| D.E. Publicado em 14/09/2016 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002131-18.2013.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | ALICE MARIA RECKTENWALD SICORRA |
ADVOGADO | : | Maria Inês Sassi Pietczaki |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. DESCONTINUIDADE. EXTINÇÃO DO FEITO COM APRECIAÇÃO DO MÉRITO "SECUNDUM EVENTUM PROBATIONIS" EM RELAÇÃO A PERÍODOS NÃO COMPROVADOS.
. Satisfeitos os requisitos legais de idade mínima e prova do exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência, é devida a aposentadoria rural por idade.
. Considera-se provada a atividade rural do segurado especial havendo início de prova material complementado por idônea prova testemunhal.
. Havendo prova da atividade rural em período imediatamente anterior ao requerimento por tempo significativo, que comprove que a parte autora passou a sobreviver da agricultura, deve ser admitido o direito à aposentadoria rural por idade com o cômputo de períodos anteriores descontínuos (artigos 24 e 143 da Lei n.º 8.213/91) para fins de implemento de carência.
. Tratando-se de demanda previdenciária em que rejeitado o pedido da parte segurada, pode-se verificar tanto (1) hipótese de extinção sem julgamento de mérito, em caso de inépcia da inicial, por apresentada sem os documentos essenciais e necessários, o que ocorre diante da ausência de qualquer início de prova, como também (2) hipótese de extinção com julgamento de mérito, "secundum eventum probationis", em situações em que se verifica instrução deficiente.
. Inteligência do procedente da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso representativo de controvérsia (CPC, art. 543-C), lavrado no REsp 1.352.721/SP (Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16/12/2015).
. Caso em que verificada a ocorrência de julgamento de parcial procedência, com exame de mérito "secundum eventum probationis", apenas para reconhecer tempo de atividade rural.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 06 de setembro de 2016.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8479099v3 e, se solicitado, do código CRC 46CF7835. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Roger Raupp Rios |
| Data e Hora: | 06/09/2016 18:30 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002131-18.2013.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | ALICE MARIA RECKTENWALD SICORRA |
ADVOGADO | : | Maria Inês Sassi Pietczaki |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação contra sentença que julgou improcedente o pedido de aposentadoria por idade rural, e que condenou a parte autora a pagar as custas processuais e honorários advocatícios, esses fixados em R$ 600,00 (seiscentos reais), com base no art. 20, §4º do CPC/73. Foi suspensa a execução da referida verba sucumbencial, em face da assistência judiciária gratuita concedida.
Em suas razões, sustenta a parte autora que faz jus ao benefício postulado, porque provou ter exercido a atividade rural no período de carência por meio de início de prova material, corroborada por prova testemunhal. Alega ter comprovado o labor agrícola nos períodos de 19/06/1971 a 30/12/1982, 01/03/1988 a 01/12/2000 e de 01/06/2005 a 26/02/2010.
Apresentadas as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças/acórdãos publicado(a)s a contar do dia 18/03/2016.
Da ordem cronológica dos processos
Dispõe o art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).
Dessa forma, deverão ter preferência de julgamento em relação àqueles processos que estão conclusos há mais tempo, aqueles feitos em que esteja litigando pessoa com mais de sessenta anos (idoso, Lei n. 10.741/2013), pessoas portadoras de doenças indicadas no art. 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/88, as demandas de interesse de criança ou adolescente (Lei n. 8.069/90) ou os processos inseridos como prioritários nas metas impostas pelo CNJ.
Observado que o caso presente se enquadra em uma das hipóteses referidas (preferências legais), justifica-se seja proferido julgamento fora da ordem cronológica de conclusão.
Da aposentadoria rural por idade
São requisitos para a concessão de aposentadoria rural por idade, no valor de um salário mínimo, a trabalhador qualificado como segurado especial, nos termos do art. 11, VII, da Lei nº 8.213/91: (a) idade mínima (60 anos para homens e 55 para mulheres) e (b) exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao da carência de 180 meses (arts. 39, I, 48, §§1º e 2º, e 25, II da Lei nº 8.213/91), independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias.
Quanto à carência, há regra de transição para os segurados obrigatórios previstos no art. 11, I,"a", IV ou VII: (a) o art. 143 da Lei de Benefícios assegurou "aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência no referido benefício"; b) o art. 142 previu tabela específica de prazos diferenciados de carência, conforme o ano de implementação das condições para a aposentadoria por idade, por tempo de serviço e especial, "para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural".
Assim, àqueles filiados à Previdência quando da edição da Lei nº 8.213/91 que implementarem o requisito idade até quinze anos após a vigência desse dispositivo legal (24-7-2006), não se lhes aplica o disposto no art. 25, II, mas a regra de transição antes referida.
Na aplicação da tabela do art. 142, o termo inicial para o cômputo do tempo de atividade rural é o ano em que o segurado completou a idade mínima, desde que já disponha de tempo suficiente para o deferimento do pedido, sendo irrelevante que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CF/88 e art. 102, §1º, da Lei nº 8.213/91).
Na hipótese de insuficiência de tempo de exercício de atividade rural ao completar a idade mínima, a verificação do tempo equivalente à carência não poderá mais ser feita com base no ano em que atingida a idade mínima, mas a partir de sua implementação progressiva, nos anos subseqüentes à satisfação do requisito etário, de acordo com a tabela do art. 142 da Lei de Benefícios.
Caso o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31-8-1994 (data da publicação da Medida Provisória nº 598, que alterou a redação original do art. 143 referido, posteriormente convertida na Lei nº 9.063/95), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei n° 8.213/91.
A disposição contida no art. 143 da Lei 8.213, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado; ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, §1º, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima.
O benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo; ou, inexistente este, da data do ajuizamento da ação, conforme modulação contida no julgamento do RE 631.240.
Da comprovação do tempo de atividade rural
O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, salvo caso fortuito ou força maior. Tudo conforme o art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91 e reafirmado na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário).
Nesse contexto probatório: (a) a lista dos meios de comprovação do exercício da atividade rural (art. 106 da Lei de Benefícios) é exemplificativa, em face do princípio da proteção social adequada, decorrente do art. 194 da Constituição da República de 1988; (b) não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, sendo suficientes documentos que, juntamente com a prova oral, possibilitem juízo conclusivo quanto ao período de labor rural exercido; (c) certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora (REsp n.º 980.065/SP, DJU, Seção 1, 17-12-2007; REsp n.º 637.437/PB, DJU, Seção 1, de 13-09-2004; REsp n.º 1.321.493-PR, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.); (d) quanto à contemporaneidade da prova material, inexiste justificativa legal, portanto, para que se exija tal prova contemporânea ao período de carência, por implicar exigência administrativa indevida, impondo limites que não foram estabelecidos pelo legislador.
As certidões da vida civil, documentos admitidos de modo uníssono pela jurisprudência como início probatório de atividade rural, no mais das vezes, registram fatos muito anteriores à implementação da idade de 55 ou 60 anos, e fora dos prazos constantes do art. 142 da Lei 8.213/91. O período de carência, em se tratando de aposentadoria por idade rural, correspondente a estágio da vida do trabalhador em que os atos da vida passíveis de registro cartorário, tais como casar, ter filhos, prestar serviço militar, ou inscrever-se como eleitor, foram praticados muito antes do início do marco para a contagem da carência prevista para tal benefício.
Nesse sentido, a consideração de certidões é fixada expressamente como orientação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ, 3ª Seção, REsp 1.321.493-PR, procedimento dos recurso repetitivos, j.10/10/2012). Concluiu-se imprescindível a prova material para fins previdenciários, ainda que o labor tenha sido exercido à margem da formalidade, cabendo às instâncias ordinárias a verificação da condição de trabalhador:
"E, nesse aspecto, por mais que o trabalho seja informal, é assente na jurisprudência desta Corte que há incontáveis possibilidades probatórias de natureza material. Por exemplo, ainda que o trabalho tenha sido informal, constatando-se que o segurado tem filhos ou é casado, devem ser juntadas certidões de casamento e de nascimento, o que deve ser averiguado pelas instâncias ordinárias."
De todo o exposto, consideradas as notórias e por vezes insuperáveis dificuldades probatórias do segurado especial, é dispensável a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por prova testemunhal, nada impedindo que sejam contemplados os documentos extemporâneos ou emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.
Ademais, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
Registre-se, por fim, que, em se tratando de aposentadoria por idade rural, tanto os períodos posteriores ao advento da Lei 8.213/91 como os anteriores podem ser considerados sem o recolhimento de contribuições. Quanto à Carteira de Identificação e Contribuição, prevista no art. 106 da Lei 8.213/91 como necessária à comprovação do exercício de atividade rural a partir de 16.04.94, trata-se de documento voltado principalmente à esfera administrativa, sendo instrumento que visa a facilitar futura concessão de benefício ou reconhecimento de tempo de serviço e cuja expedição, via de regra, ocorre após a comprovação junto à entidade pública das alegadas atividades agrícolas. Uma vez expedida, é instrumento hábil, por si só, àquela comprovação. Todavia, a inexistência do referido documento não obsta ao segurado demonstrar sua condição de segurado especial por outros meios, mormente no âmbito judicial. Se a parte autora tivesse CIC expedida em seu nome não necessitaria postular o benefício em juízo, pois com base nesse documento é de supor-se que o próprio INSS já o concederia administrativamente, porque assim prevê a Lei de Benefícios.
Da prova da atividade rural prestada como boia-fria
No caso de exercício de trabalho rural caracterizado por sua notória informalidade, comprometendo a prova da atividade e, por conseguinte, a obtenção do benefício previdenciário, a jurisprudência pacificada por esta Corte era no sentido de abrandar a exigência relativa ao início de prova material, admitindo, até mesmo, em situações extremas, a comprovação da atividade exclusivamente por meio de prova testemunhal.
Todavia, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento, em 10-10-2012, do Resp nº 1.321.493/PR, representativo de controvérsia, firmou o entendimento de que se aplica também aos trabalhadores boias-frias a Súmula 149 daquela Corte. Sobressai do julgado que o rigor na análise do início de prova material para a comprovação do labor rural do boia-fria, diarista ou volante, deve ser mitigado, de sorte que o fato de a reduzida prova documental não abranger todo o período postulado não significa que a prova seja exclusivamente testemunhal quanto aos períodos faltantes. Assim, devem ser consideradas as dificuldades probatórias do segurado especial, sendo prescindível a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por robusta prova testemunhal.
Cumpre salientar, também, que, muitas vezes, a Autarquia Previdenciária alega que os depoimentos e informações tomados na via administrativa apontam para a ausência de atividade agrícola no período de carência. Quanto a isso, deve ser dito que as conclusões a que chegou o INSS no âmbito administrativo devem ser corroboradas pelo conjunto probatório produzido nos autos judiciais. Existindo conflito entre as provas colhidas na via administrativa e em juízo, deve-se optar pelas últimas, produzidas que são com todas as cautelas legais, garantido o contraditório.
Da prova da atividade em regime de economia familiar
O §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família o exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do art. 11, VII da Lei 8.213/91, que define o segurado especial. Mesmo o fato de constar a qualificação empregador II b nos respectivos recibos de ITR não implica a condição de empregador rural. Ocorre que a simples qualificação no documento não desconfigura a condição do trabalho agrícola em regime de economia familiar, como se pode ver da redação do artigo 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71.
Importante ainda ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não é "per se stante" para descaracterizar a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/91, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo; ou seja, ainda que considerado como trabalhador rural individual, sua situação encontra guarida no permissivo legal referido, sendo certo também que irrelevante a remuneração percebida pelo cônjuge, que não se comunica ou interfere com os ganhos oriundos da atividade agrícola.
Do tempo rural do segurado especial a partir dos 12 anos de idade
No tocante à possibilidade do cômputo do tempo rural na qualidade de segurado especial a partir dos 12 anos de idade, a Terceira Seção desta Corte ao apreciar os Embargos Infringentes em AC n.º 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, na sessão de 12-03-2003, firmou entendimento no sentido da possibilidade do cômputo do tempo de serviço laborado em regime de economia familiar a partir dessa idade, na esteira de iterativa jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, tendo recentemente a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o AI n.º 529.694/RS, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, com decisão publicada no DJU de 11-03-2005, reconhecido o tempo de serviço agrícola ao menor de quatorze anos, não merecendo tal questão maiores digressões.
Do caso concreto
A parte autora, nascida em 02/01/1949 (fls. 16), implementou o requisito etário em 02/01/2004 e requereu o benefício na via administrativa em 26/02/2010 (fls. 10). Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural nos 138 meses anteriores à implementação da idade (02/07/1992 - 02/01/2004) ou nos 174 meses que antecederam o requerimento administrativo (26/08/1995 - 26/02/2010); ou, ainda, em períodos intermediários, mesmo que de forma descontínua.
Para a comprovação do trabalho rural, foram apresentados os seguintes documentos:
- Certidão de casamento, datada de 19/06/1971, na qual o cônjuge da autora foi qualificado como motorista (fls. 17);
- Certidão relativa à escritura pública de compra e venda de imóvel urbano, datada de 07/12/1971, na qual Heitor Sicorra, cônjuge da autora, consta como adquirente e foi qualificado como motorista, o qual foi vendido em 13/08/1981 (fls. 20/27);
- Contrato de arrendamento de terras, firmado pelo cônjuge da autora, no qual ele foi qualificado como "do comércio", e duração prevista de 01/06/2005 a 31/05/2013 (fls. 28/29);
- Certidão de nascimento de Jorcelei Sicorra, filho da autora, datada de 13/03/1972, na qual o cônjuge da autora foi qualificado como motorista (fls. 30);
- Notas fiscais de produtor rural, emitidas em nome do cônjuge da autora, datadas de 16/05/1978, 16/01/1979, 27/05/1982, 27/07/2005, 15/07/2006 (fls. 31/35);
- Notas fiscais de produtor rural, emitidas em nome da autora e de seu cônjuge, datadas de 31/01/2007, 28/08/2008 (fls. 36/37);
- Notas fiscais de produtor rural, emitidas em nome da autora, datadas de 29/10/2009, 21/07/2010 (fls. 38/39);
- Certidão de óbito do cônjuge da autora, datada de 27/04/2009, na qual ele foi qualificado como comerciante (fls. 40);
- Carteira de trabalho e previdência social da autora, na qual consta registro de vínculo empregatício no período de 09/12/1986 a 12/02/1988 (fls. 45/49);
- CNIS da autora, no qual consta registro de vínculo empregatício no período de 09/12/1986 a 12/02/1988 (fls. 50);
- Registro de firma individual em nome do cônjuge da autora, com data de início das atividades em 16/05/1981, e ramo de atividade descrito como "comércio de gêneros alimentícios", "comércio de bar" e "comércio de utensílios domésticos" (fls. 51);
- Registro de alteração de firma individual em nome do cônjuge da autora, datado de 13/11/1998, pelo qual as atividades passaram a ser "comércio de confecções e artigos de vestuário" e "comércio de calçados" (fls. 52);
- Registro de alteração de firma individual em nome do cônjuge da autora, datado de 04/09/2000, pelo qual as atividades passaram a ser "produtos de carne, banha e produtos de salsicharia" (fls. 53);
- Atestado emitido pela Escola Estadual de Ensino Fundamental Progresso, localizada no meio rural do município de Três de Maio/RS, datada de 06/05/2010, informando que Jorcelei Sicorra, filha da autora, freqüentou o estabelecimento nos anos de 1981 e 1982 (fls. 62).
A autora não foi ouvida em Juízo.
A testemunha Fernando Attuati declarou que (fls. 90/92):
"Juiz: O senhor sabe se ela trabalhou? Aonde? Fazendo o que? Com quem? No que ela trabalhava?
Testemunha: De solteira com o pai dela.
Juiz: Na agricultura?
Testemunha: Isso.
Juiz: Os pais dela tinham terra aonde?
Testemunha: Eles alugaram terra do nosso vizinho.
Juiz: Em que localidade ficava isso?
Testemunha: (inaudível) do Buricá.
Juiz: Em que município?
Testemunha: Boa Vista.
Juiz: Depois de casada?
Testemunha: Na Vila Ivagaci.
Juiz: Também trabalhou na agricultura?
Testemunha: Isso.
Juiz: Com o marido daí?
Testemunha: Sim.
Juiz: E até quando ela trabalhou na agricultura?
Testemunha: Até pouco tempo, agora.
Juiz: Pela parte autora.
Procurador do Autor: O senhor sabe me dizer se depois do casamento ela morou na Vila Ivagaci nas terras de quem? O senhor sabe dizer de quem eram as terras? Eram próprias ou eles arrendavam?
Testemunha: Eram deles.
Procurador do Autor: Qual é a atividade preponderante da propriedade rural, o que a dona Alice mais fazia?
Testemunha: (inaudível)
Procurador do Autor: Pra quem eles vendiam? Pra quem ela vendia ou a família?
Testemunha: (inaudível).
Procurador do Autor: O que mais além da suinocultura que eles tinham na propriedade?
Testemunha: Acho que gado também.
Procurador do Autor: O senhor lembra se atualmente a autora continua trabalhando na agricultura?
Testemunha: Sim.
Procurador do Autor: Nas terras de quem? Próprias ou rendáveis?
Testemunha: Agora é rendáveis.
Procurador do Autor: De quem é o senhor sabe dizer?
Testemunha: (inaudível).
Procurador do Autor: E o que ela produz, ela é viúva hoje, o que ela produz, que atividade ela exerce em cima dessa terra?
Testemunha: (inaudível).
Procurador do Autor: O senhor sabe dizer se até o falecimento do esposo dela eles tinham uma agroindústria de embutidos?
Testemunha: (inaudível).
Procurador do Autor: E esse gado que eles criavam nessa propriedade era pra agro industrialização?
Testemunha: (inaudível).
Procurador do Autor: Sabe se a dona Alice morou um tempo em Consolata, Três de Maio?
Testemunha: Não, só na vila Progresso.
Procurador do Autor: Isso fica em que município?
Testemunha: Três de Maio.
Procurador do Autor: Por quanto tempo ela morou lá?
Testemunha: Dois anos eu acho.
Procurador do Autor: Aí ela mudou de lá e foi pra onde?
Testemunha: Boa Vista.
Procurador do Autor: De Boa Vista ela ficou até quando? Ela chegou a retornar lá pro interior?
Testemunha: (inaudível).
Procurador do Autor: Nas terras de quem?
Testemunha: Vicente Copetti eu acho.
Procurador do Autor: E quanto hectares de terra dava seu Fernando?
Testemunha: Eu acho que era um hectare de terra.
Procurador do Autor: E o que ela fazia nesse um hectare de terra?
Testemunha: (inaudível) porco também.
Procurador do Autor: E atualmente como é que ela vai, ela mora nessa terra do seu Vilson Reckenvald ou aonde ela mora?
Testemunha: Não, ela vai.
Procurador do Autor: E como é que ela vai? Ela mora aonde e como vai?
Testemunha: Ela mora na cidade.
Procurador do Autor: E como é que ela vai até essa terra? È longe da
cidade?
Testemunha: Não, não é muito longe.
Procurador do Autor: Quantos Km da mais ou menos, o senhor sabe precisar?
Testemunha: Uns mil metros, um pouco mais.
Procurador do Autor: Nada mais.
Juiz: Pelo demandado.
Pelo demandado: O marido dela faleceu quando?
Testemunha: Dois anos eu acho.
Pelo demandado: Eles tinham uma indústria de embutidos?
Testemunha: Uma agro indústria.
Pelo demandado: Faziam carne, salsicha, esses negócios?
Testemunha: Sim.
Pelo demandado: E essa senhora trabalhava também nessa indústria?
Testemunha: Sim.
Pelo demandado: Eles tinham outros funcionários também?
Testemunha: Não.
Pelo demandado: Faz quanto tempo que ela mora nessa terra que está atualmente?
Testemunha: Uns dois anos.
Pelo demandado: Foi antes ou depois que o marido dela faleceu? Que ela se mudou pra lá?
Testemunha: Depois.
Pelo demandado: E antes disso, a terra que eles moravam é essa terra de aproximadamente um hectare?
Testemunha: Sim.
Pelo demandado: E na época dessa agro indústria eles trabalhavam na terra também?
Testemunha: Sim.
Pelo demandado: Qual era o tamanho?
Testemunha: Um hectare.
Pelo demandado: E eles criavam só porcos?
Testemunha: Sim, e compravam produtos dos outros.
Pelo demandado: Atualmente a senhora Alice trabalha sozinha ou com mais alguém?
Testemunha: Ela trabalha com o irmão dela.
Pelo demandado: E o que ela cria mesmo?
Testemunha: Gado.
Pelo demandado: Qual o tamanho da terra?
Testemunha: 3 hectares.
Pelo demandado: Eles engordam o gado com 3 hectares?
Testemunha: Isso.
Pelo demandado: Nada mais.
Juiz: Nada mais.
A testemunha Ovídio Lussani relatou que (fls. 92 v./93):
"Juiz: O senhor sabe aonde ela trabalhou a vida toda? O que ela fez?
Testemunha: O tempo que eu sei que ela trabalhou foi na agricultura. Ela tem umas vaquinhas, plantavam um pedacinho de terra, umas galinhas, vendiam nata e tratava porco.
Juiz: Ela trabalhava com o marido?
Testemunha: Sim.
Juiz: Aonde que eles tinham terra?
Testemunha: Aqui em Ivagaci.
Juiz: Que é interior de Boa Vista?
Testemunha: Sim.
Juiz: E ela trabalha até a presente data na agricultura?
Testemunha: Agora ela "meio" que parou, só tem um lote com o irmão dela aonde ela tem uns terneiros.
Juiz: Que tempo faz que ela "meio" parou?
Testemunha: Isso foi quando vieram de Progresso, isso foi em 2000, 2002, aí eles abriram um embutidos ali em Boa Vista. E de lá pra cá, o marido faleceu, então ela agora está morando em Boa Vista de novo, e tem só aquela atividade com os terneiros.
Juiz: Pelo autor.
Procurador do Autor: Se no período depois do casamento da autora ela morou em Ivagaci e a ocupação principal dela era?
Testemunha: Agricultura.
Procurador do Autor: E até quando ela ficou morando lá?
Testemunha: Isso era de 80 até 82 eu acho, depois foram a Progresso.
Procurador do Autor: E lá em Progresso, interior de Três de Maio né?
Testemunha: É, lá ela ficou dois anos eu acho, aí eles voltaram pra Ivagaci e compraram essa casa que agora é do Marcos, era do Copetti.
Procurador do Autor: Lá em Progresso qual era a atividade dela?
Testemunha: Criava as vaquinhas e um hectare e meio que ela cultivava.
Procurador do Autor: Eles arrendavam ou era própria deles?
Testemunha: Era arrendada.
Procurador do Autor: E pra quem eles vendiam?
Testemunha: O porco pros (inaudível) e o leite e essa nata ela vendia vila.
Procurador do Autor: Depois que ela ficou no interior de Três de Maio que o senhor disse, foi por uns dois anos? Até 82, 83?
Testemunha: Sim.
Procurador do Autor: E daí ela veio pra cidade...
Testemunha: Veio pra Ivagaci e de Ivagaci pra uma propriedade.
Procurador do Autor: Nas terras de quem?
Testemunha: Era do Copetti, só que não tinham estrutura naquela época, depois eles venderam e ele comprou aquela casa em Boa Vista.
Procurador do Autor: E essa casa, é casa do Copetti ou era uma área de terras?
Testemunha: Eu acho que 5 terrenos ou 6. E ali ela também plantava.
Procurador do Autor: Quanto em inaudível)?
Testemunha: Isso da um meio hectare, quem sabe um pouco mais.
Procurador do Autor: E o que ela tinha em cima desse meio hectare?
Testemunha: Lá ela plantava os pés de milho, uma mandioca, ela tem um cercado com galinha, um chiqueirinho, uns porquinhos.
Procurador do Autor: E ela chegou alguma vez a se afastar desse meio rural quando ela retornou a Ivagaci, do que ela vivia?
Testemunha: Era disso ali. E ele trabalhava de empregado.
Procurador do Autor: Mas a renda que eles tinham...
Testemunha: Vinha dali, da agricultura.
Procurador do Autor: Tinham suínos também?
Testemunha: Sim, tinham umas galinhas, umas vaquinhas de leite.
Procurador do Autor: E depois disso quanto tempo ela ficou lá em Ivagaci nessa terra, nessa casa, nessa chacrinha do seu Copetti?
Testemunha: Se não me falha a memória, 3 anos, 4.
Procurador do Autor: E em Boa Vista a autora trabalhava em que?
Testemunha: Nos embutidos.
Procurador do Autor: E eles vendiam aonde isso?
Testemunha: Na cidade, por tudo.
Procurador do Autor: E eles vendiam isso no bloco de produtor?
Testemunha: Olha, isso eu não posso te dizer.
Procurador do Autor: Eles participavam da feira do produtor?
Testemunha: Sim.
Procurador do Autor: E da onde que vinha essa matéria prima pra eles agro industrializarem?
Testemunha: Isso um tanto eles produziam e um tanto eles compravam.
Procurador do Autor: E aonde que era produzido parte dessa matéria?
Testemunha: Quando eles estavam lá tinha a (inaudível).
Procurador do Autor: E essa terra é cultivada pela autora? Tem gado?
Testemunha: Eles tem um lote (inaudível).
Procurador do Autor: E a autora continua trabalhando lá?
Testemunha: Duas vezes, três por semana ela vai lá.
Procurador do Autor: E ela cultiva isso junto com alguém?
Testemunha: Com o irmão dela.
Procurador do Autor: Nada mais.
Juiz: Pelo demandado.
Pelo demandado: Sem perguntas.
Juiz: Nada mais.
Por fim, a testemunha Inácio José Reis afirmou que (fls. 94):
"Juiz: O senhor sabe aonde ela trabalhou? Com quem? Trabalhava em que atividade?
Testemunha: Em 70 e poucos, eu comecei a carregar porco na casa dela, entregava porco na casa dela, ela tinha lá dentro de Ivagaci ela tinha terra, tinha porco, tinha vaca de leite, galinha, tinha tudo.
Juiz: Ela trabalhava na atividade rural?
Testemunha: Só nessa.
Juiz: E até quando ela trabalhou lá em Ivagaci?
Testemunha: Isso foi até uns 81, 82, aí depois eles foram morar pra Progresso e lá ela continuou na mesma atividade.
Juiz: E depois de Progresso?
Testemunha: Aí ela veio morar lá em Vicente Piquete, lá na vila perto de Ivagaci, lá ela trabalhava com porco, com galinha e com vacas.
Juiz: Depois de lá?
Testemunha: Depois de lá ela veio morar pra Boa Vista, e eles tinham um embutidos, eles faziam salame, essas coisas.
Juiz: Mas esse embutidos era na cidade e não na atividade rural?
Testemunha: Sim, eles faziam na propriedade rural e faziam na cidade os embutidos pra vender.
Juiz: Mas eles ainda tinham propriedade rural então?
Testemunha: Sim.
Juiz: Pelo autor.
Procurador do Autor: Se essa mesma propriedade aonde eles tiravam gado pra fazer os embutidos que a autora continua trabalhando até hoje, se é nessa mesma propriedade?
Testemunha: É lá aonde ela tem a granja junto com o irmão dela.
Procurador do Autor: Que área de terras eles tem?
Testemunha: 4, 5, 6 hectares.
Procurador do Autor: O que eles criam lá?
Testemunha: Gado, vaca.
Procurador do Autor: E eles vendem essa produção?
Testemunha: Sim, eles vendem aqueles embutidos dela.
Procurador do Autor: E quantas vezes por semana a autora vai até essa propriedade lá junto com o irmão?
Testemunha: Diariamente, ela passa lá na frente de casa quando eu vou fazer minhas entregas passo lá e vejo ela.
Procurador do Autor: Tem pastagem lá também?
Testemunha: Tem.
Procurador do Autor: Sabe se a autora tem bloco de produtor?
Testemunha: Não sei.
Procurador do Autor: Se a autora só tem essa profissão, só tem esse dom?
Testemunha: Somente isso.
Procurador do Autor: Se esses embutidos que eles faziam nessa cidade eles vendiam aonde?
Testemunha: Eles vendiam dentro da cidade.
Procurador do Autor: E participavam da feira do produtor?
Testemunha: Sim.
Procurador do Autor: Hortigranjeiros?
Testemunha: Isso.
Procurador do Autor: Nada mais.
Juiz: Pelo demandado.
Pelo demandado: Sem perguntas.
Juiz: Nada mais."
Com relação à interpretação do termo "descontinuidade" (art. 143 da LBPS), encontram-se ao menos três interpretações na jurisprudência deste Regional:
a) a descontinuidade não impede o direito ao benefício desde que o retorno ao campo seja por período razoável, sendo este estabelecido por analogia ao art. 24, parágrafo único, da LBPS (1/3 do período de carência). Exemplo disso é o julgado na APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0006832-51.2015.404.9999/RS, rel. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, j. 19/06/2015)
b) a descontinuidade somente é admitida quando não superados os prazos de período de graça previstos no artigo 15 da Lei 8.213/91 ("O interregno que pode ser considerado como curto período de não exercício do trabalho campesino, para o efeito de não descaracterizar a condição de segurado especial e possibilitar a perfectibilização do período equivalente ao da carência, ficando a interrupção, dessa forma, albergada no conceito de descontinuidade, deve ser associado, por analogia, ao período de graça estabelecido no art. 15 da Lei de Benefícios, podendo chegar, portanto, conforme as circunstâncias, ao máximo de 38 meses [24+12+2]. Essa exegese, no tocante à utilização do período de graça do art. 15 da Lei de Benefícios como parâmetro de aferição do tempo de descontinuidade permitido, tem ressonância no âmbito do STJ." . Exemplo disso é o julgado no APELAÇÃO CÍVEL Nº 0013645-65.2013.4.04.9999/RS, rel. Celso Kipper, j. 16/12/2015.
c) a descontinuidade não pode ser interpretada judicialmente de modo mais rigoroso que o faz a Administração, que no artigo 145 da IN 45/2010 estabelece tão somente dois pressupostos: (a) completar o número de meses igual ao período de carência exigido para a concessão do benefício e (b) esteja em efetivo exercício da atividade rural à época do requerimento administrativo. Desse modo, o direito ao benefício somente será afastado quando o retorno ao campo se der unicamente com o objetivo de requerer a aposentadoria especial, sendo admitido, contrariamente, sempre que o segurado tiver efetivamente voltado às lides rurais para dele sustentar-se, sem a fixação de um lapso definido. (EMBARGOS INFRINGENTES Nº 0008065-83.2015.4.04.9999/RS, rel. Paulo Afonso, j. 19/05/2016).
A diretriz contemporânea deve ser prestigiada.
Não somente pelo fato de ter sido o posicionamento vencedor em julgamento recente da 3ª Seção, mas porque melhor se coaduna aos princípios constitucionais que regem a relação dos segurados com a Administração Pública.
De fato, não se pode restringir a interpretação administrativa, estabelecida na IN 45/2010, invocando a legalidade estrita por força da aplicação analógica do artigo 24, parágrafo único, da LBPS, diante da incidência dos princípios da boa fé e da segurança jurídica, que asseguram ao cidadão, uma vez observado o regramento administrativo, o respeito aos efeitos prometidos pela própria Administração.
Ademais, milita em favor dessa interpretação não somente o artigo 145 da referida IN, como também os artigos 215 e 216 desse instrumento normativo, que admitem até mesmo a possibilidade de requerimento de aposentadoria especial mesmo que o segurado esteja em atividade urbana, desde que dentro de igual período previsto para a graça. Mais ainda, se estiver voltado para as lides rurais.
Transcrevo:
Art. 215. Para fins de aposentadoria por idade prevista no inciso I do art. 39 e art. 143 da Lei nº 8.213, de 1991 dos segurados empregados, contribuintes individuais e especiais, referidos na alínea "a" do inciso I, na alínea "g" do inciso V e no inciso VII do art. 11 do mesmo diploma legal, não será considerada a perda da qualidade de segurado os intervalos entre as atividades rurícolas, devendo, entretanto, estar o segurado exercendo a atividade rural ou em período de graça na DER ou na data em que implementou todas as condições exigidas para o benefício.
Parágrafo único. Os trabalhadores rurais de que trata o caput enquadrados como empregado e contribuinte individual, poderão, até 31 de dezembro de 2010, requerer a aposentadoria por idade prevista no art. 143 da Lei 8.213, de 1991, no valor de um salário mínimo, observando que o enquadrado como segurado especial poderá requerer o respectivo benefício sem observância ao limite de data, conforme o inciso I do art. 39 da Lei nº 8.213, de 1991.
Art. 216. Na hipótese do art. 215, será devido o benefício ao segurado empregado, contribuinte individual e segurado especial, ainda que a atividade exercida na DER seja de natureza urbana, desde que o segurado tenha preenchido todos os requisitos para a concessão do benefício rural previsto no inciso I do art. 39 e no art. 143 da Lei nº 8.213, de 1991 até a expiração do prazo para manutenção da qualidade, na atividade rural, previsto no art. 15 do mesmo diploma legal e não tenha adquirido a carência necessária na atividade urbana.
Ou seja: a compreensão administrativa do artigo 143 pode ser entendida como interpretação sistemática da LBPS, em que se conjuga a letra do artigo 143 com o artigo 15 da mesma lei, cujo resultado hermenêutico pode ser assim explicitado:
Art. 143. O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, (OBSERVADO O PERÍODO DE GRAÇA), em número de meses idêntico à carência do referido benefício.
A aposentadoria rural por idade aos 55 ou 60 anos de idade, e sem recolhimento de contribuições, constitui um direito garantido aos segurados especiais, ou seja, àqueles trabalhadores rurais que residem em imóveis rurais ou em aglomerados urbanos ou rurais próximos a imóveis rurais, e que, individualmente ou em regime de economia familiar, exercem atividade agropecuária em pequenas propriedades em regime de subsistência, haja ou não comercialização de produtos. Trata-se, pois, de benefício destinado àqueles que realmente sobrevivem da atividade rural. Segurado especial é aquele que vive das lides agropecuárias, de modo que o enquadramento nesta categoria necessariamente implica vínculo significativo com a terra.
Assim, ainda que possível a descontinuidade, não se pode admitir que o retorno às atividades no campo por pequeno período, muitos anos após a o abandono do campo, viabilize a concessão de aposentadoria rural, até porque os frutos do trabalho rural, como sabido, não são imediatos. Somente o efetivo desempenho de atividade rural por período razoável, de modo a evidenciar sua importância para a sobrevivência do trabalhador, pode ser admitido como retomada da condição de segurado especial.
Parece-me apropriada, no caso, a aplicação analógica, até para evitar um subjetivismo exacerbado, do disposto no parágrafo único do artigo 24 da Lei de Benefícios:
Art. 24. Período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências.
Parágrafo único. Havendo perda da qualidade de segurado, as contribuições anteriores a essa data só serão computadas para efeito de carência depois que o segurado contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com, no mínimo, 1/3 (um terço) do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido.
Entendeu o legislador que o desempenho de um terço da carência caracteriza efetiva nova vinculação à previdência, de modo a possibilitar ao segurado o cômputo dos períodos anteriores.
Assim, para fins de concessão de aposentadoria rural por idade, é razoável se entenda que no caso de descontinuidade deve ser comprovado que no último período de atividade rural (o período imediatamente anterior à DER) o segurado desempenhou atividade rural por tempo significativo, passando de fato a sobreviver dos frutos de seu trabalho junto à terra, podendo ser utilizado como parâmetro aproximado para isso o prazo previsto no parágrafo único do artigo 24 da Lei 8.213/91.
Pretende a autora que seja reconhecia a atividade rural nos períodos de 19/06/1971 a 30/12/1982, 01/03/1988 a 01/12/2000 e de 01/06/2005 a 26/02/2010.
Dos documentos trazidos aos autos, verifica-se que não restou comprovada a atividade rural em todos os períodos alegados, porquanto os documentos se referem somente aos períodos de 16/05/1978 a 27/05/1982 e de 01/06/2005 a 21/07/2010 (notas fiscais de produtor rural - fls. 31/39). Tanto na certidão de casamento quanto na escritura pública de compra e venda de imóvel urbano o cônjuge da autora foi qualificado como motorista, bem como na certidão de nascimento de Jorcelei Sicorra (fls. 17, 20/27 e 30). Além disso, desde 16/05/1981 o cônjuge da autora era proprietário de firma individual, a qual teve a última alteração de ramo de atividade em 04/09/2000 (fls. 51/53).
Acresça-se a isso que, em consulta ao sistema PLENUS, verificou-se que a autora é beneficiária de pensão por morte previdenciária de comerciário desde 16/04/2009, no valor de R$ 880,00 (oitocentos e oitenta reais).
Em casos que tais, vinha concluindo pela extinção do processo sem exame do mérito com base em julgado da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso representativo de controvérsia (CPC, art. 543-C), RESp 1.352.721/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16/12/2015.
Todavia, amadurecendo a questão e estudando mais profundamente o precedente, verifico ser necessário reformular e concluir diversamente, o que levará, no caso concreto, à manutenção do julgamento de improcedência, com julgamento de mérito "secundum eventum probationis".
O recurso repetitivo do STJ que trata da matéria apresenta dois posicionamentos:
(1) extinção sem julgamento de mérito, em caso de inépcia da inicial, por apresentada sem os documentos essenciais e necessários, vale dizer, sem qualquer início de prova;
(2) extinção com julgamento de mérito, "secundum eventum probationis", na hipótese de instrução deficiente.
No caso, trata-se da segunda hipótese, que deixa aberta a possibilidade de nova demanda, resultado que se afirma sem adentrar noutro aspecto, a ser investigado em eventual nova demanda, qual seja, qual a exata extensão do julgamento "secundum eventum probationis", qual a extensão e qualidade de nova prova eventualmente apresentada e quando é possível.
Diante dessas considerações, a demanda deve ser julgada parcialmente procedente, com exame de mérito secundum eventum probationis, reconhecendo o tempo de trabalho rural nos períodos compreendidos entre 16/05/1978 a 27/05/1982 e de 01/06/2005 a 21/07/2010, com a devida averbação pela autarquia previdenciária.
Dos ônus sucumbenciais
Reconheço a sucumbência recíproca, razão pela qual condeno cada uma das partes no pagamento de metade das custas processuais e no pagamento dos honorários advocatícios da parte adversa, fixados no valor de R$ 900,00 (novecentos reais), vedada a compensação.
Deverá, ainda, ser observada a isenção prevista no art. 4°, 1, da Lei n° 9.289/96, em relação ao INSS; suspensa a exigibilidade das verbas de sucumbência com relação à parte autora, por ser beneficiária da gratuidade de justiça (art. 12 da Lei 1060/50).
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação.
É o voto.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8479098v3 e, se solicitado, do código CRC 668E0E38. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Roger Raupp Rios |
| Data e Hora: | 06/09/2016 18:30 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 06/09/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002131-18.2013.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 7411000026033
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
PRESIDENTE | : | Rogerio Favreto |
PROCURADOR | : | Dr. Carlos Eduardo Copetti Leite |
APELANTE | : | ALICE MARIA RECKTENWALD SICORRA |
ADVOGADO | : | Maria Inês Sassi Pietczaki |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 06/09/2016, na seqüência 107, disponibilizada no DE de 17/08/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
: | Juiz Federal LUIZ ANTONIO BONAT | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
| Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8574448v1 e, se solicitado, do código CRC DF9D5194. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Lídice Peña Thomaz |
| Data e Hora: | 06/09/2016 19:04 |
