| D.E. Publicado em 17/03/2017 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0021872-10.2014.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | CELIA ROSSO BURIN |
ADVOGADO | : | Arlei Vitorio Steiger |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. REGIME ANTERIOR À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. SEGURADO ESPECIAL. TEMPUS REGIT ACTUM. LC 11/71. DECRETO 83.080/79. APLICABILIDADE. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. DIFERIMENTO. TUTELA ESPECÍFICA.
. Satisfeitos os requisitos legais de idade mínima e prova do exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência, é devida a aposentadoria rural por idade.
. Considera-se provada a atividade rural do segurado especial havendo início de prova material complementado por idônea prova testemunhal.
. No regime anterior à Lei 8.213/91 (Lei Complementar 11/71 ou do Decreto 83.080/79) a mulher rurícola só era considerada segurada especial da Previdência Social se fosse chefe ou arrimo da família, em flagrante contradição com o comando constitucional inserto no art. 5º, inciso I, que prevê a plena igualdade de direitos entre homens ou mulheres, sejam eles chefes do núcleo familiar ou não.
. A possibilidade de concessão de aposentadoria por idade rural à autora decorre da não-recepção da exigência posta na legislação anterior, de cumprir a condição de chefe ou arrimo de família.
. A definição dos índices de correção monetária e juros de mora deve ser diferida para a fase de cumprimento do julgado.
. Havendo o feito tramitado perante a Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, o INSS está isento do pagamento de custas, consoante o disposto no art. 11 da Lei Estadual n. 8.121/85, na redação dada pela Lei n. 13.471, de 23 de junho de 2010.
. O cumprimento imediato da tutela específica independe de requerimento expresso do segurado ou beneficiário, e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC/1973, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537 do CPC/2015.
. A determinação de implantação imediata do benefício, com fundamento nos artigos supracitados, não configura violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC e 37 da Constituição Federal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora, determinando a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 07 de março de 2017.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8731738v6 e, se solicitado, do código CRC 34164B41. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Roger Raupp Rios |
| Data e Hora: | 08/03/2017 14:20 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0021872-10.2014.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | CELIA ROSSO BURIN |
ADVOGADO | : | Arlei Vitorio Steiger |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação contra sentença que julgou improcedente o pedido de aposentadoria por idade rural, e que condenou a parte autora a pagar as custas processuais e honorários advocatícios, esses fixados em R$ 800,00 (oitocentos reais), com base no art. 20, §4º do CPC/1973. Foi suspensa a execução da referida verba sucumbencial, em face da assistência judiciária gratuita concedida.
Em suas razões, sustenta a parte autora que faz jus ao benefício postulado, porque provou ter exercido a atividade rural no período de carência por meio de início de prova material, corroborada por prova testemunhal. Aduz que a cidade de Agudo é interiorana, e cerca de 80% das pessoas residem na vila (cidade). Postula, ainda, o prequestionamento da matéria, para fins de recurso.
Apresentadas as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças/acórdãos publicado(a)s a contar do dia 18/03/2016.
Da ordem cronológica dos processos
Dispõe o art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).
Dessa forma, deverão ter preferência de julgamento em relação àqueles processos que estão conclusos há mais tempo, aqueles feitos em que esteja litigando pessoa com mais de sessenta anos (idoso, Lei n. 10.741/2013), pessoas portadoras de doenças indicadas no art. 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/88, as demandas de interesse de criança ou adolescente (Lei n. 8.069/90) ou os processos inseridos como prioritários nas metas impostas pelo CNJ.
Observado que o caso presente se enquadra em uma das hipóteses referidas (preferências legais), justifica-se seja proferido julgamento fora da ordem cronológica de conclusão.
Da aposentadoria rural por idade
São requisitos para a concessão de aposentadoria rural por idade, no valor de um salário mínimo, a trabalhador qualificado como segurado especial, nos termos do art. 11, VII, da Lei nº 8.213/91: (a) idade mínima (60 anos para homens e 55 para mulheres) e (b) exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao da carência de 180 meses (arts. 39, I, 48, §§1º e 2º, e 25, II da Lei nº 8.213/91), independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias.
Quanto à carência, há regra de transição para os segurados obrigatórios previstos no art. 11, I,"a", IV ou VII: (a) o art. 143 da Lei de Benefícios assegurou "aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência no referido benefício"; b) o art. 142 previu tabela específica de prazos diferenciados de carência, conforme o ano de implementação das condições para a aposentadoria por idade, por tempo de serviço e especial, "para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural".
Assim, àqueles filiados à Previdência quando da edição da Lei nº 8.213/91 que implementarem o requisito idade até quinze anos após a vigência desse dispositivo legal (24-7-2006), não se lhes aplica o disposto no art. 25, II, mas a regra de transição antes referida.
Na aplicação da tabela do art. 142, o termo inicial para o cômputo do tempo de atividade rural é o ano em que o segurado completou a idade mínima, desde que já disponha de tempo suficiente para o deferimento do pedido, sendo irrelevante que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CF/88 e art. 102, §1º, da Lei nº 8.213/91).
Na hipótese de insuficiência de tempo de exercício de atividade rural ao completar a idade mínima, a verificação do tempo equivalente à carência não poderá mais ser feita com base no ano em que atingida a idade mínima, mas a partir de sua implementação progressiva, nos anos subseqüentes à satisfação do requisito etário, de acordo com a tabela do art. 142 da Lei de Benefícios.
Caso o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31-8-1994 (data da publicação da Medida Provisória nº 598, que alterou a redação original do art. 143 referido, posteriormente convertida na Lei nº 9.063/95), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei n° 8.213/91.
A disposição contida no art. 143 da Lei 8.213, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado; ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, §1º, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima.
O benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo; ou, inexistente este, da data do ajuizamento da ação, conforme modulação contida no julgamento do RE 631.240.
Da comprovação do tempo de atividade rural
O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, salvo caso fortuito ou força maior. Tudo conforme o art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91 e reafirmado na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário).
Nesse contexto probatório: (a) a lista dos meios de comprovação do exercício da atividade rural (art. 106 da Lei de Benefícios) é exemplificativa, em face do princípio da proteção social adequada, decorrente do art. 194 da Constituição da República de 1988; (b) não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, sendo suficientes documentos que, juntamente com a prova oral, possibilitem juízo conclusivo quanto ao período de labor rural exercido; (c) certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora (REsp n.º 980.065/SP, DJU, Seção 1, 17-12-2007; REsp n.º 637.437/PB, DJU, Seção 1, de 13-09-2004; REsp n.º 1.321.493-PR, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.); (d) quanto à contemporaneidade da prova material, inexiste justificativa legal, portanto, para que se exija tal prova contemporânea ao período de carência, por implicar exigência administrativa indevida, impondo limites que não foram estabelecidos pelo legislador.
As certidões da vida civil, documentos admitidos de modo uníssono pela jurisprudência como início probatório de atividade rural, no mais das vezes, registram fatos muito anteriores à implementação da idade de 55 ou 60 anos, e fora dos prazos constantes do art. 142 da Lei 8.213/91. O período de carência, em se tratando de aposentadoria por idade rural, correspondente a estágio da vida do trabalhador em que os atos da vida passíveis de registro cartorário, tais como casar, ter filhos, prestar serviço militar, ou inscrever-se como eleitor, foram praticados muito antes do início do marco para a contagem da carência prevista para tal benefício.
Nesse sentido, a consideração de certidões é fixada expressamente como orientação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ, 3ª Seção, REsp 1.321.493-PR, procedimento dos recurso repetitivos, j.10/10/2012). Concluiu-se imprescindível a prova material para fins previdenciários, ainda que o labor tenha sido exercido à margem da formalidade, cabendo às instâncias ordinárias a verificação da condição de trabalhador:
"E, nesse aspecto, por mais que o trabalho seja informal, é assente na jurisprudência desta Corte que há incontáveis possibilidades probatórias de natureza material. Por exemplo, ainda que o trabalho tenha sido informal, constatando-se que o segurado tem filhos ou é casado, devem ser juntadas certidões de casamento e de nascimento, o que deve ser averiguado pelas instâncias ordinárias."
De todo o exposto, consideradas as notórias e por vezes insuperáveis dificuldades probatórias do segurado especial, é dispensável a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por prova testemunhal, nada impedindo que sejam contemplados os documentos extemporâneos ou emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.
Ademais, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
Registre-se, por fim, que, em se tratando de aposentadoria por idade rural, tanto os períodos posteriores ao advento da Lei 8.213/91 como os anteriores podem ser considerados sem o recolhimento de contribuições. Quanto à Carteira de Identificação e Contribuição, prevista no art. 106 da Lei 8.213/91 como necessária à comprovação do exercício de atividade rural a partir de 16.04.94, trata-se de documento voltado principalmente à esfera administrativa, sendo instrumento que visa a facilitar futura concessão de benefício ou reconhecimento de tempo de serviço e cuja expedição, via de regra, ocorre após a comprovação junto à entidade pública das alegadas atividades agrícolas. Uma vez expedida, é instrumento hábil, por si só, àquela comprovação. Todavia, a inexistência do referido documento não obsta ao segurado demonstrar sua condição de segurado especial por outros meios, mormente no âmbito judicial. Se a parte autora tivesse CIC expedida em seu nome não necessitaria postular o benefício em juízo, pois com base nesse documento é de supor-se que o próprio INSS já o concederia administrativamente, porque assim prevê a Lei de Benefícios.
Da prova da atividade rural prestada como boia-fria
No caso de exercício de trabalho rural caracterizado por sua notória informalidade, comprometendo a prova da atividade e, por conseguinte, a obtenção do benefício previdenciário, a jurisprudência pacificada por esta Corte era no sentido de abrandar a exigência relativa ao início de prova material, admitindo, até mesmo, em situações extremas, a comprovação da atividade exclusivamente por meio de prova testemunhal.
Todavia, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento, em 10-10-2012, do Resp nº 1.321.493/PR, representativo de controvérsia, firmou o entendimento de que se aplica também aos trabalhadores boias-frias a Súmula 149 daquela Corte. Sobressai do julgado que o rigor na análise do início de prova material para a comprovação do labor rural do boia-fria, diarista ou volante, deve ser mitigado, de sorte que o fato de a reduzida prova documental não abranger todo o período postulado não significa que a prova seja exclusivamente testemunhal quanto aos períodos faltantes. Assim, devem ser consideradas as dificuldades probatórias do segurado especial, sendo prescindível a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por robusta prova testemunhal.
Cumpre salientar, também, que, muitas vezes, a Autarquia Previdenciária alega que os depoimentos e informações tomados na via administrativa apontam para a ausência de atividade agrícola no período de carência. Quanto a isso, deve ser dito que as conclusões a que chegou o INSS no âmbito administrativo devem ser corroboradas pelo conjunto probatório produzido nos autos judiciais. Existindo conflito entre as provas colhidas na via administrativa e em juízo, deve-se optar pelas últimas, produzidas que são com todas as cautelas legais, garantido o contraditório.
Da prova da atividade em regime de economia familiar
O §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família o exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do art. 11, VII da Lei 8.213/91, que define o segurado especial. Mesmo o fato de constar a qualificação empregador II b nos respectivos recibos de ITR não implica a condição de empregador rural. Ocorre que a simples qualificação no documento não desconfigura a condição do trabalho agrícola em regime de economia familiar, como se pode ver da redação do artigo 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71.
Importante ainda ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não é "per se stante" para descaracterizar a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/91, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo; ou seja, ainda que considerado como trabalhador rural individual, sua situação encontra guarida no permissivo legal referido, sendo certo também que irrelevante a remuneração percebida pelo cônjuge, que não se comunica ou interfere com os ganhos oriundos da atividade agrícola.
Do tempo rural do segurado especial a partir dos 12 anos de idade
No tocante à possibilidade do cômputo do tempo rural na qualidade de segurado especial a partir dos 12 anos de idade, a Terceira Seção desta Corte ao apreciar os Embargos Infringentes em AC n.º 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, na sessão de 12-03-2003, firmou entendimento no sentido da possibilidade do cômputo do tempo de serviço laborado em regime de economia familiar a partir dessa idade, na esteira de iterativa jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, tendo recentemente a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o AI n.º 529.694/RS, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, com decisão publicada no DJU de 11-03-2005, reconhecido o tempo de serviço agrícola ao menor de quatorze anos, não merecendo tal questão maiores digressões.
Do regime anterior à Constituição de 1988
A autora ajuizou a presente ação em 01/12/2008 (fls. 02), na condição de trabalhadora rural, tendo implementado o requisito etário de 55 anos em 28/12/1984, já que nascida em 28/12/1929 (fls. 12), portanto, na vigência de regime anterior ao da Lei 8.213/91, à luz do qual se impõe examinar a existência do direito postulado. Verifica-se que a autora requereu administrativamente o benefício de aposentadoria por idade rural em 31/01/2002, o qual foi indeferido pela autarquia previdenciária (fls. 11).
A concessão do benefício previdenciário rege-se pela norma vigente ao tempo em que o beneficiário preenchia as condições exigidas para tanto, em conformidade com o princípio tempus regit actum.
A Lei Complementar n.º 11/71, estabelece em seu art. 2º que entre os benefícios concedidos no âmbito do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (Prorural) está a aposentadoria por velhice a trabalhador rural, definindo no art. 3º os beneficiários do programa, verbis:
Art. 2º O Programa de Assistência ao Trabalhador Rural consistirá na prestação dos seguintes benefícios:
I - aposentadoria por velhice;
II - aposentadoria por invalidez;
III - pensão;
IV - auxílio-funeral;
V - serviço de saúde;
VI - serviço de social.
Art. 3º São beneficiários do Programa de Assistência instituído nesta Lei Complementar o trabalhador rural e seus dependentes.
§ 1º Considera-se trabalhador rural, para os efeitos desta Lei Complementar:
a) a pessoa física que presta serviços de natureza rural a empregador, mediante remuneração de qualquer espécie.
b) o produtor, proprietário ou não, que sem empregado, trabalhe na atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido o trabalho dos membros da família indispensável à própria subsistência e exercido em condições de mutua dependência e colaboração.
§ 2º Considera-se dependente o definido como tal na Lei Orgânica da Previdência Social e legislação posterior em relação aos segurados do Sistema Geral de Previdência Social.
Já o Decreto 83.080/1979 determinava em seu art. 297, que a aposentadoria por velhice era devida ao cônjuge masculino e ao cônjuge feminino que fossem chefes da unidade familiar, desde que preenchidos os requisitos estabelecidos nas alíneas "a" e "b" do §3º:
Art. 297. A aposentadoria por velhice é devida, a contar da data da entrada do requerimento, ao trabalhador rural que completa 65 (sessenta e cinco) anos de idade e é o chefe ou arrimo de unidade familiar, em valor igual ao da aposentadoria por invalidez (art. 294).
(...).
§ 3º. Para efeito desse artigo considera-se:
I - unidade familiar, o conjunto das pessoas que vivem total ou parcialmente sob a dependência econômica de um trabalhador rural, na forma do item III do art. 275;
II - chefe da unidade familiar:
a) o cônjuge do sexo masculino, ainda que casado apenas segundo o rito religioso, sobre o qual recai a responsabilidade econômica pela unidade familiar;
b) o cônjuge do sexo feminino, nas mesmas condições da letra "a", quando dirige e administra os bens do casal nos termos do art. 251 do Código Civil, desde que o outro cônjuge não receba aposentadoria por velhice ou invalidez; (grifei)
III - arrimo da unidade familiar, na falta do respectivo chefe, o trabalhador rural que faz parte dela e a quem cabe, exclusiva ou preponderantemente, o encargo de mantê-la, estendendo-se, igualmente nessa condição a companheira, se for o caso, desde que o seu companheiro não receba aposentadoria por invalidez.
§ 4º Omissis;
§ 5º A aposentadoria por velhice é também devida a o trabalhador rural que não faz de qualquer familiar nem tem dependentes.
Portanto, com base na legislação então vigente (anterior à Constituição de 1988), conclui-se que, nos casos de aposentadoria por velhice de trabalhador rural, só faria jus à ao benefício se o requerente fosse chefe ou arrimo de família.
No entanto, resta mantida a exigência para concessão de aposentadoria por rural por idade que o instituidor ou instituidora do benefício fosse chefe ou arrimo de família. Não há discriminação nesse ponto, pois o requisito era exigido para os dois sexos, não sendo considerados segurados todos os componentes do grupo familiar, como hoje ocorre.
Estampa a jurisprudência desta Corte:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADORA RURAL COMO BOIA-FRIA. APOSENTADORIA POR VELHICE. REGRAMENTO ANTERIOR. LEI COMPLEMENTAR N.º 11/71. QUALIDADE DE SEGURADA ESPECIAL NÃO COMPROVADA. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. 1. A concessão de aposentadoria por velhice a trabalhador rural, nos moldes da LC n.º 11/71, ordenamento que precedeu a Lei n.º 8.213/91, exige a comprovação de que, durante a sua vigência, a parte autora trabalhava individualmente, sem família e sem dependentes (art. 3º, § 1º, alínea "b") ou detinha a condição de chefe ou arrimo de família (art. 4º, § único). Já a concessão de aposentadoria rural por idade, nos termos da Lei n.º 8.213/91, somente é possível quando demonstrada a efetiva prática campesina no período imediatamente anterior à data de implemento do requisito etário, do requerimento administrativo ou do ajuizamento do feito. 2. Não restando comprovado nos autos o exercício da atividade laborativa rural no período de carência, não faz jus a parte autora à aposentadoria por idade rural. (TRF4, AC 0000179-96.2016.404.9999, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, D.E. 15/04/2016) (grifei)
EMENTA: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. CARÊNCIA NÃO CUMPRIDA. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. IMPOSSIBILIDADE. SEGURADA NÃO CONFIGURADA COMO CHEFE OU ARRIMO DE FAMÍLIA. 1. A aposentadoria do trabalhador rural por idade, no regime anterior à lei 8.213/91 é devida ao homem e, excepcionalmente à mulher, quando na condição de chefe ou arrimo de família (art. 297 do Decreto 83.080/79). 2. Se não há prova nos autos de que a segurada era chefe ou arrimo de família, não há direito à aposentadoria rural por idade, uma vez que abandonou as lidas rurais quando do óbito do marido, e em período anterior ao preenchimento do quesito etário. Comprovado labor somente em período anterior à Lei 8.231/91. (TRF4, AC 0018286-28.2015.404.9999, QUINTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, D.E. 14/04/2016) (grifei)
Destarte, de acordo com a tabela do art. 142 da referida lei, tomado como base o ano de 1991, deve ser comprovado o trabalho rurícola nos 60 meses anteriores ao início da vigência da lei 8.213/91 (24/07/1986 - 24/07/1991), ou ainda, nos períodos intermediários, mesmo que de forma descontínua, conforme previsto no artigo 143.
Do caso concreto
Para a comprovação do trabalho rural, foram apresentados os seguintes documentos:
- Certidão de casamento, ocorrido em 23/02/1952, datada de 16/07/2008, na qual o cônjuge da autora foi qualificado como agricultor (fls. 13);
- Certidão de óbito de Marcelino Roque Rubin, cônjuge da autora, datada de 19/05/2003, na qual ele foi qualificado como agricultor (fls. 14);
- Carta de concessão/ memória de cálculo referente à pensão por morte, da qual a autora é beneficiária, datada de 27/05/2003 (fls. 15);
- Notas fiscais de entrada/produtor rural, emitidas em nome da autora e de seu cônjuge, datadas de 27/11/2002, 15/08/2002, 10/04/2002 (fls. 17/22);
- Certidão emitida pelo Registro de Imóveis do município de Cachoeira do Sul, datada de 09/07/1964, na qual consta que em 10/02/1957 o cônjuge da autora adquiriu uma parte de terras no município de Agudo (fls. 23/25);
- Declaração emitida pelo Secretário da Fazenda do município de Agudo, datada de 17/10/2006, informando que o cônjuge da autora estava cadastrado como produtor rural desde 12/02/1996, na localidade Estrada Várzea do Agudo (fls. 25);
- Documento de cadastramento/alteração de pessoa física, datado de 27/05/2003, no qual consta que autora está cadastrada como segurada especial desde 08/10/1997 (fls. 26);
- Certificado de cadastro e guia de pagamento de ITR, emitido em nome do cônjuge da autora, relativo ao exercício de 1990 (fls. 42);
- Notificações/comprovantes de pagamento de ITR, emitidos em nome do cônjuge da autora, relativos aos exercícios de 1991, 1992, 1993, 1994, 1995 (fls. 43/44);
- Documento de arrecadação de receitas federais, com vencimento em 18/02/1991, emitido em nome do cônjuge da autora, relativo à multa do INCRA (fls. 45);
- Notas fiscais de entrada/produtor rural, emitidas em nome da autora e de seu cônjuge, datadas de 12/04/1996, 15/07/1997, 29/10/1998, 01/12/1998, 08/12/1999, 02/02/2000, 16/01/2001, 10/01/2002 (fls. 46/61);
- Informações de benefício, datada de 27/05/2003, na qual consta que o cônjuge da autora recebia aposentadoria por velhice - trabalhador rural desde 11/10/1990 (fls. 32).
A parte autora não foi ouvida em juízo.
A prova testemunhal corrobora a pretensão exposta na inicial, uma vez que as testemunhas foram uníssonas em confirmar que a parte autora trabalhava nas lides rurais.
Transcrevo abaixo o depoimento da testemunha Reneu Dalcin (fls. 130/131):
"Informante: Reneu Dalcin, casado, agricultor, residente e domiciliado em Agudo, RS. Ouvido como informante, aos costumes disse: que frequentava a casa da autora.
Juiz: O senhor foi vizinho dela lá na Várzea do Agudo?
Informante: Mais ou menos 400 metros de distância.
Juiz: Ari José Migoto o senhor conhece?
Informante: Conheço.
Juiz: Era vizinho lá também?
Informante: Também, mas mais uns 500 metros além da minha lavoura.
Juiz: O seu Ari morava lá?
Informante: Morava.
Juiz: E a dona Célia também?
Informante: Também.
Juiz: Continua morando lá?
Informante: Não, a dona Célia veio pra cidade.
Juiz: Quando ela veio pra cidade?
Informante: Faz uns 15 anos eu acho.
Juiz: E seu Ari?
Informante: Mora em Dona Francisca.
Juiz: Quando ele saiu de lá?
Informante: Faz uns 20 anos eu acho.
Juiz: Ele mantém as terras lá na Várzea do Agudo.
Informante: Mantém.
Juiz: E a dona Célia?
Informante: Também, o filho dela que trabalha lá.
Juiz: Desde quando que o filho dela trabalha nessas terras?
Informante: Sempre trabalhou, depois que ela veio pra cidade ele tomou conta.
Juiz: E quando ela morava lá, ela trabalhava na terra?
Informante: Trabalhava.
Juiz: O que eles faziam lá?
Informante: Agricultura era tudo manual lá na época, então era tudo que tipo de trabalho.
Juiz: O que eles plantavam?
Informante: Arroz, fumo, milho, na horta.
Juiz: Tinham maquina?
Informante: Não, era tudo manual.
Juiz: Nunca tiveram?
Informante: Naquela época não existia máquina.
Juiz: E o marido da dona Célia o senhor conheceu?
Informante: Conheci.
Juiz: Ele trabalhava?
Informante: Trabalhava.
Juiz: Trabalhava no que?
Informante: Na lavoura.
Juiz: Ela trabalhava na lavoura ou ficava mais em casa?
Informante: Ela tinha uma família bastante grande, daí ela cuidava os filhos e quando dava ia na lavoura.
Juiz: E o marido dela sempre na lavoura?
Informante: Sempre, o pessoal vive lá da agricultura.
Juiz: Pela Parte Autora.
Pela Parte Autora: O senhor sabe quantos hectares é essa propriedade?
Informante: Deve ser de 15 a 16, porque a área é pequena.
Pela Parte Autora: Na região ali é natural a pessoa manter a propriedade e morar na cidade mais próxima?
Informante: É normal.
Pela Parte Autora: O senhor mantém a sua propriedade?
Informante: Mantenho até hoje.
Pela Parte Autora: Teve um período que a dona Célia e seu esposo eles iam lá trabalhar?
Informante: Iam.
Pela Parte Autora: Daqui pra lá?
Informante: Também.
Pela Parte Autora: Depois ele adoeceu e ela também, daí não foram mais.
Informante: Ele chegou ser aposentado como agricultor?
Pela Parte Autora: Ele era aposentado.
Juiz: Ele tá vivo?
Informante: Não.
Juiz: Quando ele faleceu?
Informante: Faz uns 4, 5 anos por aí.
Pela Parte Autora: A dona Célia tinha quantos filhos?
Informante: 10 ou 11 filhos.
Pela Parte Autora: E na propriedade só trabalha um filho?
Informante: É só um.
Pela Parte Autora: E essa área é cultivada quantos porcentos, 90%?
Informante: 90% mais ou menos.
Informante: O senhor disse que só trabalha um filho dela lá hoje?
Informante: Que comanda lá sim.
Informante: E a área é pequena?
Informante: É pequena.
Juiz: Então como antes trabalhavam 11 pessoas nessa área?
Informante: Mas antigamente era.
Pela Parte Autora: O filho da dona Célia o senhor sabe se a propriedade passou para o nome dele, se é dela, se dá porcentagem?
Informante: Ele deve pagar porcentagem eu acho.
Pela Parte Autora: Lá os filhos ficam e dão porcentagem para os pais?
Informante: Sim, quando minha mãe ficou viúva eu plantava e pagava porcentagem pra ela.
Pela Parte Autora: Quantos anos o senhor conhece ela?
Informante: Desde quinze anos.
Pela Parte Autora: Com quantos anos o senhor está?
Informante: 68 anos.
Pela Parte Autora: Quantos anos o senhor mora aqui na cidade?
Informante: Eu casei e vim morar na cidade porque minha esposa é professora, então faz uns 33 anos mais ou menos?
Pela Parte Autora: Nesse período que o senhor mora na cidade, alguma vez o senhor viu a dona Célia trabalhando na cidade como doméstica, como faxineira?
Informante: Não.
Pela Parte Autora: Antes sempre foi agricultora?
Informante: Sempre.
Pela Parte Autora: Então esses últimos anos que ela está doente que ela entregou para o filho?
Informante: Sim.
Pela Parte Autora: Nada mais.
Juiz: Eles tinham empregados quando trabalhavam com a família?
Informante: Ninguém tinha empregado, o agricultor fazia com a família.
Juiz: Lava roupa em casa era ela?
Informante: Cuidava a horta, plantava, criação de galinha.
Juiz: Mas ela?
Informante: Cuidava dos filhos e ia à lavoura.
Juiz: Nada mais."
Abaixo, transcrevo o depoimento do informante Ari José Migotto (fls. 130/131):
"Informante: Ari José Migotto, casado, agricultor, residente e domiciliado na Rua Arthur da Costa Silva, Dona Francisca/RS. Ouvido como informante.
Juiz: O senhor conhece a dona Célia da onde?
Informante: Nós éramos vizinhos, moravam 700 metros longe, onde passava a estrada antiga.
Juiz: Em Dona Francisca?
Informante: Não, na Várzea do Agudo.
Juiz: O senhor disse que tinha bastante contato com ela e deixou de ter é isso?
Informante: Depois que ela veio morar no Agudo?
Juiz: Aqui no centro?
Informante: Sim ela tá morando em Agudo agora.
Juiz: O senhor sabe onde ela mora aqui?
Informante: Mora logo acima da prefeitura.
Juiz: Perto da prefeitura?
Informante: É.
Juiz: Desde quando que ela mora ali?
Informante: Desde..., bom ali eu não sei, faz mais de vinte anos que ela mora ali.
Juiz: Perto da prefeitura?
Informante: É.
Juiz: Pela Parte Autora.
Parte Autora: O senhor disse que era vizinho de propriedade de dona Célia?
Informante: A gente é vizinho..., porque a gente se conhece a vida inteira, mas é 700, 800 metros longe, mas é que é estrada antiga, e nós brincava, nós éramos guris ainda, ela passava, a casa ficava bem perto.
Parte Autora: Nessa região que a dona Célia tem propriedade os outros herdeiros dela ali naquela região ali da Várzea do Agudo onde é que tem as propriedades, tem a Várzea e a Dona Francisca ali, ali os donos das terras eles plantam e moram em Dona Francisca ou Agudo?
Informante: É, eu também moro em Dona Francisca e planto na Várzea do Agudo.
Parte Autora: Ali as propriedades são utilizadas praticamente 100%?
Informante: Quase 100%.
Parte Autora: Então ali naquela região,mesmo desenvolvendo atividade rural, como agricultor, indo lá trabalhar, os proprietários moram no município mais próximo, uns em Dona Francisca outros em Agudo?
Informante: Isso.
Parte Autora: No caso da dona Célia, mesmo morando aqui na cidade, ela trabalhava lá na propriedade da família dela, sempre trabalhou lá?
Informante: Sim, sempre trabalhou lá.
Parte Autora: Essa propriedade é mais ou menos de quantos hectares?
Informante: 16 hectares, me parece.
Parte Autora: Agora que a Dona Célia tá doente, tá ruim, quem que toca a propriedade dela?
Informante: O Marcelino Burin?
Parte Autora: O filho dela?
Informante: É.
Parte Autora: O senhor sabe como é que funciona lá, se ela deu toda terra, se ele dá porcentagem para ela?
Informante: Eu sei que ele planta lá, mas esse negócio de porcentagem eu não sei.
Juiz: Desde quando ele planta lá?
Informante: Seu Marcelino?
Juiz: É.
Informante: Faz anos já, exatos quantos anos eu não posso dizer.
Juiz: Desde que a dona Célia veio para cá?
Informante: Sim, antes ainda.
Juiz: Ele já plantava lá?
Informante: Plantava, sempre plantou.
Parte Autora: Ele sempre trabalhou junto com os pais?
Informante: Sim.
Parte Autora: O filho dela, nunca saiu lá da propriedade, foi o único que permaneceu lá?
Informante: Sempre.
Parte Autora: Sempre trabalhou quando o pai estava vivo e agora que a mãe tá doente, ele sempre que administrou a propriedade?
Informante: É.
Parte Autora: Quantos irmãos eles são?
Informante: 11 irmãos.
Parte Autora: Eles tinham empregados lá na propriedade?
Informante: Não, com uma família grande dessa.
Parte Autora: E mesmo agora que está sendo administrado pelo filho, ele tem empregados lá?
Informante: Não.
Parte Autora: É tudo feito por ele e pela família?
Informante: Sim.
Parte Autora: Quando a dona Célia e o esposo administravam diretamente a propriedade, eles tinham empregado?
Informante: Não, não tinham.
Parte Autora: Maquinário?
Informante: Tinha um tratorzinho.
Parte Autora: Alguma vez o senhor viu a dona Célia fazendo outra atividade ou teve conhecimento, alguém lhe falou, que ela teve outra atividade que não fosse a exploração dessa pequena propriedade lá?
Informante: Não, ela sempre trabalha na lavoura, naquela época tava...., na lavoura ou cozinheira, fazendo alimentos para os filhos.
Parte Autora: Nada mais.
Juiz: E o senhor trabalha no que mesmo?
Informante: No arroz.
Juiz: Planta arroz?
Informante: Sim.
Juiz: Quem é que planta lá, só o senhor?
Informante: Eu planto arroz, eu tinha um descascador de arroz e tenho um secador também.
Juiz: Onde é que ficam essas terras?
Informante: Aqui na Várzea do Agudo, pertence a Agudo, mas fica bem pertinho de Dona Francisca, atravessa o rio, em frente ao porto.
Juiz: O senhor tem algum processo contra o INSS?
Informante: Eu tenho...., eu to aposentado mas eu to com um processo na Defensoria Pública, (...) eu quero (...) trinta e quatro anos e dezessete meses e o cara lá no INSS. Aqueles carnês eu paguei trinta e cinco anos e dois meses, então teria 100% e me negaram, aí eu fiz um acerto lá com eles, tiraram 20% também..., mas tá correndo o processo.
Juiz: A sua aposentadoria o senhor conseguiu com o processo?
Informante: Sim, o benefício sim.
Juiz: Teve que entrar com um processo, para conseguir um benefício?
Informante: Sim.
Juiz: Nada mais."
Diante disso, não há nada que afaste a presunção, ou que impeça inferir-se, que ambos, marido e mulher, trabalhavam em igualdade de condições para o sustento da família. Interpretação diversa, dadas essas circunstâncias, incorreria em não observância da proibição de discriminação por motivo de gênero (já vigente na Constituição Federal de 1967/1969), cujo conteúdo não se limita a impor tratamento isonômico entre os sexos, mas também exige que o intérprete não presuma, na ausência de elemento contrário, a subordinação de um sexo em relação ao outro, mormente quando se trata de decidir sobre proteção social.
Da análise do conjunto probatório, conclui-se que os documentos juntados constituem início de prova material, para o que, consideradas as peculiaridades do trabalho na agricultura, não se pode exigir que sejam apenas por si mesmos conclusivos ou suficientes para a formação de juízo de convicção. É aceitável que a prova contenha ao menos uma indicação segura de que o fato alegado efetivamente ocorreu, vindo daí a necessidade de sua complementação pela prova oral, a qual, como se viu, confirmou de modo coerente e preciso o trabalho rural da parte autora, razão porque a sentença deve ser reformada pela Turma.
Da Prescrição
Em se tratando de obrigação de trato sucessivo e de verba alimentar, não há falar em prescrição do fundo de direito. Contudo, são atingidas pela prescrição as parcelas vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação, conforme os termos do parágrafo único do art. 103 da Lei nº 8.213/91 e da Súmula 85/STJ.
No caso em tela, considerando que o benefício é devido a contar de 31/01/2002 e que a ação foi ajuizada em 01/12/2008, estão prescritas as parcelas anteriores a 01/12/2003.
Correção Monetária e Juros de mora
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente definidos por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que seja diferida a solução definitiva para a fase de cumprimento do julgado, em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101, 3ª Turma, julgado em 01-06-2016 e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a solução em definitivo acerca dos critérios de correção, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
A fim de evitar novos recursos, inclusive na fase de cumprimento de sentença, e anteriormente à solução definitiva pelo STF sobre o tema, a alternativa é que o cumprimento do julgado se inicie, adotando-se os índices da Lei 11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo-se para momento posterior ao julgamento pelo STF a decisão do juízo sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas, acaso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação, e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009.
Das custas
Havendo o feito tramitado perante a Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, o INSS está isento do pagamento de custas, mas obrigado ao pagamento de eventuais despesas processuais, consoante o disposto no art. 11 da Lei Estadual n. 8.121/85, na redação dada pela Lei n. 13.471, de 23 de junho de 2010.
Dos honorários
Os honorários advocatícios são devidos pelo INSS no percentual de 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforma a sentença de improcedência, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça e Súmula nº 76 deste TRF.
Da implantação do benefício
A Terceira Seção desta Corte, ao julgar a Questão de Ordem na Apelação Cível nº 2002.71.00.050349-7, firmou entendimento no sentido de que, nas causas previdenciárias, deve-se determinar a imediata implementação do benefício, valendo-se da tutela específica da obrigação de fazer prevista no art. 461 do CPC/1973, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537 do CPC/2015, independentemente de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário (QUOAC 2002.71.00.050349-7, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 01/10/2007).
Em razão disso, sendo procedente o pedido, o INSS deverá implantar o benefício concedido no prazo de 45 dias, consoante os parâmetros acima definidos, sob pena de multa.
Cumpre, também, esclarecer que, no caso da parte já receber outro benefício previdenciário, nada impede que, em face de sua natureza de verba de subsistência, o novo benefício seja implantado imediatamente.
Em homenagem aos princípios da celeridade e da economia processual, tendo em vista que o INSS vem opondo embargos de declaração sempre que determinada a implantação imediata do benefício, alegando, para fins de prequestionamento, violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC/1973, e 37 da CF/1988, esclareço que não se configura a negativa de vigência a tais dispositivos legais e constitucionais. Isso porque, em primeiro lugar, não se está tratando de antecipação ex officio de atos executórios, mas, sim, de efetivo cumprimento de obrigação de fazer decorrente da própria natureza condenatória e mandamental do provimento judicial; em segundo lugar, não se pode, nem mesmo em tese, cogitar de ofensa ao princípio da moralidade administrativa, uma vez que se trata de concessão de benefício previdenciário determinada por autoridade judicial competente.
Conclusão
O apelo da parte autora resta provido para o fim de conceder o benefício de aposentadoria por idade rural, na qualidade de segurada especial, a partir da data do requerimento administrativo (31/01/2002), observando-se a prescrição das parcelas anteriores à 01/12/2003.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora, determinando a imediata implantação do benefício.
É o voto.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 07/03/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0021872-10.2014.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00112311320088210154
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Juarez Mercante |
APELANTE | : | CELIA ROSSO BURIN |
ADVOGADO | : | Arlei Vitorio Steiger |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 07/03/2017, na seqüência 107, disponibilizada no DE de 14/02/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, DETERMINANDO A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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