APELAÇÃO CÍVEL Nº 5060475-62.2017.4.04.9999/RS
RELATOR | : | GISELE LEMKE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | EDITE SCHMID HOFFMANN |
ADVOGADO | : | MARI CLAUDIA SOARES |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. SEGURADA ESPECIAL. TRABALHO EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS. MANUTENÇÃO DO MÉRITO DA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. MANUTENÇÃO DA CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL DURANTE O GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA. correção monetária
1. Defere-se aposentadoria rural por idade à segurada que cumpre os requisitos previstos no inciso VII do artigo 11, no parágrafo 1º do artigo 48, e no artigo 142, tudo da Lei 8.213/1991.
2. A condição de segurado especial mantem-se durante o gozo do auxílio-doença e por doze meses após o final da segregação imposta pela doença, porém tal período não pode ser computado para fins de carência se não há comprovação do retorno às atividades rurais após a cessação do benefício.
3. Correção monetária desde cada vencimento, pelo IPCA-E, conforme determinação, com repercussão geral, do STF em relação ao tema no RE 870.947. Juros de mora desde a citação, conforme o art. 5º da Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/1997.
4. Manutenção da sentença que considerou procedente o pedido da inicial, porém por fundamentação diversa.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo e determinar a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 20 de março de 2018.
Juíza Federal Gisele Lemke
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Gisele Lemke, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9319310v5 e, se solicitado, do código CRC 5C40C392. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Gisele Lemke |
| Data e Hora: | 09/04/2018 14:39 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5060475-62.2017.4.04.9999/RS
RELATOR | : | GISELE LEMKE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | EDITE SCHMID HOFFMANN |
ADVOGADO | : | MARI CLAUDIA SOARES |
RELATÓRIO
Trata-se de ação previdenciária ajuizada na justiça estadual por EDITE SCHMID HOFFMANN, nascida em 11/12/1959, contra o INSS em 27/02/2015, pretendendo concessão de aposentadoria rural por idade, com pedido de antecipação de tutela.
A sentença (Evento 3 - SENT18), datada de 09/02/2017, julgou procedente o pedido, determinando ao INSS que conceda aposentadoria por idade rural à autora desde a data do requerimento administrativo (25/04/2014) e condenando a autarquia a pagar as parcelas vencidas, com a incidência da correção monetária pelo IPCA, desde a data do vencimento de cada parcela e juros de mora de acordo com o art. 5º da Lei nº 11.960/09. O INSS também foi condenado ao pagamento de honorários de advogado, fixados em dez por cento sobre o valor total das prestações vencidas, consoante Súmula nº 111 do STJ. O juízo de origem não se manifestou em relação às custas processuais. A ação não foi submetida ao reexame necessário.
Apelou o INSS (Evento 3 - APELAÇÃO19), afirmando (a) que a parte pretendente do benefício já havia se ausentado do meio campesino, na data do requerimento administrativo (2014), b) que inexiste início de prova material da atividade rural em 2014, c) a descaracterização do regime de economia familiar, d) que a atividade agropecuária deve ser em área de até 4 (quatro) módulos fiscais. Requereu, assim, a reforma integral da sentença, através da total improcedência dos pedidos, ou, para o caso de ser mantido o mérito da sentença, alterar os critérios da correção monetária das parcelas vencidas da condenação.
Sem contrarrazões, vieram os autos a esse Tribunal.
VOTO
DO REEXAME NECESSÁRIO
A sentença não foi submetida à remessa oficial.
DA APLICAÇÃO DO CPC/2015
Conforme o art. 14 do CPC/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Logo, serão examinados segundo as normas do CPC/2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças publicadas a contar do dia 18/03/2016.
Tendo em vista que a sentença foi publicada posteriormente a esta data (09/02/2017), o recurso será analisado em conformidade com o CPC/2015.
DA APOSENTADORIA RURAL POR IDADE
Economia familiar - considerações gerais
O benefício de aposentadoria por idade do trabalhador rural qualificado como segurado especial em regime de economia familiar (inc. VII do art. 11 da Lei 8.213/1991), é informado pelo disposto nos §§ 1º e 2º do art. 48, no inc. II do art. 25, no inc. III do art. 26 e no inc. I do art. 39, tudo da Lei 8.213/1991. São requisitos para obter o benefício:
1) implementação da idade mínima (cinquenta e cinco anos para mulheres, e sessenta anos para homens);
2) exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondente à carência exigida, ainda que a atividade seja descontínua.
Não se exige prova do recolhimento de contribuições (TRF4, Terceira Seção, EINF 0016396-93.2011.404.9999, rel. Celso Kipper, D.E. 16/04/2013; TRF4, EINF 2007.70.99.004133-2, Terceira Seção, rel. Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, D.E. 23/04/2011).
A renovação do Regime Geral de Previdência Social da Lei 8.213/1991 previu regra de transição em favor do trabalhador rural, no art. 143:
Art. 143. O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício.
Complementando o art. 143 na disciplina da transição de regimes, o art. 142 da Lei 8.213/1991 estabeleceu que para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá a uma tabela de redução de prazos de carência no período de 1991 a 2010, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício.
O ano de referência de aplicação da tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991 será aquele em que o segurado completou a idade mínima para haver o benefício, desde que, até então, já disponha de tempo rural correspondente aos prazos de carência previstos. É irrelevante que o requerimento de benefício seja apresentado em anos posteriores ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, devendo ser preservado o direito adquirido quando preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que estes requisitos foram atendidos (§ 1º do art. 102 da Lei 8.213/1991).
Pode acontecer, todavia, que o segurado complete a idade mínima mas não tenha o tempo de atividade rural exigido, observada a tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991. Nesse caso, a verificação do tempo de atividade rural necessária ao cumprimento da carência equivalente para obter o benefício não poderá mais ser feita com base no ano em que implementada a idade mínima, mas sim nos anos subsequentes, de acordo com a tabela mencionada, com exigências progressivas.
Ressalvam-se os casos em que o requerimento administrativo e a implementação da idade mínima tenham ocorrido antes de 31/08/1994 (vigência da MP 598/1994, convertida na Lei 9.063/1995, que alterou o art. 143 da Lei 8.213/1991), nos quais o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural anterior ao requerimento por um período de cinco anos (sessenta meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991.
A disposição contida no art. 143 da Lei 8.213/1991, exigindo que a atividade rural deva ser comprovada em período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada a favor do segurado. A regra atende às situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente comprovar trabalho rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no § 1º do art. 102 da Lei 8.213/1991 e, principalmente, em proteção ao direito adquirido. Se o requerimento datar de tempo consideravelmente posterior à implementação das condições, e a prova for feita, é admissível a concessão do benefício.
Em qualquer caso, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo (STF, Plenário, RE 631240/MG, rel. Roberto Barroso, j. 03/09/2014).
O tempo de trabalho rural deve ser demonstrado com, pelo menos, um início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, complementada por prova testemunhal idônea. Não é admitida a prova exclusivamente testemunhal, a teor do § 3º do art. 55 da Lei 8.213/1991, preceito jurisprudencialmente ratificado pelo STJ na Súmula 149 e no julgamento do REsp nº 1.321.493/PR (STJ, 1ª Seção, rel. Herman Benjamin, j. 10/10/2012, em regime de "recursos repetitivos" do art. 543-C do CPC1973). Embora o art. 106 da Lei 8.213/1991 relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo (STJ, Quinta Turma, REsp 612.222/PB, rel. Laurita Vaz, j. 28/04/2004, DJ 07/06/2004, p. 277).
Não se exige, por outro lado, prova documental contínua da atividade rural, ou em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, mas início de prova material (notas fiscais, talonário de produtor, comprovantes de pagamento do ITR ou prova de titularidade de imóvel rural, certidões de casamento, de nascimento, de óbito, certificado de dispensa de serviço militar, quaisquer registros em cadastros diversos) que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar:
[...] considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ [...]
(STJ, Primeira Seção, REsp 1321493/PR, rel. Herman Benjamin, j. 10out.2012, DJe 19/12/2012)
Quanto à questão da contemporaneidade da prova documental com o período relevante para apuração de carência, já decidiu este Tribunal que: A contemporaneidade entre a prova documental e o período de labor rural equivalente à carência não é exigência legal, de forma que podem ser aceitos documentos que não correspondam precisamente ao intervalo necessário a comprovar. Precedentes do STJ (TRF4, Sexta Turma, REOAC 0017943-66.2014.404.9999, rel. João Batista Pinto Silveira, D.E. 14/08/2015).
Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando dos pais ou cônjuge, consubstanciam início de prova material do trabalho rural, já que o §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar o exercido pelos membros da família "em condições de mútua dependência e colaboração". Via de regra, os atos negociais são formalizados em nome do pater familias, que representa o grupo familiar perante terceiros, função esta, exercida em geral entre os trabalhadores rurais, pelo genitor ou cônjuge masculino. Nesse sentido, a propósito, preceitua a Súmula 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental", e já consolidado na jurisprudência do STJ: "A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido da admissibilidade de documentos em nome de terceiros como início de prova material para comprovação da atividade rural (STJ, Quinta Turma, REsp 501.009/SC, rel. Arnaldo Esteves Lima, j. 20/11/2006, DJ 11/12/2006, p. 407).
Importante, ainda, ressaltar que o fato de um dos membros da família exercer atividade outra que não a rural também não descaracteriza automaticamente a condição de segurado especial de quem postula o benefício. A hipótese fática do inc. VII do art. 11 da Lei 8.213/1991, que utiliza o conceito de economia familiar, somente será descaracterizada se comprovado que a remuneração proveniente do trabalho urbano do membro da família dedicado a outra atividade que não a rural seja tal que dispense a renda do trabalho rural dos demais para a subsistência do grupo familiar:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. SEGURADA ESPECIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. O exercício de atividade urbana por um dos componentes do grupo familiar não afasta, por si só, a qualidade de segurado especial dos demais membros, se estes permanecem desenvolvendo atividade rural, em regime de economia familiar. Para a descaracterização daquele regime, é necessário que o trabalho urbano importe em remuneração de tal monta que dispense o labor rural dos demais para o sustento do grupo. Precedentes do STJ.
(TRF4, Terceira Seção, EINF 5009250-46.2012.404.7002, rel. Rogerio Favreto, juntado aos autos em 12/02/2015)
O INSS alega com frequência que os depoimentos e informações tomados na via administrativa apontam para a ausência de atividade rural no período de carência. As conclusões adotadas pelo INSS no âmbito administrativo devem ser corroboradas pela prova produzida em Juízo. No caso de haver conflito entre as provas colhidas na via administrativa e as tomadas em juízo, deve-se ficar com estas últimas, uma vez que produzidas com as cautelas legais, garantindo-se o contraditório: "A prova judicial, produzida com maior rigorismo, perante a autoridade judicial e os advogados das partes, de forma imparcial, prevalece sobre a justificação administrativa" (TRF4, Quinta Turma, APELREEX 0024057-21.2014.404.9999, rel. Taís Schilling Ferraz, D.E. 25jun.2015). Dispondo de elementos que impeçam a pretensão da parte autora, cabe ao INSS produzir em Juízo a prova adequada, cumprindo o ônus processual descrito no inc. II do art. 373 do CPC2015 (inc. II do art. 333 do CPC1973).
DO CASO CONCRETO
A análise dos autos leva à conclusão de que não assiste razão ao apelante INSS, conforme será demonstrado a seguir.
O requisito etário, cinquenta e cinco anos, cumpriu-se em 11/02/2014, (nascimento em 11/02/1959, pág. 2 - Evento 3 - ANEXOSPET4). O requerimento administrativo deu entrada em 25/04/2014 (pág. 5, Evento 3 - ANEXOSPET4). Deve-se comprovar, de acordo com a tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991, o exercício de atividade rural nos cento e oitenta meses imediatamente anteriores ao cumprimento do requisito etário ou ao requerimento administrativo.
Em sua petição inicial (Evento 3 - INIC2), afirma a parte autora que sempre trabalhou em atividades agrícolas, exercendo suas atividades em regime de economia familiar, inicialmente na propriedade de seus pais, desde a sua tenra idade e, posteriormente - juntamente com seu esposo -, em parceria com o sr. Wilmuth Carlos Schmidt, proprietário do imóvel rural no qual passou a residir com seu marido e exercer suas atividades rurais a partir de 1988 até 30/09/1991 (Evento 3 - ANEXOSPET4, p. 10 e11). No encerramento deste contrato, passaram a residir com sua sogra OLGA HOFFMANN, trabalhando nas terras desta a partir de então. Assim, postulou a averbação de período de atividade rural de 1988 a 2014. Pedido idêntico ao que foi indeferido pelo INSS sob a alegação de falta de carência (Evento 3 - ANEXOSPET4, pág. 5/7).
Em relação às provas documentais do exercício de atividade rural, o processo foi instruído com os seguintes documentos (presentes em Evento 3 - ANEXOSPET4):
1. Contrato particular de arrendamento rural entre Wilmuth Carlos Schmidt (arrendador) e João Hoffmann (arrendatário), no período de 30/09/1988 a 30/09/1991 (p. 10 e 11);
2. Contrato particular de arrendamento rural entre Olga Hoffmann (arrendadora) e João Hoffmann (arrendatário), nos períodos de 21/08/1997 a 21/08/2002 e 17/12/2003 a 16/12/2011 (p. 12 a 15);
3. Ficha do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Horizontina, demonstrando o pagamento regular no período de 1999 a 2013 (p. 16);
4. pacto antenupcial entre João Hoffmann e Edite Schmidt (p. 18 e 19) e certidão de casamento (p. 21) nos quais o esposo da parte autora está qualificado como agricultor;
5. certidão de óbito de Olga Hoffmann (p. 24);
6. notas de produtor rural emitidas entre 1990 e 2013, em nome de João Hoffmann, marido da parte autora (p. 30 a 73);
No que diz respeito às provas orais, as testemunhas disseram em Juízo que conhecem a parte autora há 23 anos e que esta sempre trabalhou na agricultura em regime de economia familiar, junto com a sogra e o marido. Disseram que as terras que a autora teve no Estado de Roraima foram abandonadas, uma vez que não tinham condições de explorá-las, por falta de recursos para cultivar a terra, pois estavam situadas "no meio do mato". A testemunha Danila, referiu saber que a demandante encontra-se com problemas de saúde há um ano. (Evento 7 - áudio/vídeo da audiência, anexado em 14/12/2017). Quanto à prova testemunhal, ressalte-se, não foi interposta na apelação qualquer inconsistência ou suspeita em relação à sua idoneidade.
Alega o INSS em seu apelo que a parte autora não comprovou materialmente a atividade rural em regime de economia familiar no período de carência, pois há lapsos temporais significativos entre os documentos apresentados. Afirma que é imprescindível a demonstração, por documentos, do início e do fim do período que se deseja ver reconhecido e que a simples apresentação de início de prova material não é suficiente, pois se exige a confirmação, mediante prova testemunhal. Alega ainda que o autor, somadas as terras do Rio Grande do Sul e de Roraima, é proprietário de terras com dimensão superior a 4 módulos fiscais, o que descaracterizaria o regime de economia familiar alegado na petição inicial. Argumenta ainda que não há comprovação segura e concreta de que as terras no Estado de Roraima, não são mais exploradas pela família da parte autora, motivo pelo qual se presume que estes possuem bens incompatíveis com a condição de segurado especial. (Evento 3 - APELAÇÃO19).
Quanto a alegação de que a parte autora tem terras em Roraima: 1) a autora diz na inicial que residiu em um assentamento do INCRA e ficou lá de 1980 a 1984, período muito anterior à carência; isto é confirmado pelas testemunhas; 2) a alegação de que a autora ainda exploraria terras em Roraima é fato extintivo/modificativo ou impeditivo do direito alegado na inicial, de forma que deveria ser comprovada pelo INSS (art. 373, II, do CPC de 2015), que não se desincumbiu desse ônus. Dessa forma, uma vez que não há indícios de que a parte autora e o marido mantêm a posse das terras em Roraima, não há como incluí-las na contagem dos módulos fiscais das terrras exploradas pela parte autora.
Afirma ainda o INSS em sua apelação que a parte autora, por ocasião do cumprimento do requisito etário e da entrada do requerimento administrativo, não possuia condição de segurada especial, tendo em vista que estava afastada das atividades campesinas. A análise dos autos demonstra que nos anos imediatamente anteriores à DER, a parte autora estava recebendo o benefício de auxílio-doença. No entanto, segundo o art. 15, I da Lei nº 8.213, quem está no gozo de benefício previdenciário - aqui logicamente incluído o auxílio-doença - mantém a qualidade de segurado:
Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos. (grifos meus)
No caso da parte autora, o auxílio-doença cessou em fevereiro de 2014 e em abril de 2014 - dois meses após o término do benefício - esta entrou com o requerimento administrativo do benefício de aposentadoria por idade rural. Como visto acima, o parágrafo III do art. 15 da Lei 8.213 assegura a manutenção da condição de segurado especial por doze meses após o final da segregação imposta pela doença. Conclui-se portanto, que por ocasião da DER a parte autora mantinha a condição de segurada especial, tendo em conta que haviam passado apenas dois meses do término do auxílio-doença.
Constata-se nos autos que a parte autora esteve em gozo de benefício de auxílio-doença no período de 13/06/2011 a fevereiro de 2014 e que não há comprovação documental de que esta tenha exercido a atividade rural após o término do benefício (nos autos, as notas fiscais de produtor rural em nome do marido da parte autora abrangem o período de 1990 a 2013) . Assim, o período em que a autora esteve em gozo de auxílio-doença não pode ser computado para fins de carência. Este período, portanto, deve ser descartado do seu cômputo. A sentença, no entando considerou para o cumprimento da carência o período compreendido entre 1999 e 2014, incluindo o período no qual a autora estava impossibilitada de exercer as atividades rurais. Consequentemente, deve ser reformada a sentença neste ponto, afastando do cômputo da carência o período em que a parte autora esteve em gozo do auxílio-doença.
Dessa forma, o período que deve ser comprovado é o imediatamente anterior ao benefícío de auxílio-doença, compreendido entre 1996 e 2011. Constata-se nos autos que durante este período (1996 a 2011), a parte autora apresentou vasta documentação comprovando o labor rural em regime de economia familiar (p. 42 a 74). Resta, portanto, preenchido o requisito do período de carência. Consequentemente, uma vez também cumprido o requisito etário, a parte autora faz jus à concessão do benefício de aposentadoria por idade rural a partir da data da DER.
Assim, deve ser mantido o mérito da sentença que julgou procedente o pedido de concessão de benefício de aposentadoria rural por idade à autora desde a data do requerimento administrativo (25/04/2014), porém por fundamentação diversa.
DOS CONSECTÁRIOS
Correção monetária
Em relação à correção monetária, a sentença entendeu pela aplicação da TR até 25/03/2015, data a partir da qual determinou a incidência do IPCA-E. O INSS, em sua apelação, postulou a aplicação integral do art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, durante todo o período das parcelas vencidas da condenação.
Tendo em vista que o STF, em decisão recente, julgou o RE 870.947, que tratava do tema com repercussão geral, deve ser adequada de ofício a sentença nos termos da decisão da Corte Superior. Em face do intrínseco efeito expansivo de decisões desta natureza, deve a eficácia do julgamento proferido pelo STF incidir no presente caso, não se cogitando de reformatio in pejus contra a Fazenda Pública, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça (AgInt no REsp 1577634/RS, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, DJe de 30/05/2016; AgInt no REsp 1364982/MG, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Turma, DJe de 02/03/2017).
Dessa forma, a correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação, e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- IPCA-E (a partir de 30/06/2009, conforme RE 870.947, julgado em 20/09/2017).
Assim, também deve ser negado provimento ao apelo do INSS em relação a este ponto.
Juros de mora
A partir de 30/06/2009, os juros incidem de uma só vez, de acordo com os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme o art. 5º da Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei n.º 9.494/1997.
No que diz respeito a este ponto deve mantida a sentença, uma vez que de acordo com o entendimento do STF.
Honorários advocatícios
O juízo de origem fixou os honorários em 10% do valor da condenação até a promulgação da sentença.
Os honorários advocatícios são em regra fixados por este Tribunal em dez por cento sobre o valor da condenação (TRF4, Terceira Seção, EIAC 96.04.44248-1, rel. Nylson Paim de Abreu, DJ 07/04/1999; TRF4, Quinta Turma, AC 5005113-69.2013.404.7007, rel. Rogerio Favreto, 07/07/2015; TRF4, Sexta Turma, AC 0020363-44.2014.404.9999, rel. Vânia Hack de Almeida, D.E. 29/07/2015), excluídas as parcelas vincendas nos termos da Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência", e da Súmula 111 do STJ (redação da revisão de 06/10/2014): "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença".
Uma vez que a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC) e que foram apresentadas contrarrazões, aplica-se a majoração prevista no art. 85, §11, desse diploma, observados os ditames dos §§ 2º a 6º quanto aos critérios e limites estabelecidos.
Assim, majoro a verba honorária para 15% (quinze por cento) sobre as parcelas vencidas.
Custas.
A sentença foi omissa em relação às custas processuais e às despesas judiciais. Dessa forma, não houve condenação do INSS ao seu pagamento. A autarquia em seu apelo e a parte autora em suas contrarrazões não fizeram qualquer referência aos encargos processuais.
O entendimento consolidado deste Tribunal é o de que o INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (inc. I do art. 4º da Lei 9.289/1996) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (art. 11 da Lei Estadual 8.121/1985, com a redação da Lei Estadual 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864, TJRS, Órgão Especial).
Dessa forma, apesar de ser isento do pagamento de custas no que tange à justiça federal e estadual, deveria a autarquia pagar as despesas mencionadas no parágrafo acima. Porém, a sentença, ao não se manifestar sobre o tema, não condenou o INSS ao pagamento de qualquer despesa referente à tramitação do processo. Sendo assim, entendo que não há como este Tribunal agravar a situação jurídica do sucumbente uma vez que o tema não foi objeto de recurso (princípio da vedação da reformatio in pejus). Assim, deve ser concedida a isenção total do pagamento de custas por parte do INSS.
DO PREQUESTIONAMENTO
Em suas razões de apelação, o INSS suscitou o prequestionamento dos dispositivos legais e constitucionais levantados. Assim, com a finalidade específica de possibilitar o acesso às instâncias superiores, explicito que o presente acórdão, ao equacionar a lide como o fez, não violou nem negou vigência dos dispositivos constitucionais e/ou legais mencionados no recurso, os quais dou por prequestionados.
CONCLUSÃO
Em conformidade com a fundamentação acima, deve-se:
1. Manter a sentença no que diz respeito ao mérito, porém por fundamentação diversa, convalidando a concessão de aposentadoria por idade e negando provimento ao apelo;
2. Adequar a sentença em relação à correção monetária, de acordo com o entendimento recente do STF sobre o tema, definido em repercussão geral, negando provimento ao apelo também em relação a este ponto;
3. Majorar a verba honorária fixada, nos termos do art. 85, §11 do NCPC;
4. Implantar imediatamente o benefício.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo e determinar a imediata implantação do benefício, nos termos da fundamentação.
Juíza Federal Gisele Lemke
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 20/03/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5060475-62.2017.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00004954220158210104
RELATOR | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
PRESIDENTE | : | Luiz Carlos Canalli |
PROCURADOR | : | Dr. Flávio Augusto de Andrade Strapason |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | EDITE SCHMID HOFFMANN |
ADVOGADO | : | MARI CLAUDIA SOARES |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 20/03/2018, na seqüência 500, disponibilizada no DE de 01/03/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AO APELO E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
: | Des. Federal LUIZ CARLOS CANALLI | |
: | Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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