
Apelação Cível Nº 5012219-78.2023.4.04.9999/SC
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0301092-54.2018.8.24.0069/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ENOI CARDOSO RAUPP
ADVOGADO(A): ELISON FABIANO COSTA GOMES (OAB SC023195)
ADVOGADO(A): ELEN FABRINI COSTA GOMES (OAB SC035623)
RELATÓRIO
O juízo a quo assim relatou o feito (evento 94, SENT1):
Enoi Cardoso Raupp ajuizou ação em face de Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, alegando que exerce a atividade rurícola familiar desde a tenra idade, com seus pais. Afirmou que apesar de ter preenchido todos os requisitos necessários para a aposentadoria especial, a autarquia entendeu que não havia prova da atividade rural. Pugnou pela condenação da autarquia na concessão da aposentadoria por idade rural, reconhecendo a atividade rural no período indicado na inicial. Juntou documentos (evento 1).
Concedida a gratuidade de justiça à autora (evento 3).
Regulamente citado o réu apresentou contestação (evento 9) alegando, em resumo, que não restaram comprovados os requisitos necessários para concessão do benefício, motivo pelo qual entende que os pedidos iniciais devem ser julgados improcedentes.
Houve réplica (evento 13).
A parte autora apresentou rol de testemunhas (evento 29).
Realizada audiência de instrução e julgamento, procedeu-se a oitiva das testemunhas arroladas (evento 87).
O requerido apresentou alegações finais no evento 91.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório.
Decido.
O dispositivo da sentença tem o seguinte teor:
Ante o exposto, com análise de mérito, na forma do art. 487, I, do CPC, julgo procedente o pedido deduzido na inicial para condenar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a conceder em favor da autora o benefício de aposentadoria por idade rural, a partir da data do requerimento administrativo, em 23/03/2016 e, por consequência, julgo extinto o processo.
Os valores devidos ficam sujeitas aos índices oficiais de correção monetária e de juros de mora na forma da fundamentação.
Feito isento de custas, despesas processuais ou taxas judiciais, exceto aquelas não abrangidas pela isenção legal, nos termos do artigo 7º, I, da Lei Estadual n. 17.654/18, e no artigo 33, § 1º, da Lei Complementar n. 156/97.
Condeno a parte requerida ao pagamento de honorários advocatícios ao procurador da parte autora, que arbitro em 10% sobre as parcelas vencidas até a data da publicação desta sentença (Súmula n. 111 do STJ), observados os pressupostos legais relacionados à Fazenda Pública (art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC).
Sentença não sujeita ao reexame necessário (CPC, art. 496, §3º, I).
Publicada eletronicamente e intimadas as partes.
No caso de apresentação de recurso de apelação, intime-se a parte contrária para apresentar contrarrazões, no prazo legal (art. 1.010, § 1º, do CPC). Após, independente de nova conclusão, remetam-se os autos à Instância Superior (art. 1.010, § 3º, do CPC).
Transitada em julgado, certifique-se e, cumpridas as formalidades legais, arquive-se os autos definitivamente, com as devidas anotações no sistema.
O INSS apela (evento 100, APELAÇÃO1). Em suas razões alega que não há comprovação da alegada atividade rural como segurada especial.
Aduz que a fundamentação é genérica e não especifica qual seria a "prova material suficiente" para comprovar o alegado direito da parte autora.
Referindo-se ao CNIS do cônjuge da autora, no qual consta o efetivo exercício de labor urbano entre os anos de 1973 e 1994, afirma que há provas de que a autora, ainda que tenha exercido algum labor rural - o que só se admite para fins de argumentação - certamente não o fez na condição de segurada especial do RGPS.
Em contrarrazões (evento 108, CONTRAZ1), a autora afirma que são imprestáveis as alegações da autarquia, com cunho meramente protelatório, uma vez que a prova documental, corroborada a prova testemunhal produzida, atestam a saciedade a comprovação dos requisitos para a concessão de benefício pleiteado.
Alega que, no momento em que ingressou com o pedido do benefício, inegavelmente encontrava-se em gozo da qualidade de segurada, uma vez que verteu contribuições pelo período de 01/02/2014 á 31/10/2015, conforme extrato de CNIS anexado pela própria autarquia.
Aduz que ainda que tal fato seja dispensado, vê-se que indubitavelmente a autora cumpriu os requisitos autorizadores a concessão de seu benefício a saciedade, não havendo motivos que deem guarida a insatisfação da autarquia.
Sustenta que no tocante ao exercício de labor urbano por parte do esposo, a jurisprudência é uníssona em reconhecer, que o trabalho urbano desenvolvido por uma pessoa do grupo familiar, não possui o condão de desconsiderar o reconhecimento do labor em caráter de regime de economia familiar, como no presente caso, sob pena de punir duplamente o trabalhador, que exerceu atividade penosa por toda sua vida.
Vieram os autos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Aposentadoria rural por idade
A concessão de aposentadoria por idade, no caso do trabalhador rural qualificado como segurado especial (artigo 11, inciso VII, da Lei nº 8.213/1991), deve observar os seguintes requisitos:
a) idade mínima (60 anos para homens e 55 anos para mulheres);
b) exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida, ainda que de forma descontínua, independentemente do recolhimento de contribuições.
Caso dos autos
A autora, nascida em 02/12/1946, completou 55 (cinquenta e cinco) anos de idade em 02/12/2001.
O benefício de aposentadoria rural por idade, requerido em 23/03/2016, foi indeferido pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS ao argumento de "FALTA DE PERÍODO DE CARÊNCIA - NÃO COMPROVOU EFETIVO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL." (NB 41/171.020.653-2; evento 1, INF17).
Para a obtenção do benefício, a autora deve comprovar o trabalho, na condição de segurado especial, nos 120 meses anteriores ao cumprimento etário (03/12/1991 a 02/12/2001) ou nos 180 meses anteriores à data de requerimento (24/03/2001 a 23/03/2016), de acordo com os artigos 142 e 143 da Lei de Benefícios.
A respeito da comprovação do trabalho rural, vale mencionar os seguintes parâmetros:
- o rol de documentos aptos à comprovação do exercício da atividade rural (artigo 106 da Lei nº 8.213/1991) é apenas exemplificativo;
- a prova material possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o período posterior à data do documento, desde que corroborada por prova testemunhal (AgRg no AREsp 320558/MT, j. em 21/03/2017, DJe 30/03/2017);
- deve-se presumir a continuidade do trabalho rural nos períodos imediatamente próximos, se assim indicar a prova produzida nos autos (TRF4, 5022544-37.2013.4.04.7001, Quinta Turma, Relator Paulo Afonso Brum Vaz, juntado aos autos em 21/06/2016).
Dentre os documentos juntados pela autora, destacam-se os comprovantes do ITR:
- Em nome do genitor com datas de emissão nos anos de 1967, 1979, 1980, 1986, 1987, 1988 e 1989 (evento 1: INF11, ps. 5, 8 e 10-15; INF21 e INF22 ); e
- Em nome do cônjuge com datas de emissão nos anos de 1975, 1976 (evento 1: INF11, ps. 7 e 8; INF19 e INF20).
Salienta-se que, conforme a Súmula 73 deste Tribunal, admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.
Para complementação da prova documental e instrução dos autos judiciais, foi produzida prova oral.
Destacam-se os seguintes trechos dos depoimentos das testemunhas (evento 87, VIDEO2):
Nelci da Rosa Vieira afirma que conhece a autora há quase 30 anos, que a autora trabalhava na lavoura, que plantavam banana, mandioca, feijão, que a autora trabalhava com o esposo, que só família trabalhava na roça.
Dolvina Cardoso Serafim afirma que foi criada junto com a autora, que a autora trabalhava na roça, que a família plantava feijão, milho, que chegou a trocar dias com a autora, que a autora trabalhava com a família também.
Marli Cardoso Farias afirma que conhece a autora desde pequena, que não chegou a presenciar a autora trabalhando na lavoura, mas que o pai dela trabalhava e que ela ajudava, que eles plantavam mandioca, milho, que a autora trabalhava com a família.
A sentença expôs as seguintes conclusões:
No particular, cumpre registrar que a autarquia não reconheceu nenhum período de labor rurícula da autora, havendo necessidade da comprovação de 180 meses de atividade.
A atividade rural pode ser comprovada mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea, não se admitindo exclusivamente (art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91 e Súmula 149 do STJ).
Os documentos acostados aos autos comprovam o tempo de carência exigido pela legislação.
No caso, muito embora os documentos não se refiram a cada período em controvérsia, há diversos documentos referentes ao período abrangido pelo pedido, devendo prevalecer, na espécie, o princípio da continuidade do labor rural, de modo que, considerando a existência de documentos em nome da própria parte e de membros integrantes de sua família comprovam a permanência no meio rural durante os anos requeridos.
Além das provas documentais trazidas aos autos, na audiência de instrução e julgamento foram ouvidas as testemunhas e todas foram unânimes em afirmar, em síntese, que a autora sempre laborou no campo, com os pais, desde criança, em regime de economia familiar, cultivando feijão, mandioca, milho, banana, e que possuiam criação de galinha e gado, tudo para a sobrevivência da família. Dos relatos, constata-se, também, que após o casamento a autora permanceceu trabalhando na lavoura com seu marido.
No presente caso, a parte autora pretende o reconhecimento da atividade rural exercida no período de 1958 a 1988.
Verifica-se que os documentos são corroborados com o relato das testemunhas inquiridas, porquanto extrai-se a informação de que a parte autora, exerceu atividade agrícola por mais de 15 (quinze) anos.
Nesse cenário, verifica-se que os requisitos necessários ao deferimento do benefício se acham preenchidos.
Procedente o pedido.
Pois bem.
Alega o INSS que o cônjuge exerceu labor urbano no período de carência e que não há prova material que comprove a alegada atividade rural da autora.
Verifica-se no CNIS do cônjuge que ele exerceu atividade urbana entre os anos de 1973 a 1994.
No Tema 532, o STJ firmou a tese de que o trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias.
A esta regra geral, o STJ firmou a seguinte exceção no Tema 533: a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.
Nessas condições, não é possível o uso dos documentos, em nome do cônjuge, para a comprovação do efetivo exercício rural que aqui pleiteia a autora.
Quanto aos documentos do genitor, primeiramente, tem-se que eles só são possíveis de serem utilizados como início de prova material para o período em que a autora vivia com o seu grupo familiar originário. No caso, até a data do casamento, em 24/05/1969 (evento 1, OUT6). Pois, com o casamento a autora formou um novo grupo familiar com o seu cônjuge.
Frisa-se que, no ponto, a prova testemunhal não deixa evidente se a autora, após o casamento, exerceu atividade rural com seu núcleo original.
Ademais, os documentos do genitor não são contemporâneos ao período de carência, seja a contar do cumprimento do requisito etário, seja da entrada do requerimento.
Desse modo, os documentos do genitor, corroborados pela prova testemunhal, só permitem reconhecer o período de 02/12/1958 a 23/05/1969.
Em conclusão, não é possível a concessão do benefício da aposentadoria por idade por não ter a autora exercido atividade rural, em regime de economia familiar, nos 180 meses imediatamente anteriores ao requerimento administrativo.
Deixa-se de analisar a possibilidade da concessão de aposentadoria híbrida por idade, pois verifica-se no CNIS que a autora tem somente 1 anos e 9 meses de contribuição à Previdência como facultativa, e o tempo rural aqui reconhecido é de, apenas, 10 anos, 5 meses e 22 dias.
A sentença deve ser reformada.
Ônus sucumbenciais
Incumbe à autora o pagamento de honorários advocatícios, custas e despesas processuais.
Tendo em vista os critérios estabelecidos no artigo 85 do Código de Processo Civil, os honorários advocatícios são fixados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa.
Quanto à exigibilidade das verbas de sucumbência, deve ser observado que a decisão do evento 3 dispôs: "Defiro o benefício da justiça gratuita ao autor".
Honorários recursais
Os honorários recursais estão previstos no artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, que possui a seguinte redação:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
[...]
§ 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.
No julgamento do Agravo Interno nos Embargos de Divergência em REsp nº 1.539.725, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu os requisitos para que possa ser feita a majoração da verba honorária, em grau de recurso.
Confira-se, a propósito, o seguinte item da ementa do referido acórdão:
5. É devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, § 11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente: a) decisão recorrida publicada a partir de 18.3.2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso.
Não estando presentes tais requisitos, não é o caso de majoração de honorários em grau recursal.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação do INSS.
Documento eletrônico assinado por SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004253036v19 e do código CRC 8943da62.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Data e Hora: 14/12/2023, às 9:36:27
Conferência de autenticidade emitida em 23/04/2024 12:01:27.

Apelação Cível Nº 5012219-78.2023.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ENOI CARDOSO RAUPP
VOTO-VISTA
Na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 04/12/2023 a 12/12/2023, o Ilustríssimo Relator deu provimento ao recurso do INSS, reformando a sentença que havia concedido o benefício de aposentadoria por idade rural à autora a partir da DER, 23/03/2016.
Após exame dos autos, peço vênia ao eminente Relator para divergir, uma vez que entendo preenchidos os requisitos necessários à concessão do benefício de aposentadoria por idade rural por parte da autora.
Premissas
Quanto ao reconhecimento do tempo de serviço rural, as premissas são as seguintes:
a) a possibilidade de extensão da prova material para período anterior ao documento mais antigo (REsp 1.348.633, Rel. Min. Arnaldo Esteves, j. 28/08/2013);
b) A presunção de continuidade do tempo de serviço rural no período compreendido entre os documentos indicativos do trabalho rural no período abrangido pela carência. Neste sentido, Moacyr Amaral Santos faz referência à teoria de Fitting, segundo a qual "presume-se a permanência de um estado preexistente, se não for alegada a sua alteração, ou, se alegada, não tiver sido feita a devida prova desta". Amaral Santos, citando Soares de Faria na síntese dos resultados obtidos por Fitting, pontifica que "só a afirmação de uma mudança de um estado anterior necessita de prova, que não a permanência do mesmo: affirmanti non neganti incumbit probatio" (SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1983. v. 1, p. 102);
c) A ampliação da abrangência do início de prova material pertinente ao período de carência a períodos anteriores ou posteriores à sua datação, desde que complementado por robusta prova testemunhal, uma vez que "não há exigência de que o início de prova material se refira a todo o período de carência, para fins de aposentadoria por idade do trabalhador rural" (AgRg no AREsp 194.962/MT), bem como que "basta o início de prova material ser contemporâneo aos fatos alegados e referir-se, pelo menos, a uma fração daquele período, corroborado com prova testemunhal, a qual amplie sua eficácia probatória" (AgRg no AREsp 286.515/MG), entendimentos esses citados com destaque no voto condutor do acórdão do REsp nº 1349633 - representativo de controvérsia que consagrou a possibilidade da retroação dos efeitos do documento tomado como início de prova material, desde que embasado em prova testemunhal. Vide recentes julgados da Terceira Seção do STJ: AR 4.507/SP, AR 3.567/SP, EREsp 1171565/SP, AR 3.990/SP e AR 4.094/SP;
d) a inviabilidade de comprovação do labor rural através de prova exclusivamente testemunhal (REsp 1133863/RN, Rel. Ministro CELSO LIMONGI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011);
e) segundo a jurisprudência da 3ª Seção deste Regional, a utilização de maquinário e eventual de diaristas não afasta, por si só, a qualidade de segurado especial porquanto ausente qualquer exigência legal no sentido de que o trabalhador rural exerça a atividade agrícola manualmente. (TRF4, EINF 5023877-32.2010.404.7000, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Rogerio Favreto, juntado aos autos em 18/08/2015);
f) a admissão, como início de prova material e nos termos da Súmula 73 deste Tribunal, de documentos de terceiros, membros do grupo parental;
g) o fato de que o tamanho da propriedade rural não é, sozinho, elemento que possa descaracterizar o regime de economia familiar desde que preenchidos os demais requisitos (REsp 1403506/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 16/12/2013);
h) segundo a Lei nº 12.873/2013, que alterou, entre outros, o art. 11 da LB, "o grupo familiar poderá utilizar-se de empregados contratados por prazo determinado ou de trabalhador de que trata a alínea g do inciso V do caput, à razão de no máximo 120 (cento e vinte) pessoas por dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho, não sendo computado nesse prazo o período de afastamento em decorrência da percepção de auxílio-doença". Deixou-se de exigir, assim, que a contratação ocorresse apenas em épocas de safra (ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JR., José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. São Paulo: Altas, 2015, p. 63);
i) de acordo com a jurisprudência do STJ, o exercício de atividade urbana pelo rurícola não afasta, por si só, sua condição de segurado especial. No entanto, não se considera segurado especial quando ficar demonstrado que o trabalho urbano constitui a principal atividade laborativa do requerente e/ou sua principal fonte de renda. (REsp 1483172/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 27/11/2014);
j) o exercício da atividade rural pode ser descontínuo (AgRg no AREsp 327.119/PB, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 18/06/2015);
l) no que tange ao trabalho do boia-fria, o STJ, por meio, entre outros, do REsp 1.321.493, Rel. Min. Herman Benjamin, abrandou as exigências quanto ao início de prova material da atividade rural, desde que complementada através de idônea prova testemunhal;
m) o segurado especial tem de estar trabalhando no campo quando completar a idade mínima para obter a aposentadoria rural por idade, momento em que poderá requerer seu benefício, ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, já preencheu de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos - carência e idade. (STJ, REsp 1354908, 1ª Seção, Tema 642/recurso repetitivo).
n) o Colendo STJ consolidou seu entendimento a respeito da extensão de validade do início da prova material na recente Súmula 577, cujo enunciado dispõe que "é possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório".
Pois bem. A autora, nascida em 02/12/1946, implementou o requisito etário em 02/12/2001 e requereu o benefício na via administrativa em 23/03/2016. Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural nos 120 meses anteriores à implementação da idade (02/12/1991 - 02/12/2001) ou nos 180 meses que antecederam o requerimento administrativo (23/03/2001 - 23/03/2016); ou, ainda, em períodos intermediários, mesmo que de forma descontínua.
Para a comprovação do trabalho rural, foram apresentados os seguintes documentos:
- Imposto sobre Propriedade Territorial Rural de 1967 a 1988;
- Carteira do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do ano de 1972.
A autora laborou com o pai em regime de economia familiar pelo período de 1958 a 1969, data em que casou com o Sr. Aldoir João Raupp.
Após o casamento em 1969, a autora e o esposo continuaram a laborar nas terras de seu pai, haja vista que o casal não conseguia se manter de forma independente.
No caso, muito embora os documentos não se refiram a cada período em controvérsia, há diversos documentos referentes ao período abrangido pelo pedido, devendo prevalecer, na espécie, o princípio da continuidade do labor rural, de modo que, considerando a existência de documentos em nome da própria parte e de membros integrantes de sua família comprovam a permanência no meio rural durante os anos requeridos.
Além das provas documentais trazidas aos autos, na audiência de instrução e julgamento foram ouvidas as testemunhas e todas foram unânimes em afirmar, em síntese, que a autora sempre laborou no campo, com os pais, desde criança, em regime de economia familiar, cultivando feijão, mandioca, milho, banana, e que possuiam criação de galinha e gado, tudo para a sobrevivência da família. Dos relatos, constata-se, também, que após o casamento a autora permanceceu trabalhando na lavoura com seu marido.
Como se pode observar, o acervo probatório indica que a parte autora comprovou atividade rural no período de 1958 a 1988 com seu pai e, posteriormente, com seu marido, totalizando carência muito superior aos 180 meses necessários à obtenção da concessão de aposentadoria por idade rural.
No que tange ao labor do marido da autora, "O fato de o cônjuge da autora haver desempenhado atividade urbana, não desconfigura a qualidade de segurada especial da autora na medida em que o artigo 11, VII, da Lei nº 8.213/91 conferiu ao produtor rural que exerça a atividade agrícola individualmente o status de segurado especial." (TRF-4 - AC: 50321629120174049999 5032162-91.2017.4.04.9999, Relator: JOÃO BATISTA LAZZARI, Data de Julgamento: 03/06/2020, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC)
A jurisprudência do Egrégio STJ também entende que rendimentos provenientes de trabalho ou benefício previdenciário urbano do cônjuge não infirmam a condição de segurada especial:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE.SEGURADA ESPECIAL.
O fato do marido da Autora ser aposentado e seu filho pedreiro não afasta a qualidade de segurada especial da mesma para obtenção da aposentadoria rural por idade. Recurso conhecido e provido" (REsp 289.949/SC, Quinta Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 04/02/2002).
Na oportunidade, asseverou o saudoso Ministro em seu voto que "De fato, a autora não perde a qualidade de segurada especial, pois só deixa de ser considerado como tal o membro da família que possuir outra fonte de rendimento decorrente do exercício de atividade remunerada, de arrendamento de imóvel rural ou aposentadoria, no presente caso, o marido e o filho, e nunca a Autora, que comprovou ter laborado exclusivamente na lavoura por toda a vida, fazendo jus ao benefício da aposentadoria por idade (sem grifos no original).
Outro não é o entendimento esposado pela doutrina, consoante se observa das judiciosas lições de Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Junior, in Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social, 2ª Edição, Ed. Esmafe, 2002, págs. 67/68, ao afirmarem que, litteris: Desse modo, somente estaria descaracterizado o regime de economia familiar quando a renda obtida com a outra atividade fosse suficiente para a manutenção da família, de modo a tornar dispensável a atividade agrícola. (...) . Caso o entendimento seja diverso, como já referimos, apenas atingiria o membro do grupo familiar que percebe tal rendimento, não prejudicando a condição de segurado especial dos demais trabalhadores rurais.?
Assim, o exercício de atividade urbana por um dos membros da família não pode ser generalizado para descaracterizar o regime de economia familiar em caráter absoluto, encontrando aplicação também a Súmula nº 41 da TNU: A circunstância de um dos integrantes do núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica, por si só, a descaracterização do trabalhador rural como segurado especial, condição que deve ser analisada no caso concreto.
Um entendimento em sentido contrário deixaria desamparados trabalhadores rurais que não podiam recolher contribuições porque o sistema previdenciário não lhes oportunizava.
Não se pode, por outro lado, apagar do patrimônio jurídico desses trabalhadores rurais os efeitos do trabalho que efetivamente desenvolveram transformando-o em um nada.
Ademais, ao julgar o Tema 532 (REsp 1304479/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012), o Egrégio STJ firmou a seguinte tese: O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).
Diante disso, no caso em tela, é forçoso reconhecer que a percepção de cerca de 2 (dois) salários mínimos pelo esposo da autora não torna dispensável o labor rural da demandante. Com efeito, não há confundir diminuto rendimento, com renda inexpressiva.
Certamente, com esse patamar salarial, o trabalho rural da segurada era fundamental para a manutenção do sustento familiar, especialmente no contexto de inflação vivenciada nesta década, que tanto prejudica as famílias mais humildes do Brasil. Ademais, o adjutório da autora à economia familiar não pode ser considerado apenas em função dos valores auferidos com a produção agrícola, mas sim a partir de uma análise mais ampla, que leva em consideração a fundamentalidade do papel da trabalhadora rural para viabilizar o próprio trabalho do cônjuge, notadamente na zeladoria da casa, com inúmeros afazeres domésticos, e no amparo dos filhos na primeira infância, dada a absoluta inexistência de escolas de educação infantil na zona rural.
De mais a mais, não é possível punir duplamente as trabalhadoras rurais ao sonegar a adequada proteção previdenciária, justamente em face da desigualdade salarial que impera no país entre homens e mulheres. Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça preconiza o julgamento em perspectiva de gênero em matéria previdenciária:
A ausência de critérios objetivos e o necessário exercício de um juízo de valor a respeito da modalidade de trabalho desenvolvida pelo produtor rural em nada contribui para a proteção previdenciária da mulher trabalhadora rural. Isso ocorre porque o poder simbólico, que parte do paradigma do trabalho masculino para atribuir valor ao trabalho feminino, acaba operando na lógica da decisão. Mesmo que a mulher dedique a mesma quantidade de horas de trabalho rural quanto o homem, ou que seu trabalho seja tão duro quanto o do companheiro ou familiar, a sua comprovação depende de um esforço probatório qualificado, o qual decorre da presunção derivada do senso comum, de que o homem é o provedor, e de que cabe à mulher uma função meramente “auxiliar”. Assim, se a família labora no campo em pequenas propriedades, ao homem está formada automaticamente a convicção de que ele lavra a terra. À esposa, tal presunção não se faz a priori. Dela comumente se exige a prova de que o tempo dedicado ao trabalho doméstico não tenha consumido a maior parte das horas do dia, o que conduz a decisão sobre reconhecer ou não o trabalho em regime de economia familiar a um espaço maior de discricionariedade judicial. Como as dinâmicas sociais partem simbolicamente da premissa da essencialidade do trabalho masculino e da eventualidade do trabalho feminino, a autoridade administrativa ou o juiz acabam por presumir essa realidade simbólica e, inconscientemente, exigem das mulheres uma prova mais robusta do seu trabalho como produtora rural, assim como um esforço maior de justificação. (...) A jurisprudência já pacificou que o trabalho urbano de um dos membros da família não descaracteriza necessariamente o regime de economia familiar dos demais trabalhadores do núcleo familiar. Ou seja, mesmo que um dos componentes do núcleo familiar realize trabalho urbano, isso não descaracteriza os demais membros da família como segurados especiais. No entanto, a decisão quanto à essencialidade do trabalho rural se altera, conforme o trabalhador urbano seja um homem ou uma mulher. (Conselho Nacional de Justiça (Brasil). Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero [recurso eletrônico] / Conselho Nacional de Justiça. — Brasília : Conselho Nacional de Justiça – CNJ; Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados — Enfam, 2021, p. 81. Disponível em protocolo-18-10-2021-final.pdf (cnj.jus.br), acesso em 19-04-2021.
Diante da tamanha discrepância, que no Brasil assume contornos de autêntica discriminação sistêmica contra a mulher, o CNJ recomendou, expressamente, que "as julgadoras e os julgadores devem considerar estudos que apontam as trabalhadoras rurais como responsáveis por inúmeros lares e agentes que empregam o seu rendimento prioritariamente para o sustento das famílias, e não em gastos pessoais. Assim, a realização de atividades precárias e “bicos” (manicure, diarista etc.) necessários à subsistência não deve ser circunstância que, por si só, afasta a qualidade de segurada especial das mulheres;"
Dessarte, é imperativo o reconhecimento do valor do trabalho rural da segurada especial, a despeito da mínima superioridade do salário do marido urbano, sob pena de aprofundar odiosa forma de discriminação, incompatível com os valores preconizados pelo art. 5º, inciso I, da Constituição da República, bem como privar a mulher do acesso aos direitos previdenciários.
Note-se que a superação desse paradigma machista de desqualificação do trabalho da mulher no campo em face dos rendimentos do marido é essencial à permanência da mulher trabalhadora no meio rural em meio ao êxodo do campo para as grandes cidades, conforme leciona a emérita professora de Sociologia da UFRGS Anita Brumer (Estudos Feministas, Florianópolis, 12(1): 205-227, janeiro-abril/2004, p. 225, disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/ view/S0104-026X2004000100011/8695, acesso em 20 abr 2023): ".... devido às desigualdades de gênero, que atribuem às mulheres (principalmente às mulheres jovens) uma posição subordinada na estrutura familiar– evidenciada na distribuição das atividades nas esferas de produção e de reprodução,do poder e do acesso à propriedade da terra –, as mulheres têm menores perspectivas profissionais e motivação para permanecer no meio rural do que os homens."
Com efeito, qual o estímulo que terá uma jovem agricultora em continuar nas lides campesinas após o Judiciário ratificar o entendimento da Administração previdenciária de que ela não ostenta a qualidade de segurada especial? Se não é segurada especial para jubilar-se quando o avançar da idade inviabilizar a continuidade de trabalho, não será para eventualmente usufruir auxílio-acidente ou auxílio por incapacidade temporária, em caso de sequelas de acidente ou impossibilidade de trabalhar quando estiver doente. Com tais e pesadas adversidades, a mulher seguirá trabalhando na lavoura ou irá migrar para a primeira oportunidade de emprego de natureza urbana que surgir?
Portanto, cabe ao intérprete da norma previdenciária considerar a opção política do constituinte em proteger o mercado de trabalho da mulher (art. 7º, inciso II, da CR), máxime quando a República Federativa do Brasil incorporou a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002), cujo artigo é de aplicação imprescindível no caso concreto:
Artigo 14
1. Os Estados-Partes levarão em consideração os problemas específicos enfrentados pela mulher rural e o importante papel que desempenha na subsistência econômica de sua família, incluído seu trabalho em setores não-monetários da economia, e tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar a aplicação dos dispositivos desta Convenção à mulher das zonas rurais.
2. Os Estados-Partes adotarão todas as medias apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher nas zonas rurais a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, que elas participem no desenvolvimento rural e dele se beneficiem, e em particular as segurar-lhes-ão o direito a: [...] c) Beneficiar-se diretamente dos programas de seguridade social;
Esse documento internacional trouxe a ideia de igualdade (igualdade como conceito relacional) no viés da anti-subordinação (igualdade como proibição de discriminação), conceito que ganhou status constitucional a partir da leitura conjunta do § 3º do art. 5º da Constituição Federal com o artigo 2º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
A partir da análise do direito internacional dos direitos humanos, Rodríguez-Piñero e López (Igualdad y discriminación. Madrid: Tecnos, 1986, p. 167 et seq.), ainda no ano de 1986 e cientes da dificuldade em definir discriminação, identificam o núcleo comum do conceito veiculado nos diplomas internacionais da seguinte forma:
(i) “la discriminación presupone, en primer lugar, una diferenciación de trato frente a la norma stándar, que se actúa ‘contra’ el sujeto discriminado”;
(ii) “el origen inmediato de buena parte de las situaciones discriminatorias enlaza directamente con ciertos rasgos característicos de la conformación de una sociedad”;
(iii) “la diferenciación de tratamiento debe basarse, precisamente, en una de las razones expresamente excluidas en el artículo 14.II CE, y que contradicen el postulado de igual dignidad de los seres humanos”;
(iv) la diferenciación de trato en que consiste la discriminación tiene como destinatarios por parte pasiva a seres humanos, individualmente o em grupo”;
(v) “la diferencia de trato debe tener un especifico resultado, del que ha sido medio esa diferenciación, y que consiste en la creación de una situación discriminatoria objetiva, que anule o menoscabe para el discriminado el goce de determinados derechos, ventajas o beneficios, que perjudique sus intereses o que agrave las cargas”.
Roger Raupp Rios, em clássica obra e por sua vez, formula a seguinte definição de discriminação: “qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha o propósito ou o efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos econômico, social, cultural ou em qualquer campo da vida pública” (Direito da antidiscriminação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 20), fenômeno especialmente verificado em condutas negligentes e, inclusive, por indiferenciação (MENDAZONA, Edorta Cobreros. Discriminación por indiferenciación: estudio y propuesta. Revista Española de Derecho Constitucional. Madrid, n. 81, p. 71-114, sep./-dic. 2007).
Lembro que a ordem jurídica nacional veda tanto a discriminação direta quanto a discriminação indireta, também conhecida como discriminação por impacto desproporcional. Leio em Joaquim Barbosa Gomes (Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: o direito como instrumento de transformação social. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 23) a distinção respectiva:
Nos termos dessa teoria, em vez da busca da igualdade através da trivial coibição do tratamento discriminatório, cumpre combater a ‘discriminação indireta’, ou seja, aquela que redunda em uma desigualdade não oriunda de atos concretos ou de manifestação expressa de discriminação por parte de quem quer que seja, mas de práticas administrativas, empresariais ou de políticas públicas aparentemente neutras, porém dotadas de grande potencial discriminatório.
A Previdência Social, portanto, desempenha papel essencial na preservação de direitos de lavradoras e lavradores no campo para assegurar o desenvolvimento da agricultura familiar, cuja diversidade de culturas, asseguram a alimentação do povo brasileiro em alternativa à agropecuária, consabidamente marcada pela monocultura de exportação. Logo, não é razoável privilegiar uma exegese tão restritiva quando nem o próprio legislador ordinário incorreu em tamanho rigor.
Desse modo, considero sobejamente comprovada a qualidade de segurada especial no período correspondente à carência, devendo ser concedido o pedido de aposentadoria por idade rural requisitado pela autora, conforme a jurisprudência deste Regional:
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. CONCESSÃO. PRESCRIÇÃO. SEGURADA ESPECIAL. TRABALHADORA RURAL. PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. [...] 4. O fato do cônjuge da autora desenvolver atividade urbana, por si só, não obsta o reconhecimento do labor agrícola desta, mormente quando demonstrado que o trabalho da autora é exercido individualmente, independentemente do labor do esposo, não havendo elementos que comprovam que a atividade urbana desenvolvida pelo marido é suficiente para a manutenção da entidade familiar. 5. Hipótese em que a prova testemunhal foi unânime e consistente ao corroborar o início de prova material apresentado, confirmando o labor rural da autora. (TRF4, AC 5016341-71.2022.4.04.9999, DÉCIMA TURMA, Relatora Desembargadora Federal CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 29/03/2023)
Dessarte, a autora exerceu atividade rural no período correspondente à carência, fazendo jus ao benefício desde 23/03/2016 (data do requerimento), descabendo aduzir a incidência da prescrição quinquenal no caso dos autos, tendo em vista que a presente ação foi ajuizada em 26/06/2018.
Desse modo, nego provimento à apelação, mantendo a sentença que concedeu a aposentadoria por idade rural à autora a partir da DER, 23/03/2016 (DER).
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, D DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-102019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Juros moratórios
Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009.
A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema 810 da repercussão geral (RE 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22/09/2017.
SELIC
A partir de dezembro de 2021, a variação da SELIC passa a ser adotada no cálculo da atualização monetária e dos juros de mora, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021:
"Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente."
Honorários advocatícios recursais
Confirmada a sentença no mérito, majoro a verba honorária, elevando-a de 10% para 15% (quinze por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 111 do STJ), considerando as variáveis do artigo 85, § 2º, incisos I a IV, do CPC.
Tutela específica - implantação do benefício
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do NCPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, especialmente diante do seu caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB | |
---|---|
CUMPRIMENTO | Implantar Benefício |
NB | 1710206532 |
ESPÉCIE | Aposentadoria por Idade |
DIB | 23/03/2016 |
DIP | Primeiro dia do mês da decisão que determinou a implantação/restabelecimento do benefício |
DCB | |
RMI | A apurar |
OBSERVAÇÕES |
Requisite a Secretaria da 9ª Turma desta Corte, à CEAB-DJ-INSS-SR3, o cumprimento da decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de 20 (vinte) dias.
Conclusão
Confirma-se a sentença que concedeu o direito à parte autora da APOSENTADORIA RURAL POR IDADE a contar da DER (23/03/2016).
Determina-se a implantação do benefício.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da INSS, determinando-se a imediata implantação do benefício, via CEAB.
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Apelação Cível Nº 5012219-78.2023.4.04.9999/SC
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0301092-54.2018.8.24.0069/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ENOI CARDOSO RAUPP
ADVOGADO(A): ELISON FABIANO COSTA GOMES (OAB SC023195)
ADVOGADO(A): ELEN FABRINI COSTA GOMES (OAB SC035623)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. REQUISITOS não PREENCHIDOS. reforma da sentença.
1. A concessão de aposentadoria por idade, no caso do trabalhador rural qualificado como segurado especial, deve observar os seguintes requisitos: idade mínima (60 anos para homens e 55 anos para mulheres); exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida, independentemente do recolhimento de contribuições.
2. No caso dos autos, a autora não cumpriu os requisitos para a concessão do benefício, devendo a sentença ser reformada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por maioria, vencidos o Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ e o Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES, dar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 12 de abril de 2024.
Documento eletrônico assinado por SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004253037v6 e do código CRC a9742cf0.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 04/12/2023 A 12/12/2023
Apelação Cível Nº 5012219-78.2023.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PROCURADOR(A): MAURICIO PESSUTTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ENOI CARDOSO RAUPP
ADVOGADO(A): ELISON FABIANO COSTA GOMES (OAB SC023195)
ADVOGADO(A): ELEN FABRINI COSTA GOMES (OAB SC035623)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 04/12/2023, às 00:00, a 12/12/2023, às 16:00, na sequência 1273, disponibilizada no DE de 23/11/2023.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
APÓS O VOTO DO DESEMBARGADOR FEDERAL SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ NO SENTIDO DE DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, PEDIU VISTA O DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ. AGUARDA A JUÍZA FEDERAL GABRIELA PIETSCH SERAFIN.
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Pedido Vista: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO PRESENCIAL DE 13/03/2024
Apelação Cível Nº 5012219-78.2023.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PROCURADOR(A): DANIELE CARDOSO ESCOBAR
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ENOI CARDOSO RAUPP
ADVOGADO(A): ELISON FABIANO COSTA GOMES (OAB SC023195)
ADVOGADO(A): ELEN FABRINI COSTA GOMES (OAB SC035623)
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO, APÓS O VOTO-VISTA DO DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ NO SENTIDO DE NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA INSS, DETERMINANDO-SE A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, VIA CEAB, NO QUE FOI ACOMPANHADO PELO JUIZ FEDERAL FRANCISCO DONIZETE GOMES, O JULGAMENTO FOI SOBRESTADO NOS TERMOS DO ART. 942 DO CPC/2015.
VOTANTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 23/04/2024 12:01:27.

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 05/04/2024 A 12/04/2024
Apelação Cível Nº 5012219-78.2023.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ENOI CARDOSO RAUPP
ADVOGADO(A): ELISON FABIANO COSTA GOMES (OAB SC023195)
ADVOGADO(A): ELEN FABRINI COSTA GOMES (OAB SC035623)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 05/04/2024, às 00:00, a 12/04/2024, às 16:00, na sequência 866, disponibilizada no DE de 22/03/2024.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO, APÓS OS VOTOS DAS DESEMBARGADORAS FEDERAIS ANA CRISTINA FERRO BLASI E ELIANA PAGGIARIN MARINHO ACOMPANHANDO O RELATOR, A 9ª TURMA DECIDIU, POR MAIORIA, VENCIDOS O DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ E O JUIZ FEDERAL FRANCISCO DONIZETE GOMES, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Acompanha o(a) Relator(a) - GAB. 112 (Des. Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO) - Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO.
Acompanho o(a) Relator(a)
Acompanha o(a) Relator(a) - GAB. 113 (Des. Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI) - Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI.
Acompanho o(a) Relator(a)
Conferência de autenticidade emitida em 23/04/2024 12:01:27.