| D.E. Publicado em 07/07/2016 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0015956-29.2013.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | HELENA BRIZOLA |
ADVOGADO | : | Marcos Daniel Haeflieger e outro |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. DESCARACTERIZADO. PADRÃO DE VIDA ELEVADO.
. Satisfeitos os requisitos legais de idade mínima e prova do exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência, é devida a aposentadoria rural por idade.
. Considera-se provada a atividade rural do segurado especial havendo início de prova material complementado por idônea prova testemunhal.
. Para a condição de segurado especial restar comprovada a atividade rural deve ser desempenhada em regime de economia familiar.
. No caso em tela, o padrão de vida do grupo familiar da autora é incompatível com o regime de economia familiar, não podendo, assim, ser enquadrada na categoria de segurada especial.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação e à remessa oficial e cassar a antecipação de tutela, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 28 de junho de 2016.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7912570v11 e, se solicitado, do código CRC 62577D0C. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0015956-29.2013.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
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APELADO | : | HELENA BRIZOLA |
ADVOGADO | : | Marcos Daniel Haeflieger e outro |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação contra sentença que julgou procedente o pedido para conceder aposentadoria por idade rural à parte autora, no valor de um salário mínimo, desde a data do requerimento administrativo, condenando o INSS a pagar as parcelas vencidas corrigidas pelo IGP-DI e acrescidas de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação. Arcará a autarquia, também, com o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, de 10% sobre o valor total da condenação, excluídas as prestações vincendas. Foi deferida, em decisão interlocutória, e confirmada na sentença, a tutela antecipada a ser implementada em 20 dias, sob de multa diária de R$ 1.000,00, até o máximo de R$ 10.000,00, no caso de descumprimento.
Em suas razões, preliminarmente, a entidade previdenciária postula a suspensão dos efeitos da antecipação de tutela. Aduz, ainda, que a sentença está sujeita ao reexame necessário. No mérito, sustenta que não foi provada a atividade rural no período de carência por meio de início de prova material, não sendo admitida a prova exclusivamente testemunhal. Alega que a autora contratava mão de obra assalariada, o que descaracterizaria sua condição de segurada especial. Aduz que, para fins de juros e correção monetária, deve ser aplicada a Lei 11.960/09.
Apresentadas as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
Os autos foram remetidos ao Juízo de Origem, a fim de que fosse juntada a mídia que continha o depoimento pessoal e os relatos das testemunhas. Após a juntada do CD de áudio e imagem (fls. 278), os autos retornaram a este Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças/acórdãos publicado(a)s a contar do dia 18/03/2016.
Da ordem cronológica dos processos
Dispõe o art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).
Dessa forma, deverão ter preferência de julgamento em relação àqueles processos que estão conclusos há mais tempo, aqueles feitos em que esteja litigando pessoa com mais de sessenta anos (idoso, Lei n. 10.741/2013), pessoas portadoras de doenças indicadas no art. 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/88, as demandas de interesse de criança ou adolescente (Lei n. 8.069/90) ou os processos inseridos como prioritários nas metas impostas pelo CNJ.
Observado que o caso presente se enquadra em uma das hipóteses referidas, a saber, meta, justifica-se seja proferido julgamento fora da ordem cronológica de conclusão.
Da remessa oficial
O Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ), seguindo a sistemática dos recursos repetitivos, regulada pelo art. 543-C, do CPC, decidiu que é obrigatório o reexame de sentença ilíquida proferida contra a União, Estados, Distrito Federal e Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público. (REsp 1101727/PR, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, CORTE ESPECIAL, julgado em 04/11/2009, DJe 03/12/2009).
Assim, o reexame necessário, previsto no art. 475 do CPC, é regra, admitindo-se o seu afastamento somente nos casos em que o valor da condenação seja certo e não exceda a sessenta salários mínimos.
Como o caso dos autos não se insere nas causas de dispensa do reexame, da remessa oficial.
Da aposentadoria rural por idade
A concessão de aposentadoria rural por idade, no valor de um salário mínimo, a trabalhador qualificado como segurado especial, nos termos do art. 11, VII, da Lei nº 8.213/91, pressupõe a satisfação da idade mínima (60 anos para homens e 55 para mulheres) e a demonstração do exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao da carência de 180 meses (arts. 39, I, 48, §§1º e 2º, e 25, II da Lei nº 8.213/91), independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias.
Para o trabalhador rural que passou a ser enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social (art. 11, I, "a", IV ou VII), foram estabelecidas regras de transição, quais sejam: a) o art. 143 da Lei de Benefícios assegurou a possibilidade de ser requerida "aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência no referido benefício"; b) o art. 142 previu tabela específica de prazos diferenciados de carência, conforme o ano de implementação das condições para a aposentadoria por idade, por tempo de serviço e especial, "para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural". Assim, àqueles filiados à Previdência quando da edição da Lei nº 8.213/91 que implementarem o requisito idade até quinze anos após a vigência desse dispositivo legal (24-7-2006), não se lhes aplica o disposto no art. 25, II, mas a regra de transição antes referida.
No cômputo do tempo de atividade rural, com a aplicação da tabela do art. 142, deverá ser considerado como termo inicial o ano em que o segurado completou a idade mínima, desde que já disponha de tempo suficiente para o deferimento do pedido, sendo irrelevante que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CF/88 e art. 102, §1º, da Lei nº 8.213/91).
Pode acontecer, todavia, que o segurado complete a idade mínima, mas não tenha o tempo de atividade rural exigido pela lei. Nesse caso, a verificação do tempo equivalente à carência não poderá mais ser feita com base no ano em que atingida a idade mínima, mas a partir de sua implementação progressiva, nos anos subseqüentes à satisfação do requisito etário, de acordo com a tabela do art. 142 da Lei de Benefícios.
Nas hipóteses em que o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31-8-1994 (data da publicação da Medida Provisória nº 598, que alterou a redação original do art. 143 referido, posteriormente convertida na Lei nº 9.063/95), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei n° 8.213/91.
A disposição contida no art. 143 da Lei 8.213, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado; ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, §1º, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima.
O benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo; ou, inexistente este, da data do ajuizamento da ação, conforme modulação contida no julgamento do RE 631.240.
Da comprovação do tempo de atividade rural
O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do disposto no art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91, e na Súmula n.º 149 do STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário).
Cabe salientar que, embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo; ademais, não se exige prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, mas um documento que, juntamente com a prova oral, criando um liame com a circunstância fática que se quer demonstrar, possibilite um juízo de valor seguro.
Observa-se que as certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora, nos termos na jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (REsp n.º 980.065/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 20-11-2007, DJU, Seção 1, de 17-12-2007, p. 340, e REsp n.º 637.437/PB, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, j. em 17-08-2004, DJU, Seção 1, de 13-09-2004, p. 287, REsp n.º 1.321.493-PR, Primeira Seção, Relator Ministro Herman Benjamim, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.).
Da contemporaneidade da prova material
A Lei de Benefícios não exige que o início de prova material seja contemporâneo à época dos fatos cuja comprovação é pretendida, conforme se vê da transcrição do § 3º, do art. 55 da Lei 8.213, que segue:
A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.
Não há justificativa legal, portanto, para que se exija prova material contemporânea ao período de carência, nos termos reiteradamente defendidos pela Autarquia Previdenciária; tal exigência administrativa implica a introdução indevida de requisito, impondo limites que não foram estabelecidos pelo legislador. As certidões da vida civil, documentos admitidos de modo uníssono pela jurisprudência como início probatório de atividade rural, no mais das vezes, registram fatos muito anteriores à implementação da idade de 55 ou 60 anos, e fora dos prazos constantes do art. 142 da Lei 8.213/91. O período de carência, em se tratando de aposentadoria por idade rural, correspondente a estágio da vida do trabalhador em que os atos da vida passíveis de registro cartorário, tais como casar, ter filhos, prestar serviço militar, ou inscrever-se como eleitor, foram praticados muito antes do início do marco para a contagem da carência prevista para tal benefício.
Além disso, a juntada de tais certidões é fixada expressamente como orientação pelo eminente Ministro Herman Benjamin, Relator do REsp 1.321.493-PR, submetido ao procedimento dos recurso repetitivos e julgado pela egrégia 3ª Seção do STJ em 10/10/2012. No recurso especial em comento, a decisão majoritária concluiu pela imprescindibilidade de prova material para fins previdenciários, ainda que o labor tenha sido exercido à margem da formalidade, relegando às instâncias ordinárias a verificação da condição de trabalhador:
"E, nesse aspecto, por mais que o trabalho seja informal, é assente na jurisprudência desta Corte que há incontáveis possibilidades probatórias de natureza material. Por exemplo, ainda que o trabalho tenha sido informal, constatando-se que o segurado tem filhos ou é casado, devem ser juntadas certidões de casamento e de nascimento, o que deve ser averiguado pelas instâncias ordinárias."
Consequentemente, consideradas as notórias e por vezes insuperáveis dificuldades probatórias do segurado especial, é dispensável a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por prova testemunhal, nada impedindo que sejam contemplados os documentos extemporâneos ou emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.
Da prova da atividade rural prestada como boia-fria
No caso de exercício de trabalho rural caracterizado por sua notória informalidade, comprometendo a prova da atividade e, por conseguinte, a obtenção do benefício previdenciário, a jurisprudência pacificada por esta Corte era no sentido de abrandar a exigência relativa ao início de prova material, admitindo, até mesmo, em situações extremas, a comprovação da atividade exclusivamente por meio de prova testemunhal.
Todavia, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento, em 10-10-2012, do Resp nº 1.321.493/PR, representativo de controvérsia, firmou o entendimento de que se aplica também aos trabalhadores boias-frias a Súmula 149 daquela Corte. Sobressai do julgado que o rigor na análise do início de prova material para a comprovação do labor rural do boia-fria, diarista ou volante, deve ser mitigado, de sorte que o fato de a reduzida prova documental não abranger todo o período postulado não significa que a prova seja exclusivamente testemunhal quanto aos períodos faltantes. Assim, devem ser consideradas as dificuldades probatórias do segurado especial, sendo prescindível a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por robusta prova testemunhal.
Cumpre salientar, também, que, muitas vezes, a Autarquia Previdenciária alega que os depoimentos e informações tomados na via administrativa apontam para a ausência de atividade agrícola no período de carência. Quanto a isso, deve ser dito que as conclusões a que chegou o INSS no âmbito administrativo devem ser corroboradas pelo conjunto probatório produzido nos autos judiciais. Existindo conflito entre as provas colhidas na via administrativa e em juízo, deve-se optar pelas últimas, produzidas que são com todas as cautelas legais, garantido o contraditório.
Registra-se, por fim, que, em se tratando de aposentadoria por idade rural, tanto os períodos posteriores ao advento da Lei 8.213/91 como os anteriores podem ser considerados sem o recolhimento de contribuições. Quanto à Carteira de Identificação e Contribuição, prevista no art. 106 da Lei 8.213/91 como necessária à comprovação do exercício de atividade rural a partir de 16.04.94, trata-se de documento voltado principalmente à esfera administrativa, sendo instrumento que visa a facilitar futura concessão de benefício ou reconhecimento de tempo de serviço e cuja expedição, via de regra, ocorre após a comprovação junto à entidade pública das alegadas atividades agrícolas. Uma vez expedida, é instrumento hábil, por si só, àquela comprovação. Todavia, a inexistência do referido documento não obsta ao segurado demonstrar sua condição de segurado especial por outros meios, mormente no âmbito judicial. Se a parte autora tivesse CIC expedida em seu nome não necessitaria postular o benefício em juízo, pois com base nesse documento é de supor-se que o próprio INSS já o concederia administrativamente, porque assim prevê a Lei de Benefícios.
Da prova da atividade em regime de economia familiar
O §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família o exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do art. 11, VII da Lei 8.213/91, que define o segurado especial. Mesmo o fato de constar a qualificação empregador II b nos respectivos recibos de ITR não implica a condição de empregador rural. Ocorre que a simples qualificação no documento não desconfigura a condição do trabalho agrícola em regime de economia familiar, como se pode ver da redação do artigo 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71.
Importante ainda ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não é "per se stante" para descaracterizar a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/91, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo; ou seja, ainda que considerado como trabalhador rural individual, sua situação encontra guarida no permissivo legal referido, sendo certo também que irrelevante a remuneração percebida pelo cônjuge, que não se comunica ou interfere com os ganhos oriundos da atividade agrícola.
Do caso concreto
A parte autora, nascida em 08/09/1956 (fls. 17), implementou o requisito etário em 08/09/2011 e requereu o benefício na via administrativa em 10/10/2011 (fls. 248). Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural nos 180 meses anteriores à implementação da idade (08/09/1996 -08/09/2011) ou nos 180 meses que antecederam o requerimento administrativo (10/10/1996 - 10/10/2011); ou, ainda, em períodos intermediários, mesmo que de forma descontínua.
Para a comprovação do trabalho rural, foram apresentados os seguintes documentos:
- Contrato de parceria agrícola, em que a autora figura como parceira outorgada e é qualificada como agricultora, datado de 20/06/2008 (fls. 19/20);
- Demonstrativo de pagamento da venda de leite, em que consta o nome da requerente, datado de 15/03/1994 (fls. 21);
- Comprovantes de pagamento e recibos de entrega da declaração de ITR, emitida pelo Ministério da Fazenda, em que consta o nome da demandante, datados de 1991/1995, 1997/1998, 2000/2004 e 2006 (fls. 22 e 175/188);
- Históricos e boletins escolares dos filhos da autora, emitidos pela Escola Rural Municipal Princesa Izabel, datados de 1978, 1984/1985, 1987/1988 e 1990 (fls. 35/43);
- Comprovante de inscrição no cadastro de produtor rural do Paraná, em que a requerente figura como parceira, constando dados do imóvel onde labuta, datado de 26/08/2010 (fls. 47);
- Carteira de sócio do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Barracão da demandante, constando sua data de admissão em 22/03/2011 (fls. 48);
- Notas fiscais da comercialização de milho, gado, trigo, tempero verde, couve flor, batata doce, mandioca e soja, em que constam os nomes da autora, de seu esposo e de sua filha, datadas de 1993, 1997/1997, 2000, 2003/2011 (fls. 52/53, 55/57, 60/65, 78/79, 200, 204/206 e 208/209);
- Notas fiscais da compra de produtos veterinários, em que consta o nome do cônjuge da requerente, datadas de 1991/1997 (fls. 66/77 e 81);
- Guia de recolhimento da venda de erva mate, emitida pela Secretaria de Estado do Paraná, em que consta o nome da demandante, datada de 16/09/2005 (fls. 58);
- Matrícula do Registro de Imóveis de Barracão, em que a autora figura como adquirente de uma área de terras em 24/04/1985, constando, ainda, que o terreno foi vendido em 09/10/2007 (fls. 172/174);
A prova testemunhal corrobora a pretensão exposta na inicial, uma vez que as testemunhas foram uníssonas em confirmar que a parte autora trabalhava nas lides rurais, verbis:
NERCI PINHEIRO DOS SANTOS é agricultora. Conhece a autora há 20 anos. A autora sempre trabalhou na roça, com a família, sem a ajuda de empregados. Não havia maquinários. A agricultura era a única fonte de renda. Plantavam feijão, milho, batata, mandioca. Cuidava-se de uma família humilde. A autora nunca trabalhou na cidade.
JOÃO ALVES conhece a autora "faz uns 30 anos". A autora sempre foi agricultora, era vizinha da testemunha. Trabalhava na roça com a família, sem empregados. Não havia maquinários. Plantavam milho, feijão, mandioca, amendoim, "coisas para o consumo". Cuidava-se de uma família humilde. A agricultura era a única fonte de renda da família. "Eles viviam daquilo". A autora não trabalhou na cidade. A autora trabalha na roça, até hoje.
Não obstante o Juízo a quo tenha decidido pela procedência da demanda por considerar que a autora exerceu atividades rurais em regime de economia familiar, a decisão não merece prosperar. Ainda que se considere que a demandante tenha desempenhado afazeres rurícolas por longa data, e laborado na roça durante o período correspondente à carência, não se pode admitir que o trabalho fosse exercido em regime de economia familiar.
O regime de economia familiar, conforme o § 1º, do artigo 11, da Lei 8213/91, caracteriza-se quando a atividade rural é indispensável à própria subsistência do grupo familiar. No caso em comento, porém, verifica-se no CNIS do marido da autora que ele trabalhou no meio urbano por muito tempo, em funções como técnico de laboratório industrial, técnico químico e mestre de obras (fls. 225/226), conforme consulta à Classificação Brasileira de Ocupações. Além disso, em análise à "Consulta Recolhimentos" do CNIS, constata-se que o cônjuge da demandante recolheu contribuições superiores a cinco salários mínimos (fls. 230/231), aposentando-se por tempo de contribuição no ano de 2007, recebendo um valor superior a três salários mínimos (fls. 234).
Ora, não é crível que as atividades rurais desempenhadas pela requerente fossem indispensáveis à subsistência do grupo familiar, levando-se em consideração os rendimentos mensais de seu cônjuge, que elevam o padrão de vida dos membros da família, em especial da autora, a parâmetros não condizentes com o nível de vida de um trabalhador rural enquadrado na categoria de segurado especial, visto que resta descaracterizado o regime de economia familiar. Portanto, não logrou a demandante demonstrar a condição de imprescindibilidade de seu labor campesino para a subsistência do grupo familiar, razão pela qual não faz jus ao benefício postulado.
Cabe referir que não foi possível formar um juízo de convicção acerca do estado conjugal da demandante relatado pelas testemunhas, visto que, embora estas tenham referido que ela esteja separada do marido, verificam-se nos autos documentos recentes, como contrato de parceria agrícola (fls. 19/20), em que consta o estado civil da autora como "casada", e notas fiscais da comercialização de produtos rurícolas em nome de seu cônjuge, além de não constar averbação de separação ou divórcio na certidão de casamento, com via datada de 28/05/2008.
Por conseguinte, não se pode desconsiderar todo o conjunto probatório que demonstra que a requerente segue casada, utilizando-se, inclusive, de documentos em seu nome de seu esposo para provar sua condição de trabalhadora rural, em razão de depoimentos vagos e imprecisos das testemunhas ouvidas pelo Juízo a quo.
Da análise do conjunto probatório, conclui-se que o padrão de vida do autor é incompatível com o regime de economia familiar, não podendo ser enquadrado na categoria de segurado especial, razão porque a sentença deve ser reformada pela Turma.
Dos ônus sucumbenciais
Em face da sucumbência, condeno a parte autora a pagar as custas e os honorários advocatícios, estes no percentual de 10% sobre o valor da causa, cuja execução resta suspensa, nos termos da art. 12 da lei 1.060/50.
Da tutela antecipada
Os valores recebidos em antecipação da tutela não serão restituídos, porque decorrentes de decisão judicial, e, ante a inexistência de má-fé não se aplica o disposto no artigo 115 da Lei 8.213/91.
Dispositivo
Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento à apelação e à remessa oficial e cassar a antecipação de tutela.
É o voto.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7912569v10 e, se solicitado, do código CRC 661BB625. | |
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 28/06/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0015956-29.2013.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00005189020128160052
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr.Domingos Sávio Dresch da Silveira |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | HELENA BRIZOLA |
ADVOGADO | : | Marcos Daniel Haeflieger e outro |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 28/06/2016, na seqüência 151, disponibilizada no DE de 07/06/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA OFICIAL E CASSAR A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
| Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8419547v1 e, se solicitado, do código CRC 6FE89464. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Lídice Peña Thomaz |
| Data e Hora: | 29/06/2016 01:56 |
