6. O cumprimento imediato da tutela específica, diversamente do que ocorre no tocante à antecipação de tutela prevista no art. 273 do CPC, independe de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário, pois aquele é inerente ao pedido de que o réu seja condenado a conceder o benefício previdenciário, e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC. Em suma, a determinação da implantação imediata do benefício contida no acórdão consubstancia, tal como no mandado de segurança, uma ordem (à autarquia previdenciária) e decorre do pedido de tutela específica (ou seja, o de concessão do benefício) contido na petição inicial da ação.
7. Questão de ordem solvida para que, no tocante à obrigação de implantar (para o futuro) o benefício previdenciário, seja determinado o cumprimento imediato do acórdão sujeito apenas a recurso especial e/ou extraordinário, independentemente de trânsito em julgado e de pedido específico da parte autora.
(TRF4, Terceira Seção, AC 2002.71.00.050349-7 Questão de ordem, rel. Celso Kipper, j. 09/08/2007)
Neste caso, reconhecido o direito ao benefício, impõe-se a sua implantação imediata.
A bem da celeridade processual, já que o INSS vem opondo embargos de declaração em todos os casos em que determinada a implantação imediata do benefício, alegando, para fins de prequestionamento, violação do art. 128, ou do inc. I do art. 475-O, tudo do Código de Processo Civil de 1973 (art. 141, ou ao § 5º do art. 520 do Código de Processo Civil de 2015), e art. 37 da Constituição, aborda-se desde logo a matéria.
Não se cogita de ofensa ao art. 128, ou ao inc. I do art. 475-O, do Código de Processo Civil de 1973 (art. 141, ou ao § 5º do art. 520 do Código de Processo Civil de 2015), porque a hipótese, nos termos do precedente da Terceira Seção desta Corte, não é de antecipação, de ofício, de atos executórios. A implantação do benefício decorre da natureza da tutela judicial deferida, como está expresso na ementa acima transcrita.
A invocação do art. 37 da Constituição, por outro lado, é despropositada. Sequer remotamente se verifica ofensa ao princípio da moralidade pela concessão de benefício previdenciário por autoridade judicial competente.
Desta forma, em vista da procedência do pedido e do que estabelecem os arts. 461 e 475-I do Código de Processo Civil de 1973 (arts. 497 e 513 do Código de Processo Civil de 2015), bem como dos fundamentos expostos na questão de ordem cuja ementa foi acima transcrita, deve o INSS implantar o benefício em até quarenta e cinco dias, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado desta decisão dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
CONCLUSÃO
De acordo com a fundamentação, deve-se:
1. Dar provimento ao recurso, reformando a sentença no sentido de conceder a aposentadoria pleiteada desde a DER;
2. Inverter a sucumbência, que passa a decair sobre o INSS.
3. Implantar imediatamente o benefício.
DISPOSITIVO
Pelo exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora e determinar a imediata implantação do benefício, nos termos da fundamentação.
Juíza Federal Gisele Lemke
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 24/04/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5061241-18.2017.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00019979320158210046
RELATOR | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
PRESIDENTE | : | Luiz Carlos Canalli |
PROCURADOR | : | Dra. Carmem Elisa Hessel |
APELANTE | : | TERESINHA NOELI DE BRUM |
ADVOGADO | : | MÁRCIA ZUFFO |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 24/04/2018, na seqüência 370, disponibilizada no DE de 05/04/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
: | Des. Federal LUIZ CARLOS CANALLI | |
: | Juíza Federal ANA PAULA DE BORTOLI |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
| Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9388622v1 e, se solicitado, do código CRC D03F7172. | |
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