APELAÇÃO CÍVEL Nº 5055497-76.2016.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | EUNICE CONCEICAO PEREIRA DA SILVA LUCINDO |
ADVOGADO | : | Matheus Doná Magrinelli |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. SEGURADO ESPECIAL BOIA FRIA. REQUISITOS. INÍCIO DE PROVA MATERIAL COMPLEMENTADA POR PROVA TESTEMUNHAL.
Para a concessão de aposentadoria rural por idade, disciplinada nos parágrafos do artigo 48 da Lei 8.212/91, deve o beneficiário demonstrar a sua condição de segurado especial, atuando na produção rural em regime de economia familiar, pelo período mínimo de 180 meses (para os casos em que implementadas as condições a partir de 2011, conforme tabela progressiva constante no artigo 142 combinado com o artigo 143, ambos da Lei de Benefícios) e o requisito idade, qual seja, 60 anos para homens e 55 para mulheres. Para este benefício, a exigência de labor rural por, no mínimo, 180 meses (tabela do artigo 142 da Lei 8.212/91) é a carência, não se exigindo prova do recolhimento de contribuições.
No caso particular dos trabalhadores rurais boias frias, dada sua peculiar condição e notável dificuldade em portar documentos que comprovem sua condição de segurado especial, o egrégio Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamento de recursos repetitivos, ao julgar o REsp 1321493/PR (Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/10/2012) fixou tese no sentido de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional Suplementar Do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, conhecer em parte do apelo do INSS e negar provimento à parte conhecida, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 08 de agosto de 2017.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
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RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
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ADVOGADO | : | Matheus Doná Magrinelli |
RELATÓRIO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
Trata-se de procedimento comum ajuizado por EUNICE CONCEIÇÃO PEREIRA DA SILVA LUCINDO contra o INSS, onde a autora pede que o réu seja condenado a lhe conceder o benefício previdenciário de aposentadoria rural por idade. Alega perfazer os requisitos exigidos.
Instruído o feito, inclusive com realização de audiência para a oitiva de testemunhas, foi entregue sentença julgando procedente o pedido inicial, nos seguintes termos:
Diante do exposto, julgo procedente o pedido, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Novo Código de Processo Civil, para o fim de condenar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, a pagar ao autor, o benefício de aposentadoria por idade rural desde a DER (04/11/2015 - seq.20.2), observando-se, quanto ao salário-de-benefício, as balizas da legislação previdenciária, sendo que os valores atrasados deverão ser corrigidos monetariamente e sofrer incidência de juros por uma única vez, no índice aplicável à remuneração das cadernetas de poupança, conforme o teor do artigo 1°-F, da Lei n° 9.494/97.
Condeno o INSS, ainda, ao pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% do valor da causa, nos termos do art. 85, §3º do NCPC, em atenção ao grau de zelo e dedicação empreendido pelo patrono da parte requerente na condução da causa.
O INSS apelou. Sustenta, em suma, que não há prova material suficiente a demonstrar o trabalho rural da autora, pelo período exigido em lei. Pede a reforma da sentença, julgando-se improcedente o pedido inicial. Subsidiariamente, pede seja integralmente aplicado o artigo 1º-F da Lei 9.494/97.
Processado o recurso, vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório. Peço inclusão em pauta.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
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VOTO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
I - Aposentadoria por idade rural - fundamentação legal
Trata-se de ação onde se postula a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural, previsto nos parágrafos 1º e 2º do artigo 48 da Lei nº 8.212/91. Transcrevo os referidos dispositivos:
Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. (Redação Dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11,718, de 2008)
A aposentadoria por idade rural, referida nos parágrafos 1º e 2º do artigo 48 da Lei de Benefícios, é dirigida aos segurados especiais, assim definidos no inciso VII do "caput" e parágrafo 1º do artigo 11 da Lei 8.212/91:
Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: (Redação dada pela Lei nº 8.647, de 1993)
........................................
VII - como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de: (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade: (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2º da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
De modo geral, para a fruição dos benefícios prestados pelo Regime Geral da Previdência Social - RGPS, deve o beneficiário implementar três pressupostos básicos: a) a condição de segurado ou de dependente (este último, nas hipóteses em que lhe caiba algum benefício), que nada mais é que o vínculo com o RGPS, b) a carência, definida no artigo 24 da Lei de Benefícios como sendo o "(...) número de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício (...)" e, conforme o caso, c) os pressupostos específicos para o benefício pleiteado (idade, incapacidade laborativa, relação de dependência de segurado, etc.).
No caso da aposentadoria rural por idade, disciplinada nos parágrafos do artigo 48 da Lei 8.212/91, deve o requerente demonstrar a sua condição de segurado especial, atuando na produção rural em regime de economia familiar, pelo período mínimo de 180 meses (para os casos em que implementadas as condições a partir de 2011, conforme tabela progressiva constante no artigo 142 combinado com o artigo 143, ambos da Lei de Benefícios) e o requisito idade, qual seja, 60 anos para homens e 55 para mulheres. Para este benefício, em especial, a exigência de labor rural por, no mínimo, 180 meses (tabela do artigo 142 da Lei 8.212/91) é a carência, não se exigindo prova do recolhimento de contribuições.
II - Aposentadoria por idade rural - orientação jurisprudencial
O desafio para a obtenção da aposentadoria por idade rural está, exatamente, em demonstrar o implemento dos seus pressupostos.
A idade demonstra-se pelos meios ordinários, mediante apresentação de documentos civis: carteira de identidade, certidão de nascimento ou casamento, etc.
A prova da implementação do tempo de atuação na produção rural, em regime de economia familiar, no mais das vezes, apresenta alguma dificuldade. Tratam-se os requerentes do benefício de aposentadoria rural por idade de pessoas, de modo geral, com pouca instrução e sem uma disciplina adequada para a guarda de documentos. Por esse motivo, a produção de prova oral idônea (testemunhal) é de grande valia, que, embora não admitida de forma exclusiva, serve para complementar o imprescindível início de prova material (artigo 55, parágrafo 3º, da Lei 8.213/91). Sobre o tema, relevante destacar a Súmula nº 149 do Superior Tribunal de Justiça, objetivando que a "(...) prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário".
Ainda quanto ao necessário início de prova material, a jurisprudência lhe atribui efeitos retroativos, desde que complementada por prova testemunhal, conforme orientação firmada na Súmula 577 do Superior Tribunal de Justiça (É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório). Aquela Egrégia Corte também consolidou entendimento no sentido de atribuir efeitos prospectivos ao início de prova material, reconhecendo-lhe "(...) eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data do documento, desde que corroborado por robusta prova testemunhal" (tópico 2 da ementa do AgInt no REsp 1606371/PR, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/04/2017, DJe 08/05/2017).
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp. .354.908-SP, da relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, em 9.9.2015, pelo regime de recursos repetitivos, decidiu que, para a concessão da aposentadoria rural por idade, deve o beneficiário estar em atividade no momento em que cumprir o requisito de idade mínima. A tese restou fixada nos seguintes termos:
Tema STJ nº 642 - O segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, preenchera de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos carência e idade.
Para a demonstação do exercício da atividade rural, como cumprimento de requisito para o benefício de aposentadoria por idade rural, vale o elenco de documentos previstos no artigo 106 da Lei 8.212/91, a exemplo de contrato de arrendamento, declaração do sindicato, cadastro no INCRA e bloco de notas de produtor rural, entre outros. Contudo, o rol de documentos ali apontados não é exaustivo (TRF4, AC/REO nº 0002032-82.2012.404.9999, 5ª Turma, rel. Des. Federal Roger Raupp Rios, D.E. 18/11/2014), sendo viável o manejo de outros elementos probantes. O que não se admite, conforme já consignado acima, é o uso de prova exclusivamente testemunhal (parágrafo 3º do artigo 55 da Lei nº 8.212/91).
Considerando-se que o segurado especial pode, muitas vezes, integrar força de trabalho em regime de economia familiar, a jurisprudência reconhece que embora a documentação probante do exercício da atividade rural esteja em nome de apenas um membro, pode ser aproveitada para os demais integrantes da família. Esse entendimento restou sumulado pelo Tribunal Regional Federal Federal da 4ª Região, nos seguintes termos:
SÚMULA 73: Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.
Quanto aos critérios legais caracterizadores do regime de economia familiar, cabem algumas considerações.
Não obstante aplicável o limite legal do tamanho da propriedade, de até 4 (quatro) módulos fiscais, para caracterização do regime de economia familiar (item 1, alínea 'a', inciso VII do artigo 11 da Lei 8.212/91, na redação dada pela Lei 11.718/2008), a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que "(...) o tamanho da propriedade rural, por si só, não tem ocondão de descaracterizar o regime de economia familiar, quando preenchidos os demais requisitos legalmente exigidos" (REsp 1649636/MT, 2ª Turma, rel. Ministro Hermann Benjamin, julgado em 28/03/2017, DJe 19/04/2017).
Embora a configuração do segurado especial em regime de economia familiar não admita a utilização de empregados permanentes (artigo 11, § 1º, "in fine", da Lei 8.212/91), a própria Lei de Benefícios viabiliza, no parágrafo 7º do seu artigo 11º, que:
O grupo familiar poderá utilizar-se de empregados contratados por prazo determinado ou de trabalhador de que trata a alínea 'g' do inciso V do caput, à razão de no máximo 120 (cento e vinte) pessoas por dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho, não sendo computado nesse prazo o período de afastamento em decorrência da percepção de auxílio-doença. (Redação dada pela Lei nº 12.873, de 2013)
Importante assentar, também, que o parágrafo 9º do artigo 11 da Lei nº 8.212/91, elenca algumas fontes de rendimento relativas a determinadas atividades, as quais não afastam a condição de segurado especial, a exemplo do exercício de mandato eletivo de dirigente sindical de organização da categoria de trabalhadores rurais, o mandado de vereador do Município em que desenvolve a atividade rural e a atividade artesanal desenvolvida com matéria prima produzida pelo respectivo grupo familiar, entre outras. Contudo, afora essas circunstâncias excepcionais, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, pela sistemática dos recursos repetitivos, que o "(...) trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada, a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar (...)" (REsp 1.304.479/SP, rel. Min. Herman Benjamim, julgado em 10/10/2012). Quanto a esse tópico, também reconhece aquela Egrégia Corte que o "(...) exercício de atividade urbana pelo rurícola não afasta, por si só, sua condição de segurado especial. No entanto, não se considera segurado especial quando ficar demonstrado que o trabalho urbano constitui a principal atividade laborativa do requerente e/ou suaprincipal fonte de renda" (REsp 1483172/CE, 2ª Turma, rel. Ministro Hermann Benjamin, julgado em 23/10/2014, DJe 27/11/2014).
Por fim, no caso particular dos trabalhadores rurais boias frias, dada sua peculiar condição e notável dificuldade em portar documentos que comprovem sua condição de segurado especial, o egrégio Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamento de recursos repetitivos, ao julgar o REsp 1321493/PR (Primeira Seção, rel. Ministro Hermann Benjamin, julgado em 10/10/2012) fixou a seguinte tese:
TEMA 554: Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
III - Aposentadoria por idade rural - caso concreto
A autora, nascida em 28/07/1951 (Certidão de Casamento, evento 1, out4, pg. 2), completara 55 anos em julho de 2006, contando com 63 anos na data do ajuizamento da presente demanda. Logo, implementa o requisito idade para o benefício perseguido, necessitando verificar se preenche a carência e a concomitância do exerício de labor rural, no momento em que satisfizer a idade mínima ou em momento posterior, conforme o caso.
Conforme narrado na inicial, afirma a autora que sempre trabalhou em atividade rural, tanto quando ainda vivia com seus pais, quanto a partir do seu casamento com Jair Simão Lucindo, em 15/09/1969, que também atuava em atividade rural (falecido em 20/01/2001). Afirma que trabalhou em diversas propriedades rurais, contratada por "gatos" (serviços na qualidade de boias frias), vindo a cessar suas atividades em torno de cinco anos antes do ajuizamento (meados de 2009/2010).
Constam nos autos os seguintes documentos, trazidos com a inicial ou juntados durante a instrução do feito:
- Certidão de casamento, realizado em 15.9.1969, constando que seu marido, Jair Simão Lucindo (nascido em 10/12/1946), exercia a profissão de lavrador (evento 1, OUT4, pg 2);
- Certidão de óbito do marido, (ocorrido em 20/01/2001), constando que o de cujus era lavrador aposentado (evento 1, out4, pg 3);
- Certidão de nascimento de Márcia Lúcia Simão da Silva, filha da autora, em 05/12/1971, constando que o pai, sr. Jair, era lavrador (evento 1, out4, pg. 4);
- Termo de rescisão de contrato de trabalho do esposo, em razão de seu óbito, cujo empregador era Fazenda Califórnia Ldta. (evento 1, out5, pg. 1);
- Recibo de salário do esposo, de 31/03/1997, na condição de empregado de Celina Maria Casquel Lopes da Silva (evento 1, out5, pg. 2 e 3);
- Extrato de movimentação de FGTS do esposo, referente a competências de 1992 e 1993, constando como admitido na empresa Setti Alimentos S/A em 13/07/1989 (evento 1, out5, pg. 4);
- Documento "autorização de fixação", expedido pela Cooperativa dos Cafeicultores de Mandaguari Ltda., constando o nome do esposo (evento 1, out5, pg. 5);
- Documento "autorização de fechamento", expedido por Cooperativa, constando como cooperado o esposo, expedido em 03/04/1987 (evento1, out5, pg. 6);
- Documento "fechamento e acerto", registrando venda de soja grãos do esposo da autora para a Cooperativa dos Cafeicultores de Mandaguari Ltda., na condição de não associado (evento 1, out5, pg. 7);
- Carteira de filiação do esposo da autora ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Pedro do Ivaí (evento 1, out5, pg. 8);
- Carteira de Trabalho do esposo, constando que atuou como empregado de Setti Alimentos S/A, cargo de descarregador, de 13/06/1989 a 09/01/1995; empregado de Casquel Agrícola e Industrial S/A, cargo de ajudante geral, de 15/05/1995 a 18/09/1995; empregado de Celina Maria Casquel Lopes da Silva, cargo de trabalhador rural, no período de 01/07/1996 a 16/04/1997; empregado de Simoni e Siloni Ltda., cargo de guarda noturno, de 02/05/1997 a 28/02/1999; empregado de Fazenda California, cargo de trabalhador rural, de 20/09/1999 a 20/01/2001 (evento 1, out6, pg. 1 a 3);
- Documento comprovando requerimento da autora de concessão de aposentadoria por idade rural, perante o INSS, em 30/09/2015 (evento 20, out2, pg. 1);
- Decisão administrativa indeferindo o pedido de aposentadoria rural por idade, datado de 14/01/2016 (evento 28, pet1, pg. 2);
- Registro do INSS informando que a autora recebe pensão por morte (código 21), desde 20/01/2001 (evento 35, pet2, pg. 2);
- Registro do INSS informado que o esposo da autora recebia aposentadoria por invalidez (código32), (evento 3, pet3, pg. 1).
Também foi produzida prova oral, em audiência, com depoimentos da Autora e de duas testemunhas (evento nº 58).
Colhe-se dos depoimentos da autora e das testemunhas Neuza da Silva Balbino e José Mariano (vídeos do evento nº 58), que a demandante sempre trabalhou na lavoura com "gatos", na condição de boia fria. A testemunha José Mariano destacou que conhece a autora desde meados de 1990 e 1991, que conhecia, também, o seu esposo, sr. Jair, e os via saindo para trabalhar. Afirmou saber que o sr. Jair trabalhava na roça. Afirmou, ainda, que a autora parou de trabalhar em meados de 2008 e 2009. A testemunha Neuza da Silva Balbino afirma que conhece a autora desde 1995, que a conheceu trabalhando como boia fria (nos mesmos "gatos"), mencionou que trabalharam para um sr. Oscar e um sr. Bastião Valentino e que carpiam soja, trigo e realizavam outras atividades de roça "que apareciam". Ambas as testemunhas não recordam de a autora ter exercido alguma atividade urbana ("na cidade").
Analisando o conjunto probatório, verifica-se que a prova documental, embora toda em nome do marido da autora, aponta que ambos estavam vinculados à atividade rural. Isso se pode confirmar a partir das informações dadas pelas testemunhas, no sentido de que a autora exercia atividade rural, na condição de boia fria, pelo menos, no período de 1990 até 2008 (levando em conta os limites informados pelas testemunhas). Destaque merece o depoimento de Neuza da Silva Balbino, que afirma ter trabalhado com a autora, também como boia fria, nos mesmos "gatos".
Calha lembrar, conforme já apontado em tópico anterior, entende a jurisprudência que, relativamente aos boias frias, dada sua dificuldade em possuir documentos que provem essa condição, a exigência do início de prova material fica um pouco mais mitigada. Pode ser acolhida, mesmo que contemple, apenas, parte do período a ser considerado, desde que complementada por idônea e robusta prova testemunhal, É caso dos autos.
Com efeito, considerando-se o conjunto probatório, verifica-se a existência de início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea, a demonstrarem que a autora exerceu atividade rural, como boia fria, no período de 1990 a 2008, ou seja, 228 meses.
Conforme a tabela constante no artigo 142 da Lei nº 8.213/91, para o ano de 2006, exige-se, a título de carência, 150 meses de atividade rural. No caso, a autora completou 55 anos de idade em 28/07/2006. Na ocasião, conforme as provas dos autos, contava com mais de 192 meses de atividade rural como boia fria e, nesse momento, ainda estava na ativa.
Logo, a autora preencheu os requisitos necessários para a obtenção do benefício de aposentadoria rural por idade, razão pela qual mantenho a sentença.
IV - Consectários
1. Correção monetária e juros moratórios
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente regulados por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que sejam definidos na fase de cumprimento do julgado, em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, 3ª Seção, rel. Ministro Jorge Mussi,, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (Segunda Seção), à unanimidade, (ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101 3ª Turma, julgado em 01/06/2016 e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a decisão acerca dos critérios de correção. Nessa ocasião, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo Tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
A fim de evitar novos recursos, inclusive na fase de cumprimento de sentença, e anteriormente à solução definitiva pelo STF sobre o tema, a alternativa é que o cumprimento do julgado se inicie, adotando-se os índices da Lei nº11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo-se para momento posterior ao julgamento pelo STF a decisão do juízo sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas, acaso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação, e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, este Regional tem diferido para a fase de execução a forma de cálculo dos consectários legais, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009.
No entanto, no caso dos autos, a sentença reconheceu exatamente a forma de atualização pretendida pelo apelante, ausentando-lhe, nesse tópico, interesse recursal. Logo, não conheço do apelo quanto a este tópico.
2. Honorários e custas
À míngua de recurso da parte autora, matenho a condenação do INSS ao pagamento de honorários advocatícios, em valor correspondente a 10% sobre o valor da causa, conforme fixado na sentença (valor da causa: R$ 10.244,00 - em mar/2015). Mantenho, também, a condenação do INSS ao ressarcimento das custas.
V - Prequestionamento
Em arremate, consigno que o enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa (artigo 538 do antigo CPC).
Ante o exposto, voto por conhecer em parte do apelo do INSS e negar provimento à parte conhecida.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 08/08/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5055497-76.2016.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00008941320158160039
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
PRESIDENTE | : | Luiz Fernando Wowk Penteado |
PROCURADOR | : | Dr. Sérgio Cruz Arenhart |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | EUNICE CONCEICAO PEREIRA DA SILVA LUCINDO |
ADVOGADO | : | Matheus Doná Magrinelli |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 08/08/2017, na seqüência 86, disponibilizada no DE de 25/07/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU CONHECER EM PARTE DO APELO DO INSS E NEGAR PROVIMENTO À PARTE CONHECIDA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
: | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA | |
: | Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO |
Suzana Roessing
Secretária de Turma
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