
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 19/09/2018
Apelação Cível Nº 5031178-10.2017.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: ALAIDE AGUIAR
ADVOGADO: ANA JULIA PINHEIRO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 19/09/2018, na seqüência 222, disponibilizada no DE de 31/08/2018.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE alterando o voto anterior para dar provimento à apelação da autora, a Turma Regional Suplementar de Santa Catarina, por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação da autora.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE
VOTANTE: Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Voto em 18/09/2018 15:38:10 - GAB. 93 (Des. Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE) - Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE.
VOTO-VISTA
Em razão da divergência apresentada na sessão do dia 15/08/2018, pedi vista para reexaminar a questão.
Altero o meu voto no sentido de dar provimento à apelação da autora, nos seguintes termos:
Premissas
Quanto ao reconhecimento do tempo de serviço rural, as premissas são as seguintes:
a) a possibilidade de extensão da prova material para período anterior ao documento mais antigo (Súmula nº 577 do STJ: "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.");
b) A presunção de continuidade do tempo de serviço rural no período compreendido entre os documentos indicativos do trabalho rural no período abrangido pela carência. Neste sentido, Moacyr Amaral Santos faz referência à teoria de Fitting, segundo a qual presume-se a permanência de um estado preexistente, se não for alegada a sua alteração, ou, se alegada, não tiver sido feita a devida prova desta. Amaral Santos, citando Soares de Faria na síntese dos resultados obtidos por Fitting, pontifica que "só a afirmação de uma mudança de um estado anterior necessita de prova, que não a permanência do mesmo: affirmanti non neganti incumbit probatio" (SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1983. v. 1, p. 102);
c) A ampliação da abrangência do início de prova material pertinente ao período de carência a períodos anteriores ou posteriores à sua datação, desde que complementado por robusta prova testemunhal, uma vez que "não há exigência de que o início de prova material se refira a todo o período de carência, para fins de aposentadoria por idade do trabalhador rural" (AgRg no AREsp 194.962/MT), bem como que "basta o início de prova material ser contemporâneo aos fatos alegados e referir-se, pelo menos, a uma fração daquele período, corroborado com prova testemunhal, a qual amplie sua eficácia probatória" (AgRg no AREsp 286.515/MG), entendimentos esses citados com destaque no voto condutor do acórdão do REsp nº 1349633 - representativo de controvérsia que consagrou a possibilidade da retroação dos efeitos do documento tomado como início de prova material, desde que embasado em prova testemunhal. Vide Súmula nº 577 do STJ (supracitada) e recentes julgados da Terceira Seção: AR 4.507/SP, AR 3.567/SP, EREsp 1171565/SP, AR 3.990/SP e AR 4.094/SP;
d) a inviabilidade de comprovação do labor rural através de prova exclusivamente testemunhal (REsp 1133863/RN, Rel. Ministro CELSO LIMONGI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011);
e) segundo a jurisprudência da 3ª Seção deste Regional, a utilização de maquinário e eventual de diaristas não afasta, por si só, a qualidade de segurado especial porquanto ausente qualquer exigência legal no sentido de que o trabalhador rural exerça a atividade agrícola manualmente. (TRF4, EINF 5023877-32.2010.404.7000, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Rogerio Favreto, juntado aos autos em 18/08/2015);
f) a admissão, como início de prova material e nos termos da Súmula 73 deste Tribunal, de documentos de terceiros, membros do grupo parental;
g) o fato de que o tamanho da propriedade rural não é, sozinho, elemento que possa descaracterizar o regime de economia familiar desde que preenchidos os demais requisitos (REsp 1403506/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 16/12/2013);
h) segundo a Lei nº 12.873/2013, que alterou, entre outros, o art. 11 da LB, "o grupo familiar poderá utilizar-se de empregados contratados por prazo determinado ou de trabalhador de que trata a alínea g do inciso V do caput, à razão de no máximo 120 (cento e vinte) pessoas por dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho, não sendo computado nesse prazo o período de afastamento em decorrência da percepção de auxílio-doença". Deixou-se de exigir, assim, que a contratação ocorresse apenas em épocas de safra (ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JR., José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. São Paulo: Altas, 2015, p. 63);
i) de acordo com a jurisprudência do STJ, o exercício de atividade urbana pelo rurícola não afasta, por si só, sua condição de segurado especial. No entanto, não se considera segurado especial quando ficar demonstrado que o trabalho urbano constitui a principal atividade laborativa do requerente e/ou sua principal fonte de renda. (REsp 1483172/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 27/11/2014);
j) o exercício da atividade rural pode ser descontínuo (AgRg no AREsp 327.119/PB, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 18/06/2015);
l) no que tange ao trabalho do boia-fria, o STJ, por meio, entre outros, do REsp 1.321.493, Rel. Min. Herman Benjamin, abrandou as exigências quanto ao início de prova material da atividade rural, desde que complementada através de idônea prova testemunhal;
m) o segurado especial tem de estar trabalhando no campo quando completar a idade mínima para obter a aposentadoria rural por idade, momento em que poderá requerer seu benefício, ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, já preencheu de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos - carência e idade. (STJ, REsp 1354908, 1ª Seção, Tema 642/recurso repetitivo).
Exame do caso concreto:
No caso em tela, a parte autora atingiu o requisito etário em 03/03/2011 (Evento 2, OUT3) e formulou o requerimento de aposentadoria por idade rural em 10/06/2015 (Evento 2, OUT5). Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural nos 180 meses imediatamente anteriores ao implemento da idade mínima (de 03/03/1996 a 03/03/2011) ou à entrada do requerimento administrativo (2015) ou, ainda, em períodos intermediários, mesmo que de forma descontínua.
A parte demandante apresentou, a título de início de prova material, a seguinte documentação:
a) Certidões de nascimento dos filhos, ocorridos em 1981, 1982, 1984 e 1987, onde consta que o marido da autora é qualificado como “lavrador” (OUT8/OUT10);
b) Certidão de Casamento, celebrado em 25/05/1981, onde consta a profissão de seu cônjuge como “operário e lavrador” (OUT11);
c) Históricos escolares da irmã da autora da E.I.E Corredeira, interior de Campos Novos, dos anos de 1971 e 1972 (OUT14);
d) Históricos escolares dos filhos da autora da E.I.M Manoel Candido de Souza, na localidade de Corredeira, interior de Campos Novos/SC, dos anos de 1988, 1989 e 1992 (OUT16/19);
e) Caderneta de Vacinação do filho da autora, onde constaseu endereço em “Espigão Branco”, interior de Campos Novos de 1985 e 1986 (OUT20/21);
f) Certidão de imóvel rural emitido pelo Registro de Imóveis, no nome da mãe da autora, Izolina de Souza, referente ao ano de 1965 (OUT22);
g) Imposto do Terreno Rural–ITR, em nome da mãe da autora, referentes aos anos de 1992, 1998 2001, 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006 (OUT23/28);
h) Controle de Vacinação de animais, emitido pela Secretária de Estado do Desenvolvimento Rural e da Agricultura de Santa Catarina, em nome da mãe da autora, referente ao ano de 1998 (OUT29);
i) Ficha do esposo da autora, Juvenil Pinheiro, junto ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos Novos/SC, onde consta que filiou-se em 02/12/1994 (OUT30);
j) Recibos de pagamento de mensalidades do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos Novos, em nome da mãe da autora, referentes a 04/1985, 02/1986 e 04/2008 (OUT31);
k) Recibo de entrega de Declaração de Rendimentos em nome da mãe da autora, onde consta endereço na “Corredeira”, interior de Campos Novos/SC, do ano de 1973 (OUT32);
i) Declaração de Movimento Econômico, em nome da mãe da autora, onde consta o endereço “Corredeira”, Interior de Campos Novos/SC, do ano de 1975 e 1977 (OUT32);
l) Documento emitido pelo MPAS, em nome da mãe da autora, onde consta a profissão como “rural”, referente ao ano de 1988;
m) Documentos emitidos pelo Ministério da Agricultura e Reforma Agrária e INCRA, em nome da mãe da autora, referente aos anos de 1974, 1976, 1977, 1978 e 1992 (OUT33/35);
n) notas fiscais emitidas pelas empresas Zortéa& Cia LTDA, comércio e Indústria e Fornara Materiais de Construção Ltda. em nome da mãe da autora, onde consta o endereço “Corredeira”, interior de Campos Novos/SC, referentes aos anos de 1980 e1986 (OUT38);
o) Extrato da aposentadoria “por velhice rural” da mãe da autora com DIB em 01/08/1978 (OUT39);e
p) Notificação do INCRA, em nome da mãe da autora, referente à Delimitação da área reivindicada pela Associação dos Remanescentes de “Quilombos Invernada dos Negros”, do ano de 2007 (OUT40).
Na audiência do dia 30/11/2016 foram ouvidas as testemunhas Florência Lopes de Souza, Andreia Damacena e Maria de Lourdes dos Santos (AUDIÊNCI81 e Evento 6, VIDEO1/3).
A testemunha Andreia, foi vizinha da autora na Corredeira. Não sabe o tamanho da área. Afirmou que ela plantava feijão, milho, de tudo. Que a autora ficou morando lá até uns 10/15 anos atrás. Que veio para a cidade porque não tinha mais serviço lá. Que o marido da autora arrumou serviço na cidade, na construção, mas que depois faleceu. Afirma que ela voltou a trabalhar na agricultura depois de vir pra cidade. Não sabe informar a distância das terras da família da autora pra cidade.
A testemunha Florência conhece a autora desde que nasceu. Que a autora trabalhava como bóia-fria. Veio pra cidade há uns 15 anos. Não voltou a morar com a mãe após a morte do esposo, mas voltou a trabalhar lá. A autora tem nove irmãos e eles trabalham a terra sem maquinário, sem empregados. As terras em que a autora trabalhava eram dos pais. Plantavam arroz, abóbora, milho, feijão e era apenas pro consumo da família.
A testemunha Maria de Lourdes afirma que conhece a autora há mais de 20 anos. Era agricultora. Trabalhava nas terras dos pais dela. Plantavam milho, feijão, arroz, verduras. O marido da autora trabalhou com ela na agricultura, na Corredeira, nas terras da família dela e depois vieram pra cidade, mas ela continuava trabalhando lá. Ele veio trabalhar de guarda. Era funcionário público municipal. Depois ele adoeceu. Não lembra quando eles vieram pra cidade. Não sabe a distância do terreno da autora para a cidade. Afirma que a autora continua trabalhando na agricultura.
A autora juntou extensa prova documental, embora, apenas uma pequena parte dela se refira ao período de carência - 1996 a 2011 - e à autora, efetivamente, porquanto grande parte dos documentos diz respeito à sua genitora, as testemunhas afirmam que o esposo da autora faleceu em 1996 e que a autora teria voltado a trabalhar na agricultura nas terras da família.
Verifica-se da documentação juntada, que durante parte deste período, ao menos até 02/2007, a autora trabalhou, na agricultura como bóia-fria, em alguns meses com carteira assinada, conforme as cópias das CTPSs juntadas no Evento 2, OUT6/OUT7, mas sempre na agricultura.
E, conforme o depoimento das testemunhas, a autora não teria exercido a atividade como bóia-fria no interregno de 2007 a 2011, mas, individualmente, nas terras da família.
Considerando-se que não se exige a juntada de documentação ano a ano, é possível, com base na prova testemunhal, inferir-se a continuidade da atividade rural após 2007.
Conclusão sobre o direito da parte autora à aposentadoria por idade rural.
A parte autora faz jus ao benefício de aposentadoria por idade rural, desde a DER (10/06/2015), impondo-se a reforma da sentença.
Correção Monetária e Juros
O Plenário do STF concluiu o julgamento do Tema 810, ao examinar o RE 870947, definindo a incidência dos juros moratórios da seguinte forma:
O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09.
Após o julgamento do RE 870947, o STJ, no julgamento do REsp 1.495.146, submetido à sistemática de recursos repetitivos, definiu que o índice de correção monetária é o INPC, nas condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91.
Honorários advocatícios recursais
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Aplica-se, portanto, em razão da atuação do advogado da parte em sede de apelação, o comando do §11 do referido artigo, que determina a majoração dos honorários fixados anteriormente, pelo trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º e os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 85.
Confirmada a sentença no mérito, majoro a verba honorária, elevando-a de 10% para 15% (quinze por cento) sobre o valor da causa, restando suspensa a sua exigibilidade face à concessão da AJG.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual de Santa Catarina (art. 33, par. único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Implantação do benefício
Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do NCPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS implantar o benefício em até 45 dias, a partir da publicação do presente acórdão, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da autora.
JORGE ANTONIO MAURIQUE
Desembargador Federal Relator
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 20:09:13.
