| D.E. Publicado em 24/01/2017 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0020409-04.2012.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | MARIA AGNESE THUMS sucessão |
ADVOGADO | : | Jaime Valduga Gabbardo e outros |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. REGIME ANTERIOR À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. SEGURADO ESPECIAL. TEMPUS REGIT ACTUM. LC 11/71. DECRETO 83.080/79. APLICABILIDADE. SUPERVENIÊNCIA DO ÓBITO DO AUTOR. DIREITO DOS HERDEIROS AOS VALORES ATRASADOS. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. DIFERIMENTO. TUTELA ESPECÍFICA.
. Satisfeitos os requisitos legais de idade mínima e prova do exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência, é devida a aposentadoria rural por idade.
. Considera-se provada a atividade rural do segurado especial havendo início de prova material complementado por idônea prova testemunhal.
. No regime anterior à Lei 8.213/91 (Lei Complementar 11/71 ou do Decreto 83.080/79) a mulher rurícola só era considerada segurada especial da Previdência Social se fosse chefe ou arrimo da família, em flagrante contradição com o comando constitucional inserto no art. 5º, inciso I, que prevê a plena igualdade de direitos entre homens ou mulheres, sejam eles chefes do núcleo familiar ou não.
. A possibilidade de concessão de aposentadoria por idade rural à autora decorre da não-recepção da exigência posta na legislação anterior, de cumprir a condição de chefe ou arrimo de família.
. Em razão da superveniência do óbito da requerente, deve ser concedido o benefício a partir da data do ajuizamento da ação, garantindo-se aos herdeiros o recebimento dos valores atrasados até a data do falecimento da parte autora.
. A definição dos índices de correção monetária e juros de mora deve ser diferida para a fase de cumprimento do julgado.
. Havendo o feito tramitado perante a Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, o INSS está isento do pagamento de custas, consoante o disposto no art. 11 da Lei Estadual n. 8.121/85, na redação dada pela Lei n. 13.471, de 23 de junho de 2010.
. O cumprimento imediato da tutela específica independe de requerimento expresso do segurado ou beneficiário, e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC/1973, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537 do CPC/2015.
. A determinação de implantação imediata do benefício, com fundamento nos artigos supracitados, não configura violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC e 37 da Constituição Federal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora, determinando a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 13 de dezembro de 2016.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8691776v5 e, se solicitado, do código CRC 73647088. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Roger Raupp Rios |
| Data e Hora: | 13/12/2016 18:33 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0020409-04.2012.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | MARIA AGNESE THUMS sucessão |
ADVOGADO | : | Jaime Valduga Gabbardo e outros |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação contra sentença que julgou improcedente o pedido de aposentadoria por idade rural, e que condenou a parte autora a pagar as custas processuais e honorários advocatícios, de 50% sobre o valor total da causa. Foi suspensa a execução da referida verba sucumbencial, em face da assistência judiciária gratuita concedida.
Em suas razões, sustenta a parte autora que faz jus ao benefício postulado, porque provou ter exercido a atividade rural no período de carência por meio de início de prova material, corroborada por prova testemunhal.
Apresentadas as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
Foi juntada petição às fls. 166/167, requerendo a habilitação dos herdeiros, em razão do falecimento da autora ocorrido em 03/03/2013, conforme certidão de óbito juntada às fls. 168.
Foram juntados os documentos dos filhos da autora Hélio Antônio Sangalli, Paulino José Sangalli, Idalina Libera Trevisan e Terezinha Sangalli de Souza, às fls. 166/180 e 185/188.
O INSS foi intimado para dizer sobre o pedido de habilitação de sucessores e regularização do pólo ativo da demanda (fls. 189), e sua manifestação foi juntada às fls. 191/192.
A habilitação dos herdeiros foi homologada, e determinada a substituição do pólo ativo da demanda, passando a constar sucessão de Maria Agnese Thums.
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças/acórdãos publicado(a)s a contar do dia 18/03/2016.
Da ordem cronológica dos processos
Dispõe o art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).
Dessa forma, deverão ter preferência de julgamento em relação àqueles processos que estão conclusos há mais tempo, aqueles feitos em que esteja litigando pessoa com mais de sessenta anos (idoso, Lei n. 10.741/2013), pessoas portadoras de doenças indicadas no art. 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/88, as demandas de interesse de criança ou adolescente (Lei n. 8.069/90) ou os processos inseridos como prioritários nas metas impostas pelo CNJ.
Observado que o caso presente se enquadra em uma das hipóteses referidas (preferências legais), justifica-se seja proferido julgamento fora da ordem cronológica de conclusão.
Da aposentadoria rural por idade
São requisitos para a concessão de aposentadoria rural por idade, no valor de um salário mínimo, a trabalhador qualificado como segurado especial, nos termos do art. 11, VII, da Lei nº 8.213/91: (a) idade mínima (60 anos para homens e 55 para mulheres) e (b) exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao da carência de 180 meses (arts. 39, I, 48, §§1º e 2º, e 25, II da Lei nº 8.213/91), independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias.
Quanto à carência, há regra de transição para os segurados obrigatórios previstos no art. 11, I,"a", IV ou VII: (a) o art. 143 da Lei de Benefícios assegurou "aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência no referido benefício"; b) o art. 142 previu tabela específica de prazos diferenciados de carência, conforme o ano de implementação das condições para a aposentadoria por idade, por tempo de serviço e especial, "para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural".
Assim, àqueles filiados à Previdência quando da edição da Lei nº 8.213/91 que implementarem o requisito idade até quinze anos após a vigência desse dispositivo legal (24-7-2006), não se lhes aplica o disposto no art. 25, II, mas a regra de transição antes referida.
Na aplicação da tabela do art. 142, o termo inicial para o cômputo do tempo de atividade rural é o ano em que o segurado completou a idade mínima, desde que já disponha de tempo suficiente para o deferimento do pedido, sendo irrelevante que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CF/88 e art. 102, §1º, da Lei nº 8.213/91).
Na hipótese de insuficiência de tempo de exercício de atividade rural ao completar a idade mínima, a verificação do tempo equivalente à carência não poderá mais ser feita com base no ano em que atingida a idade mínima, mas a partir de sua implementação progressiva, nos anos subseqüentes à satisfação do requisito etário, de acordo com a tabela do art. 142 da Lei de Benefícios.
Caso o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31-8-1994 (data da publicação da Medida Provisória nº 598, que alterou a redação original do art. 143 referido, posteriormente convertida na Lei nº 9.063/95), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei n° 8.213/91.
A disposição contida no art. 143 da Lei 8.213, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado; ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, §1º, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima.
O benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo; ou, inexistente este, da data do ajuizamento da ação, conforme modulação contida no julgamento do RE 631.240.
Da comprovação do tempo de atividade rural
O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, salvo caso fortuito ou força maior. Tudo conforme o art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91 e reafirmado na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário).
Nesse contexto probatório: (a) a lista dos meios de comprovação do exercício da atividade rural (art. 106 da Lei de Benefícios) é exemplificativa, em face do princípio da proteção social adequada, decorrente do art. 194 da Constituição da República de 1988; (b) não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, sendo suficientes documentos que, juntamente com a prova oral, possibilitem juízo conclusivo quanto ao período de labor rural exercido; (c) certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora (REsp n.º 980.065/SP, DJU, Seção 1, 17-12-2007; REsp n.º 637.437/PB, DJU, Seção 1, de 13-09-2004; REsp n.º 1.321.493-PR, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.); (d) quanto à contemporaneidade da prova material, inexiste justificativa legal, portanto, para que se exija tal prova contemporânea ao período de carência, por implicar exigência administrativa indevida, impondo limites que não foram estabelecidos pelo legislador.
As certidões da vida civil, documentos admitidos de modo uníssono pela jurisprudência como início probatório de atividade rural, no mais das vezes, registram fatos muito anteriores à implementação da idade de 55 ou 60 anos, e fora dos prazos constantes do art. 142 da Lei 8.213/91. O período de carência, em se tratando de aposentadoria por idade rural, correspondente a estágio da vida do trabalhador em que os atos da vida passíveis de registro cartorário, tais como casar, ter filhos, prestar serviço militar, ou inscrever-se como eleitor, foram praticados muito antes do início do marco para a contagem da carência prevista para tal benefício.
Nesse sentido, a consideração de certidões é fixada expressamente como orientação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ, 3ª Seção, REsp 1.321.493-PR, procedimento dos recurso repetitivos, j.10/10/2012). Concluiu-se imprescindível a prova material para fins previdenciários, ainda que o labor tenha sido exercido à margem da formalidade, cabendo às instâncias ordinárias a verificação da condição de trabalhador:
"E, nesse aspecto, por mais que o trabalho seja informal, é assente na jurisprudência desta Corte que há incontáveis possibilidades probatórias de natureza material. Por exemplo, ainda que o trabalho tenha sido informal, constatando-se que o segurado tem filhos ou é casado, devem ser juntadas certidões de casamento e de nascimento, o que deve ser averiguado pelas instâncias ordinárias."
De todo o exposto, consideradas as notórias e por vezes insuperáveis dificuldades probatórias do segurado especial, é dispensável a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por prova testemunhal, nada impedindo que sejam contemplados os documentos extemporâneos ou emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.
Ademais, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
Registre-se, por fim, que, em se tratando de aposentadoria por idade rural, tanto os períodos posteriores ao advento da Lei 8.213/91 como os anteriores podem ser considerados sem o recolhimento de contribuições. Quanto à Carteira de Identificação e Contribuição, prevista no art. 106 da Lei 8.213/91 como necessária à comprovação do exercício de atividade rural a partir de 16.04.94, trata-se de documento voltado principalmente à esfera administrativa, sendo instrumento que visa a facilitar futura concessão de benefício ou reconhecimento de tempo de serviço e cuja expedição, via de regra, ocorre após a comprovação junto à entidade pública das alegadas atividades agrícolas. Uma vez expedida, é instrumento hábil, por si só, àquela comprovação. Todavia, a inexistência do referido documento não obsta ao segurado demonstrar sua condição de segurado especial por outros meios, mormente no âmbito judicial. Se a parte autora tivesse CIC expedida em seu nome não necessitaria postular o benefício em juízo, pois com base nesse documento é de supor-se que o próprio INSS já o concederia administrativamente, porque assim prevê a Lei de Benefícios.
Da prova da atividade rural prestada como boia-fria
No caso de exercício de trabalho rural caracterizado por sua notória informalidade, comprometendo a prova da atividade e, por conseguinte, a obtenção do benefício previdenciário, a jurisprudência pacificada por esta Corte era no sentido de abrandar a exigência relativa ao início de prova material, admitindo, até mesmo, em situações extremas, a comprovação da atividade exclusivamente por meio de prova testemunhal.
Todavia, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento, em 10-10-2012, do Resp nº 1.321.493/PR, representativo de controvérsia, firmou o entendimento de que se aplica também aos trabalhadores boias-frias a Súmula 149 daquela Corte. Sobressai do julgado que o rigor na análise do início de prova material para a comprovação do labor rural do boia-fria, diarista ou volante, deve ser mitigado, de sorte que o fato de a reduzida prova documental não abranger todo o período postulado não significa que a prova seja exclusivamente testemunhal quanto aos períodos faltantes. Assim, devem ser consideradas as dificuldades probatórias do segurado especial, sendo prescindível a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por robusta prova testemunhal.
Cumpre salientar, também, que, muitas vezes, a Autarquia Previdenciária alega que os depoimentos e informações tomados na via administrativa apontam para a ausência de atividade agrícola no período de carência. Quanto a isso, deve ser dito que as conclusões a que chegou o INSS no âmbito administrativo devem ser corroboradas pelo conjunto probatório produzido nos autos judiciais. Existindo conflito entre as provas colhidas na via administrativa e em juízo, deve-se optar pelas últimas, produzidas que são com todas as cautelas legais, garantido o contraditório.
Da prova da atividade em regime de economia familiar
O §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família o exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do art. 11, VII da Lei 8.213/91, que define o segurado especial. Mesmo o fato de constar a qualificação empregador II b nos respectivos recibos de ITR não implica a condição de empregador rural. Ocorre que a simples qualificação no documento não desconfigura a condição do trabalho agrícola em regime de economia familiar, como se pode ver da redação do artigo 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71.
Importante ainda ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não é "per se stante" para descaracterizar a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/91, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo; ou seja, ainda que considerado como trabalhador rural individual, sua situação encontra guarida no permissivo legal referido, sendo certo também que irrelevante a remuneração percebida pelo cônjuge, que não se comunica ou interfere com os ganhos oriundos da atividade agrícola.
Do tempo rural do segurado especial a partir dos 12 anos de idade
No tocante à possibilidade do cômputo do tempo rural na qualidade de segurado especial a partir dos 12 anos de idade, a Terceira Seção desta Corte ao apreciar os Embargos Infringentes em AC n.º 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, na sessão de 12-03-2003, firmou entendimento no sentido da possibilidade do cômputo do tempo de serviço laborado em regime de economia familiar a partir dessa idade, na esteira de iterativa jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, tendo recentemente a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o AI n.º 529.694/RS, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, com decisão publicada no DJU de 11-03-2005, reconhecido o tempo de serviço agrícola ao menor de quatorze anos, não merecendo tal questão maiores digressões.
Do regime anterior à Lei n.º 8.213/91
A autora ajuizou a presente ação em 09/09/2009 (fls. 02), na condição de trabalhadora rural, tendo implementado o requisito etário de 55 anos em 20/06/1978, já que nascida em 20/06/1923 (fls. 16), portanto, na vigência de regime anterior ao da Lei n.º 8.213/91, à luz do qual se impõe examinar a existência do direito postulado. Verifica-se que a autora não requereu administrativamente o benefício de aposentadoria por idade rural em 04/11/2008 (fls. 13), o qual foi indeferido.
A concessão do benefício previdenciário rege-se pela norma vigente ao tempo em que o beneficiário preenchia as condições exigidas para tanto, em conformidade com o princípio tempus regit actum.
A Lei Complementar n.º 11/71, estabelece em seu art. 2º que entre os benefícios concedidos no âmbito do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (Prorural) está a aposentadoria por velhice a trabalhador rural, definindo no art. 3º os beneficiários do programa, verbis:
Art. 2º O Programa de Assistência ao Trabalhador Rural consistirá na prestação dos seguintes benefícios:
I - aposentadoria por velhice;
II - aposentadoria por invalidez;
III - pensão;
IV - auxílio-funeral;
V - serviço de saúde;
VI - serviço de social.
Art. 3º São beneficiários do Programa de Assistência instituído nesta Lei Complementar o trabalhador rural e seus dependentes.
§ 1º Considera-se trabalhador rural, para os efeitos desta Lei Complementar:
a) a pessoa física que presta serviços de natureza rural a empregador, mediante remuneração de qualquer espécie.
b) o produtor, proprietário ou não, que sem empregado, trabalhe na atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido o trabalho dos membros da família indispensável à própria subsistência e exercido em condições de mutua dependência e colaboração.
§ 2º Considera-se dependente o definido como tal na Lei Orgânica da Previdência Social e legislação posterior em relação aos segurados do Sistema Geral de Previdência Social.
Já o Decreto 83.080/1979 determinava em seu art. 297, que a aposentadoria por velhice era devida ao cônjuge masculino e ao cônjuge feminino que fossem chefes da unidade familiar, desde que preenchidos os requisitos estabelecidos nas alíneas "a" e "b" do §3º:
Art. 297. A aposentadoria por velhice é devida, a contar da data da entrada do requerimento, ao trabalhador rural que completa 65 (sessenta e cinco) anos de idade e é o chefe ou arrimo de unidade familiar, em valor igual ao da aposentadoria por invalidez (art. 294).
(...).
§ 3º. Para efeito desse artigo considera-se:
I - unidade familiar, o conjunto das pessoas que vivem total ou parcialmente sob a dependência econômica de um trabalhador rural, na forma do item III do art. 275;
II - chefe da unidade familiar:
a) o cônjuge do sexo masculino, ainda que casado apenas segundo o rito religioso, sobre o qual recai a responsabilidade econômica pela unidade familiar;
b) o cônjuge do sexo feminino, nas mesmas condições da letra "a", quando dirige e administra os bens do casal nos termos do art. 251 do Código Civil, desde que o outro cônjuge não receba aposentadoria por velhice ou invalidez; (grifei)
III - arrimo da unidade familiar, na falta do respectivo chefe, o trabalhador rural que faz parte dela e a quem cabe, exclusiva ou preponderantemente, o encargo de mantê-la, estendendo-se, igualmente nessa condição a companheira, se for o caso, desde que o seu companheiro não receba aposentadoria por invalidez.
§ 4º Omissis;
§ 5º A aposentadoria por velhice é também devida a o trabalhador rural que não faz de qualquer familiar nem tem dependentes.
Portanto, com base na legislação então vigente (anterior à Constituição de 1988), conclui-se que, nos casos de aposentadoria por velhice de trabalhador rural, só faria jus à ao benefício se o requerente fosse chefe ou arrimo de família.
No entanto, resta mantida a exigência para concessão de aposentadoria por rural por idade que o instituidor ou instituidora do benefício fosse chefe ou arrimo de família. Não há discriminação nesse ponto, pois o requisito era exigido para os dois sexos, não sendo considerados segurados todos os componentes do grupo familiar, como hoje ocorre.
Estampa a jurisprudência desta Corte:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADORA RURAL COMO BOIA-FRIA. APOSENTADORIA POR VELHICE. REGRAMENTO ANTERIOR. LEI COMPLEMENTAR N.º 11/71. QUALIDADE DE SEGURADA ESPECIAL NÃO COMPROVADA. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. 1. A concessão de aposentadoria por velhice a trabalhador rural, nos moldes da LC n.º 11/71, ordenamento que precedeu a Lei n.º 8.213/91, exige a comprovação de que, durante a sua vigência, a parte autora trabalhava individualmente, sem família e sem dependentes (art. 3º, § 1º, alínea "b") ou detinha a condição de chefe ou arrimo de família (art. 4º, § único). Já a concessão de aposentadoria rural por idade, nos termos da Lei n.º 8.213/91, somente é possível quando demonstrada a efetiva prática campesina no período imediatamente anterior à data de implemento do requisito etário, do requerimento administrativo ou do ajuizamento do feito. 2. Não restando comprovado nos autos o exercício da atividade laborativa rural no período de carência, não faz jus a parte autora à aposentadoria por idade rural. (TRF4, AC 0000179-96.2016.404.9999, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, D.E. 15/04/2016) (grifei)
EMENTA: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. CARÊNCIA NÃO CUMPRIDA. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. IMPOSSIBILIDADE. SEGURADA NÃO CONFIGURADA COMO CHEFE OU ARRIMO DE FAMÍLIA. 1. A aposentadoria do trabalhador rural por idade, no regime anterior à lei 8.213/91 é devida ao homem e, excepcionalmente à mulher, quando na condição de chefe ou arrimo de família (art. 297 do Decreto 83.080/79). 2. Se não há prova nos autos de que a segurada era chefe ou arrimo de família, não há direito à aposentadoria rural por idade, uma vez que abandonou as lidas rurais quando do óbito do marido, e em período anterior ao preenchimento do quesito etário. Comprovado labor somente em período anterior à Lei 8.231/91. (TRF4, AC 0018286-28.2015.404.9999, QUINTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, D.E. 14/04/2016) (grifei)
Destarte, de acordo com a tabela do art. 142 da referida lei, tomado como base o ano de 1991, deve ser comprovado o trabalho rurícola nos 60 meses anteriores ao início da vigência da lei 8.213/91 (24/07/1986 - 24/07/1991), ou ainda, nos períodos intermediários, mesmo que de forma descontínua, conforme previsto no artigo 143.
Os autos dão conta que o autor exerceu a agricultura durante décadas, e há provas de exercício de atividade rural nos 05 (cinco) anos precedentes à edição da lei 8.213/91.
Do caso concreto
Para a comprovação do trabalho rural, foram apresentados os seguintes documentos:
- Certidão de casamento, datada de 15/10/1976, na qual o cônjuge da autora foi qualificado como agricultor (fls. 18);
- Ficha de controle de mensalidade junto ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ibiraiaras de Pedro Francisco Thums, cônjuge da autora, com registro de pagamento das mensalidades de 01/1984 a 06/1986 (fls. 19);
- Ficha de cadastro do cônjuge da autora junto ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ibiraiaras, datada de 04/10/1973 (fls. 20);
- Escritura pública de compra e venda de uma parte ideal de terras de culturas de dois hectares, datada de 10/07/1989, na qual o cônjuge da autora consta como vendedor e foi qualificado como agricultor (fls. 22/23);
- Certidão de óbito de Pedro Francisco Thums, cônjuge da autora, datada de 05/08/1993, na qual ele foi qualificado como aposentado (fls. 24);
- Ficha de identificação do cônjuge da autora junto ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ibiaraiaras, com data de admissão em 04/10/1973, exclusão em 12/07/1989, registro de pagamento das mensalidades de 1984 a 1989 e transferência para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Carlos Barbosa em 12/07/1989 (fls. 25/26);
- Carteira de identificação da autora junto ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Carlos Barbosa, com data de admissão em 01/10/1991 (fls. 27);
- Recibos de pagamento das mensalidades junto ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Carlos Barbosa, emitidos em nome da autora, relativos aos meses de outubro e novembro de 2006, datado de 06/09/2006; de dezembro de 2006, datado de 06/11/2006; de janeiro a abril de 2007, datado de 02/03/2007; de maio a agosto de 2007, datado de 03/05/2007; de setembro a outubro de 2007, datado de 13/08/2007 (fls. 28, 31/34);
- Carteira de associado isento de mensalidades junto ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Carlos Barbosa, emitida em nome da autora, com validade até 07/1998 e 07/1999 (fls. 29);
- Carteira de associado isento de mensalidades junto ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Carlos Barbosa, emitida em nome da autora, com validade até 07/1994, 07/1995, 07/1996 e 07/1997 (fls. 30);
- Certificados de cadastro de imóvel rural, emitidos pelo INCRA em nome da autora, relativos aos exercícios de 1966, 1968, 1981, 1985, 1987, 1988, 1990 e 1991 (fls. 35/42);
- Informações de benefício, datada de 24/11/2008, na qual consta que a autora recebe pensão por morte de trabalhador rural, na qualidade de segurado especial, desde 03/08/1993 (fls. 43);
- Resumo de documentos para cálculo de tempo de contribuição, datado de 04/12/2008, no qual o INSS reconhece a atividade rural da autora nos períodos de 01/01/1968 a 31/12/1968, 01/01/1981 a 31/12/1981, 01/01/1985 a 31/12/1985, 01/01/1987 a 31/12/1988, totalizando 60 meses (fls. 48/49).
A autora e as testemunhas não foram ouvidas em Juízo. Em sede de justificação administrativa, foram ouvidas três testemunhas (fls. 61/63).
A prova testemunhal corrobora a pretensão exposta na inicial, uma vez que as testemunhas foram uníssonas em confirmar que a parte autora trabalhava nas lides rurais.
A testemunha Otacílio Antunes Pereira declarou:
"(...) que conhece a justificante desde que o depoente era criança, quando a justificante já era casada com Antônio Sangali e moravam na Linha Sítio do Herval, interior de Lagoa Vermelha; que moravam de dois a três km de distância; que a justificante teve dois filhos e duas filhas; que todos trabalhavam com os pais na agricultura, sem empregados nem agregados; que as terras onde moravam e trabalhavam pertenciam à justificante e seu marido; o depoente não sabe quantos hectares, mas diz que era uma área pequena, que mal dava para o sustento da família; que cultivavam milho, trigo, feijão, arroz e outros produtos para consumo de casa; criavam vacas, suínos, galinhas para consumo doméstico; tinham bois para lavrar e puxar a carroça; que o marido da justificante vendia algum produto, se sobrasse; vendia para as cooperativas ou comerciantes da região; que o depoente via a justificante e sua família trabalhando sempre que passava pelas terras da justificante; que a justificante ajudava a capinar, plantar e colher a produção, colhia pasto para os animais, tirava o leite das vacas, e ajudava o marido em todas as atividades da roça; que a justificante ajudava a capinar, plantar e colher a produção, colhia pasto para os animais, tirava o leite das vacas, e ajudava o marido em todas as atividades da roça; que a justificante ficou viúva quando morava no interior de Lagoa Vermelha; ficou morando na mesma localidade e trabalhando na roça; os filhos, mesmo depois de casados, permaneceram morando próximos da mãe e ajudavam a mesma no cultivo de suas terras; alguns anos depois, a justificante casou com Pedro Thums, quando a justificante foi morar na propriedade do segundo marido, agora no interior de Ibiraiaras, que fica a quinze ou vinte km de distância da residência do depoente, por isso daí em diante o depoente perdeu contato com a justificante e só voltaram a se encontrar em Carlos Barbosa no ano de 1993, quando o depoente veio para cá; que o depoente tem conhecimento que a justificante veio morar em Carlos Barbosa no ano de 1989, junto com o segundo marido, Pedro Thums, quando a justificante passou a morar na cidade e deixou de trabalhar na roça naquele ano de 1989. (...)"
A testemunha Terezinha de Souza Pereira, por sua vez, relatou:
"(...) que é esposa da primeira testemunha, o Sr. Otacílio; que conhece a justificante desde 1964, quando a depoente casou e foi morar na Linha Sítio do Herval, interior de Lagoa Vermelha; que moravam de dois a três km de distância da justificante; que a justificante já morava nessa localidade e era casa com Antônio Sangali, com quem teve dois filhos e duas filhas; que todos trabalhavam somente na agricultura, sem empregados nem agregados; que as terras onde moravam e trabalhavam pertenciam à justificante e seu marido; a depoente não sabe quantos hectares, mas diz que era uma área pequena, que só dava para o gasto da família; que cultivavam milho, feijão, batatinhas, às vezes trigo e outros produtos para consumo de casa; criavam vacas, suínos e galinhas para consumo doméstico; tinha junta de bois para os serviços da lavoura; que a depoente não sabe se vendiam algum produto; que a depoente via a justificante e sua família trabalhando sempre que visitava a justificante; que a justificante ajudava a capinar, plantar e colher a produção, colhia pasto para os animais, tirava o leite das vacas, e ajudava o marido em todas as atividades da roça; que a justificante ficou viúva quando morava no interior de Lagoa Vermelha; a partir daí passou a trabalhar somente com a ajuda dos filhos; os três maiores ajudavam a mãe na roça; permaneceu morando na mesma localidade e trabalhando na roça; os filhos, mesmo depois de casados, permaneceram morando próximos da mãe e ajudavam a mesma no cultivo de suas terras; alguns anos depois, a justificante se casou com Pedro Thums, quando a justificante foi morar na propriedade do segundo marido, agora na Linha São Roque, no interior de Ibiraiaras; que a justificante não teve filhos no segundo casamento; que o Sr. Pedro também era agricultor; que daí em diante a justficante passou a morar distante da residência da depoente, por isso a depoente perdeu o contato com a justificante, a partir do seu segundo casamento, e só voltaram a se encontrar em Carlos Barbosa no ano de 1989, junto com o segundo marido, Pedro Thums; que a partir de 1989 a justificante passou a morar na cidade e deixou de trabalhar na roça naquele ano. (...)"
Por fim, a testemunha Marineusa Zwirtes afirmou:
"(...) que conhece a justificante desde que a mesma casou com Pedro Thums e foi morar na Capela São Roque, próxima da Capela São Cristóvão, onde morava a depoente, no interior de Ibiraiaras; que a depoente conhecia o Sr. Pedro, que era viúvo, e era muito amiga de suas filhas, desde que moravam em Carlos Barbosa e depois se mudaram para o interior de Ibiraiaras; que a depoente morava a quatro ou cinco km de distância da justificante, mas se visitavam e a depoente sempre passava em frente às terras do Sr. Pedro para ir à cidade; que quando a justificante casou com o Sr. Pedro, este tinha uns dez filhos solteiros, morando em casa; outros já haviam saído de casa; os filhos da justificante já eram casados; que o Sr. Pedro e seus filhos trabalhavam somente na agricultura, sem empregados nem agregados; que as terras onde moravam e trabalhavam pertenciam ao marido da justificante; a depoente calcula que eram sete ou oito hectares, por isso arrendavam terras de vizinhos para plantar e completar a renda, pois a família era grande; que cultivavam milho, feijão, batatinhas, trigo e outros produtos para consumo da casa; criavam vacas, suínos e galinhas para consumo doméstico; tinham junta de bois para os serviços da lavoura; que o marido da justificante vendia milho e batatinhas na Coopibi; que a depoente via a justificante e sua família trabalhando sempre que visitava a justificante e quando a depoente ia à cidade; que a justificante ajudava a capinar, plantar e colher a produção, colhia pasto para os animais, tirava o leite das vacas, tratava suínos e galinhas, fazia os serviços da casa, etc.; que a justificante e seu segundo marido deixaram o meio rural no ano de 1989, quando foram morar na cidade de Carlos Barbosa; nesse ano a justificante e seu marido venderam as terras no interior de Ibiraiaras para comprar terreno e casa na cidade de Carlos Barbosa; que a partir de 1989 a justificante deixou de trabalhar na roça para morar na cidade; que a partir desse ano a depoente perdeu contato direto com a justificante, mas tinha notícias dela através das filhas do Sr. Pedro, que permaneceram morando vizinhas da depoente; que a depoente voltou para Carlos Barbosa, faz sete anos no dia de hoje. (...)"
Diante disso, não há nada que afaste a presunção, ou que impeça inferir-se, que ambos, marido e mulher, trabalhavam em igualdade de condições para o sustento da família. Interpretação diversa, dadas essas circunstâncias, incorreria em não observância da proibição de discriminação por motivo de gênero (já vigente na Constituição Federal de 1967/1969), cujo conteúdo não se limita a impor tratamento isonômico entre os sexos, mas também exige que o intérprete não presuma, na ausência de elemento contrário, a subordinação de um sexo em relação ao outro, mormente quando se trata de decidir sobre proteção social.
Da análise do conjunto probatório, conclui-se que os documentos juntados constituem início de prova material, para o que, consideradas as peculiaridades do trabalho na agricultura, não se pode exigir que sejam apenas por si mesmos conclusivos ou suficientes para a formação de juízo de convicção. É aceitável que a prova contenha ao menos uma indicação segura de que o fato alegado efetivamente ocorreu, vindo daí a necessidade de sua complementação pela prova oral, a qual, como se viu, confirmou de modo coerente e preciso o trabalho rural da parte autora, razão porque a sentença deve ser reformada pela Turma.
Em que pese as testemunhas tenham sido uníssonas ao afirmar que a autora deixou as lides rurais em 1989, dois anos antes da data da Lei n.º 8.213/91, não se pode desconsiderar que todo o conjunto probatório atesta a vocação agrícola da autora e de sua família, por meio do exercício da agricultura em regime de economia familiar.
Assim, deve concedido o benefício a partir da data do requerimento administrativo (04/11/2008). Entretanto, considerando a superveniência do óbito da parte autora após ter sido ajuizada a ação, deve ser respeitado o direito dos herdeiros de receberem os valores atrasados até o falecimento da demandante, ocorrido em 03/03/2013.
Nesse sentido, colaciono jurisprudência recente sobre a matéria:
Processual Civil. Previdenciário. Apelação do INSS contra sentença que julgou procedente, em parte, pedido de pensão por morte de segurado especial, cujos valores devem ser pagos em favor dos herdeiros da autora, viúva do instituidor do benefício, falecida no curso da ação. 1. Com o falecimento da promovente, ocorrido em 15 de março de 2007, f. 113, foi deferida a habilitação dos herdeiros dela, f. 125-verso. 2. Afastada a alegação do INSS de que o instituidor do benefício, em vida, detinha renda mensal vitalícia, benefício que não gera direito ao pensionamento. 3. Ao revés, todo o acervo probatório sinaliza para a condição de segurado especial do pai dos sucessores, a exemplo dos seguintes documentos: a) certidão de casamento, celebrado em 1970, na qual o mesmo é qualificado como agricultor, f. 13; b) escritura de compra e venda do imóvel rural, em nome do então rurícola, f. 18-19; c) guia de sepultamento do marido da demandante, igualmente, qualificado como agricultor, f. 20; d) certificado de cadastro do imóvel rural, em nome do instituidor do benefício, relativo aos anos de 2003 a 2005, f. 28; e) certidões de casamento dos filhos da promovente com o segurado especial, também a registrar a condição dele como rurícola, f. 68, 70 e 73. 4. A prova testemunhal confirmou os fatos aduzidos na inicial, f. 142-143. 5. Direito dos herdeiros da autora ao recebimento dos atrasados da pensão, a que teria direito a viúva do segurado especial, no intervalo do requerimento administrativo até o falecimento da mesma (12 de junho de 2006 a 15 de março de 2007), f. 06 e 113, respectivamente. 6. Em face da inconstitucionalidade da Lei 11.960/09, declarada na ADIN 4357-DF, min. Carlos Ayres de Freitas Brito, julgado em 07 de março de 2013, os juros de mora são devidos à razão de meio por cento ao mês, desde a citação. 7. O débito será corrigido pelas regras do manual de cálculos da Justiça Federal e os juros de mora incidirão a contar da citação, à razão de meio por cento, mensalmente, consoante precedente desta eg. 2ª Turma (AC 554.106-SE, desta relatoria, julgado em 23 de abril de 2013). 8. Apelação provida, em parte, apenas, nestes dois últimos aspectos. (TRF-5 - AC: 10795720134059999, Relator: Desembargador Federal Vladimir Carvalho, Data de Julgamento: 17/09/2013, Segunda Turma, Data de Publicação: 26/09/2013) (grifei)
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO. ASSISTÊNCIA SOCIAL. ARTIGO 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS. ÓBITO DA AUTORA NO CURSO DA AÇÃO. DIREITO DOS SUCESSORES AO RECEBIMENTO DOS ATRASADOS ATÉ A DATA DO ÓBITO. TÍTULO EXECUTIVO TRANSITADO EM JULGADO. HABILITAÇÃO DE HERDEIROS. HOMOLOGAÇÃO. DEFERIMENTO. I - A assistência social é paga ao portador de deficiência ou ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprove não possuir meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida pela sua família (art. 203, V da CF e Lei nº. 8.742/93). II - A autora preencheu em vida todos os requisitos necessários para a obtenção do benefício, eis porque lhe foi concedida a antecipação dos efeitos da tutela da qual chegou a usufruir até o seu óbito. III - Tendo sido fixado o termo inicial do benefício na data da citação, é evidente que as parcelas devidas entre essa data, e a data do início do recebimento do benefício implantado por tutela deveriam ter sido por ela recebidas, razão pela qual o benefício é devido em favor dos herdeiros devidamente habilitados, tendo em vista que permanece a pretensão dos sucessores de receberem as prestações em atraso, oriundas do título executivo transitado em julgado. IV - Agravo a que se nega provimento. (TRF-3 - AC: 4519 SP 0004519-39.1999.4.03.6109, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL WALTER DO AMARAL, Data de Julgamento: 07/10/2014, DÉCIMA TURMA) (grifei)
Correção Monetária e Juros de mora
Segundo o art. 491 do NCPC, "na ação relativa à obrigação de pagar quantia, ainda que formulado pedido genérico, a decisão definirá desde logo a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de juros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso". Todavia, as recentes controvérsias acerca dos índices de correção monetária e juros de mora devidos pela Fazenda Pública, atualmente previstos na Lei n.º 11.960/2009, originadas após o julgamento das ADIs 4.357 e 4.425 (inconstitucionalidade da TR como índice de correção monetária dos precatórios) pelo Supremo Tribunal Federal têm inviabilizado a aplicação do dispositivo. Isso porque ainda pende de julgamento o Recurso Extraordinário n.º 870.947 (tema 810), no qual a Suprema Corte irá decidir sobre a constitucionalidade dos índices também em relação aos momentos anteriores à expedição dos precatórios.
Nesse contexto, a controvérsia jurisprudencial a respeito do tema, de natureza acessória, tem impedido o trânsito em julgado das ações previdenciárias, considerando os recursos interpostos pelas partes aos Tribunais Superiores, fadados ao sobrestamento até que haja solução definitiva. Diante disso, as Turmas integrantes das 2ª e 3ª Seções desta Corte passaram a diferir para a fase de cumprimento do julgado a definição dos índices aplicáveis, os quais devem seguir a legislação vigente ao tempo de cada período em que ocorreu a mora da Fazenda Pública. Tal sistemática já foi adotada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do MS n.º 14.741/DF, relator Min. Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 15/10/2014. Assim, a conclusão da fase de conhecimento do litígio não deve ser obstada por discussão que envolve tema acessório, de aplicação pertinente justamente à execução do julgado, mormente quando existente significativa controvérsia judicial sobre a questão, pendente de solução pela Suprema Corte.
Sendo assim, fica diferida para a fase de cumprimento do julgado a estipulação dos índices de juros e correção monetária legalmente estabelecidos para cada período.
Das custas
Havendo o feito tramitado perante a Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, o INSS está isento do pagamento de custas, mas obrigado ao pagamento de eventuais despesas processuais, consoante o disposto no art. 11 da Lei Estadual n. 8.121/85, na redação dada pela Lei n. 13.471, de 23 de junho de 2010.
Dos honorários
Os honorários advocatícios são devidos pelo INSS no percentual de 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforma a sentença de improcedência, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça e Súmula nº 76 deste TRF.
Da implantação do benefício
A Terceira Seção desta Corte, ao julgar a Questão de Ordem na Apelação Cível nº 2002.71.00.050349-7, firmou entendimento no sentido de que, nas causas previdenciárias, deve-se determinar a imediata implementação do benefício, valendo-se da tutela específica da obrigação de fazer prevista no art. 461 do CPC/1973, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537 do CPC/2015, independentemente de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário (QUOAC 2002.71.00.050349-7, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 01/10/2007).
Em razão disso, sendo procedente o pedido, o INSS deverá implantar o benefício concedido no prazo de 45 dias, consoante os parâmetros acima definidos, sob pena de multa.
Cumpre, também, esclarecer que, no caso da parte já receber outro benefício previdenciário, nada impede que, em face de sua natureza de verba de subsistência, o novo benefício seja implantado imediatamente.
Em homenagem aos princípios da celeridade e da economia processual, tendo em vista que o INSS vem opondo embargos de declaração sempre que determinada a implantação imediata do benefício, alegando, para fins de prequestionamento, violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC/1973, e 37 da CF/1988, esclareço que não se configura a negativa de vigência a tais dispositivos legais e constitucionais. Isso porque, em primeiro lugar, não se está tratando de antecipação ex officio de atos executórios, mas, sim, de efetivo cumprimento de obrigação de fazer decorrente da própria natureza condenatória e mandamental do provimento judicial; em segundo lugar, não se pode, nem mesmo em tese, cogitar de ofensa ao princípio da moralidade administrativa, uma vez que se trata de concessão de benefício previdenciário determinada por autoridade judicial competente.
Conclusão
A apelação da parte autora deve ser provida, determinando-se a concessão do benefício de aposentadoria rural por idade, na qualidade de segurada especial, a partir da data do requerimento administrativo, 04/11/2008, respeitando-se o direito dos herdeiros de receberem os valores atrasados, até o falecimento da demandante, ocorrido em 03/03/2013.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora, determinando a imediata implantação do benefício.
É o voto.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 13/12/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0020409-04.2012.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 14410900011822
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Carlos Eduardo Copetti Leite |
APELANTE | : | MARIA AGNESE THUMS sucessão |
ADVOGADO | : | Jaime Valduga Gabbardo e outros |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 13/12/2016, na seqüência 987, disponibilizada no DE de 23/11/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, DETERMINANDO A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
| Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8765971v1 e, se solicitado, do código CRC 2080B5E7. | |
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