APELAÇÃO CÍVEL Nº 5031078-55.2017.4.04.9999/RS
RELATOR | : | GISELE LEMKE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | IVANIRA DA SILVA |
ADVOGADO | : | ORLI CARLOS MARMITT |
APELADO | : | OS MESMOS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. SEGURADO ESPECIAL. DESNECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DE PROVAS CONTÍNUAS DA ATIVIDADE RURAL. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS. MAJORAÇÃO.
1. Defere-se aposentadoria rural por idade ao segurado que cumpre os requisitos previstos no inciso VII do artigo 11, no parágrafo 1º do artigo 48, e no artigo 142, tudo da Lei 8.213/1991.
2. Preenchido o requisito etário, e comprovada a carência exigida ainda que de forma não simultânea, é devido o benefício.
3. Correção monetária desde cada vencimento, pelo IPCA-E. Juros de mora desde a citação, conforme o art. 5º da Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/1997.
4. Uma vez que a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC), aplica-se a majoração prevista no art. 85, §11, desse diploma, observados os ditames dos §§ 2º a 6º quanto aos critérios e limites estabelecidos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, dar parcial provimento à apelação da parte autora e adequar de ofício os consectários, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 24 de abril de 2018.
Juíza Federal Gisele Lemke
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Gisele Lemke, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9366075v5 e, se solicitado, do código CRC 9F94FE1E. | |
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| Signatário (a): | Gisele Lemke |
| Data e Hora: | 26/04/2018 16:28 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5031078-55.2017.4.04.9999/RS
RELATOR | : | GISELE LEMKE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | IVANIRA DA SILVA |
ADVOGADO | : | ORLI CARLOS MARMITT |
APELADO | : | OS MESMOS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação previdenciária ajuizada na justiça estadual por IVANIRA DA SILVA, nascida em 03/03/1957, contra o INSS em 11/09/2015, pretendendo concessão de aposentadoria rural por idade, com pedido de antecipação de tutela.
A sentença (Evento 3 - SENT17), datada de 30/10/2016, julgou procedente o pedido, concedendo a antecipação dos efeitos da tutela e determinando o reconhecimento do exercício de labor rural como segurado especial requerido na petição inicial. Condenou o INSS a conceder o benefício da aposentadoria por idade, a partir de 26/03/2015 (data do requerimento administrativo). Condenou também o INSS ao pagamento das custas, despesas processuais e emolumentos judiciais no montante de 50% (cinquenta por cento); bem como com honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, a serem liquidados nos termos do inciso II do § 4º do artigo 85 do NCPC. Sem reexame necessário.
Apelou a parte autora (Evento 3 - APELAÇÃO21). Requereu que os honorários advocatícios sejam fixados em 20% sobre o valor da condenação e que o réu arque com o pagamento integral das custas, despesas processuais e emolumentos judiciais, tendo em vista que o recorrente possui assistência judiciária gratuita.
Apelou o INSS (Evento 3 - APELAÇÃO22). Alegou que a parte autora não comprovou o efetivo labor rurícola em regime de economia familiar, ainda que de forma descontínua, no período correspondente à carência do benefício imediatamente anterior ao requerimento ou a data em que completou a idade necessária. Requereu, assim, a reforma da sentença, para que seja julgado improcedente o pedido. Para o caso de ser mantido o mérito da sentença, requereu a adequação da correção monetária e juros, defendendo que em relação a estes seja aplicada a Lei 11/960/2009, que alterou a redação do artigo 1º-F da Lei 9.494/1007. No que diz respeito aos honorários, considerando o disposto pelo artigo 85, § 3º, do CPC, requereu que sejam arbitrados no patamar mínimo, tendo como base de cálculo apenas as parcelas vencidas até a sentença. Suscitou, ainda, o prequestionamento dos dispositivos legais referidos no recurso.
Com contrarrazões da parte autora (Evento 3 - CONTRAZ23), vieram os autos a este Tribunal.
VOTO
DO REEXAME NECESSÁRIO
Sentença não submetida ao reexame necessário.
DA APLICAÇÃO DO CPC/2015
Conforme o art. 14 do CPC/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Logo, serão examinados segundo as normas do CPC/2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças publicadas a contar do dia 18/03/2016.
Tendo em vista que a sentença foi publicada posteriormente a esta data, o recurso será analisado em conformidade com o CPC/2015.
DA APOSENTADORIA RURAL POR IDADE
Economia familiar - considerações gerais
O benefício de aposentadoria por idade do trabalhador rural qualificado como segurado especial em regime de economia familiar (inc. VII do art. 11 da Lei 8.213/1991), é informado pelo disposto nos §§ 1º e 2º do art. 48, no inc. II do art. 25, no inc. III do art. 26 e no inc. I do art. 39, tudo da Lei 8.213/1991. São requisitos para obter o benefício:
1) implementação da idade mínima (cinquenta e cinco anos para mulheres, e sessenta anos para homens);
2) exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondente à carência exigida, ainda que a atividade seja descontínua.
Não se exige prova do recolhimento de contribuições (TRF4, Terceira Seção, EINF 0016396-93.2011.404.9999, rel. Celso Kipper, D.E. 16/04/2013; TRF4, EINF 2007.70.99.004133-2, Terceira Seção, rel. Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, D.E. 23/04/2011).
A renovação do Regime Geral de Previdência Social da Lei 8.213/1991 previu regra de transição em favor do trabalhador rural, no art. 143:
Art. 143. O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício.
Complementando o art. 143 na disciplina da transição de regimes, o art. 142 da Lei 8.213/1991 estabeleceu que para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá a uma tabela de redução de prazos de carência no período de 1991 a 2010, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício.
O ano de referência de aplicação da tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991 será aquele em que o segurado completou a idade mínima para haver o benefício, desde que, até então, já disponha de tempo rural correspondente aos prazos de carência previstos. É irrelevante que o requerimento de benefício seja apresentado em anos posteriores ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, devendo ser preservado o direito adquirido quando preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que estes requisitos foram atendidos (§ 1º do art. 102 da Lei 8.213/1991).
Pode acontecer, todavia, que o segurado complete a idade mínima mas não tenha o tempo de atividade rural exigido, observada a tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991. Nesse caso, a verificação do tempo de atividade rural necessária ao cumprimento da carência equivalente para obter o benefício não poderá mais ser feita com base no ano em que implementada a idade mínima, mas sim nos anos subsequentes, de acordo com a tabela mencionada, com exigências progressivas.
Ressalvam-se os casos em que o requerimento administrativo e a implementação da idade mínima tenham ocorrido antes de 31/08/1994 (vigência da MP 598/1994, convertida na Lei 9.063/1995, que alterou o art. 143 da Lei 8.213/1991), nos quais o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural anterior ao requerimento por um período de cinco anos (sessenta meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991.
A disposição contida no art. 143 da Lei 8.213/1991, exigindo que a atividade rural deva ser comprovada em período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada a favor do segurado. A regra atende às situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente comprovar trabalho rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no § 1º do art. 102 da Lei 8.213/1991 e, principalmente, em proteção ao direito adquirido. Se o requerimento datar de tempo consideravelmente posterior à implementação das condições, e a prova for feita, é admissível a concessão do benefício.
Em qualquer caso, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo (STF, Plenário, RE 631240/MG, rel. Roberto Barroso, j. 03/09/2014).
O tempo de trabalho rural deve ser demonstrado com, pelo menos, um início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, complementada por prova testemunhal idônea. Não é admitida a prova exclusivamente testemunhal, a teor do § 3º do art. 55 da Lei 8.213/1991, preceito jurisprudencialmente ratificado pelo STJ na Súmula 149 e no julgamento do REsp nº 1.321.493/PR (STJ, 1ª Seção, rel. Herman Benjamin, j. 10/10/2012, em regime de "recursos repetitivos" do art. 543-C do CPC1973). Embora o art. 106 da Lei 8.213/1991 relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo (STJ, Quinta Turma, REsp 612.222/PB, rel. Laurita Vaz, j. 28/04/2004, DJ 07/06/2004, p. 277).
Não se exige, por outro lado, prova documental contínua da atividade rural, ou em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, mas início de prova material (notas fiscais, talonário de produtor, comprovantes de pagamento do Imposto Territorial Rural (ITR) ou prova de titularidade de imóvel rural, certidões de casamento, de nascimento, de óbito, certificado de dispensa de serviço militar, quaisquer registros em cadastros diversos) que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar:
[...] considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ [...]
(STJ, Primeira Seção, REsp 1321493/PR, rel. Herman Benjamin, j. 10out.2012, DJe 19/12/2012)
Quanto à questão da contemporaneidade da prova documental com o período relevante para apuração de carência, já decidiu este Tribunal que: A contemporaneidade entre a prova documental e o período de labor rural equivalente à carência não é exigência legal, de forma que podem ser aceitos documentos que não correspondam precisamente ao intervalo necessário a comprovar. Precedentes do STJ (TRF4, Sexta Turma, REOAC 0017943-66.2014.404.9999, rel. João Batista Pinto Silveira, D.E. 14/08/2015).
Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando dos pais ou cônjuge, consubstanciam início de prova material do trabalho rural, já que o §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar o exercido pelos membros da família "em condições de mútua dependência e colaboração". Via de regra, os atos negociais são formalizados em nome do pater familias, que representa o grupo familiar perante terceiros, função esta, exercida em geral entre os trabalhadores rurais, pelo genitor ou cônjuge masculino. Nesse sentido, a propósito, preceitua a Súmula 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental", e já consolidado na jurisprudência do STJ: "A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido da admissibilidade de documentos em nome de terceiros como início de prova material para comprovação da atividade rural (STJ, Quinta Turma, REsp 501.009/SC, rel. Arnaldo Esteves Lima, j. 20/11/2006, DJ 11/12/2006, p. 407).
Importante, ainda, ressaltar que o fato de um dos membros da família exercer atividade outra que não a rural também não descaracteriza automaticamente a condição de segurado especial de quem postula o benefício. A hipótese fática do inc. VII do art. 11 da Lei 8.213/1991, que utiliza o conceito de economia familiar, somente será descaracterizada se comprovado que a remuneração proveniente do trabalho urbano do membro da família dedicado a outra atividade que não a rural seja tal que dispense a renda do trabalho rural dos demais para a subsistência do grupo familiar:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. SEGURADA ESPECIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. O exercício de atividade urbana por um dos componentes do grupo familiar não afasta, por si só, a qualidade de segurado especial dos demais membros, se estes permanecem desenvolvendo atividade rural, em regime de economia familiar. Para a descaracterização daquele regime, é necessário que o trabalho urbano importe em remuneração de tal monta que dispense o labor rural dos demais para o sustento do grupo. Precedentes do STJ.
(TRF4, Terceira Seção, EINF 5009250-46.2012.404.7002, rel. Rogerio Favreto, juntado aos autos em 12/02/2015)
O INSS alega com frequência que os depoimentos e informações tomados na via administrativa apontam para a ausência de atividade rural no período de carência. As conclusões adotadas pelo INSS no âmbito administrativo devem ser corroboradas pela prova produzida em Juízo. No caso de haver conflito entre as provas colhidas na via administrativa e as tomadas em juízo, deve-se ficar com estas últimas, uma vez que produzidas com as cautelas legais, garantindo-se o contraditório: "A prova judicial, produzida com maior rigorismo, perante a autoridade judicial e os advogados das partes, de forma imparcial, prevalece sobre a justificação administrativa" (TRF4, Quinta Turma, APELREEX 0024057-21.2014.404.9999, rel. Taís Schilling Ferraz, D.E. 25jun.2015). Dispondo de elementos que impeçam a pretensão da parte autora, cabe ao INSS produzir em Juízo a prova adequada, cumprindo o ônus processual descrito no inc. II do art. 373 do CPC2015 (inc. II do art. 333 do CPC1973).
DO CASO CONCRETO
O requisito etário, cinquenta e cinco anos, cumpriu-se em 03/03/2012, (nascimento em 03/03/1957). O requerimento administrativo deu entrada em 26/03/2015. Deve-se comprovar, de acordo com a tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991, o exercício de atividade rural nos cento e oitenta meses imediatamente anteriores ao cumprimento do requisito etário ou ao requerimento administrativo.
Em relação às provas documentais do exercício de atividade rural, o processo foi instruído com os seguintes documentos:
1. Notas fiscais de produtor rural em nome do marido da autora e em nome próprio, referentes aos anos de 1977 - 1980, 2013 - 2015 (Evento 3 - ANEXOSPET4, págs. 13/16; 32, 34, 36 e 38);
2. Registro de Imóveis - R. 1/4.857, datado de 17/08/2012 em nome da parte autora e seu marido (Evento 3 - ANEXOS PET4, pág. 22);
3. Certidão de nascimento de Clair Nascimento da Silva, filha da parte autora, em 08/03/1984 onde consta a qualificação dos pais como agricultores (Evento 3 - ANEXOSPET4, p. 24);
4. Registro de Imóveis R. 1/01509, datado de 13/08/1982 em que consta o marido da parte autora como como adquirente e agricultor (Evento 3 - ANEXOSPET4, p. 26);
5. Certidão de nascimento de Jair da Silva, filho da parte autora, ocorrido em 11/08/1972, onde consta a qualificação do pai como agricultor (Evento 3 - ANEXOSPET4, p. 39);
6. Carteira de trabalho da autora. (Evento 3 - ANEXOS PET4, p. 40/43);
7. Comunicação de Decisão do INSS ( Evento 3 - ANEXOS PET4, p. 46/49);
A prova testemunhal produzida em juízo (vídeos presentes no Evento 7) foi precisa e convincente acerca do trabalho rural do autor em regime de economia familiar, conforme se verifica dos depoimentos das testemunhas:
Silvana Frank Stallbun, afirma que a autora mora com seu filho na Linha Cecília Sul e trabalha na agricultura. Referiu que conhece a autora há cerca de 10 anos. Reinaldo Utzig Muller, no mesmo sentido, disse que a segurada é agricultora, em terras próprias, que possuem cerca de 3 a 4 hectares, onde planta milho, soja, pasto, etc. Relatou que há 7 anos atrás trabalhou por aproximadamente 2 anos na cidade. Confirmou que conheceu a autora quando ela era casada e que seu esposo também trabalhava na agricultura. Antonio Alcides Vacaro referiu que a autora morava na Linha Nova Sul com seu esposo onde trabalhavam na agricultura, sendo que após vieram para Linha Mila onde tinham também gado. Disse que, durante algum tempo, a autora morou na cidade. Santa Inês Vacaro mencionou que conhece a autora há cerca de 40 anos, sendo que a autora e seu marido eram agricultores, plantando milho, soja entre outros produtos agrícolas. Referiu que, durante algum tempo, a autora foi empregada doméstica, voltando, após, para a agricultura.
a) Apelação do INSS
O INSS alega em seu recurso que a parte autora exerceu não comprovou o efetivo labor rurícola em regime de economia familiar, durante o período de carência, tendo vínculos urbanos no período, motivo pelo qual deveria ser afastada a sua condição de segurado especial e, consequente, ser indeferida a aposentadoria pleiteada.
Uma análise inicial dos documentos apresentados pela autora, em que pese não cubram todo o período de carência, demonstra que estes podem ser considerados válidos como início de prova material, uma vez que as testemunhas foram uníssonas em afirmar que a autora laborou por período superior ao de carência exigida para a concessão do benefício.
No que tange ao labor urbano da autora e o reconhecimento do período de labor urbano pleiteado, assim entendeu a sentença:
(...)
Oportuno observar que, nos períodos de 01.05.2007 a 31.08.2007, 01.10.2007 a 31.10.2007, 24.01.2008 a 31.05.2008, 01.01.2009 a 30.04.2009, 02.02.2009 a 31.03.2009 a 01.05.2009 a 30.11.2009 a autora esteve vinculada ao RGPS, ocasião em que laborou como empregada doméstica, conforme demonstra o Extrato Previdenciário - CNIS Cidadão.
Contudo, cabe ao magistrado a analise - no caso concreto - da concessão de benefício previdenciário ao trabalhador rural, quando há atividade urbana intercalada, conforme estabelece o verbete sumular n. 461 da Turma Nacional de Uniformização.
Considerando a documentação trazida, corroborada pela prova testemunhal, há como sustentar-se que o trabalho desempenhado pela parte autora na agricultura foi essencial à subsistência da família, ou que, sem ela, não seria possível a sua manutenção.
Quando há uma trajetória de vida desempenhando a atividade campesina, não é aceitável que, por um lapso temporal curto, no qual o trabalhador rural exerça atividade diversa da rurícola, como no caso dos autos, seja capaz de afastar a proteção previdenciária estabelecida no art. 48 da Lei nº 8.213/91.
Outrossim, ficou convencido este juízo que a parte autora, embora estivesse filiada ao RPPS por um determinado período, não deixou de desempenhar a atividade rural habitual, conforme é visto nas notas fiscais dos anos de 2002 a 2004 e 2008, f. 60-65 e 72.
Em seu voto, o Juiz Federal, José Antônio Savaris, no Incidente de Uniformização JEF Nº 5002637-56.2012.404.7116/RS, bem analisa a matéria, na qual me filio:
" (...)
A perda da qualidade de segurado rural, regida pelo artigo 15 da Lei 8.213/91, não tem o condão de prejudicar o cumprimento do tempo rural pela via da descontinuidade. As balizas temporais que levam à perda da qualidade de segurado não podem ser confundidas com o período de tempo que implica a ruptura do trabalhador em relação ao meio rural a ponto de afastar seu histórico de trabalho rural e o acesso às prestações destinadas aos trabalhadores rurais. Em suma, uma coisa é a perda da qualidade de segurado; outra, a possibilidade do trabalhador se valer da cláusula da descontinuidade estabelecida no art. 143 da LBPS, que não tem limite temporal específico. Data vênia, não há amparo legal a emprestar à perda da qualidade de segurado a consequência extrema de vedação, ao trabalhador, do cômputo do tempo de atividade rural exercido anteriormente para fins de atendimento da regra do art. 143 da Lei 8.213/91, valendo-se da expressão 'ainda que descontínua'.
(...)
É de se reconhecer que a TNU chegou a orientar no sentido de que 'a descontinuidade admitida pelo art. 143 da Lei nº 8.213/91 é aquela que não importa em perda da condição de segurado rural, ou seja, é aquela em que o exercício de atividade urbana de forma intercalada não supera o período de 3 (três) anos' (PEDILEF 200783045009515, Rel. Juíza Federal Jacqueline Michels Bilhalva, j. 03/08/2009, DJ 13/10/2009).
Mas o fato é que depois de elevado debate e mais refletida a questão, aquele Colegiado evoluiu seu posicionamento quanto ao tema, passando a orientar que 'se a ruptura da condição de segurado especial deu-se por prazo curto, com o retorno posterior ao meio rural, antes do implemento do requisito idade e do requerimento administrativo, não entendo que deva o requerente do benefício cumprir nova carência ou mesmo um terço da carência no meio rural para ter direito ao benefício. Aplica-se à espécie o regramento específico do art. 143 da Lei 8213/91, o qual reconhece o período de exercício de atividade rural, ainda que descontínuo, desde que comprovado o exercício no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo. No presente caso, a parte autora permaneceu afastada por quatro anos do meio rural, tendo comprovado que após esses 4 anos retornou ao meio rural, fazendo, portanto, em tese, jus ao benefício' (PEDILEF 2007.83.05.50.0279-7, Rel. p/ Acórdão Juiz Federal Otávio Port, j. 02/08/2011, DJ 24/04/2012).
(...)
De acordo com as premissas acima estabelecidas, verifica-se que somente um longo período de afastamento de atividade, com sinais de saída definitiva do meio rural, poderia anular todo histórico de trabalho rural da recorrente. Apenas quando se identifica que não se trata de propriamente um regresso ao meio campesino, mas uma mudança do trabalhador, da cidade para o campo, estrategicamente provocada para fins de obtenção de benefício previdenciário, é que se torna inviável o manejo da cláusula de descontinuidade prevista no art. 143 da Lei de Benefícios. (...)" (Grifei).
Quanto ao período de 03.03.1970 a 31.012.1980 e 2010 até o momento do qual a parte autora requer o reconhecimento da atividade rural, com consequente averbação, considerando a existência de início de prova material, aliada aos depoimentos colhidos, possível reconhecer como de efetivo exercício da atividade rural o período supracitado.
(...)
O benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo (STF, RExt. nº. 631240/MG, Rel. Ministro Roberto Barroso, Plenário, julgado em 03/09/2014).
Comprovados, portanto, os requisitos necessários à concessão do benefício de aposentadoria por idade rural (idade mínima de 55 anos e efetivo desempenho de atividade rural no período de carência -180 meses no período imediatamente anterior ao requerimento), a procedência é a medida que se impõe.
(...)
Analisando a fundamentação acima, entendo que o juízo de origem enfrentou adequadamente a questão. Assim, utilizo a sua fundamentação como razões de decidir. A análise do período em que o autor exerceu atividades urbanas dentro do período da carência indica que realmente tais vínculos urbanos - como empregada doméstica - deram-se por curtos períodos de tempo, não possuindo o dom de afastar a sua condição de segurada especial.
Concluí-se, assim, que deve ser reconhecido, na sua integralidade, o tempo de atividade rural pleiteado pela parte autora.
Levando em conta a fundamentação acima, entendo que o conjunto probatório dos autos autoriza que seja mantida a sentença para conceder a aposentadoria rural por idade a partir da data do requerimento administrativo.
Para o caso de ser mantido o mérito da sentença, requereu o INSS em seu apelo a reforma dos consectários. A questão será enfrentada no tópico específico.
b) Apelação da parte autora
Como pôde ser visto no relatório, a parte autora centrou seu recurso no pedido de majoração dos honorários fixados na sentença e no entendimento de que o INSS deveria arcar com o pagamento total das custas. Suas razões serão analisadas no tópico referente aos consectários.
DOS CONSECTÁRIOS
Correção monetária
Em relação à correção monetária, a sentença determinou a incidência integral do art. 1º-F da Lei 9.494/1997, alterado pela Lei 11/960/2009 até 25/03/2015. Após esta data, definiu que os créditos deverão ser corrigidos pelo IPCA-E. O INSS, em seu apelo, pugnou pela aplicação do art. 1º-F da Lei 9.494/1997, alterado pela Lei 11/960/2009, durante todo o período.
Porém, tendo em vista que o STF, em decisão recente, julgou o RE 870.947, que tratava do tema com repercussão geral, deve ser adequada de ofício a sentença nos termos da decisão da Corte Superior. Em face do intrínseco efeito expansivo de decisões desta natureza, deve a eficácia do julgamento proferido pelo STF incidir no presente caso, não se cogitando de reformatio in pejus contra a Fazenda Pública, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça (AgInt no REsp 1577634/RS, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, DJe de 30/05/2016; AgInt no REsp 1364982/MG, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Turma, DJe de 02/03/2017).
Dessa forma, a correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação, e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- IPCA-E (a partir de 30/06/2009, conforme RE 870.947, julgado em 20/09/2017).
Assim, deve ser reformada a sentença, adequando-se ao entendimento do STF e, consequentemente, deve ser negado provimento ao apelo do INSS também em relação a este ponto.
Juros de mora
Aplicam-se juros de mora simples de um por cento (1%) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009.
A partir de 30/06/2009, os juros incidem, de uma só vez, de acordo com os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme o art. 5º da Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei n.º 9.494/1997.
Este foi o entendimento da sentença, motivo pelo qual deve ser mantida neste ponto.
Custas.
A sentença definiu que o INSS deverá arcar com o pagamento das custas, despesas processuais e emolumentos judiciais no montante de 50%. Em seu apelo, a parte autora defendeu que o INSS deveria arcar com com o pagamento integral das custas, despesas processuais e emolumentos judiciais, tendo em vista que o recorrente possui assistência judiciária gratuita. No seu apelo, o INSS não fez menção ao ponto, não se rebelando, portanto, contra a condenação da sentença.
O entendimento consolidado deste Tribunal é o de que o INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (inc. I do art. 4º da Lei 9.289/1996) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (art. 11 da Lei Estadual 8.121/1985, com a redação da Lei Estadual 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864, TJRS, Órgão Especial). Porém, tendo em vista que o INSS não recorreu em relação ao ponto, não há como agravar a situação jurídica da parte autora, que recorreu sozinha em relação ao ponto (princípio da vedação da reformatio in pejus).
Dessa forma, neste caso deve ser mantida a sentença em seus próprios termos, negando provimento ao apelo da parte autora em relação a este ponto.
Honorários advocatícios
A sentença determinou que o INSS deverá arcar com honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, a serem liquidados nos termos do inciso II do § 4º do artigo 85 do NCPC. Porém não fixou o seu percentual. A parte autora em seu apelo sugeriu a sua fixação em 20% do valor da condenação. O INSS, por sua vez, requereu, considerando o disposto pelo artigo 85, § 3º, do CPC, que estes sejam arbitrados no patamar mínimo, tendo como base de cálculo apenas as parcelas vencidas até a sentença.
Os honorários advocatícios são em regra fixados em dez por cento sobre o valor da condenação (TRF4, Terceira Seção, EIAC 96.04.44248-1, rel. Nylson Paim de Abreu, DJ 07/04/1999; TRF4, Quinta Turma, AC 5005113-69.2013.404.7007, rel. Rogerio Favreto, 07/07/2015; TRF4, Sexta Turma, AC 0020363-44.2014.404.9999, rel. Vânia Hack de Almeida, D.E. 29/07/2015), excluídas as parcelas vincendas nos termos da Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência", e da Súmula 111 do STJ (redação da revisão de 06/10/2014): "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença".
Entendo, portanto, que deve ser aplicado o entendimento já firmado por esta Corte no que diz respeito à sucumbência. Porém, uma vez que a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC) e que foi negado provimento ao apelo do INSS, aplica-se a majoração prevista no art. 85, §11, desse diploma, observados os ditames dos §§ 2º a 6º quanto aos critérios e limites estabelecidos.
Assim, majoro a verba honorária para 15% (quinze por cento) sobre as parcelas vencidas.
Consequentemente, deve ser negado provimento ao apelo do INSS e dado parcial provimento ao apelo da parte autora em relação a este ponto.
DO PREQUESTIONAMENTO
Em suas razões de apelação, o INSS suscitou o prequestionamento dos dispositivos legais e constitucionais levantados. Assim, com a finalidade específica de possibilitar o acesso às instâncias superiores, explicito que o presente acórdão, ao equacionar a lide como o fez, não violou nem negou vigência dos dispositivos constitucionais e/ou legais mencionados no recurso, os quais dou por prequestionados.
CONCLUSÃO
Em conformidade com a fundamentação acima, deve-se:
1. Negar provimento ao apelo do INSS, mantendo a concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por idade rural desde a data de entrada do requerimento administrativo;
2. Adequar a sentença em relação à correção monetária, de acordo com o entendimento recente do STF sobre o tema, definido em repercussão geral, reformando a sentença em relação ao ponto;
3. Majorar a verba honorária fixada, nos termos do art. 85, §11 do NCPC, dando parcial provimento ao apelo da parte autora e negando provimento ao apelo do INSS em relação ao ponto,
4. Manter a condenação do INSS ao pagamento de custas da forma definida na sentença (50% do seu valor), negando provimento ao apelo da parte autora em relação ao ponto.
DISPOSITIVO
Pelo exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS , dar parcial provimento à apelação da parte autora e adequar de ofício os consectários, nos termos da fundamentação.
Juíza Federal Gisele Lemke
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 24/04/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5031078-55.2017.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00016244120158210150
RELATOR | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
PRESIDENTE | : | Luiz Carlos Canalli |
PROCURADOR | : | Dra. Carmem Elisa Hessel |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | IVANIRA DA SILVA |
ADVOGADO | : | ORLI CARLOS MARMITT |
APELADO | : | OS MESMOS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 24/04/2018, na seqüência 385, disponibilizada no DE de 05/04/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS , DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E ADEQUAR DE OFÍCIO OS CONSECTÁRIOS, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
: | Des. Federal LUIZ CARLOS CANALLI | |
: | Juíza Federal ANA PAULA DE BORTOLI |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
| Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9388638v1 e, se solicitado, do código CRC A697FBB2. | |
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