| D.E. Publicado em 30/08/2016 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0012280-10.2012.4.04.9999/SC
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | CARMELINDA TEREZINHA SARTORI |
ADVOGADO | : | Cesar Reiter e outros |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS. EXTINÇÃO DO FEITO COM APRECIAÇÃO DO MÉRITO "SECUNDUM EVENTUM PROBATIONIS".
. Fixada pelo STJ a obrigatoriedade do reexame de sentença ilíquida proferida contra a União, Estados, Distrito Federal e Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público na REsp 1101727/PR, a previsão do art. 475 do CPC/1973 torna-se regra, admitido o seu afastamento somente nos casos em que o valor da condenação seja certo e não exceda a sessenta salários mínimos.
. Satisfeitos os requisitos legais de idade mínima e prova do exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência, é devida a aposentadoria rural por idade.
. Considera-se provada a atividade rural do segurado especial havendo início de prova material complementado por idônea prova testemunhal.
. Tratando-se de demanda previdenciária em que rejeitado o pedido da parte segurada, pode-se verificar tanto (1) hipótese de extinção sem julgamento de mérito, em caso de inépcia da inicial, por apresentada sem os documentos essenciais e necessários, o que ocorre diante da ausência de qualquer início de prova, como também (2) hipótese de extinção com julgamento de mérito, "secundum eventum probationis", em situações em que se verifica instrução deficiente.
. Inteligência do procedente da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso representativo de controvérsia (CPC, art. 543-C), lavrado no REsp 1.352.721/SP (Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16/12/2015).
. Caso em que verificada a ocorrência de julgamento de improcedência, com exame de mérito "secundum eventum probationis".
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 23 de agosto de 2016.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8465302v3 e, se solicitado, do código CRC 23F290B5. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Roger Raupp Rios |
| Data e Hora: | 24/08/2016 18:02 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0012280-10.2012.4.04.9999/SC
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | CARMELINDA TEREZINHA SARTORI |
ADVOGADO | : | Cesar Reiter e outros |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, somente para declarar o exercício de atividade agrícola em regime de economia familiar no período de 12/05/1962 a 23/03/1979, e determinar que o INSS averbe o referido período. A parte autora foi condenada ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, esses fixados em R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), com base no art. 20, §4º do CPC/73. Foi suspensa a execução da referida verba sucumbencial, em face da assistência judiciária gratuita concedida.
Em suas razões, sustenta a parte autora que faz jus ao benefício postulado, porque provou ter exercido a atividade rural no período de carência por meio de início de prova material, corroborada por prova testemunhal.
Apresentadas as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças/acórdãos publicado(a)s a contar do dia 18/03/2016.
Da ordem cronológica dos processos
Dispõe o art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).
Dessa forma, deverão ter preferência de julgamento em relação àqueles processos que estão conclusos há mais tempo, aqueles feitos em que esteja litigando pessoa com mais de sessenta anos (idoso, Lei n. 10.741/2013), pessoas portadoras de doenças indicadas no art. 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/88, as demandas de interesse de criança ou adolescente (Lei n. 8.069/90) ou os processos inseridos como prioritários nas metas impostas pelo CNJ.
Observado que o caso presente se enquadra em uma das hipóteses referidas (preferências legais), justifica-se seja proferido julgamento fora da ordem cronológica de conclusão.
Da remessa oficial
O Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ), seguindo a sistemática dos recursos repetitivos, regulada pelo art. 543-C, do CPC, decidiu que é obrigatório o reexame de sentença ilíquida proferida contra a União, Estados, Distrito Federal e Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público. (REsp 1101727/PR, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Corte Especial, DJe 03/12/2009).
Assim, o reexame necessário, previsto no art. 475 do CPC, é regra, admitindo-se o seu afastamento somente nos casos em que o valor da condenação seja certo e não exceda a sessenta salários mínimos.
Como o caso dos autos não se insere nas causas de dispensa do reexame, conheço da remessa oficial.
Da aposentadoria rural por idade
São requisitos para a concessão de aposentadoria rural por idade, no valor de um salário mínimo, a trabalhador qualificado como segurado especial, nos termos do art. 11, VII, da Lei nº 8.213/91: (a) idade mínima (60 anos para homens e 55 para mulheres) e (b) exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao da carência de 180 meses (arts. 39, I, 48, §§1º e 2º, e 25, II da Lei nº 8.213/91), independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias.
Quanto à carência, há regra de transição para os segurados obrigatórios previstos no art. 11, I,"a", IV ou VII: (a) o art. 143 da Lei de Benefícios assegurou "aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência no referido benefício"; b) o art. 142 previu tabela específica de prazos diferenciados de carência, conforme o ano de implementação das condições para a aposentadoria por idade, por tempo de serviço e especial, "para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural".
Assim, àqueles filiados à Previdência quando da edição da Lei nº 8.213/91 que implementarem o requisito idade até quinze anos após a vigência desse dispositivo legal (24-7-2006), não se lhes aplica o disposto no art. 25, II, mas a regra de transição antes referida.
Na aplicação da tabela do art. 142, o termo inicial para o cômputo do tempo de atividade rural é o ano em que o segurado completou a idade mínima, desde que já disponha de tempo suficiente para o deferimento do pedido, sendo irrelevante que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CF/88 e art. 102, §1º, da Lei nº 8.213/91).
Na hipótese de insuficiência de tempo de exercício de atividade rural ao completar a idade mínima, a verificação do tempo equivalente à carência não poderá mais ser feita com base no ano em que atingida a idade mínima, mas a partir de sua implementação progressiva, nos anos subseqüentes à satisfação do requisito etário, de acordo com a tabela do art. 142 da Lei de Benefícios.
Caso o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31-8-1994 (data da publicação da Medida Provisória nº 598, que alterou a redação original do art. 143 referido, posteriormente convertida na Lei nº 9.063/95), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei n° 8.213/91.
A disposição contida no art. 143 da Lei 8.213, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado; ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, §1º, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima.
O benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo; ou, inexistente este, da data do ajuizamento da ação, conforme modulação contida no julgamento do RE 631.240.
Da comprovação do tempo de atividade rural
O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, salvo caso fortuito ou força maior. Tudo conforme o art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91 e reafirmado na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário).
Nesse contexto probatório: (a) a lista dos meios de comprovação do exercício da atividade rural (art. 106 da Lei de Benefícios) é exemplificativa, em face do princípio da proteção social adequada, decorrente do art. 194 da Constituição da República de 1988; (b) não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, sendo suficientes documentos que, juntamente com a prova oral, possibilitem juízo conclusivo quanto ao período de labor rural exercido; (c) certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora (REsp n.º 980.065/SP, DJU, Seção 1, 17-12-2007; REsp n.º 637.437/PB, DJU, Seção 1, de 13-09-2004; REsp n.º 1.321.493-PR, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.); (d) quanto à contemporaneidade da prova material, inexiste justificativa legal, portanto, para que se exija tal prova contemporânea ao período de carência, por implicar exigência administrativa indevida, impondo limites que não foram estabelecidos pelo legislador.
As certidões da vida civil, documentos admitidos de modo uníssono pela jurisprudência como início probatório de atividade rural, no mais das vezes, registram fatos muito anteriores à implementação da idade de 55 ou 60 anos, e fora dos prazos constantes do art. 142 da Lei 8.213/91. O período de carência, em se tratando de aposentadoria por idade rural, correspondente a estágio da vida do trabalhador em que os atos da vida passíveis de registro cartorário, tais como casar, ter filhos, prestar serviço militar, ou inscrever-se como eleitor, foram praticados muito antes do início do marco para a contagem da carência prevista para tal benefício.
Nesse sentido, a consideração de certidões é fixada expressamente como orientação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ, 3ª Seção, REsp 1.321.493-PR, procedimento dos recurso repetitivos, j.10/10/2012). Concluiu-se imprescindível a prova material para fins previdenciários, ainda que o labor tenha sido exercido à margem da formalidade, cabendo às instâncias ordinárias a verificação da condição de trabalhador:
"E, nesse aspecto, por mais que o trabalho seja informal, é assente na jurisprudência desta Corte que há incontáveis possibilidades probatórias de natureza material. Por exemplo, ainda que o trabalho tenha sido informal, constatando-se que o segurado tem filhos ou é casado, devem ser juntadas certidões de casamento e de nascimento, o que deve ser averiguado pelas instâncias ordinárias."
De todo o exposto, consideradas as notórias e por vezes insuperáveis dificuldades probatórias do segurado especial, é dispensável a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por prova testemunhal, nada impedindo que sejam contemplados os documentos extemporâneos ou emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.
Ademais, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
Registre-se, por fim, que, em se tratando de aposentadoria por idade rural, tanto os períodos posteriores ao advento da Lei 8.213/91 como os anteriores podem ser considerados sem o recolhimento de contribuições. Quanto à Carteira de Identificação e Contribuição, prevista no art. 106 da Lei 8.213/91 como necessária à comprovação do exercício de atividade rural a partir de 16.04.94, trata-se de documento voltado principalmente à esfera administrativa, sendo instrumento que visa a facilitar futura concessão de benefício ou reconhecimento de tempo de serviço e cuja expedição, via de regra, ocorre após a comprovação junto à entidade pública das alegadas atividades agrícolas. Uma vez expedida, é instrumento hábil, por si só, àquela comprovação. Todavia, a inexistência do referido documento não obsta ao segurado demonstrar sua condição de segurado especial por outros meios, mormente no âmbito judicial. Se a parte autora tivesse CIC expedida em seu nome não necessitaria postular o benefício em juízo, pois com base nesse documento é de supor-se que o próprio INSS já o concederia administrativamente, porque assim prevê a Lei de Benefícios.
Da prova da atividade rural prestada como boia-fria
No caso de exercício de trabalho rural caracterizado por sua notória informalidade, comprometendo a prova da atividade e, por conseguinte, a obtenção do benefício previdenciário, a jurisprudência pacificada por esta Corte era no sentido de abrandar a exigência relativa ao início de prova material, admitindo, até mesmo, em situações extremas, a comprovação da atividade exclusivamente por meio de prova testemunhal.
Todavia, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento, em 10-10-2012, do Resp nº 1.321.493/PR, representativo de controvérsia, firmou o entendimento de que se aplica também aos trabalhadores boias-frias a Súmula 149 daquela Corte. Sobressai do julgado que o rigor na análise do início de prova material para a comprovação do labor rural do boia-fria, diarista ou volante, deve ser mitigado, de sorte que o fato de a reduzida prova documental não abranger todo o período postulado não significa que a prova seja exclusivamente testemunhal quanto aos períodos faltantes. Assim, devem ser consideradas as dificuldades probatórias do segurado especial, sendo prescindível a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por robusta prova testemunhal.
Cumpre salientar, também, que, muitas vezes, a Autarquia Previdenciária alega que os depoimentos e informações tomados na via administrativa apontam para a ausência de atividade agrícola no período de carência. Quanto a isso, deve ser dito que as conclusões a que chegou o INSS no âmbito administrativo devem ser corroboradas pelo conjunto probatório produzido nos autos judiciais. Existindo conflito entre as provas colhidas na via administrativa e em juízo, deve-se optar pelas últimas, produzidas que são com todas as cautelas legais, garantido o contraditório.
Da prova da atividade em regime de economia familiar
O §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família o exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do art. 11, VII da Lei 8.213/91, que define o segurado especial. Mesmo o fato de constar a qualificação empregador II b nos respectivos recibos de ITR não implica a condição de empregador rural. Ocorre que a simples qualificação no documento não desconfigura a condição do trabalho agrícola em regime de economia familiar, como se pode ver da redação do artigo 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71.
Importante ainda ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não é "per se stante" para descaracterizar a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/91, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo; ou seja, ainda que considerado como trabalhador rural individual, sua situação encontra guarida no permissivo legal referido, sendo certo também que irrelevante a remuneração percebida pelo cônjuge, que não se comunica ou interfere com os ganhos oriundos da atividade agrícola.
Do tempo rural do segurado especial a partir dos 12 anos de idade
No tocante à possibilidade do cômputo do tempo rural na qualidade de segurado especial a partir dos 12 anos de idade, a Terceira Seção desta Corte ao apreciar os Embargos Infringentes em AC n.º 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, na sessão de 12-03-2003, firmou entendimento no sentido da possibilidade do cômputo do tempo de serviço laborado em regime de economia familiar a partir dessa idade, na esteira de iterativa jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, tendo recentemente a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o AI n.º 529.694/RS, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, com decisão publicada no DJU de 11-03-2005, reconhecido o tempo de serviço agrícola ao menor de quatorze anos, não merecendo tal questão maiores digressões.
Do caso concreto
Neste feito, o exame recursal abrange a apelação cível, expressamente interposta diante da sentença recorrida (fls. 127/130), e a remessa oficial, a qual conheço de ofício.
A parte autora, nascida em 14/03/1944 (fls. 15), implementou o requisito etário em 14/03/1999 e requereu o benefício na via administrativa em 06/08/2004 (fls. 16). Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural nos 108 meses anteriores à implementação da idade (14/03/1990 - 14/03/1999) ou nos 138 meses que antecederam o requerimento administrativo (06/02/1993 - 06/08/2004); ou, ainda, em períodos intermediários, mesmo que de forma descontínua.
Para a comprovação do trabalho rural, foram apresentados os seguintes documentos:
- Certidão de casamento, ocorrido em 12/05/1962, datada de 02/06/2004, na qual o cônjuge da autora foi qualificado como agricultor (fls. 17);
- Resumo de documentos para cálculo de tempo de contribuição, datado de 10/08/2004, no qual consta que o INSS reconheceu o exercício de atividade rural pela autora nos períodos de 01/01/1966 a 31/12/1966 e de 01/01/1973 a 31/12/1973 (fls. 19/20);
- Certidão emitida pelo INCRA, datada de 20/04/2004, informando que o imóvel rural localizado no município de São José do Oeste/SC está cadastrado em nome de Argemiro Manoel Bauer nos períodos de 1965 a 1971 e de 1972 a 1977, e em nome de Ciro Ireno Bauer nos períodos de 1978 a 1991 e 1992 a 2003 (fls. 21);
- Certidão emitida pelo INCRA, datada de 18/03/2004, informando que o imóvel rural localizado no município de São José do Oeste/SC está cadastrado em nome de Argemiro Manoel Bauer nos períodos de 1966 a 1972 e de 1973 a 1977, e em nome de Ciro Ireno Bauer no período de 1978 a 1992 (fls. 22);
- Certidão relativa à matrícula de lote rural de terras, de propriedade do cônjuge da autora, o qual foi qualificado como motorista, datada de 20/10/1976 (fls. 26/27);
- Certidão relativa à escritura pública de compra e venda, lavrada em 23/08/1976, na qual o cônjuge da autora consta como adquirente e foi qualificado com agricultor, e com registro de venda em 22/05/1979 (fls. 28/37);
- Certidão de compra de imóvel rural pelo cônjuge da autora, na qual foi qualificado como agricultor, ocorrida em 05/11/1962 (fls. 50);
- Certidão de compra de imóvel rural pelo cônjuge da autora, na qual foi qualificado como agricultor, ocorrida em 03/03/1966 (fls. 51);
- Certidão de nascimento de Gelson Antônio Bauer, ocorrido em 27/05/1965, datada de 14/09/1995, na qual a autora e seu cônjuge foram qualificados como agricultores (fls. 52);
- Certidão de nascimento de Geneci Aparecida Bauer, ocorrido em 06/05/1967, datada de 19/05/1967, na qual a autora e seu cônjuge foram qualificados como agricultores (fls. 54).
Do depoimento pessoal da parte requerente (fls. 125), colhe-se que:
"(...) em 2004 a depoente já estava residindo na cidade; que faz aproximadamente 19 a 20 anos que veio morar na cidade; que antes de residir na cidade a depoente morava em Frederico Wastner, interior de São Lourenço do Oeste; que a depoente veio para a cidade porque parou de trabalhar com a agricultura; que após a vinda para a cidade não teve atividade remunerada, trabalhando somente em casa; que o marido da depoente trabalhava como motorista já na época em que a autora permanecia trabalhando na agricultura; quando da vinda da depoente para a cidade o seu esposo permaneceu continuou trabalhando como motorista; a depoente está divorciada; que já faz oito ou nove anos que está divorciada; não recebe pensão do ex-marido; que a autora reside com o filho Genoir; que Genoir é motorista."
A testemunha Egídio Tadeu Jagusewski relatou:
"(...) conhece a autora há aproximadamente 46 anos; que conheceu a autora quando ela casou e foi residir próximo aos pais do depoente em Frederico Wastner; que o depoente também morava e ainda mora em Frederico Wastner; que a autora trabalhava na roça; que pelo que recorda a autora saiu da localidade de Frederico Wastner no ano de 1990; que o marido da autora trabalhava na roça e mais tarde comprou uma Kombi e foi 'puxar estudantes'."
A testemunha Didácio Souza, por sua vez, afirmou:
"(...) que conhece a autora há muitos anos; que era vizinho da autora na localidade de Bicaré (Frederico Wastner); que faz aproximadamente 20 anos que a autora saiu da localidade de Frederico Wastner; que a autora sempre trabalhou na roça; que o marido da autora depois de um tempo passou a 'puxar alunos com uma kombi', mas a autora continuava na roça."
Por fim, a testemunha Adair Antunes Moreira disse:
"que conhece a autora desde quando eram crianças; que a depoente e a autora moravam na mesma localidade de Frederico Wastner; que a autora veio para a cidade; que o marido da autora trabalhou por um período na roça e depois comprou uma Kombi para levar os alunos do interior para a cidade; que durante todo período em que residiu no interior, a autora continuou trabalhando na roça; que a autora tinha propriedade própria onde era cultivado milho, arroz, etc.; que a autora tinha filhos, os quais freqüentavam a escola em um período e em outro ajudavam na roça; quando a autora veio residir na cidade, esta não mais trabalhou; que a depoente mora na cidade há 22 anos; que quando a depoente veio morar na cidade a autora ainda morava no interior."
Dos documentos trazidos aos autos, verifica-se que todos são extemporâneos, referindo-se a datas muito anteriores ao período de carência a ser comprovado. Quanto ao período em que a autora pretende o reconhecimento do labor rural (de 14/03/1990 a 14/03/1999 ou de 06/02/1993 a 06/08/2004), não há quaisquer documentos que comprovem o exercício de atividade rurícola em regime de economia familiar.
Vale transcrever trecho da sentença recorrida, que bem analisou o conjunto probatório, in verbis:
"(...) Não obstante o cumprimento da idade mínima exigida para a concessão do benefício, dispõe o artigo 142 da Lei 8.213/91 que a comprovação da atividade rural deve ser feita no período imediatamente anterior ao requerimento ou implementação dos requisitos, sendo que tendo completado a idade no ano de 1999 exige-se a comprovação da atividade por 108 meses.
Diante dessa exigência, e tendo em vista o contexto que se apresenta, tem-se que a autora não faz jus ao benefício, já que não comprovou o exercício da atividade rural em regime de economia familiar no período imediatamente anterior exigido, qual seja, 14/03/1990 a 14/03/1999.
Este é o entendimento do Tribunal Regional Federal de Porto Alegre, em recente decisão:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE PREVISTA NO ART. 48, § 3º, DA LEI N. 8.213/1991. BENEFÍCIO DE NATUREZA RURAL. NECESSIDADE DE PREENCHIMENTO DA CARÊNCIA NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO DO BENEFÍCIO OU AO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO. 1. A aposentadoria por idade prevista no art. 48, § 3º, da Lei n. 8.213/1991 é um benefício de natureza rural, dirigido aos trabalhadores rurais, o que significa dizer que, ainda que a carência possa ser preenchida com períodos de atividade urbana e agrícola, ela deve corresponder ao intervalo imediatamente anterior ao requerimento do benefício ou ao implemento do requisito etário. 2. Hipótese na qual o autor completou 65 anos de idade em 01-04-2009, razão pela qual deveria ter comprovado o exercício de atividade rural ou urbana nos 168 meses imediatamente anteriores àquela data (de 1995 a 2009), o que não restou demonstrado, sendo indevido, pois, o deferimento da aposentadoria por idade prevista no art. 48, § 3º, da Lei de Benefícios. (Classe: APELREEX - APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Processo: 5001674-39.2011.404.7001 UF: PR. Relator: JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA. Data da Publicação: 24/02/2012)
No entanto, os documentos de fls. 17, 21, 26, 36, 52 e 54 constituem início de prova material, pois indicam que a autora exercia a atividade de agricultora juntamente com seu esposo, devendo ser reconhecido, além daquele já reconhecido pela autarquia previdenciária, o período laborado desde seu casamento até sua vinda para a cidade, ou seja, de 1962 a 1979.
Apesar de as testemunhas ouvidas em juízo terem dito que a autora parou de laborar na agricultura há aproximadamente 20 (vinte) anos, ou seja, no ano de 1991, não há qualquer início de prova material neste sentido. Fato esse que causa estranheza, pois inclusive a autora, quando da justificativa administrativa disse que saiu da lavoura no ano de 1979 (fls. 38/39). Ano também em que foi vendida a terra pertencente à autora, conforme observa-se no documento de fl. 36.
Pacífica a jurisprudência no sentido de ser necessário início de prova material para o reconhecimento da atividade exercida em regime de economia familiar, veja-se: APELREEX 5000368-17.2011.404.7104, Relator: RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Data publicação: 27/04/2012 e APELAÇÃO CIVEL: 0001851-81.2012.404.9999, Relator: RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Data publicação: 03/05/2012.
Nesse contexto, procede apenas a pretensão da autora, no sentido de ser reconhecido o período laborado entre 12/05/1962 (fl. 17) e 23/03/1979 (fl. 36), mas improcede a pretensão da aposentadoria por idade rural por não restar comprovado o exercício da atividade rural no período imediatamente anterior ao ter completado a idade, pelo tempo de carência exigido."
Em casos que tais, vinha concluindo pela extinção do processo sem exame do mérito com base em julgado da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso representativo de controvérsia (CPC, art. 543-C), RESp 1.352.721/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16/12/2015.
Todavia, amadurecendo a questão e estudando mais profundamente o precedente, verifico ser necessário reformular e concluir diversamente, o que levará, no caso concreto, à manutenção do julgamento de improcedência, com julgamento de mérito "secundum eventum probationis".
O recurso repetitivo do STJ que trata da matéria apresenta dois posicionamentos:
(1) extinção sem julgamento de mérito, em caso de inépcia da inicial, por apresentada sem os documentos essenciais e necessários, vale dizer, sem qualquer início de prova;
(2) extinção com julgamento de mérito, "secundum eventum probationis", na hipótese de instrução deficiente.
No caso, trata-se da segunda hipótese, que deixa aberta a possibilidade de nova demanda, resultado que se afirma sem adentrar noutro aspecto, a ser investigado em eventual nova demanda, qual seja, qual a exata extensão do julgamento "secundum eventum probationis", qual a extensão e qualidade de nova prova eventualmente apresentada e quando é possível.
Diante dessas considerações, a demanda deve ser julgada improcedente, com exame de mérito secundum eventum probationis.
Dos ônus sucumbenciais
Mantenho a sucumbência nos termos em que fixada, visto que está de acordo com o entendimento da Turma para ações desta natureza.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos da fundamentação.
É o voto.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 23/08/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0012280-10.2012.4.04.9999/SC
ORIGEM: SC 00002703120108240066
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Flávio Augusto de Andrade Strapason |
APELANTE | : | CARMELINDA TEREZINHA SARTORI |
ADVOGADO | : | Cesar Reiter e outros |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 23/08/2016, na seqüência 239, disponibilizada no DE de 28/07/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA OFICIAL, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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