| D.E. Publicado em 30/08/2016 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0001388-03.2016.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | MARIA DO CARMO DOS SANTOS PORFÍRIO |
ADVOGADO | : | Carlos Maurel Klein Alves |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE TORRES/RS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. REQUISITOS LEGAIS. PROVA EM NOME DE TERCEIRO. EXTINÇÃO DO FEITO COM APRECIAÇÃO DO MÉRITO "SECUNDUM EVENTUM PROBATIONIS".
. Satisfeitos os requisitos legais de idade mínima e prova do exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência, é devida a aposentadoria rural por idade.
. Considera-se provada a atividade rural do segurado especial havendo início de prova material complementado por idônea prova testemunhal.
. A extensão de prova material em nome de terceiro só é possível quando demonstrado que este integra o grupo familiar.
. Tratando-se de demanda previdenciária em que rejeitado o pedido da parte segurada, pode-se verificar tanto (1) hipótese de extinção sem julgamento de mérito, em caso de inépcia da inicial, por apresentada sem os documentos essenciais e necessários, o que ocorre diante da ausência de qualquer início de prova, como também (2) hipótese de extinção com julgamento de mérito, "secundum eventum probationis", em situações em que se verifica instrução deficiente.
. Inteligência do procedente da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso representativo de controvérsia (CPC, art. 543-C), lavrado no REsp 1.352.721/SP (Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16/12/2015).
. Caso em que verificada a ocorrência de julgamento de improcedência, com exame de mérito "secundum eventum probationis".
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 23 de agosto de 2016.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8471246v9 e, se solicitado, do código CRC 5F1F39A0. | |
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APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0001388-03.2016.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação e remessa oficial contra sentença que julgou procedente o pedido para declarar averbado o período de 21/10/1986 a 20/06/2013 e conceder aposentadoria por idade rural à parte autora, além de gratificação natalina, desde a data do requerimento administrativo, condenando o INSS a pagar as parcelas devidas a partir do vencimento de cada uma, corrigidas pelo INPC e acrescidas de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação. Arcará a autarquia, também, com o pagamento de honorários advocatícios, de 10% sobre o valor total das parcelas vencidas até a data da sentença. Foi determinada a implantação do benefício, nos termos do art. 461 do CPC/73, no prazo de trinta dias, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais).
Em suas razões, sustenta a entidade previdenciária que não foi provada a atividade rural no período de carência por meio de início de prova material, não sendo admitida a prova exclusivamente testemunhal. Alega que a autora não pode utilizar documentos em nome de terceiro para comprovar sua condição de segurada especial, uma vez que não fez prova de que vivia em união estável com ele. Aduz que a requerente exerceu atividades urbanas de 01/01/1979 a 29/02/2000, o que descaracterizaria sua condição de segurada especial. Pugna pela revogação da multa fixada para o cumprimento da decisão que determinou a imediata implantação do benefício, e que, caso mantida, a multa diária deve ser reduzida. Subsidiariamente, sustenta que, para fins de correção monetária e juros, deve ser aplicada a Lei nº 11.960/09. Requer o prequestionamento da matéria versada na petição recursal.
Apresentadas as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças/acórdãos publicado(a)s a contar do dia 18/03/2016.
Da ordem cronológica dos processos
Dispõe o art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).
Dessa forma, deverão ter preferência de julgamento em relação àqueles processos que estão conclusos há mais tempo, aqueles feitos em que esteja litigando pessoa com mais de sessenta anos (idoso, Lei n. 10.741/2013), pessoas portadoras de doenças indicadas no art. 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/88, as demandas de interesse de criança ou adolescente (Lei n. 8.069/90) ou os processos inseridos como prioritários nas metas impostas pelo CNJ.
Observado que o caso presente se enquadra em uma das hipóteses referidas, a saber, causa repetitiva, justifica-se seja proferido julgamento fora da ordem cronológica de conclusão.
Da aposentadoria rural por idade
São requisitos para a concessão de aposentadoria rural por idade, no valor de um salário mínimo, a trabalhador qualificado como segurado especial, nos termos do art. 11, VII, da Lei nº 8.213/91: (a) idade mínima (60 anos para homens e 55 para mulheres) e (b) exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao da carência de 180 meses (arts. 39, I, 48, §§1º e 2º, e 25, II da Lei nº 8.213/91), independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias.
Quanto à carência, há regra de transição para os segurados obrigatórios previstos no art. 11, I,"a", IV ou VII: (a) o art. 143 da Lei de Benefícios assegurou "aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência no referido benefício"; b) o art. 142 previu tabela específica de prazos diferenciados de carência, conforme o ano de implementação das condições para a aposentadoria por idade, por tempo de serviço e especial, "para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural".
Assim, àqueles filiados à Previdência quando da edição da Lei nº 8.213/91 que implementarem o requisito idade até quinze anos após a vigência desse dispositivo legal (24-7-2006), não se lhes aplica o disposto no art. 25, II, mas a regra de transição antes referida.
Na aplicação da tabela do art. 142, o termo inicial para o cômputo do tempo de atividade rural é o ano em que o segurado completou a idade mínima, desde que já disponha de tempo suficiente para o deferimento do pedido, sendo irrelevante que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CF/88 e art. 102, §1º, da Lei nº 8.213/91).
Na hipótese de insuficiência de tempo de exercício de atividade rural ao completar a idade mínima, a verificação do tempo equivalente à carência não poderá mais ser feita com base no ano em que atingida a idade mínima, mas a partir de sua implementação progressiva, nos anos subseqüentes à satisfação do requisito etário, de acordo com a tabela do art. 142 da Lei de Benefícios.
Caso o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31-8-1994 (data da publicação da Medida Provisória nº 598, que alterou a redação original do art. 143 referido, posteriormente convertida na Lei nº 9.063/95), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei n° 8.213/91.
A disposição contida no art. 143 da Lei 8.213, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado; ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, §1º, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima.
O benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo; ou, inexistente este, da data do ajuizamento da ação, conforme modulação contida no julgamento do RE 631.240.
Da comprovação do tempo de atividade rural
O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, salvo caso fortuito ou força maior. Tudo conforme o art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91 e reafirmado na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário).
Nesse contexto probatório: (a) a lista dos meios de comprovação do exercício da atividade rural (art. 106 da Lei de Benefícios) é exemplificativa, em face do princípio da proteção social adequada, decorrente do art. 194 da Constituição da República de 1988; (b) não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, sendo suficientes documentos que, juntamente com a prova oral, possibilitem juízo conclusivo quanto ao período de labor rural exercido; (c) certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora (REsp n.º 980.065/SP, DJU, Seção 1, 17-12-2007; REsp n.º 637.437/PB, DJU, Seção 1, de 13-09-2004; REsp n.º 1.321.493-PR, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.); (d) quanto à contemporaneidade da prova material, inexiste justificativa legal, portanto, para que se exija tal prova contemporânea ao período de carência, por implicar exigência administrativa indevida, impondo limites que não foram estabelecidos pelo legislador.
As certidões da vida civil, documentos admitidos de modo uníssono pela jurisprudência como início probatório de atividade rural, no mais das vezes, registram fatos muito anteriores à implementação da idade de 55 ou 60 anos, e fora dos prazos constantes do art. 142 da Lei 8.213/91. O período de carência, em se tratando de aposentadoria por idade rural, correspondente a estágio da vida do trabalhador em que os atos da vida passíveis de registro cartorário, tais como casar, ter filhos, prestar serviço militar, ou inscrever-se como eleitor, foram praticados muito antes do início do marco para a contagem da carência prevista para tal benefício.
Nesse sentido, a consideração de certidões é fixada expressamente como orientação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ, 3ª Seção, REsp 1.321.493-PR, procedimento dos recurso repetitivos, j.10/10/2012). Concluiu-se imprescindível a prova material para fins previdenciários, ainda que o labor tenha sido exercido à margem da formalidade, cabendo às instâncias ordinárias a verificação da condição de trabalhador:
"E, nesse aspecto, por mais que o trabalho seja informal, é assente na jurisprudência desta Corte que há incontáveis possibilidades probatórias de natureza material. Por exemplo, ainda que o trabalho tenha sido informal, constatando-se que o segurado tem filhos ou é casado, devem ser juntadas certidões de casamento e de nascimento, o que deve ser averiguado pelas instâncias ordinárias."
De todo o exposto, consideradas as notórias e por vezes insuperáveis dificuldades probatórias do segurado especial, é dispensável a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por prova testemunhal, nada impedindo que sejam contemplados os documentos extemporâneos ou emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.
Ademais, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
Registre-se, por fim, que, em se tratando de aposentadoria por idade rural, tanto os períodos posteriores ao advento da Lei 8.213/91 como os anteriores podem ser considerados sem o recolhimento de contribuições. Quanto à Carteira de Identificação e Contribuição, prevista no art. 106 da Lei 8.213/91 como necessária à comprovação do exercício de atividade rural a partir de 16.04.94, trata-se de documento voltado principalmente à esfera administrativa, sendo instrumento que visa a facilitar futura concessão de benefício ou reconhecimento de tempo de serviço e cuja expedição, via de regra, ocorre após a comprovação junto à entidade pública das alegadas atividades agrícolas. Uma vez expedida, é instrumento hábil, por si só, àquela comprovação. Todavia, a inexistência do referido documento não obsta ao segurado demonstrar sua condição de segurado especial por outros meios, mormente no âmbito judicial. Se a parte autora tivesse CIC expedida em seu nome não necessitaria postular o benefício em juízo, pois com base nesse documento é de supor-se que o próprio INSS já o concederia administrativamente, porque assim prevê a Lei de Benefícios.
Da prova da atividade rural prestada como boia-fria
No caso de exercício de trabalho rural caracterizado por sua notória informalidade, comprometendo a prova da atividade e, por conseguinte, a obtenção do benefício previdenciário, a jurisprudência pacificada por esta Corte era no sentido de abrandar a exigência relativa ao início de prova material, admitindo, até mesmo, em situações extremas, a comprovação da atividade exclusivamente por meio de prova testemunhal.
Todavia, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento, em 10-10-2012, do Resp nº 1.321.493/PR, representativo de controvérsia, firmou o entendimento de que se aplica também aos trabalhadores boias-frias a Súmula 149 daquela Corte. Sobressai do julgado que o rigor na análise do início de prova material para a comprovação do labor rural do boia-fria, diarista ou volante, deve ser mitigado, de sorte que o fato de a reduzida prova documental não abranger todo o período postulado não significa que a prova seja exclusivamente testemunhal quanto aos períodos faltantes. Assim, devem ser consideradas as dificuldades probatórias do segurado especial, sendo prescindível a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por robusta prova testemunhal.
Cumpre salientar, também, que, muitas vezes, a Autarquia Previdenciária alega que os depoimentos e informações tomados na via administrativa apontam para a ausência de atividade agrícola no período de carência. Quanto a isso, deve ser dito que as conclusões a que chegou o INSS no âmbito administrativo devem ser corroboradas pelo conjunto probatório produzido nos autos judiciais. Existindo conflito entre as provas colhidas na via administrativa e em juízo, deve-se optar pelas últimas, produzidas que são com todas as cautelas legais, garantido o contraditório.
Da prova da atividade em regime de economia familiar
O §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família o exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do art. 11, VII da Lei 8.213/91, que define o segurado especial. Mesmo o fato de constar a qualificação empregador II b nos respectivos recibos de ITR não implica a condição de empregador rural. Ocorre que a simples qualificação no documento não desconfigura a condição do trabalho agrícola em regime de economia familiar, como se pode ver da redação do artigo 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71.
Importante ainda ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não é "per se stante" para descaracterizar a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/91, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo; ou seja, ainda que considerado como trabalhador rural individual, sua situação encontra guarida no permissivo legal referido, sendo certo também que irrelevante a remuneração percebida pelo cônjuge, que não se comunica ou interfere com os ganhos oriundos da atividade agrícola.
Do caso concreto
Neste feito, o exame recursal abrange a apelação cível e a remessa oficial, expressamente interpostas diante da sentença recorrida (fls. 99/102).
Nessas circunstâncias, havendo recurso de apelação por parte do INSS, onde suscitados os tópicos indicados no relatório, tenho que quanto aos demais fundamentos de mérito a sentença deve ser confirmada por suas próprias razões, uma vez que lançada conforme a legislação aplicável. Tanto que a autarquia previdenciária deles teve expressa ciência e resolveu não se insurgir.
A parte autora, nascida em 29/07/1958 (fls. 10), implementou o requisito etário em 29/07/2013 e requereu o benefício na via administrativa em 07/08/2013 (fls. 08). Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural nos 180 meses anteriores à implementação da idade (29/07/1998 -29/07/2013) ou nos 180 meses que antecederam o requerimento administrativo (07/08/1998 - 07/08/2013); ou, ainda, em períodos intermediários, mesmo que de forma descontínua.
Para a comprovação do trabalho rural, foram apresentados os seguintes documentos:
- Contratos de arrendamento e comodato rural, em que Cláudio Krás Pacheco figura como arrendatário e comodatário, datados de 28/03/2006, 11/08/2009 e 24/08/2011 (fls. 12/18);
- Instrumento de procuração, em que Cláudio Krás Pacheco é qualificado como agricultor, e figura como procurador para o fim de representar os outorgantes no ato da outorga e assinatura de uma escritura de compra e venda de uma área de terras, datado de 21/10/1986 (fls. 19);
- Escritura de compra e venda de uma área de terras, em que Cláudio Krás Pacheco é qualificado como agricultor e figura como representante de João Bernardino Magnus Pacheco e Luzia Krás Pacheco, datada 21/10/1986 (fls. 20);
- Notas fiscais da comercialização de vacas, touro, terneiros, tomate, banana e aipim, em que consta o nome de Cláudio Krás Pacheco, datadas de 1987/1990 e 2009/2013 (fls. 21/34);
A testemunha Nadir Hahn Evaldt alega que conhece a autora há, aproximadamente, vinte e três anos; que é vizinha dela; que ajuda seu marido na roça; que plantavam miudezas para o consumo, como tomate, pimentão e milho; que vendiam o excedente; que plantavam banana para comercialização; que não possuíam empregados; que a área tem cerca de dois hectares; que ela já tinha uma filha quando passou a morar com seu marido, e que vive com ele há vinte e oito anos.
O testigo João Schardosim Behenck afirma que conhece a requerente há mais de vinte anos; que ela vive com o marido há mais de vinte anos; que a conheceu trabalhando com seu esposo; que ela já tinha uma filha antes de conhecer seu marido; que ele a ajudou a criá-la; que seu esposo é agricultor; que eles trabalham na roça até os dias de hoje; que plantam banana, feijão e milho e criam vacas de leite e porcos para o consumo.
A testemunha Pedro João Magnus relata que conhece a demandante há mais de vinte e três anos; que ela planta banana, feijão e milho para o consumo, e que vendem o excedente.
A sentença proferida pelo Magristrado a quo reconheceu o período de 21/10/1986 a 20/06/2013 como período em que a autora labutou na agricultura em regime de economia familiar, concedendo-a, em decorrência disso, o benefício de aposentadoria por idade rural. Entretanto, o início de prova material, indispensável para a concessão do benefício em tela, não foi apresentado pela demandante, uma vez que foram apresentados documentos em nome de terceiro, que a autora alega ser seu companheiro.
O entendimento jurisprudencial é pacífico no sentido de admitir documentos em nome de terceiros, membros do grupo familiar, que exerçam atividade rural na companhia do segurado, em virtude das frequentes dificuldades em se juntar documentos em nome da mulher, que muitas vezes não é o integrante da família que pratica os atos negociais, como a comercialização da produção, compra de terras e realização de contratos de arrendamento.
No entanto, no caso em comento, a autora não logrou comprovar o vínculo de união estável que alega manter com Cláudio Krás Pacheco, uma vez que, além de não terem sido juntados documentos que demonstrem que eles mantêm uma relação de convivência, a prova testemunhal é frágil, visto que as testemunhas transmitiram declarações deveras superficiais acerca da suposta união estável da autora com o titular dos documentos.
Em casos que tais, vinha concluindo pela extinção do processo sem exame do mérito com base em julgado da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso representativo de controvérsia (CPC, art. 543-C), RESp 1.352.721/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16/12/2015.
Todavia, amadurecendo a questão e estudando mais profundamente o precedente, verifico ser necessário reformular e concluir diversamente, o que levará, no caso concreto, à manutenção do julgamento de improcedência, com julgamento de mérito "secundum eventum probationis".
O recurso repetitivo do STJ que trata da matéria apresenta dois posicionamentos:
(1) extinção sem julgamento de mérito, em caso de inépcia da inicial, por apresentada sem os documentos essenciais e necessários, vale dizer, sem qualquer início de prova;
(2) extinção com julgamento de mérito, "secundum eventum probationis", na hipótese de instrução deficiente.
No caso, trata-se da segunda hipótese, que deixa aberta a possibilidade de nova demanda, resultado que se afirma sem adentrar noutro aspecto, a ser investigado em eventual nova demanda, qual seja, qual a exata extensão do julgamento "secundum eventum probationis", qual a extensão e qualidade de nova prova eventualmente apresentada e quando é possível.
Diante dessas considerações, a demanda deve ser julgada improcedente, com exame de mérito secundum eventum probationis.
Dos ônus sucumbenciais
Em face da sucumbência, condeno a parte autora a pagar as custas e os honorários advocatícios, estes no percentual de 10% sobre o valor da causa, cuja execução resta suspensa, nos termos da art. 12 da lei 1.060/50.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos da fundamentação.
É o voto.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 23/08/2016
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0001388-03.2016.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00094840720138210072
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Flávio Augusto de Andrade Strapason |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | MARIA DO CARMO DOS SANTOS PORFÍRIO |
ADVOGADO | : | Carlos Maurel Klein Alves |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE TORRES/RS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 23/08/2016, na seqüência 233, disponibilizada no DE de 28/07/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA OFICIAL, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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