| D.E. Publicado em 07/07/2016 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009522-24.2013.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | BENEDITO DA SILVA |
ADVOGADO | : | Abimael Baldani |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INVIABILIDADE. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE URBANA POR LONGO PERÍODO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO.
. Considera-se provada a atividade rural do segurado especial havendo início de prova material complementado por idônea prova testemunhal.
. Satisfeitos os requisitos legais de idade mínima e prova do exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência, é devida a aposentadoria rural por idade, independentemente das contribuições previdenciárias respectivas.
. Se no período de carência estabelecido pelo implemento da idade mínima de 55 anos e/ou pela data do requerimento, a requerente exerceu trabalho urbano por mais de 10 anos de modo ininterrupto, é indevida a aposentadoria por idade rural.
. A Lei nº 11.718/08, que acrescentou o § 3º ao art. 48 da Lei nº 8.213/91, possibilitou aposentadoria por idade "híbrida" aos trabalhadores rurais que não implementassem os requisitos para a aposentadoria por idade rural, se a soma do tempo de trabalho rural com as contribuições vertidas em outras categorias alcançar a carência de que trata o art. 142 da Lei nº 8.213/91, e uma vez implementada a idade mínima prevista no "caput" do art. 48 da mesma lei.
. Indevida a aposentadoria por idade na modalidade "híbrida", pois em que pese a parte autora ter cumprido a carência de que trata o art. 142 da Lei 8.213/91 mediante a soma de trabalho rural com as contribuições vertidas em outras categorias, não alcança a idade mínima na DER.
. Assegurado o direito à averbação dos períodos ora reconhecidos como exercidos na agricultura, em regime de economia familiar, para fins de obtenção de futura aposentadoria, na forma do art. 48, § 3º, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 11.718/08.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 28 de junho de 2016.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8324943v5 e, se solicitado, do código CRC 7FC6FEAA. | |
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| Signatário (a): | Roger Raupp Rios |
| Data e Hora: | 30/06/2016 11:19 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009522-24.2013.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | BENEDITO DA SILVA |
ADVOGADO | : | Abimael Baldani |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação contra sentença que julgou improcedente o pedido de aposentadoria por idade rural, e que condenou a parte autora a pagar as custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) do valor da causa. Foi suspensa a exigibilidade da referida verba sucumbencial em razão do beneficio da assistência judiciária gratuita.
Em suas razões, sustenta a parte autora que faz jus ao benefício postulado, porque provou ter exercido a atividade rural no período de carência por meio de início de prova material, corroborada por prova testemunhal. Postula o provimento do recurso, julgando procedente a ação de aposentadoria por idade rural.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças publicadas a contar do dia 18/03/2016.
Da ordem cronológica dos processos
Dispõe o art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).
Dessa forma, deverão ter preferência de julgamento em relação àqueles processos que estão conclusos há mais tempo, aqueles feitos em que esteja litigando pessoa com mais de sessenta anos (idoso, Lei n. 10.741/2013), pessoas portadoras de doenças indicadas no art. 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/88, as demandas de interesse de criança ou adolescente (Lei n. 8.069/90) ou os processos inseridos como prioritários nas metas impostas pelo CNJ.
Observado que o caso presente se enquadra em uma das hipóteses referidas (meta), justifica-se seja proferido julgamento fora da ordem cronológica de conclusão.
Da aposentadoria por idade rural
A concessão de aposentadoria rural por idade, no valor de um salário mínimo, a trabalhador qualificado como segurado especial, nos termos do art. 11, VII, da Lei nº 8.213/91, pressupõe a satisfação da idade mínima (60 anos para homens e 55 para mulheres) e a demonstração do exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao da carência de 180 meses (arts. 39, I, 48, §§1º e 2º, e 25, II da Lei nº 8.213/91), independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias.
Para o trabalhador rural que passou a ser enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social (art. 11, I, "a", IV ou VII), foram estabelecidas regras de transição, quais sejam: a) o art. 143 da Lei de Benefícios assegurou a possibilidade de ser requerida "aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência no referido benefício"; b) o art. 142 previu tabela específica de prazos diferenciados de carência, conforme o ano de implementação das condições para a aposentadoria por idade, por tempo de serviço e especial, "para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural". Assim, àqueles filiados à Previdência quando da edição da Lei nº 8.213/91 que implementarem o requisito idade até quinze anos após a vigência desse dispositivo legal (24-7-2006), não se lhes aplica o disposto no art. 25, II, mas a regra de transição antes referida.
No cômputo do tempo de atividade rural, com a aplicação da tabela do art. 142, deverá ser considerado como termo inicial o ano em que o segurado completou a idade mínima, desde que já disponha de tempo suficiente para o deferimento do pedido, sendo irrelevante que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CF/88 e art. 102, §1º, da Lei nº 8.213/91).
Pode acontecer, todavia, que o segurado complete a idade mínima, mas não tenha o tempo de atividade rural exigido pela lei. Nesse caso, a verificação do tempo equivalente à carência não poderá mais ser feita com base no ano em que atingida a idade mínima, mas a partir de sua implementação progressiva, nos anos subseqüentes à satisfação do requisito etário, de acordo com a tabela do art. 142 da Lei de Benefícios.
Nas hipóteses em que o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31-8-1994 (data da publicação da Medida Provisória nº 598, que alterou a redação original do art. 143 referido, posteriormente convertida na Lei nº 9.063/95), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei n° 8.213/91.
A disposição contida no art. 143 da Lei 8.213, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado; ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, §1º, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima.
O benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo; ou, inexistente este, da data do ajuizamento da ação, conforme modulação contida no julgamento do RE 631.240.
Da comprovação do tempo de atividade rural
O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do disposto no art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91, e na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário).
Cabe salientar que, embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo; ademais, não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, mas um documento que, juntamente com a prova oral, criando um liame com a circunstância fática que se quer demonstrar, possibilite um juízo de valor seguro.
Observa-se que as certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora, nos termos na jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (REsp n.º 980.065/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 20-11-2007, DJU, Seção 1, de 17-12-2007, p. 340, e REsp n.º 637.437/PB, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, j. em 17-08-2004, DJU, Seção 1, de 13-09-2004, p. 287, REsp n.º 1.321.493-PR, Primeira Seção, Relator Ministro Herman Benjamim, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.).
Da contemporaneidade da prova material
A Lei de Benefícios não exige que o início de prova material seja contemporâneo à época dos fatos cuja comprovação é pretendida, conforme se vê da transcrição do § 3º, do art. 55 da Lei 8.213, que segue:
A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.
Não há justificativa legal, portanto, para que se exija prova material contemporânea ao período de carência, nos termos reiteradamente defendidos pela Autarquia Previdenciária; tal exigência administrativa implica a introdução indevida de requisito, impondo limites que não foram estabelecidos pelo legislador. As certidões da vida civil, documentos admitidos de modo uníssono pela jurisprudência como início probatório de atividade rural, no mais das vezes, registram fatos muito anteriores à implementação da idade de 55 ou 60 anos, e fora dos prazos constantes do art. 142 da Lei 8.213/91. O período de carência, em se tratando de aposentadoria por idade rural, correspondente a estágio da vida do trabalhador em que os atos da vida passíveis de registro cartorário, tais como casar, ter filhos, prestar serviço militar, ou inscrever-se como eleitor, foram praticados muito antes do início do marco para a contagem da carência prevista para tal benefício.
Além disso, a juntada de tais certidões é fixada expressamente como orientação pelo eminente Ministro Herman Benjamin, Relator do REsp 1.321.493-PR, submetido ao procedimento dos recurso repetitivos e julgado pela egrégia 3ª Seção do STJ em 10/10/2012. No recurso especial em comento, a decisão majoritária concluiu pela imprescindibilidade de prova material para fins previdenciários, ainda que o labor tenha sido exercido à margem da formalidade, relegando às instâncias ordinárias a verificação da condição de trabalhador:
"E, nesse aspecto, por mais que o trabalho seja informal, é assente na jurisprudência desta Corte que há incontáveis possibilidades probatórias de natureza material. Por exemplo, ainda que o trabalho tenha sido informal, constatando-se que o segurado tem filhos ou é casado, devem ser juntadas certidões de casamento e de nascimento, o que deve ser averiguado pelas instâncias ordinárias. "
Consequentemente, consideradas as notórias e por vezes insuperáveis dificuldades probatórias do segurado especial, é dispensável a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por prova testemunhal, nada impedindo que sejam contemplados os documentos extemporâneos ou emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.
Da prova da atividade rural prestada como boia-fria
No caso de exercício de trabalho rural caracterizado por sua notória informalidade, comprometendo a prova da atividade e, por conseguinte, a obtenção do benefício previdenciário, a jurisprudência pacificada por esta Corte era no sentido de abrandar a exigência relativa ao início de prova material, admitindo, até mesmo, em situações extremas, a comprovação da atividade exclusivamente por meio de prova testemunhal.
Todavia, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento, em 10-10-2012, do Resp nº 1.321.493/PR, representativo de controvérsia, firmou o entendimento de que se aplica também aos trabalhadores boias-frias a Súmula 149 daquela Corte. Sobressai do julgado que o rigor na análise do início de prova material para a comprovação do labor rural do boia-fria, diarista ou volante, deve ser mitigado, de sorte que o fato de a reduzida prova documental não abranger todo o período postulado não significa que a prova seja exclusivamente testemunhal quanto aos períodos faltantes. Assim, devem ser consideradas as dificuldades probatórias do segurado especial, sendo prescindível a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por robusta prova testemunhal.
Cumpre salientar, também, que, muitas vezes, a Autarquia Previdenciária alega que os depoimentos e informações tomados na via administrativa apontam para a ausência de atividade agrícola no período de carência. Quanto a isso, deve ser dito que as conclusões a que chegou o INSS no âmbito administrativo devem ser corroboradas pelo conjunto probatório produzido nos autos judiciais. Existindo conflito entre as provas colhidas na via administrativa e em juízo, deve-se optar pelas últimas, produzidas que são com todas as cautelas legais, garantido o contraditório.
Registra-se, por fim, que, em se tratando de aposentadoria por idade rural, tanto os períodos posteriores ao advento da Lei 8.213/91 como os anteriores podem ser considerados sem o recolhimento de contribuições. Quanto à Carteira de Identificação e Contribuição, prevista no art. 106 da Lei 8.213/91 como necessária à comprovação do exercício de atividade rural a partir de 16.04.94, trata-se de documento voltado principalmente à esfera administrativa, sendo instrumento que visa a facilitar futura concessão de benefício ou reconhecimento de tempo de serviço e cuja expedição, via de regra, ocorre após a comprovação junto à entidade pública das alegadas atividades agrícolas. Uma vez expedida, é instrumento hábil, por si só, àquela comprovação. Todavia, a inexistência do referido documento não obsta ao segurado demonstrar sua condição de segurado especial por outros meios, mormente no âmbito judicial. Se a parte autora tivesse CIC expedida em seu nome não necessitaria postular o benefício em juízo, pois com base nesse documento é de supor-se que o próprio INSS já o concederia administrativamente, porque assim prevê a Lei de Benefícios.
Da prova da atividade em regime de economia familiar
O §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família o exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do art. 11, VII da Lei 8.213/91, que define o segurado especial. Mesmo o fato de constar a qualificação empregador II b nos respectivos recibos de ITR não implica a condição de empregador rural . Ocorre que a simples qualificação no documento não desconfigura a condição do trabalho agrícola em regime de economia familiar, como se pode ver da redação do artigo 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71.
Importante ainda ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não é "per se stante" para descaracterizar a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/91, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo; ou seja, ainda que considerado como trabalhador rural individual, sua situação encontra guarida no permissivo legal referido, sendo certo também que irrelevante a remuneração percebida pelo cônjuge, que não se comunica ou interfere com os ganhos oriundos da atividade agrícola.
Do caso concreto
A parte autora, nascida em 02/05/1951 (fl. 12), implementou o requisito etário em 02/05/2011 e requereu o benefício na via administrativa em 07/07/2011 (fl. 102). Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural nos 180 meses anteriores à implementação da idade (02/05/1996 - 02/05/2011) ou nos 180 meses que antecederam o requerimento administrativo (07/07/1996 - 07/07/2011).
Para a comprovação do trabalho rural, foram apresentados os seguintes documentos:
- Certidão de casamento do requerente, onde resta qualificado como lavrador, datada de 1978 (fl. 13);
- Certidões de nascimento de Elaine, Elexandra e Elisângela, filhas do autor, onde resta qualificado como lavrador, datadas de 1979, 1980 e 1985 (fls. 14/16);
- Ficha do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do requerente, constando remunerações no período de 1975 a 1987 (fls. 18/20);
- Recibos de pagamento do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, datados de 1982 a 1986 (fls. 25/29);
- Contratos de parceria agrícola do requerente, onde resta qualificado como lavrador, datados de 1975 e 1981 (fls. 30/32);
- Contratos de arrendamento do requerente, onde resta qualificado como lavrador, datados de 1984, 1987, 1990 e 1998 (fls. 33/38);
- Certificado de cadastro de imóvel rural, no nome do autor, referente à emissão de 2003, 2004 e 2005 (fl. 48);
- Notas fiscais de produtor rural, no nome do autor e de sua esposa, referentes à compra e venda de produtor agrícolas, emitidas em 2010, 2007, 2006, 2004, 2002, 1999, 1998, 1997, 1996, 1995, 1992, 1991, 1989, 1988,1987, 1986, 1985, 1983, 1982, 1980, 1976, 1975 e 1973 (fls. 50/66 e 68/96);
- Contrato de mútuo, em nome do autor, firmado com a Cooperativa Agropecuária Rolândia Ltda., datado de 1991 (fls. 66/67);
A prova testemunhal corrobora a pretensão exposta na inicial, uma vez que as testemunhas foram uníssonas em confirmar que a parte autora trabalhava nas lides rurais.
A testemunha Zeferino Carrara (fl.128), disse:
"que conhece o autor há mais de quarenta anos; que o autor trabalhou na Fazenda Paloma de propriedade de Ari Bordin; que ele trabalhou no período de 1972/1973 até cerca de 11 anos depois; que o autor tocava café a porcentagem; que depois o autor mudou para um sítio na Água do Cebolão, de propriedade de Lemes; que nesta propriedade o autor também ficou durante 11 anos; que o autor plantava lavoura branca em regime de arrendamento; que dali o autor mudou para o sítio vizinho de propriedade do Eduardo; que neste sítio o autor também plantou lavoura branca em regime de arrendamento; que dali o autor mudou para a cidade; que o autor adquiriu uma chácara na Água Funda e trabalhava na empresa Avebom; que a chácara tem um alqueire e meio; que o autor plantou café na chácara; que depois ele terminou o café e fez pasto; que não sabe quantas cabeças de gado o autor mantem na chácara; que o autor trabalhou na Avebom por oito anos; que nas horas de folga o autor trabalhava na chácara; que depois que saiu da Avebom o autor trabalha na chácara e faz bicos fora; que o autor trabalha concertando cerca, roçando pasto e limpando granja; ...que o autor trabalhou para o cunhado do depoente chamado João Lucio, para o João Estevanato, para o Luiz Carlos e outros; que Luiz Carlos é conhecido por "Zinho"; que quando estava na Avebom o autor também arrendou uma chácara da Cleonice; que nesta chácara tinha só pasto; que nesta chácara o autor trabalhou por dois anos; que na chácara do autor ele conta com a ajuda das filhas; que na chácara o autor também trabalha sábados, domingos e feriados; que o autor vai trabalhar com uma Brasília."
E a testemunha Juraci Severo de Carvalho (fl.129), afirmou:
"que conhece o autor desde 1962; que em 1973 o autor passou a trabalhar com Ari Bordin; que naquela propriedade trabalhou até 1984; que o autor era porcenteiro de café; que depois o autor mudou para o sítio do Sebastião Lemos; que daquele sítio o autor saiu em 1995; que nesta propriedade o autor trabalhou como porcenteiro em lavoura branca; que depois o autor foi para o sítio de Eduardo Gusmão onde ficou cerca de quatro anos; que com Eduardo o autor trabalhou como porcenteiro em lavoura branca; que depois o autor mudou para a cidade; que o autor arrendou uma chácara onde trabalhou durante um ano tirando leite; que dali o autor passou a trabalhar na Avebom; que neste período o autor adquiriu uma chácara por herança; que o autor trabalhava na Avebom e nas horas vagas trabalhava na chácara; que no começo o autor plantou café e depois transformou a chácara em pasto; que a chácara tem um alqueire e meio; que o autor ainda possui a chácara; que depois que saiu da Avebom o autor trabalha na chácara e também fora; que há um ano atrás o autor trabalhou para o depoente arrumando cerca; que o autor também trabalhou para Joaquim Pinto colhendo café; que também trabalhou para o José Roberto colhendo café; que consertando cerca o autor trabalhou para várias pessoas; que o autor trabalhou limpando granja para o Paulo Buscariolo, José Leme e João Lucio; que na chácara o autor contava com a ajuda das filhas e atualmente trabalha sozinho; que a distância da cidade até a chácara é de 3 quilômetros; que o autor vai para a chácara em uma Brasília."
Cotejando a prova, concluiu o Magistrado a quo pela improcedência do pedido, porque o autor não juntou aos autos prova material para comprovar seu trabalho rural no período de carência, bem como possuiu vínculos urbanos durante este período. Correta a decisão.
Da análise do conjunto probatório, verifica-se que a parte autora exerceu atividade de natureza urbana em grande parte do período de carência. Tal fato resta comprovado pelo CNIS do autor (fl. 113), onde consta o registro de vínculos empregatícios de caráter urbano durante o período de 08/1999 a 07/2007.
Nesta senda, verifica-se que durante a maior parte do período de carência, o autor exerceu atividade de natureza urbana, descaracterizando-se a sua condição de segurado especial.
Ainda que se admita ter havido interrupção do serviço rural de 08/1999 a 07/2007, o artigo 143 da Lei 8.213/91 estabelece que a atividade rural prestada no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico da carência prevista no art. 142 da mesma lei, pode ser exercida de modo descontínuo. (Grifei)
O eminente Desembargador Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, ao relatar a AC nº 0006495-67.2012.404.0000, enfrentou o tema atinente ao dimensionamento do conceito de "descontinuidade da atividade rural", em esclarecedor raciocínio cujos argumentos peço vênia para transcrever:
Predomina nesta Corte o entendimento de que a descontinuidade somente é admitida quando não superados os prazos de período de graça previstos no artigo 15 da Lei 8.213/91.
Tenho que a revisão da orientação se impõe.
Ao segurado urbano há muito é admitida pela jurisprudência (e agora consagrado na legislação de regência) a soma de períodos de trabalho, independentemente da perda da condição de segurado, para fins de concessão de aposentadoria por idade. Não há razão para se negar isso ao segurado rural, mormente em se considerando que já lhe é vedada a obtenção de benefício mediante implemento não simultâneo dos requisitos atividade/idade mínima, consoante precedente do Superior Tribunal de Justiça acima mencionado.
A adoção de entendimento restritivo quanto ao conceito de descontinuidade acaba por deixar ao desamparo segurados que desempenharam longos períodos de atividade rural, mas por terem intercalado períodos significativos de atividade urbana ou mesmo de inatividade, restam excluídos da proteção previdenciária.
Choca-se com a Constituição Federal interpretação conducente a desvalorizar o trabalho, que é um de seus valores fundantes (art. 1º, IV, da CF). Ademais, a previdência é um direito social previsto no artigo 6º da Constituição Federal, e o artigo 7º, XIV do mesmo Diploma assegura, sem restrições, direito à aposentadoria ao trabalhador rural. Não fosse isso, atenta contra o princípio da universalidade (art. 194, I, da CF), recusar o direito à aposentadoria ao trabalhador rural que exerceu sua atividade por longo período, a partir de um conceito restritivo de descontinuidade.
Nessa linha, ainda que não se possa afastar a necessidade de comprovação de desempenho de atividade rural no período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário ou ao requerimento administrativo, pois isso é expressamente exigido pela Lei 8.213/91, e já foi também afirmado pelo Superior Tribunal de Justiça, não tendo a legislação estabelecido um conceito de descontinuidade, deve a definição desta categoria ser obtida à luz dos princípios constitucionais informadores do regime jurídico previdenciário. E, nesse sentido, não sendo a norma claramente restritiva, a interpretação a ser extraída, conquanto possa estabelecer condicionamentos, não pode inviabilizar o direito dos segurados rurais.
Tenho, assim, que havendo prova de desempenho de atividade rural no período imediatamente anterior, deve ser admitido o direito ao benefício com o cômputo de períodos anteriores descontínuos, mesmo que tenha havido a perda da condição de segurado, para fins de implemento de tempo equivalente à carência exigido pela legislação de regência.
Isso, a propósito, é o que estabelecem os artigos 144, 145 e 148 da Instrução Normativa INSS/PRES 45, de 06/08/2010:
Capítulo VI - Das prestações em geral
Seção I - Da carência
.....
Art. 144. Para o segurado especial que não contribui facultativamente, o período de carência de que trata o § 1º do art. 26 do RPS é contado a partir do efetivo exercício da atividade rural, mediante comprovação, na forma do disposto no art. 115.
Art. 145. No caso de comprovação de desempenho de atividade urbana entre períodos de atividade rural, com ou sem perda da qualidade de segurado, poderá ser concedido benefício previsto no inciso I do art. 39 e art. 143, ambos da Lei nº 8.213, de 1991, desde que cumpra o número de meses de trabalho idêntico à carência relativa ao benefício, exclusivamente em atividade rural, observadas as demais condições.(grifei)
Parágrafo único. Na hipótese de períodos intercalados de exercício de atividade rural e urbana, observado o disposto nos arts. 149 e 216, o requerente deverá apresentar um documento de início de prova material do exercício de atividade rural após cada período de atividade urbana.
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Art. 148. Para fins de concessão dos benefícios devidos ao trabalhador rural previstos no inciso I do art. 39 e art. 143, ambos da Lei nº 8.213, de 1991, considera-se como período de carência o tempo de efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, correspondente ao número de meses necessários à concessão do benefício requerido, computados os períodos a que se referem os incisos III a VIII do § 5º do art. 7º, observando-se que:
I - para a aposentadoria por idade prevista no art. 215 do trabalhador rural empregado, contribuinte individual e especial será apurada mediante a comprovação de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício ou, conforme o caso, no mês em que cumprir o requisito etário, computando-se exclusivamente, o período de natureza rural; e
II - para o segurado especial e seus dependentes para os benefícios de aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, auxílio-acidente, pensão por morte, auxílio-reclusão e salário-maternidade, a apuração da atividade rural será em relação aos últimos doze meses ou ao evento, conforme o caso, comprovado na forma do § 3º do art. 115.
Parágrafo único. Entende-se como forma descontínua os períodos intercalados de exercício de atividades rurais, ou urbana e rural, com ou sem a ocorrência da perda da qualidade de segurado, observado o disposto no art. 145.(grifei)
Por outro lado, os artigos 214 e 215 da mesma IN 45/2010 estatuem:
Capítulo IV - Das prestações em geral
Seção IV - Dos benefícios
Subseção II - Da aposentadoria por idade
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Art. 214. A aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais referidos na alínea "a" do inciso I, na alínea "g" do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11 da Lei nº 8.213, de 1991, será devida para o segurado que, cumprida a carência exigida, completar sessenta anos de idade, se homem, e cinquenta e cinco anos, se mulher.
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, o trabalhador rural deverá comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, ou, conforme o caso, ao mês em que cumpriu o requisito etário, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência exigida.
§ 2º Os trabalhadores rurais referidos no caput, que não atendam o disposto no § 1º deste artigo, mas que satisfaçam a carência exigida computando-se os períodos de contribuição sob outras categorias, inclusive urbanas, farão jus à aposentadoria por idade ao completarem sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos, se mulher, observado o § 3º do art. 174.
Art. 215. Para fins de aposentadoria por idade prevista no inciso I do art. 39 e art. 143 da Lei nº 8.213, de 1991 dos segurados empregados, contribuintes individuais e especiais, referidos na alínea "a" do inciso I, na alínea "g" do inciso V e no inciso VII do art. 11 do mesmo diploma legal, não será considerada a perda da qualidade de segurado os intervalos entre as atividades rurícolas, devendo, entretanto, estar o segurado exercendo a atividade rural ou em período de graça na DER ou na data em que implementou todas as condições exigidas para o benefício.(grifei)
Parágrafo único. Os trabalhadores rurais de que trata o caput enquadrados como empregado e contribuinte individual, poderão, até 31 de dezembro de 2010, requerer a aposentadoria por idade prevista no art. 143 da Lei nº 8.213, de 1991, no valor de um salário mínimo, observando que o enquadrado como segurado especial poderá requerer o respectivo benefício sem observância ao limite de data, conforme o inciso I do art. 39 da Lei nº 8.213, de 1991.
Registro que a IN INSS/PRES 20, de 11/10/2007, antecessora da IN 45/2010, continha dispositivos no mesmo sentido (artigos 58 e 148).
A existência de ato expedido pelo próprio INSS contemplando a possibilidade de concessão de aposentadoria rural por idade quando comprovado o desempenho de atividade rural de forma descontínua, com ou sem a ocorrência da perda da qualidade de segurado, só faz reforçar o entendimento acima exposto. Ato administrativo não confere direito ou sequer pode contrariar o que estabelece a lei, mas certamente, ao pautar o procedimento da própria administração, não pode ser desprezado na solução de litígio judicial, salvo se claramente ilegais, o que não ocorre no caso. Está em discussão conceito de descontinuidade de atividade rural. O conceito adotado pela administração é favorável aos segurados e consentâneo com interpretação que homenageia a ordem constitucional. Não se afigura recomendável, assim, que o Judiciário adote interpretação mais rigorosa que a própria administração.
Há uma ponderação a fazer, contudo.
A aposentadoria rural por idade aos 55 ou 60 anos de idade, e sem recolhimento de contribuições, constitui um direito garantido aos segurados especiais, ou seja, àqueles trabalhadores rurais que residem em imóveis rurais ou em aglomerados urbanos ou rurais próximos a imóveis rurais, e que, individualmente ou em regime de economia familiar, exercem atividade agropecuária em pequenas propriedades em regime de subsistência, haja ou não comercialização de produtos. Trata-se, pois, de benefício destinado àqueles que realmente sobrevivem da atividade rural. Segurado especial é aquele que vive das lides agropecuárias, de modo que o enquadramento nesta categoria necessariamente implica vínculo significativo com a terra.
Assim, ainda que possível a descontinuidade, não se pode admitir que o retorno às atividades no campo por pequeno período, muitos anos após a o abandono do campo, viabilize a concessão de aposentadoria rural, até porque os frutos do trabalho rural, como sabido, não são imediatos. Somente o efetivo desempenho de atividade rural por período razoável, de modo a evidenciar sua importância para a sobrevivência do trabalhador, pode ser admitido como retomada da condição de segurado especial.
Parece-me apropriada, no caso, a aplicação analógica, até para evitar um subjetivismo exacerbado, do disposto no parágrafo único do artigo 24 da Lei de Benefícios:
Art. 24. Período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências.
Parágrafo único. Havendo perda da qualidade de segurado, as contribuições anteriores a essa data só serão computadas para efeito de carência depois que o segurado contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com, no mínimo, 1/3 (um terço) do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido.
Entendeu o legislador que o desempenho de um terço da carência caracteriza efetiva nova vinculação à previdência, de modo a possibilitar ao segurado o cômputo dos períodos anteriores.
Assim, para fins de concessão de aposentadoria rural por idade, é razoável se entenda que no caso de descontinuidade deve ser comprovado que no último período de atividade rural (o período imediatamente anterior) o segurado desempenhou atividade rural por tempo significativo, passando de fato a sobreviver dos frutos de seu trabalho junto à terra, podendo ser utilizado como parâmetro aproximado para isso o prazo previsto no parágrafo único do artigo 24 da Lei 8.213/91.
Com efeito, havendo prova da atividade rural em período imediatamente anterior ao requerimento e equivalente a um terço ou mais daquele relativo à carência, deve ser admitido o direito à aposentadoria rural por idade com o cômputo de períodos anteriores descontínuos, mesmo que tenha havido a perda da condição de segurado, para fins de implemento de tempo equivalente à carência exigida pela legislação previdenciária.
É fato que a redação do artigo 48, § 2º, da Lei nº 8.213/91, quando menciona "o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento"; s.m.j., pode levar a concluir que qualquer descontinuidade da prestação laboral implicaria, ipso facto, em situar o lapso de tempo fora do "imediatamente anterior". O eminente Desembargador supracitado soube surpreender uma lacuna que dificultava concretização de direito fundamental; lapso legislativo que bem se supriu pelo uso da analogia, à luz dos princípios constitucionais. A respeito, as preleções de Susana Sbrogio'Galia (in Mutações Constitucionais e Direitos Fundamentais, Livraria do Advogado, Porto Alegre, Ed. 2007, p.143/144):
Do caráter principiológico das normas de direito fundamental, resulta que não somente os direitos fundamentais podem se restringidos frente aos princípios opostos, como a sua restringibilidade pode ser limitada. E, se a restrição aos direitos fundamentais ocorre quando,diante do caso concreto, princípios opostos possuam maior peso que o princípio de direito fundamental em exame, pode-se dizer que os direitos fundamentais consistem na própria limitação à sua respectiva restrição e restringibilidade.
A idéia de traçar limites aos limites dos direitos fundamentais, difundida na doutrina tedesca durante a Lei Fundamental de Bonn, não pode ser dissociada dos direitos fundamentais. As restrições aos limites destes direito não consistem institutos autônomos, mas "pautas complementares e acessórias, destinadas a assegurara a supremacia dos direitos fundamentais. Em outras palavras, trata-se de instrumentos normativo-metódicos de aplicação dos direitos fundamentais, cuja finalidade é garantir o seu caráter vinculante". Nessa condição, insere-se o princípio da proporcionalidade, da proibição de excesso e da vedação à tutela insuficiente do estado, cujo exame ocorre na sequência.
Por esse motivo, as restrições aos direitos fundamentais, a exemplo do que acontece no Direito pátrio, prescindem de explicitação no texto constitucional, sendo deduzidas do próprio dever de proteção jurídico-constitucional aos direitos fundamentais, assim como do princípio do Estado de Direito."
E prossegue a ilustre doutrinadora (ob.cit., p. 152/153):
"É nesse sentido que se posiciona Mendes, pois, se os direitos fundamentais não contêm apenas uma proibição de intervenção (Eingriffsverbote) expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote), haverá não só uma proibição de excesso, mas uma proibição de omissão do Estado na implementação da eficácia dos direitos fundamentais (Untermassverbote). Em se verificando que a eficácia dos direitos fundamentais dirige-se, de forma imediata, contra o Estado - pois é o destinatário da tutela destes direitos -, e mediata contra os particulares - porquanto irradia efeitos que impõem o dever de guarda e proteção suficiente por parte do estado, em relação às pretensões e interesse dos demais sujeitos privados -, evidencia-se, outrossim, a Constituição proibir que se desça abaixo de um certo mínimo de proteção, identificando-se o que Canaris batizou, com base em precedentes do Tribunal Constitucional alemão, de "proibição de insuficiência". Segundo Sarlet, a proibição de insuficiência reconduz ao princípio do estado de Direito, em que o Estado exsurge como detentor do monopólio do emprego da forma e da solução dos litígios entre particulares, salvo situações determinadas pela própria ordem jurídica.
Deparando-nos com essa ambivalente perspectiva subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais, constata-se uma dupla feição no que concerne aos limites dos limites destes direitos e ao dever de proteção pelo Estado, consubstanciados no princípio da proporcionalidade. Se, sob o enfoque dos direitos de defesa (ou direitos subjetivos e sentido negativo), configurar-se-ia, como limite à restrição, o que a doutrina sedimentou como proibição de excesso; em contrapartida, também falharia o Estado quanto ao seu dever de proteção, ao atuar de forma insuficiente, abaixo dos limites mínimos de proteção exigidos pela Constituição."
Em igual diapasão, Jairo Gilberto Schafer (in Direitos Fundamentais - proteção e restrições, Livraria do Advogado, 2001, p. 106):
"Uma das questões essenciais na análise da estrutura das normas restritivas de direitos fundamentais refere-se à aplicabilidade e função teórica do princípio da proporcionalidade. No ensinamento de Juarez Freitas, o princípio da proporcionalidade quer significar que o Estado não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente na consecução dos seus objetivos.
De acordo com o princípio da proporcionalidade, sempre que haja restrições que colidam com direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, o intérprete deve atuar segundo o princípio da justa medida, vale dizer, escolhendo, dentre as medidas necessárias, para atingir os fins legais, aquelas que impliquem o sacrifício mínimo dos direitos dos cidadãos. Ou seja: as restrições que afetem direitos e interesses dos cidadãos só devem ir até onde sejam imprescindíveis para assegurar o interesse público, não devendo utilizar-se medidas mais gravosas quando outras que o sejam menos forem suficientes para atingir os fins da lei."
A Constituição não pode ser havida como mera carta de intenções.
No que concerne à construção analógica, in casu, a exigência do cumprimento da terça parte do período de carência previsto na legislação pertinente para que se possa deferir o benefício, é imprescindível para evitar a oneração dos cofres previdenciários com situações artificialmente engendradas.
Da análise do conjunto probatório, conclui-se que os documentos juntados constituem início de prova material.
Entretanto, considerando os autos sob o ponto de vista da descontinuidade o requerente não alcança o benefício de aposentadoria rural por idade. A Turma tem entendido que, para fins de concessão de tal benefício, na hipótese de períodos intercalados, deve ser comprovado que no último período a ser considerado (o período imediatamente anterior) o segurado desempenhou atividade rural por tempo significativo, por aproximadamente 1/3 do tempo total necessário. Na hipótese, o autor não logrou completar esse mínimo, motivo pelo qual não pode ser concedida a aposentadoria por idade rural na qualidade de segurado especial.
Aposentadoria por idade na forma híbrida
Cumpre enfatizar, por outro lado, que com o advento da Lei 11.718/08, a legislação previdenciária passou a dispor que os trabalhadores rurais que não consigam comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência da aposentadoria por idade, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher (Lei 8.213/91, art. 48, § 3º, com a redação dada pela Lei 11.718, de 2008).
Na interpretação deste novel dispositivo, este Tribunal Regional Federal orienta:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. APOSENTADORIA POR IDADE. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO. LEI Nº 11.718/2008. LEI 8.213, ART. 48, § 3º. TRABALHO RURAL E TRABALHO URBANO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO A SEGURADO QUE NÃO ESTÁ DESEMPENHANDO ATIVIDADE RURAL NO MOMENTO DA IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS. POSSIBILIDADE. 1. É devida a aposentadoria por idade mediante conjugação de tempo rural e urbano durante o período aquisitivo do direito, a teor do disposto na Lei nº 11.718, de 2008, que acrescentou § 3º ao art. 48 da Lei nº 8.213, de 1991, desde que cumprido o requisito etário de 60 anos para mulher e de 65 anos para homem. 2. Ao § 3º do artigo 48 da LB não pode ser emprestada interpretação restritiva. Tratando-se de trabalhador rural que migrou para a área urbana, o fato de não estar desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão do benefício. A se entender assim, o trabalhador seria prejudicado por passar contribuir, o que seria um contrassenso. A condição de trabalhador rural, ademais, poderia ser readquirida com o desempenho de apenas um mês nesta atividade. Não teria sentido se exigir o retorno do trabalhador às lides rurais por apenas um mês para fazer jus à aposentadoria por idade. 3. O que a modificação legislativa permitiu foi, em rigor, para o caso específico da aposentadoria por idade aos 60 (sessenta) ou 65 (sessenta e cinco) anos (mulher ou homem), o aproveitamento do tempo rural para fins de carência, com a consideração de salários-de-contribuição pelo valor mínimo no que toca ao período rural. 4. Não há, à luz dos princípios da universalidade e da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, e bem assim do princípio da razoabilidade, como se negar a aplicação do artigo 48, § 3º, da Lei 8.213/91, ao trabalhador que exerceu atividade rural, mas no momento do implemento do requisito etário (sessenta ou sessenta e cinco anos), está desempenhando atividade urbana. (TRF4, EI Nº 0008828-26.2011.404.9999, 3ª SEÇÃO, Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, por maioria, vencido o Relator, D.E. 10/01/2013, publicação em 11/01/2013).
Nessas condições, uma vez implementada a idade mínima, quando a soma do tempo de trabalho rural com as contribuições vertidas em outras categorias do segurado alcançar a carência de que trata o art. 142 da Lei 8.213/91, o segurado fará jus à aposentadoria híbrida.
Examinados os autos sob esse prisma, o autor também não tem direito à aposentadoria por idade híbrida, pois apesar de ter cumprido a carência exigida mediante a soma do tempo de trabalho rural com o tempo de serviço urbano, o autora, nascido em 02/05/1951, não implementou a idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos até a DER (07/07/2011 - fl. 102) ou até a data da citação (06/10/2011, fl. 108), marco final admitido pela jurisprudência desta Corte para a reafirmação da DER.
Entretanto, em que pese não fazer jus ao benefício pretendido ou possível (idade rural ou híbrida), resta ao demandante o direito à averbação dos períodos ora reconhecidos como exercidos na agricultura, em regime de economia familiar, a saber, de 14/11/1973 a 02/08/1999 e 2010, para fins de obtenção de futura aposentadoria, na forma do art. 48, § 3º, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 11.718/08.
Dos ônus sucumbenciais
Mantenho a sucumbência nos termos em que fixada, visto que está de acordo com o entendimento da Turma para ações desta natureza, advertindo-se, porém, que a autora é beneficiária da justiça gratuita, razão pela qual a execução fica suspensa.
Conclusão
A apelação da parte autora resta parcialmente procedente para o fim de condenar o INSS a averbar o período de trabalho rural exercido de 14/11/1973 a 02/08/1999 e de 2010.
Dispositivo
Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação.
É o voto.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 28/06/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009522-24.2013.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00012748920118160099
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr.Domingos Sávio Dresch da Silveira |
APELANTE | : | BENEDITO DA SILVA |
ADVOGADO | : | Abimael Baldani |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 28/06/2016, na seqüência 183, disponibilizada no DE de 07/06/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
| Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8419577v1 e, se solicitado, do código CRC E7C59448. | |
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