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PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. REFORMA DA SENTENÇA. TRF4. 5011433-34.2023.4.04.9999...

Data da publicação: 23/04/2024, 15:01:27

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. REFORMA DA SENTENÇA. 1. A concessão de aposentadoria por idade, no caso do trabalhador rural qualificado como segurado especial, deve observar os seguintes requisitos: idade mínima (60 anos para homens e 55 anos para mulheres); exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida, independentemente do recolhimento de contribuições. 2. No caso dos autos, não faz jus a autora ao benefício de aposentadoria por idade. (TRF4, AC 5011433-34.2023.4.04.9999, NONA TURMA, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 15/04/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5011433-34.2023.4.04.9999/SC

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000682-93.2022.8.24.0052/SC

RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MARIA IGNEIS SCHOR

ADVOGADO(A): MAICON LAZIER REICHEL (OAB SC035919)

ADVOGADO(A): SAMARA TESTONI DESTRO (OAB sc036027)

RELATÓRIO

O juízo a quo assim relatou o feito (evento 44, SENT1):

Trata-se de ação Procedimento Comum Cível movida por MARIA IGNEIS SCHOR contra INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS.

Sustentou a parte autora, em síntese, que sempre trabalhou na agricultura e que, ao completar a idade prevista em lei, requereu ao INSS a concessão de aposentadoria por idade rural, benesse esta que foi negada pela autarquia previdenciária sob o argumento de que não restou comprovado o exercício de atividade rurícola pelo prazo necessário. Todavia, afirmou que o indeferimento do benefício se deu de forma indevida, porquanto preenche todos os requisitos previstos na legislação de regência. Em razão disso, requereu a concessão de aposentadoria por idade rural desde a data do requerimento administrativo. Juntou documentos (evento 1, INIC1).

Após a emenda à inicial (evento 16, EMENDAINIC1) foi deferido o benefício da justiça gratuita e determinada a citação da ré (evento 18, DESPADEC1).

Citado, o INSS apresentou contestação na qual defendeu, em resumo, a ausência dos requisitos legais necessários para a obtenção da aposentadoria por idade rural. Por fim, pugnou pela improcedência do pedido inaugural (evento 22, CONT1).

Réplica (evento 25, RÉPLICA1).

Após o saneamento do processo (evento 29, DESPADEC1), foi realizada audiência de instrução e julgamento (evento 40, TERMOAUD1 e evento 42, VÍDEO1), ocasião em que ouvidas as testemunha arroladas pela parte autora e apresentadas alegações finais de forma remissiva pela autora. Ausente a parte ré.

Os autos vieram conclusos.

É o relatório. Decido.

O dispositivo da sentença tem o seguinte teor:

Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo procedente o(s) pedido(s) formulado(s) por MARIA IGNEIS SCHOR contra INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS para:

a) declarar que a parte autora exerceu atividade rural, em regime de economia familiar, nos períodos de 01/11/1987 até 19/03/2019, cumprindo, integralmente, o período de carência e os demais requisitos exigidos pela Lei n. 8.213/1991;

b) condenar o INSS a conceder à parte autora o benefício da aposentadoria por idade rural a contar da data do requerimento administrativo (19/03/2019); e

b) condenar o INSS ao pagamento, em favor da parte autora, de uma só vez, das parcelas vencidas, respeitada a prescrição quinquenal e descontados eventuais valores recebidos administrativamente a título de benefício previdenciário e que não são acumuláveis, com correção monetária e juros de mora conforme os parâmetros constantes da fundamentação da sentença.

Condeno a autarquia previdenciária ré ainda ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados no percentual mínimo previsto no art. 85, § 3º, do Código de Processo Civil sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforma a sentença de improcedência, nos termos da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e Súmula n. 76 do TRF4.

Diante do que dispõe a Lei Estadual n. 17.654/2018, fica o ente público isento do pagamento das custas judiciais (art. 7º).

Considerando a eficácia dos provimentos fundados no artigo 497 do CPC, tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, aprioristicamente, a recurso com efeito suspensivo por se tratar de condenação de verba alimentar (art. 1.012, II, CPC/2015), determino seu cumprimento imediato no tocante à implantação do benefício.

Sentença não sujeita à remessa necessária, haja vista que o quantum da condenação, claramente, não ultrapassa o limite previsto no art. 496, § 3º, I, do CPC.

Caso interposto o recurso de apelação, intime-se a parte recorrida para contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias (artigo 1.009, §§ 1º e 2º). Após isso, encaminhem-se os autos ao e. Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Sentença registrada e publicada eletronicamente. Intimem-se.

Homologo eventual renúncia do prazo recursal, caso informado pela parte diretamente no sistema eproc quando de sua intimação eletrônica.

Transitada em julgado e pagas eventuais custas, arquivem-se.

A autarquia previdenciária opôs embargos de declaração alegando ter havido omissão quanto ao vínculo urbano do cônjuge da autora concomitante ao período rural reconhecido judicialmente (evento 52, EMBDECL1). A aparte autora apresentou contraminuta aos embargos de declaração (evento 58, PET1). O juízo de origem rejeitou os embargos declaratórios (evento 61, SENT1).

O INSS apela (evento 68, APELAÇÃO1).

Ressalta que a parte autora preencheu o requisito etário, 55 (cinquenta e cinco), em 15/08/2009, pois nascida em 15/08/1954, e requereu o benefício na via administrativa no dia 19/03/2019, ou seja, quase dez anos depois.

Alega que a prática nas lides previdenciárias revela que este é um indício de que a autora não realizava trabalho rural como segurada especial, pois trabalhadoras(es) rurais que realmente exercem tal atividade costumam estar em contato permanente com seus pares, reunidos em associações e sindicatos, nos quais há troca de informações e orientações sobre o direito à aposentadoria. Certamente não é prova, mas o argumento se sustenta na experiência comum e faz parte do contexto contrário às alegações da autora que se construiu nestes autos.

Aduz que, conforme já registrado na contestação (E22) e nos embargos declaratórios (E52), o cônjuge tem vínculos empregatícios urbanos desde 1975, com renda superior a dois/ três salários mínimos.

Afirma que há provas de que a autora, ainda que tenha exercido algum labor rural - o que só se admite para fins de argumentação - certamente não o fez na condição de segurada especial do RGPS.

Desse modo, não resta comprovado que a autora exerceu atividade rural como segurada especial do RGPS no período reconhecido na sentença, razão pela qual o INSS pede a reforma e julgamento de improcedência.

Em contrarrazões (evento 73, OUT1), a autora destaca que mesmo antes de se casar, a Apelada labora na agricultura, sendo que mesmo quando seu marido começou a trabalhar na cidade, eles continuaram a residir na área rural de Porto União/SC, e a Apelada continuou a trabalhar na agricultura.

Aduz que foi possível concluir com as provas documentais e testemunhais encartadas ao processo, que a Recorrida desenvolveu atividade rural em regime de economia familiar durante o período informado na petição inicial (01/11/1987 a 19/03/2019), o qual é superior à carência necessária para a concessão do benefício pleiteado, que é de 180 meses (quinze anos).

Afirma que as testemunhas foram unânimes em declarar que a Recorrida continuou laborando na agricultora, mesmo após o seu casamento, de modo que, o exercício de atividade urbana do esposo da Recorrida, por breves períodos não é capaz de descaracterizar a condição de segurado especial da Recorrida, máxime porque demonstrado que ela dependia da atividade rurícola para sua sobrevivência.

Assim, tem-se que não merece reparo algum a sentença proferida, devendo ser mantida a mesma em todos os seus termos, haja vista a fundamentação supra.

Vieram os autos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Aposentadoria rural por idade

A concessão de aposentadoria por idade, no caso do trabalhador rural qualificado como segurado especial (artigo 11, inciso VII, da Lei nº 8.213/1991), deve observar os seguintes requisitos:

a) idade mínima (60 anos para homens e 55 anos para mulheres);

b) exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida, ainda que de forma descontínua, independentemente do recolhimento de contribuições.

Caso dos autos

A autora, nascida em 15/08/1954, completou 55 (cinquenta e cinco) anos de idade em 15/08/2009.

O benefício de aposentadoria rural por idade, requerido em 19/03/2019, foi indeferido pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS ao argumento de "não ficou devidamente demonstrado que a autora ostenta a condição de segurada especial, em regime de economia familiar ou individual, pelo período de carência, não fazendo jus ao benefício pleiteado. Ressalte-se que a requerente já teve outro pedido de aposentadoria rural indeferido em 2009 pelo mesmo motivo (NB:1442635492)" (NB 41/194.468.495-3; evento 1, PROCADM8, p. 37).

Para a obtenção do benefício, a autora deve comprovar o trabalho, na condição de segurada especial, nos 180 meses anteriores ao cumprimento etário (de agosto de 1994 a agosto de 2009) ou à entrada do requerimento administrativo (de março de 2004 a março de 2019), ainda que de forma descontínua.

A respeito da comprovação do trabalho rural, vale mencionar os seguintes parâmetros:

- o rol de documentos aptos à comprovação do exercício da atividade rural (artigo 106 da Lei nº 8.213/1991) é apenas exemplificativo;

- a prova material possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o período posterior à data do documento, desde que corroborada por prova testemunhal (AgRg no AREsp 320558/MT, j. em 21/03/2017, DJe 30/03/2017);

- deve-se presumir a continuidade do trabalho rural nos períodos imediatamente próximos, se assim indicar a prova produzida nos autos (TRF4, 5022544-37.2013.4.04.7001, Quinta Turma, Relator Paulo Afonso Brum Vaz, juntado aos autos em 21/06/2016).

Dentre os documentos juntados pela autora, destacam-se a certidão do INCRA, em nome do esposo, Alcides Schorr, dos anos de 1992 a 2018 e a nota fiscal de produtor rural, em nome do esposo, emitida em 2012, na qual consta a autora como cônjuge (evento 1, PROCADM8, ps. 4 e 14).

Da prova testemunhal, a sentença relatou o seguinte:

Por seu turno, a prova oral produzida nos autos (gravação audiovisual - ​evento 42, VÍDEO1​) também foi capaz de corroborar a pretensão exposta na inicial, uma vez que as testemunhas ouvidas foram unânimes em afirmar que a parte requerente exerceu atividade rural em regime de economia familiar durante o período de carência exigido em lei.

A testemunha Gabriel Ruda, sob o compromisso de dizer a verdade, esclareceu que conhece a autora desde a infância. Disse que a genitora de Maria trabalhada na agricultura e que desde criança a autora auxiliava a mãe. Falou que a família nunca teve maquinário ou funcionários, que sempre exerceu trabalho braçal e que a produção era destinada ao uso da família e manutenção da criação de porco e galinha. Afirmou que após Maria se casar, continuou trabalhando na agricultura. Disse que o marido da autora durante um tempo trabalhou como motorista de caminhão de leite na parte da manhã e no período vespertino laborava na agricultura. Narrou que a autora possui quatro filhos, que também ajudam na agricultura.

No mesmo sentido tem-se a declaração da testemunha Elisabeth Seger, que disse que conheceu os pais da autora, os quais eram agricultores e que acredita que a família toda auxiliava na agricultura. Disse que a produção dos genitores da autora consistia na plantação de milho, mandioca, arroz e batata e criação de gado. Afirmou que após Maria se casar continuou trabalhando na agricultura com a família. Falou que ela não possui maquinário e que a produção é destinada ao consumo próprio e manutenção da criação de animais. Salientou que o marido de Maria era motorista do caminhão de leite, mas que a família continuou trabalhando na agricultura, consistente no plantio de batata, arroz e milho.

Em arremate o informante Bertoldo Inacio Orth disse que conheceu os pais de Maria e que trabalhavam todos na roça. Disse que após Maria se casar, continuou trabalhando na agricultura com o auxílio da família, e que não possuem maquinário ou funcionários.

Pois bem.

A autarquia previdenciária aponta que não é possível a concessão do benefício da aposentadoria por idade, pois os documentos apresentados estão em nome do esposo que, durante o período de carência, exercia atividade urbana.

Conforme o artigo 143 da Lei de Benefícios, o trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício. (Grifado.)

Verifica-se no CNIS do esposo que ele teve vínculo com o Município de Porto União entre os anos de 18/07/1994 07/07/2015 (evento 52, PET2, ps. 4-7).

No Tema 532, o STJ firmou a tese de que o trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias.

A esta regra geral, o STJ firmou a seguinte exceção no Tema 533: a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.

Nessas condições, não é possível o uso dos documentos, em nome do cônjuge, para a comprovação do efetivo exercício rural que aqui pleiteia a autora.

Ademais, a renda do marido era em torno de 3 a 4 salários mínimos, chegando até a 9 salários mínimos em 1996. Na competência de 03/2019 era de, aproximadamente, 2 salários mínimos e meio.

Não havendo, nos autos, documento em nome próprio, não faz jus a autora ao benefício da aposentadoria por idade.

Salienta-se que não é o caso de realizar a análise prevista no artigo 48, § 3º da Lei de Benefícios, uma vez que a autora não tem períodos de labor urbano.

Consequentemente, merece reforma a sentença.

Ônus sucumbenciais

Diante da sucumbência da parte autora, condeno-a ao pagamento de honorários advocatícios em favor do INSS, fixando-os em 10% sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, § 2º e §3º do CPC.

Resta suspensa a exigibilidade do autor, pois deferido o benefício da Gratuidade da Justiça (evento 18).

Honorários recursais

Os honorários recursais estão previstos no artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, que possui a seguinte redação:

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

[...]

§ 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.

No julgamento do Agravo Interno nos Embargos de Divergência em REsp nº 1.539.725, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu os requisitos para que possa ser feita a majoração da verba honorária, em grau de recurso.

Confira-se, a propósito, o seguinte item da ementa do referido acórdão:

5. É devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, § 11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente: a) decisão recorrida publicada a partir de 18.3.2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso.

No caso dos autos, não se encontrando presentes tais requisitos, não é cabível a fixação de honorários recursais.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação do INSS.



Documento eletrônico assinado por SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004343414v14 e do código CRC 26a56b79.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Data e Hora: 13/3/2024, às 13:57:53


5011433-34.2023.4.04.9999
40004343414.V14


Conferência de autenticidade emitida em 23/04/2024 12:01:27.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5011433-34.2023.4.04.9999/SC

RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MARIA IGNEIS SCHOR

VOTO DIVERGENTE

Após detida análise, peço vênia ao ilustre Relator para, divergindo de sua conclusão, negar provimento à apelação.

Trata-se de ação movida por MARIA IGNEIS SCHOR contra INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS.

Sustenta a parte autora, em síntese, que sempre trabalhou na agricultura e que, ao completar a idade prevista em lei, requereu ao INSS a concessão de aposentadoria por idade rural, benesse esta que foi negada pela autarquia previdenciária sob o argumento de que não restou comprovado o exercício de atividade rurícola pelo prazo necessário. Todavia, afirmou que o indeferimento do benefício se deu de forma indevida, porquanto preenche todos os requisitos previstos na legislação de regência. Em razão disso, requereu a concessão de aposentadoria por idade rural desde a data do requerimento administrativo. Juntou documentos (evento 1, INIC1).

Sentenciando, a MMª Juíza a quo julgou procedente o pedido, declarando que a parte autora exerceu atividade rural, em regime de economia familiar, nos períodos de 01/11/1987 até 19/03/2019, cumprindo, integralmente, o período de carência e os demais requisitos exigidos pela Lei n. 8.213/1991; e condenando o INSS a conceder à parte autora o benefício da aposentadoria por idade rural a contar da data do requerimento administrativo (19/03/2019).

O INSS apelou sustentando que o cônjuge da autora tem vínculos empregatícios urbanos desde 1975, com renda superior a dois/ três salários mínimos, razão pela qual ela não preenche os requisitos necessários à obtenção da aposentadoria por idade rural.

Caso concreto

A autora, nascida em 15/08/1954, completou 55 (cinquenta e cinco) anos de idade em 15/08/2009.

O benefício de aposentadoria rural por idade, requerido em 19/03/2019, foi indeferido pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS ao argumento de "não ficou devidamente demonstrado que a autora ostenta a condição de segurada especial, em regime de economia familiar ou individual, pelo período de carência, não fazendo jus ao benefício pleiteado. Ressalte-se que a requerente já teve outro pedido de aposentadoria rural indeferido em 2009 pelo mesmo motivo (NB:1442635492)" (NB 41/194.468.495-3; evento 1, PROCADM8, p. 37).

Para a obtenção do benefício, a autora deve comprovar o trabalho, na condição de segurada especial, nos 180 meses anteriores ao cumprimento etário (de agosto de 1994 a agosto de 2009) ou à entrada do requerimento administrativo (de março de 2004 a março de 2019), ainda que de forma descontínua.

Dentre os documentos juntados pela autora, destacam-se a certidão do INCRA, em nome do esposo, Alcides Schorr, dos anos de 1992 a 2018 e a nota fiscal de produtor rural, em nome do esposo, emitida em 2012, na qual consta a autora como cônjuge (evento 1, PROCADM8, ps. 4 e 14).

Da prova testemunhal, a sentença relatou o seguinte:

Por seu turno, a prova oral produzida nos autos (gravação audiovisual - ​evento 42, VÍDEO1​) também foi capaz de corroborar a pretensão exposta na inicial, uma vez que as testemunhas ouvidas foram unânimes em afirmar que a parte requerente exerceu atividade rural em regime de economia familiar durante o período de carência exigido em lei.

A testemunha Gabriel Ruda, sob o compromisso de dizer a verdade, esclareceu que conhece a autora desde a infância. Disse que a genitora de Maria trabalhada na agricultura e que desde criança a autora auxiliava a mãe. Falou que a família nunca teve maquinário ou funcionários, que sempre exerceu trabalho braçal e que a produção era destinada ao uso da família e manutenção da criação de porco e galinha. Afirmou que após Maria se casar, continuou trabalhando na agricultura. Disse que o marido da autora durante um tempo trabalhou como motorista de caminhão de leite na parte da manhã e no período vespertino laborava na agricultura. Narrou que a autora possui quatro filhos, que também ajudam na agricultura.

No mesmo sentido tem-se a declaração da testemunha Elisabeth Seger, que disse que conheceu os pais da autora, os quais eram agricultores e que acredita que a família toda auxiliava na agricultura. Disse que a produção dos genitores da autora consistia na plantação de milho, mandioca, arroz e batata e criação de gado. Afirmou que após Maria se casar continuou trabalhando na agricultura com a família. Falou que ela não possui maquinário e que a produção é destinada ao consumo próprio e manutenção da criação de animais. Salientou que o marido de Maria era motorista do caminhão de leite, mas que a família continuou trabalhando na agricultura, consistente no plantio de batata, arroz e milho.

Em arremate o informante Bertoldo Inacio Orth disse que conheceu os pais de Maria e que trabalhavam todos na roça. Disse que após Maria se casar, continuou trabalhando na agricultura com o auxílio da família, e que não possuem maquinário ou funcionários.

No caso em tela, é forçoso reconhecer que a percepção de cerca de 3 (três) salários mínimos pelo esposo da autora, com exceção de alguns poucos meses em que salário foi maior, não torna dispensável o labor rural da demandante. Com efeito, não há confundir diminuto rendimento, com rendimento inexpressivo.

A jurisprudência do Egrégio STJ também entende que rendimentos provenientes de trabalho ou benefício previdenciário urbano do cônjuge não infirmam a condição de segurada especial:

"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. SEGURADA ESPECIAL.

O fato do marido da Autora ser aposentado e seu filho pedreiro não afasta a qualidade de segurada especial da mesma para obtenção da aposentadoria rural por idade. Recurso conhecido e provido" (REsp 289.949/SC, Quinta Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 04/02/2002).

Na oportunidade, asseverou o saudoso Ministro em seu voto que "De fato, a autora não perde a qualidade de segurada especial, pois só deixa de ser considerado como tal o membro da família que possuir outra fonte de rendimento decorrente do exercício de atividade remunerada, de arrendamento de imóvel rural ou aposentadoria, no presente caso, o marido e o filho, e nunca a Autora, que comprovou ter laborado exclusivamente na lavoura por toda a vida, fazendo jus ao benefício da aposentadoria por idade (sem grifos no original).

Outro não é o entendimento esposado pela doutrina, consoante se observa das judiciosas lições de Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Junior, in Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social, 2ª Edição, Ed. Esmafe, 2002, págs. 67/68, ao afirmarem que, litteris: Desse modo, somente estaria descaracterizado o regime de economia familiar quando a renda obtida com a outra atividade fosse suficiente para a manutenção da família, de modo a tornar dispensável a atividade agrícola. (...) . Caso o entendimento seja diverso, como já referimos, apenas atingiria o membro do grupo familiar que percebe tal rendimento, não prejudicando a condição de segurado especial dos demais trabalhadores rurais.?

Assim, o exercício de atividade urbana por um dos membros da família não pode ser generalizado para descaracterizar o regime de economia familiar em caráter absoluto, encontrando aplicação também a Súmula nº 41 da TNU: A circunstância de um dos integrantes do núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica, por si só, a descaracterização do trabalhador rural como segurado especial, condição que deve ser analisada no caso concreto.

Um entendimento em sentido contrário deixaria desamparados trabalhadores rurais que não podiam recolher contribuições porque o sistema previdenciário não lhes oportunizava.

Não se pode, por outro lado, apagar do patrimônio jurídico desses trabalhadores rurais os efeitos do trabalho que efetivamente desenvolveram transformando-o em um nada.

Ademais, ao julgar o Tema 532 (REsp 1304479/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012), o Egrégio STJ firmou a seguinte tese: O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).

Certamente, com esse patamar salarial, o trabalho rural da segurada era fundamental para a manutenção do sustento familiar, especialmente no contexto de inflação vivenciada nesta década, que tanto prejudica as famílias mais humildes do Brasil. Ademais, o adjutório da autora à economia familiar não pode ser considerado apenas em função dos valores auferidos com a produção agrícola, mas sim a partir de uma análise mais ampla, que leva em consideração a fundamentalidade do papel da trabalhadora rural para viabilizar o próprio trabalho do cônjuge, notadamente na zeladoria da casa, com inúmeros afazeres domésticos, e no amparo dos filhos na primeira infância, dada a absoluta inexistência de escolas de educação infantil na zona rural.

De mais a mais, não é possível punir duplamente as trabalhadoras rurais ao sonegar a adequada proteção previdenciária, justamente em face da desigualdade salarial que impera no país entre homens e mulheres. Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça preconiza o julgamento em perspectiva de gênero em matéria previdenciária:

A ausência de critérios objetivos e o necessário exercício de um juízo de valor a respeito da modalidade de trabalho desenvolvida pelo produtor rural em nada contribui para a proteção previdenciária da mulher trabalhadora rural. Isso ocorre porque o poder simbólico, que parte do paradigma do trabalho masculino para atribuir valor ao trabalho feminino, acaba operando na lógica da decisão. Mesmo que a mulher dedique a mesma quantidade de horas de trabalho rural quanto o homem, ou que seu trabalho seja tão duro quanto o do companheiro ou familiar, a sua comprovação depende de um esforço probatório qualificado, o qual decorre da presunção derivada do senso comum, de que o homem é o provedor, e de que cabe à mulher uma função meramente “auxiliar”. Assim, se a família labora no campo em pequenas propriedades, ao homem está formada automaticamente a convicção de que ele lavra a terra. À esposa, tal presunção não se faz a priori. Dela comumente se exige a prova de que o tempo dedicado ao trabalho doméstico não tenha consumido a maior parte das horas do dia, o que conduz a decisão sobre reconhecer ou não o trabalho em regime de economia familiar a um espaço maior de discricionariedade judicial. Como as dinâmicas sociais partem simbolicamente da premissa da essencialidade do trabalho masculino e da eventualidade do trabalho feminino, a autoridade administrativa ou o juiz acabam por presumir essa realidade simbólica e, inconscientemente, exigem das mulheres uma prova mais robusta do seu trabalho como produtora rural, assim como um esforço maior de justificação. (...) A jurisprudência já pacificou que o trabalho urbano de um dos membros da família não descaracteriza necessariamente o regime de economia familiar dos demais trabalhadores do núcleo familiar. Ou seja, mesmo que um dos componentes do núcleo familiar realize trabalho urbano, isso não descaracteriza os demais membros da família como segurados especiais. No entanto, a decisão quanto à essencialidade do trabalho rural se altera, conforme o trabalhador urbano seja um homem ou uma mulher. (Conselho Nacional de Justiça (Brasil). Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero [recurso eletrônico] / Conselho Nacional de Justiça. — Brasília : Conselho Nacional de Justiça – CNJ; Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados — Enfam, 2021, p. 81. Disponível em protocolo-18-10-2021-final.pdf (cnj.jus.br), acesso em 19-04-2021.

Diante da tamanha discrepância, que no Brasil assume contornos de autêntica discriminação sistêmica contra a mulher, o CNJ recomendou, expressamente, que "as julgadoras e os julgadores devem considerar estudos que apontam as trabalhadoras rurais como responsáveis por inúmeros lares e agentes que empregam o seu rendimento prioritariamente para o sustento das famílias, e não em gastos pessoais. Assim, a realização de atividades precárias e “bicos” (manicure, diarista etc.) necessários à subsistência não deve ser circunstância que, por si só, afasta a qualidade de segurada especial das mulheres;"

Dessarte, é imperativo o reconhecimento do valor do trabalho rural da segurada especial, a despeito da mínima superioridade do salário do marido urbano, sob pena de aprofundar odiosa forma de discriminação, incompatível com os valores preconizados pelo art. 5º, inciso I, da Constituição da República, bem como privar a mulher do acesso aos direitos previdenciários.

Note-se que a superação desse paradigma machista de desqualificação do trabalho da mulher no campo em face dos rendimentos do marido é essencial à permanência da mulher trabalhadora no meio rural em meio ao êxodo do campo para as grandes cidades, conforme leciona a emérita professora de Sociologia da UFRGS Anita Brumer (Estudos Feministas, Florianópolis, 12(1): 205-227, janeiro-abril/2004, p. 225, disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/ view/S0104-026X2004000100011/8695, acesso em 20 abr 2023): ".... devido às desigualdades de gênero, que atribuem às mulheres (principalmente às mulheres jovens) uma posição subordinada na estrutura familiar– evidenciada na distribuição das atividades nas esferas de produção e de reprodução,do poder e do acesso à propriedade da terra –, as mulheres têm menores perspectivas profissionais e motivação para permanecer no meio rural do que os homens."

Com efeito, qual o estímulo que terá uma jovem agricultora em continuar nas lides campesinas após o Judiciário ratificar o entendimento da Administração previdenciária de que ela não ostenta a qualidade de segurada especial? Se não é segurada especial para jubilar-se quando o avançar da idade inviabilizar a continuidade de trabalho, não será para eventualmente usufruir auxílio-acidente ou auxílio por incapacidade temporária, em caso de sequelas de acidente ou impossibilidade de trabalhar quando estiver doente. Com tais e pesadas adversidades, a mulher seguirá trabalhando na lavoura ou irá migrar para a primeira oportunidade de emprego de natureza urbana que surgir?

Portanto, cabe ao intérprete da norma previdenciária considerar a opção política do constituinte em proteger o mercado de trabalho da mulher (art. 7º, inciso II, da CR), máxime quando a República Federativa do Brasil incorporou a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002), cujo artigo é de aplicação imprescindível no caso concreto:

Artigo 14

1. Os Estados-Partes levarão em consideração os problemas específicos enfrentados pela mulher rural e o importante papel que desempenha na subsistência econômica de sua família, incluído seu trabalho em setores não-monetários da economia, e tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar a aplicação dos dispositivos desta Convenção à mulher das zonas rurais.

2. Os Estados-Partes adotarão todas as medias apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher nas zonas rurais a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, que elas participem no desenvolvimento rural e dele se beneficiem, e em particular as segurar-lhes-ão o direito a: [...] c) Beneficiar-se diretamente dos programas de seguridade social;

Esse documento internacional trouxe a ideia de igualdade (igualdade como conceito relacional) no viés da anti-subordinação (igualdade como proibição de discriminação), conceito que ganhou status constitucional a partir da leitura conjunta do § 3º do art. 5º da Constituição Federal com o artigo 2º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

A partir da análise do direito internacional dos direitos humanos, Rodríguez-Piñero e López (Igualdad y discriminación. Madrid: Tecnos, 1986, p. 167 et seq.), ainda no ano de 1986 e cientes da dificuldade em definir discriminação, identificam o núcleo comum do conceito veiculado nos diplomas internacionais da seguinte forma:

(i) “la discriminación presupone, en primer lugar, una diferenciación de trato frente a la norma stándar, que se actúa ‘contra’ el sujeto discriminado”;

(ii) “el origen inmediato de buena parte de las situaciones discriminatorias enlaza directamente con ciertos rasgos característicos de la conformación de una sociedad”;

(iii) “la diferenciación de tratamiento debe basarse, precisamente, en una de las razones expresamente excluidas en el artículo 14.II CE, y que contradicen el postulado de igual dignidad de los seres humanos”;

(iv) la diferenciación de trato en que consiste la discriminación tiene como destinatarios por parte pasiva a seres humanos, individualmente o em grupo”;

(v) “la diferencia de trato debe tener un especifico resultado, del que ha sido medio esa diferenciación, y que consiste en la creación de una situación discriminatoria objetiva, que anule o menoscabe para el discriminado el goce de determinados derechos, ventajas o beneficios, que perjudique sus intereses o que agrave las cargas”.

Roger Raupp Rios, em clássica obra e por sua vez, formula a seguinte definição de discriminação: “qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha o propósito ou o efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos econômico, social, cultural ou em qualquer campo da vida pública” (Direito da antidiscriminação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 20), fenômeno especialmente verificado em condutas negligentes e, inclusive, por indiferenciação (MENDAZONA, Edorta Cobreros. Discriminación por indiferenciación: estudio y propuesta. Revista Española de Derecho Constitucional. Madrid, n. 81, p. 71-114, sep./-dic. 2007).

Lembro que a ordem jurídica nacional veda tanto a discriminação direta quanto a discriminação indireta, também conhecida como discriminação por impacto desproporcional. Leio em Joaquim Barbosa Gomes (Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: o direito como instrumento de transformação social. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 23) a distinção respectiva:

Nos termos dessa teoria, em vez da busca da igualdade através da trivial coibição do tratamento discriminatório, cumpre combater a ‘discriminação indireta’, ou seja, aquela que redunda em uma desigualdade não oriunda de atos concretos ou de manifestação expressa de discriminação por parte de quem quer que seja, mas de práticas administrativas, empresariais ou de políticas públicas aparentemente neutras, porém dotadas de grande potencial discriminatório.

A Previdência Social, portanto, desempenha papel essencial na preservação de direitos de lavradoras e lavradores no campo para assegurar o desenvolvimento da agricultura familiar, cuja diversidade de culturas, asseguram a alimentação do povo brasileiro em alternativa à agropecuária, consabidamente marcada pela monocultura de exportação. Logo, não é razoável privilegiar uma exegese tão restritiva quando nem o próprio legislador ordinário incorreu em tamanho rigor.

Desse modo, considero sobejamente comprovada a qualidade de segurada especial no período correspondente à carência, devendo ser concedido o benefício requisitado pela autora, conforme a jurisprudência deste Regional:

PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. CONCESSÃO. PRESCRIÇÃO. SEGURADA ESPECIAL. TRABALHADORA RURAL. PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. [...] 4. O fato do cônjuge da autora desenvolver atividade urbana, por si só, não obsta o reconhecimento do labor agrícola desta, mormente quando demonstrado que o trabalho da autora é exercido individualmente, independentemente do labor do esposo, não havendo elementos que comprovam que a atividade urbana desenvolvida pelo marido é suficiente para a manutenção da entidade familiar. 5. Hipótese em que a prova testemunhal foi unânime e consistente ao corroborar o início de prova material apresentado, confirmando o labor rural da autora. (TRF4, AC 5016341-71.2022.4.04.9999, DÉCIMA TURMA, Relatora Desembargadora Federal CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 29/03/2023)

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. REQUISITOS LEGAIS. INÍCIO DE PROVA MATERIAL, COMPLEMENTADA POR PROVA TESTEMUNHAL. RENDIMENTO URBANO DO CÔNJUGE URBANO. QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL. JULGAMENTO EM PERSPECTIVA DE GÊNERO. RECURSO PROVIDO. 1. É devido o benefício de aposentadoria rural por idade, nos termos dos artigos 11, VII, 48, § 1º e 142, da Lei nº 8.213/1991, independentemente do recolhimento de contribuições quando comprovado o implemento da idade mínima (sessenta anos para o homem e cinquenta e cinco anos para a mulher) e o exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida, mediante início de prova material complementada por prova testemunhal idônea. 2. Quando o segurado comprova judicialmente o efetivo labor rural, na qualidade de segurado especial, e encontram-se satisfeitos os demais requisitos legais, tem ele direito à concessão do benefício de aposentadoria por idade rural. 3. O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar. 4. Hipótese em que, a despeito da renda urbana do cônjuge de cerca de 3 (três) salários mínimos, o trabalho rural da segurada era fundamental para a manutenção do sustento familiar, especialmente no contexto de inflação vivenciada nesta década, que tanto prejudica as famílias mais humildes do Brasil. Ademais, o adjutório da autora à economia familiar não pode ser considerado apenas em função dos valores auferidos com a produção agrícola, mas sim a partir de uma análise mais ampla, que leva em consideração a fundamentalidade do papel da trabalhadora rural para viabilizar o próprio trabalho do cônjuge, notadamente na zeladoria da casa, com inúmeros afazeres domésticos, e no amparo dos filhos na primeira infância, dada a absoluta inexistência de escolas de educação infantil na zona rural. 5. De mais a mais, não é possível punir duplamente as trabalhadoras rurais ao sonegar a adequada proteção previdenciária, justamente em face da desigualdade salarial que impera no país entre homens e mulheres. Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça preconiza o julgamento em perspectiva de gênero em matéria previdenciária: "as julgadoras e os julgadores devem considerar estudos que apontam as trabalhadoras rurais como responsáveis por inúmeros lares e agentes que empregam o seu rendimento prioritariamente para o sustento das famílias, e não em gastos pessoais. Assim, a realização de atividades precárias e “bicos” (manicure, diarista etc.) necessários à subsistência não deve ser circunstância que, por si só, afasta a qualidade de segurada especial das mulheres;". 6.A Previdência Social, portanto, desempenha papel essencial na preservação de direitos de lavradoras e lavradores no campo para assegurar o desenvolvimento da agricultura familiar, cuja diversidade de culturas, assegura a alimentação do povo brasileiro em alternativa à agropecuária, consabidamente marcada pela monocultura de exportação. Logo, não é razoável privilegiar uma exegese tão restritiva quando nem o próprio legislador ordinário incorreu em tamanho rigor. 7. Recurso da parte autora provido. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5014316-85.2022.4.04.9999, 9ª Turma, de minha relatoria, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 16/06/2023)

Desse modo, conforme é possível concluir, as provas documentais e testemunhais encartadas ao processo demonstram, de forma robusta, que a parte demandante desenvolveu atividade rural em regime de economia familiar durante o período informado na petição inicial (01/11/1987 a 19/03/2019), o qual é superior à carência necessária para a concessão do benefício pleiteado, que é de 180 meses (quinze anos), conforme tabela do artigo 142 da Lei de Benefício com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995.

Como se pode observar, o acervo probatório indica que a parte autora efetivamente exerceu atividade rural no período correspondente à carência, fazendo jus ao benefício desde 19/03/2019 (DER).

Conclusão sobre o direito da parte autora à aposentadoria por idade rural

Dessarte, a parte autora faz jus ao benefício de aposentadoria por idade rural desde 19/03/2019 (data do requerimento), razão pela não há falar em prescrição quinqüenal, haja vista que a presente demanda foi ajuizada em 15/02/2022, impondo-se a manutenção da sentença.

Dos consectários

Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:

Correção monetária

A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:

- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, D DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-102019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.

Juros moratórios

Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009.

A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema 810 da repercussão geral (RE 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22/09/2017.

SELIC

A partir de dezembro de 2021, a variação da SELIC passa a ser adotada no cálculo da atualização monetária e dos juros de mora, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021:

"Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente."

Honorários advocatícios recursais

Confirmada a sentença no mérito, majoro a verba honorária, elevando-a de 10% para 15% (quinze por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 111 do STJ), considerando as variáveis do artigo 85, § 2º, incisos I a IV, do CPC.

Custas Processuais

O INSS é isento do pagamento de custas (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).

Tutela específica - implantação do benefício

Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do NCPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, especialmente diante do seu caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.

TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB
CUMPRIMENTOImplantar Benefício
NB1944684953
ESPÉCIEAposentadoria por Idade
DIB19/03/2019
DIPPrimeiro dia do mês da decisão que determinou a implantação/restabelecimento do benefício
DCB
RMIA apurar
OBSERVAÇÕES

Requisite a Secretaria da 9ª Turma desta Corte, à CEAB-DJ-INSS-SR3, o cumprimento da decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de 20 (vinte) dias.

Conclusão

Confirma-se a sentença que concedeu a aposentadoria por idade rural à autora a contar de 19/03/2019 (DER).

Dispositivo

Ante o exposto, divergindo do i. Relator, com a devida vênia, voto por negar provimento à apelação, determinando a imediata implantação do benefício, via CEAB.



Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004394898v5 e do código CRC 7140bac3.Informações adicionais da assinatura:
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5011433-34.2023.4.04.9999
40004394898.V5


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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5011433-34.2023.4.04.9999/SC

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000682-93.2022.8.24.0052/SC

RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MARIA IGNEIS SCHOR

ADVOGADO(A): MAICON LAZIER REICHEL (OAB SC035919)

ADVOGADO(A): SAMARA TESTONI DESTRO (OAB sc036027)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. REQUISITOS não PREENCHIDOS. reforma da sentença.

1. A concessão de aposentadoria por idade, no caso do trabalhador rural qualificado como segurado especial, deve observar os seguintes requisitos: idade mínima (60 anos para homens e 55 anos para mulheres); exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida, independentemente do recolhimento de contribuições.

2. No caso dos autos, não faz jus a autora ao benefício de aposentadoria por idade.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por maioria, vencidos o Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ e o Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES, dar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 12 de abril de 2024.



Documento eletrônico assinado por SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004343415v5 e do código CRC 394ee251.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Data e Hora: 15/4/2024, às 14:28:16


5011433-34.2023.4.04.9999
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Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 05/03/2024 A 12/03/2024

Apelação Cível Nº 5011433-34.2023.4.04.9999/SC

RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

PROCURADOR(A): SERGIO CRUZ ARENHART

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MARIA IGNEIS SCHOR

ADVOGADO(A): MAICON LAZIER REICHEL (OAB SC035919)

ADVOGADO(A): SAMARA TESTONI DESTRO (OAB sc036027)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 05/03/2024, às 00:00, a 12/03/2024, às 16:00, na sequência 719, disponibilizada no DE de 23/02/2024.

Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

APÓS O VOTO DO DESEMBARGADOR FEDERAL SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ NO SENTIDO DE DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E A DIVERGÊNCIA INAUGURADA PELO DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ NO SENTIDO DE NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, DETERMINANDO A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, VIA CEAB, NO QUE FOI ACOMPANHADO PELO JUIZ FEDERAL FRANCISCO DONIZETE GOMES, O JULGAMENTO FOI SOBRESTADO NOS TERMOS DO ART. 942 DO CPC/2015.

Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES

LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA

Secretária

MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES

Divergência - GAB. 91 (Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ) - Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ.



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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 05/04/2024 A 12/04/2024

Apelação Cível Nº 5011433-34.2023.4.04.9999/SC

RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MARIA IGNEIS SCHOR

ADVOGADO(A): MAICON LAZIER REICHEL (OAB SC035919)

ADVOGADO(A): SAMARA TESTONI DESTRO (OAB sc036027)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 05/04/2024, às 00:00, a 12/04/2024, às 16:00, na sequência 865, disponibilizada no DE de 22/03/2024.

Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO, APÓS OS VOTOS DAS DESEMBARGADORAS FEDERAIS ANA CRISTINA FERRO BLASI E ELIANA PAGGIARIN MARINHO ACOMPANHANDO O RELATOR, A 9ª TURMA DECIDIU, POR MAIORIA, VENCIDOS O DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ E O JUIZ FEDERAL FRANCISCO DONIZETE GOMES, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO

Secretária

MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES

Acompanha o(a) Relator(a) - GAB. 112 (Des. Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO) - Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO.

Acompanho o(a) Relator(a)

Acompanha o(a) Relator(a) - GAB. 113 (Des. Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI) - Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI.

Acompanho o(a) Relator(a)



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