Apelação Cível Nº 5002708-65.2020.4.04.7217/SC
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5002708-65.2020.4.04.7217/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
APELANTE: VANDELINA ALVES RAUPP (AUTOR)
ADVOGADO(A): CLOVIS DE LUCCA GERMANN (OAB SC016626)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela autora em face de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido de concessão de aposentadoria rural por idade.
O dispositivo da sentença (evento 59, SENT1) tem o seguinte teor:
Ante o exposto, AFASTO a prejudicial de prescrição quinquenal, RECONHEÇO a ausência de interesse processual com relação ao pedido de reconhecimento do período de 1962 a 01-01-1990, nos termos da fundamentação, extinguindo o processo, nesta parte, sem resolução de mérito (art. 485, VI, do CPC) e, no mérito, JULGO PROCEDENTE EM PARTE O PEDIDO, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC, para:
(a) RECONHECER que a parte autora exerceu atividade rural, em regime de economia familiar, no interregno de 01-01-1990 a 30-04-1993;
(b) DETERMINAR à autarquia-ré que, após o trânsito em julgado, anote tal reconhecimento para fins de cômputo em futuro requerimento de benefício previdenciário.
Diante da sucumbência majoritária da parte autora, condeno o INSS no pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre 30% do valor da causa atualizado. Condeno a autora no pagamento de honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) sobre 70% do valor da causa atualizado, exigibilidade suspensa em face da concessão de assistência judiciária gratuita.
Sentença não sujeita ao reexame necessário (artigo 496, § 3º, I, do CPC).
Na hipótese de interposição de recurso de apelação, intime-se a parte contrária para apresentar contrarrazões e, após, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nos termos do art. 1.010 do CPC.
Suscitada em contrarrazões questão resolvida na fase de conhecimento, intime-se o apelante para, no prazo legal, manifestar-se a respeito, a teor do art. 1.009, § 2º, do CPC.
Interposto o recurso e verificados os pressupostos de admissibilidade, intime-se a parte contrária para a apresentação de contrarrazões no prazo legal. Juntados os recursos e as contrarrazões, encaminhe-se ao TRF da 4ª Região, ficando as partes desde já cientificadas.
Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Oportunamente, dê-se baixa e arquive-se.
Em suas razões de apelação (evento 63, APELAÇÃO1), a autora afirma que desde 1962 trabalha na agricultura, sendo esta sua única e principal fonte de renda, inclusive depois de 01/05/1993, quando seu marido passou a exercer atividade urbana por pequeno período, devido as baixas nas safras, até se aposentar por incapacidade permanente em 26/08/1999. Aduz que a renda do esposo é usada única e exclusivamente para custear os medicamentos, permanecendo no labor rural inclusive atualmente.
Com contrarrazões (evento 69, CONTRAZ1), vieram os autos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Aposentadoria rural por idade
A concessão de aposentadoria por idade, no caso do trabalhador rural qualificado como segurado especial (artigo 11, inciso VII, da Lei nº 8.213/1991), deve observar os seguintes requisitos:
a) idade mínima (60 anos para homens e 55 anos para mulheres);
b) exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida, ainda que de forma descontínua, independentemente do recolhimento de contribuições.
Caso dos autos
A autora, nascida em 12/10/1950, completou 55 (cinquenta e cinco) anos de idade em 12/10/2005.
O benefício de aposentadoria rural por idade, requerido em 29/06/2016, foi indeferido pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS com os seguintes argumentos: "Há indícios de atividade rural, todavia não foi considerada a filiação de segurado especial. Realizamos a entrevista com o beneficiário, procedimento este indispensável segundo o Artigo 112 da Instrução Normativa 77/2015, contudo, seu depoimento não trouxe a convicção de que seja segurado especial. Verificou-se que a segurada já possui pedido de aposentadoria indeferido em 2011, não sendo localizado protocolo de recurso administrativo ou judicial para o mesmo. Em entrevista a requerente alega que sempre morou na localidade de Zona Nova, interior de Prais Grande - SC; que trabalhava em terras de seu pai, depois em terras do sogro e posteriormente em terras de seus cunhados. No benefício anterior alegava ter trabalhado no interior de Araranguá, de 1993 a 2000. O esposo possui vínculo urbano desde 1993, sendo aposentado por invalidez desde 1999, com renda atual de R$ 2.289, 04; a requerente alega que a produção é destinada ao consumo da família; que vendem muito pouco, ficando evidenciado que a manutenção do grupo familiar se da pela renda urbana do esposo." (NB 41/172.559.171-2; evento 1, PROCADM4, p. 83).
Para a obtenção do benefício, a autora deve comprovar o trabalho, na condição de segurado especial, nos 180 meses anteriores ao implemento do requisito etário (período de outubro de 1990 a outubro de 2005) ou anteriores à data do requerimento administrativo (junho de 2001 a junho de 2016), ou, ainda, em períodos intermediários.
A sentença referiu a apresentação dos seguintes documentos:
a) certidão de casamento da autora, datada de 01-02-1975, qualificando o marido da autora como agricultor (p. 73);
b) ficha de inscrição no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Praia Grande, datada de 19-04-1976, em nome do marido da autora, registrando pagamentos de anuidades nos anos de 1985 e 1986 (p. 13);
c) ficha de matrícula escolar, em nome do filho da autora, qualificando os pais como agricultores, datada de 1987 (p. 24);
d) nota fiscal de venda de fumo, em nome do marido da autora, datada de 1990 (p. 27);
e) nota fiscal de venda de fumo, em nome do marido da autora, datada de 1993 (p. 34);
f) notas fiscais em nome de Antônio Weber Raupp (cunhado da autora), datadas de 1996, 2002, 2009 (p. 36, 37, 48 e 49);
g) notas fiscais em nome de Adair Raupp (cunhado da autora), datadas de 2001, 2002, 2003, 2004 e 2010 (p. 38,40,41, 42 e 51);
h) notas fiscais em nome de Paulo Weber Raupp (cunhado da autora), datadas de 2008 (p. 46);
i) contrato de comodato entre o cunhado e a autora, com vigência de 2010 a 2015, datado de 10-08-2010, sem reconhecimento de firma (p. 50);
j) nota fiscal de venda de hortaliças, em nome da autora, datada de 2010 (p. 53)
k) ficha de inscrição no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Praia Grande, datada de 27-09-2010, em nome da autora, registrando admissão em 27-09-2010 (p. 58);
l) nota fiscal em nome da autora, de venda de bananas, datada de 2011 (p. 60);
m) outras notas fiscais em nome dos citados cunhados da autora, datadas de 2011 a 2016 (p. 61 a 70);
n) entrevista rural da autora, com as seguintes afirmações (p. 71).
Com efeito, tais documentos constituem início de prova material do exercício de atividades rurais.
Para complementação da prova documental e instrução dos autos judiciais, foi tomado o depoimento pessoal e produzida prova testemunhal.
Sobre as informações colhidas em audiência, a sentença relatou:
A autora disse que sempre foi agricultora. Que seus pais eram agricultores e que no começo tinha terras. Que todos trabalhavam na agricultura. Que se casou em 1975 e continuou trabalhando na agricultura. Que seu esposo também é filho de agricultores. Que seu esposo é José Weber Raupp. Que nos últimos 20 anos trabalhou nas terras do sogro, no bairro Zona Nova. Que essas terras eram do sogro, que agora faleceu e então hoje as terras pertencem aos seus cunhados e ao seu marido. Que por enquanto ainda não foi dividido. Que as terras ainda são juntas. Que trabalha nessas terras com os cunhados e com o marido. Que ali plantam aipim, batata doce, que vendem um pouco e um pouco é para o gasto. Que tem filhos e eles também trabalham nessas terras, na agricultura. Que seu marido já trabalhou com carteira assinada. Que nessa época a autora continuou trabalhando na agricultura. Que acha que Bernardino Teixeira é o dono dos terrenos que o marido trabalhou. Que também trabalhou ali com o marido. Que não moraram nessas terras, moravam ali perto e trabalhavam nessas terras que ficavam um pouco retirado dali. Que não se recorda em que época foi isso. Que plantavam nas terras dele e era tipo arrendado sim. Que acha que era meio de graça, só plantavam ali e ficaravam com a produção. Que não se lembra quanto tempo ficaram plantando nessas terras do Sr. Bernardino. Que depois voltaram para as terras do sogro novamente. Que o nome de seu sogro é Bernardino Weber Raupp. Que Adair, Paulo e Antônio Weber Raupp são irmãos de seu marido. Que nas terras dos cunhados também trabalhou com o marido. Que a produção era feita num ladinho, cada um para si. Que quando o marido trabalhou de carteira assinada, permaneceu trabalhando na agricultura. Que o marido trabalhava durante a semana e ajudava nos finais de semana. Que não sabe bem como era composta a renda, que era meio mais ou menos. Que seu esposo está aposentado por invalidez. Que ele é doente. Que já faz tempo. Que depois que o marido se aposentou, a autora está trabalhando sozinha nessas terras do sogro. Que hoje em dia não tem filhos ajudando, que trabalha sozinha. Que os filhos já são maiores e se viram por conta. Que hoje em dia não vende o que produz, é mais para o gasto mesmo. Que os cunhados produzem nessas mesmas terras (evento 55, VÍDEO1).
A testemunha Eli Schwanke da Rosa afirmou que conhece a autora do interior, desde que a autora tinha uns trinta e poucos anos. Que nessa época a autora morava na Zona Nova e trabalhava na agricultura, em terras deles, da família. Que as terras eram da família do sogro da autora. Que nessas terras eles plantavam fumo e mais alguma coisinha, mas o forte era fumo. Que não sabe como era a divisão do plantio, que só sabe que eles trabalhavam por lá, um numa parte, outro em outra parte, que tudo era ali nas terras do sogro. Que era somente a família que trabalhava, sem empregados. Que o fumo era vendido. Que o marido da autora trabalhava na agricultura também, por alguns anos, mas depois eles se mudaram. Que ouviu dizer que eles se mudaram para o lado de Araranguá, mas não tem certeza. Que depois eles voltaram para a Zona Nova. Que isso faz uns 20 anos e depois que voltaram não saíram mais e estão novamente trabalhando na agricultura. Que acha que fazem pouca coisa por causa da idade mas ainda trabalham um pouco, fazem alguma coisa por lá. Que não sabe dizer se o marido da autora está aposentado. Que nenhum filho mora atualmente com a autora e o marido, pois ficaram em Araranguá. Que não sabe dizer ao certo. Que hoje em dia eles criam umas criações, porco, galinha, alguma coisa de banana e fazem alguma coisinha de agricultura. Que além deles tem os parentes do marido que ali trabalham também. Que a terra é muito grande e eles estão espalhados por ali. Que os irmãos do marido da autora ainda trabalham ali. Que não sabe de outra profissão que a autora tenha exercido. Que quando saítam para Araranguá eles tinham filhos menores, pois faz muito tempo. Que esses filhos ajudavam pouquinha coisa, mas eram pequenos e era pouca coisa, o serviço mais pesado eles não faziam. Que quando a autora e o marido voltaram, os filhos não vieram junto, ficaram por Araranguá, pois atualmente não moram ali com os pais. Que as terras são grandes o suficiente para todos trabalharem ali. Que eles possuem uma casa onde moravam antes de sair e atualmente moram ali novamente. Que deram uma ajeitada e voltaram para a mesma residência. Que essa residência fica nas terras do sogro. Que acredita que houve um tipo de divisão, cada um plantando na sua parte. Que a família da autora e do marido sempre foram da roça. Que agora não sabe afirmar se eles vendem alguma coisa, mas talvez vendam algum pouco, pois são mais de idade. Que não pode afirmar porque não se envolve muito. Não sabe dizer se vendem. Que antes de sair e depois que voltaram eles trabalharam na mesma propriedade. Que não sabe dizer se há trocas de mercadorias, como plantação por terneiros, mas que sabe que outras famílias fazem. Que hoje em dia plantam aipim, batatas, um pouco de banana, que não trabalham mais com fumo. Que o sogro da autora se chamava Bernardino Raupp, mas que ele era conhecido por apelido. Que conheceu a autora há cerca de 40 anos e que eles saíram de lá há cerca de 20 anos, mas voltaram uns 15 a 18 anos depois. Que não se lembra bem quanto tempo ficaram fora. Que faz mais de dez anos que eles voltaram, talvez mais de quinze. Que hoje em dia o que a autora produz aperta para eles sobreviverem. Mas que vivem dali. Que hoje em dia para sobreviver é com qualquer coisinha que plantar, pois não pagam aluguel, nem água. Que alguma coisa que eles plantam serve para sobreviver. Que não sabe se eles usam remédios (evento 55, VÍDEO2).
Por sua vez, a testemunha Vilma Ferreira dos Santos afirmou que conhece a autora há mais de 40 anos. Que quando a conheceu ela já tinha três filhos e que trabalhava na agricultura na Zona Nova, em terras extremantes com as da depoente. Que essas terras pertenciam ao sogro da autora. Que ali plantavam fumo e outras coisinhas para comer: aipim, batata, vaquinha de leite. Que ali trabalhavam a autora, o marido e os três filhos pequenos. Que as terras eram do sogro da autora. Que ali havia outros parentes que trabalhavam, mas cada um num pedaço de terra, pois as terras eram grandes. Que eles viviam apenas da agricultura e não possuíam empregados. Que teve uma época que eles saíram uns anos para trabalhar em Araranguá e voltaram em 2000 para trabalhar nas mesmas terras do sogro da autora. Que daí voltaram a trabalhar na agricultura, com o que produz a terra, feijão, arroz, essas coisas. Que daí não plantaram mais fumo porque já estavam sozinhos, os filhos não estavam mais com eles. Que ali trabalhavam outros irmãos do marido da autora, que trabalham até hoje, cada um com um pedaço de terra. Que atualmente a autora ainda trabalha na agricultura, feijão, arroz, milho, que tem que plantar para comer porque a situação não está boa. Que a autora trabalha sozinha com o marido. Que pelo que sabe a autora nunca teve outra profissão. Que não sabe se o marido da autora trabalhou com carteira assinada. Que no período em que estiveram fora não sabe dizer com o que trabalharam, pois fica mais no interior e quase não sai. Que a família da autora e do marido também eram da agricultura. Que quando eles saíram dali, os filhos tinham em torno de 13 e 10 anos. Que quando voltaram, voltou apenas o casal, sem os filhos. Que na época em que plantavam fumo, não sabe dizer se trocavam mercadorias. Que hoje em dia sabe que a autora precisa vender alguma coisa pra comprar um açúcar, um café, mas que aí é particular, para o próprio turista que aparece. Que as terras do sogro são grandes o suficiente para todos trabalharem. Que não sabe dizer se já trabalharam de empregados ou se já colocaram empregados nessas terras. Que a única fonte de renda deles antes de sair e quando voltaram era a agricultura. Que o nome do sogro era “Tio Bintha”. Que quando eles saíram o sogro era vivo e quando voltaram o sogro já era falecido. Que eles possuem uma casa que está lá até hoje, que é ali que eles moram. Voltaram para a mesma casa. Que não faz ideia de quanto tempo eles ficaram fora, mas sabe que voltaram em 2000, pois é quando nasceu a filha da depoente. Que de lá para cá eles não sairam mais (evento 55, VÍDEO3).
A testemunha Armelindo Idalino afirmou que conhece a autora há bastante tempo, mas que ela mudou da comunidade e agora voltou novamente. Que conheceu a autora pequena, ela ainda era solteira e sua família era de agricultores. Que a autora também trabalhava nas terras dos pais. Que depois de casada continuou trabalhando na agricultura. Que o marido e toda a irmandade era também da agricultura. Que as terras que trabalhavam era do sogro da autora e hoje são de um cunhado. Que o nome do sogro era Inacinho. Que hoje as terras são de um cunhado da autora. Que hoje eles moram ali nessas terras, a autora e seu marido. Que faz uns 14, 15 anos que eles voltaram para ali. Que só voltou o casal, os filhos não. Que antes eles plantavam fumo, mandioca, feijão, milho e a família vivia apenas da agricultura. Que não sabe de outra profissão que a autora tenha exercido. Que quando saíram foram para Araranguá e quando voltaram, voltaram sem os filhos. Que quando voltaram, voltaram a trabalhar na agricultura. Que até hoje ainda “dá umas enchadadas”. Que não vendem nada, que é apenas para comer. Que não sabe se o marido da autora chegou a trablhar de carteira assinada. Que teve pouco contato com eles em Araranguá. Que sempre conheceu eles como agricultores. Que Adair, Pauloe Antônio são irmãos do esposo da autora. Que o sogro da autora tinha apelido de Bintha e se chamava Bernardino e não Inacinho, como afirmou anteriormente. Que ainda criam porcos, galinhas e trabalham com bananas também. Que acha que eles vendem bananas sim. Que trocam produtos também. Que vivem da agricultura. Que sem a agricultura não teriam como viver (evento 55, VÍDEO4).
A testemunha Giovani dos Santos Teixeira disse que conhece a autora, pois eles trabalharam nas terras do pai do depoente um tempo. Que essas terras ficam em Araranguá, mas não sabe dizer se era arrendamento ou se eles apenas cuidavam e plantavam, pois o negócio era com o pai do depoente. Que isso foi por volta de 1995 a 2000 ou de 1993 a 2000. Que seu pai se chama Bernardino Teixeira. Que trabalharam ali por 5 a 7 anos, que moravam ali, tinha uma estrebaria, que ali plantavam abóbora, aipim, mandioca, batata doce. Que eles tinham plantação. Que não sabe dizer se a plantação era vendida, mas sabe que plantavam. Acha que vendiam sim, pois era em 2,5 hectares que eles trabalhavam. Que não sabe dizer se o pai do depoente pagava alguma coisa para eles. Que sabe que eles cuidavam da área e plantavam. Que não sabe se tinha algum tipo de pagamento, mas acredita que não. Que eles tinham filhos nessa época. Que não sabe dizer se o marido da autora tinha outra atividade nessa época, pois era raro o depoente passar por lá, só sabe que moravam ali. Que plantavam aipim, milho, essas coisas. Que acha que pela quantidade de terra e pela produção eles provavelmente vendiam algo sim. Que eles produziam em parte das terras do pai do depoente, que tem um total de 10 hectares dos quais eles plantavam em cerca de 2,5 hectares. Que a roça de aipim era grande, não devia ser somente para consumo. Que não sabe dizer se eles tinham outra fonte de renda. Que na época eles tinham “uns guris” lá. Que eles ficavam ali junto na casa, tinha uma menina também. Que eles não tinham empregados e pelo que sabe não eram empregados de seu pai. Que eles moravam ali e cuidavam e plantavam (evento 55, VÍDEO5).
A testemunha Agnaldo Pereira afirmou que conhece a autora do Caveirazinho. Que morava cerca de 200 a 300 metros da autora. Que o depoente chegou na localidade em 1996 e eles já estavam morando ali, a autora e três filhos. Que o esposo eles viam mais final de tarde, feriados, que trabalhava mais a autora ali mesmo. Que o depoente plantava fumo e eles plantavam aipim, batata, abóbora, milho, tinham umas vacas de leite. Que essas terras pertenciam ao Sr. Bernardino. Que o depoente chegou a arrendar um pedaço dessas terras. Que não sabe dizer se era contrato de arrendamento. Que os filhos da autora também ajudavam. Que não tinham empregados. Que não sabe dizer se eles vendiam parte da produção. Que não via o esposo da autora ali, que ele trabalhava pouco ali com ela. Que via mais a autora trabalhando mesmo. Que eles ficaram nessas terras até por volta de 3 a 4 anos depois que o depoente chegou ali, em 1996. Que não sabe se a autora tinha outra atividade. Que eles plantavam ali em torno de 2 a 3 hectares, que não sabe dizer se era suficiente para eles sobreviverem, pois não sabe o que o marido dela fazia. Que num espaço desse daria para a família sobreviver. Que via pouco o autor, mas ele morava ali e parava ali mais fim de horário e finais de semana. Que ela e os filhos estavam sempre ali. Que não sabe dizer se eles vieram de família de agriculores. Que não sabe do acerto que eles tinham com o Sr. Bernardino, mas acha que não eram empregados. Que eles plantavam ali, e “coisa”. Que a área era rural, que virou loteamento há pouco tempo, que a cidade está chegando na roça, atrapalhando quem é da roça. Que estão com os dias marcados lá (evento 55, VÍDEO6).
Por fim, a testemunha Serafim Agenor Matos disse que conheceu a autora quando ela trabalhava no terreno do Sr. Bernardino. Que as terras da autora extremavam com as terras do depoente. Que a autora arrendava terras do Sr. Bernardino. Que trabalhava perto da autora. Que a autora trabalhava com os filhos e aos finais de semana o marido ajudava. Que o depoente ainda mora lá. Que a família da autora morou lá por volta de 1992. Que faz uns 20 anos que saíram e não sabe para onde foram. Que a autora trabalhava nessas terras e plantava milho, mandioca, batata. Que a autora vendia parte da produção. Que viviam da terra, vendendo o que sobrava do consumo. Que cada um cuidava de sua vida, ela no dela, o depoente no dele. Que não sabe informar a atividade do marido da autora. Que via ele trabalhando feriados e finais de semana. Que a autora não teve empregados. Que os filhos ajudavam. Que conheceu a família quando começaram a trabalhar ali. Que naquele tempo era arrendamento, que era assim que trabalhavam. Que ninguém recebia recibo, era só renda. Que pelo tamanho da terra era suficiente para sustentar a família. Que viviam dali, como o depoente, que criou a família vivendo dali. Que eles usavam junta de bois, cavalos. Que todo mundo fazia isso. Que naquele tempo não tinha trator, todo mundo trabalhava assim. Que cada um cuidava das suas coisas (evento 55, VÍDEO7).
Análise
Diante das provas colhidas nos autos é possível afirmar que a parte autora exerce a atividade rural de forma individual, e não em regime de economia familiar, considerando-se que o marido trabalhava no meio urbano, sendo, inclusive aposentado por invalidez desde 26/08/1999.
Conforme o artigo 11, VII da Lei 8.213/91, é segurado especial aquele(a) que exerce, seja de forma individual, seja com outros membros do grupo familiar, o labor rural.
Destaca-se que há início de prova material em nome próprio da autora, referente ao período de carência.
Saliente-se não ser o caso de análise da controvérsia pelo prisma da tese firmada pelo STJ no julgamento do Tema 532, a qual assim dispõe:
O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).
E isto porque o tema em questão diz respeito à caracterização do segurado especial em regime de economia familiar, como se extrai da fundamentação do voto condutor do respectivo recurso especial paradigmático (REsp nº 1.304.4779), de lavra do Ministro Herman Benjamin, in verbis:
2. Repercussão de atividade urbana de membro do grupo familiar, em nome do qual estão as provas materiais de segurado especial, na pretensão de configuração jurídica de trabalhador rural previsto no art. 143 da Lei 8.213/1991. Exame da matéria sob o rito do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008
Conforme decisão de fls. 174-176/STJ, o presente Recurso Especial foi submetido ao procedimento dos recursos repetitivos, de forma que passo a fixar a orientação acerca da matéria jurídica controvertida.
As matérias envolvidas no presente caso inundam o Superior Tribunal de Justiça e merecem posicionamento claro acerca da valoração da prova.
A primeira questão a ser enfrentada é definir se o exercício da atividade urbana, por si só, por um membro do grupo familiar desnatura o regime de economia familiar dos demais.
Fica evidente que se trata de atribuir valor jurídico aos fatos constatados, o que significa respeito ao preceito da Súmula 7/STJ.
O ordenamento jurídico previdenciário estabeleceu proteção aos agrupamentos familiares cuja subsistência dependa do trabalho rural em regime de mútua dependência e colaboração. A lei define esse trabalho como “indispensável à própria subsistência” (art. 11, § 1º, da Lei 8.213/1991). A partir do momento em que um membro do grupo passa a exercer trabalho exclusivamente urbano, a produção rural pode se caracterizar como irrelevante para sustento básico da família.
Por exemplo, um núcleo familiar que viva no regime de subsistência rural tem como renda presumida, por óbvio, algo em torno de um salário mínimo. Se um dos cônjuges passa a trabalhar no meio urbano ganhando três salários mínimos, o produto do trabalho rural pode, em tese, ser tido como meramente complementar.
De qualquer sorte, essa análise do conjunto probatório é incumbência das instâncias ordinárias, a quem cabe contextualizá-lo de acordo com a Lei de Benefícios, de forma a conceder o benefício ou a averbação do tempo de serviço como segurado especial àqueles que realmente se enquadram na hipótese legal.
Voltando à valoração probatória, se se aplicasse o conceito de propriedade familiar do Estatuto da Terra (Lei 4.504/1964), poder-se-ia definir a regra geral da descaracterização do trabalho rural em regime de economia familiar de todos os membros do grupo se um deles passasse a exercer atividade urbana. Transcrevo dispositivo relacionado:
(...)
Em suma, se um dos integrantes se desgarra do trabalho rural, segundo o Estatuto da Terra, fica descaracterizado o regime de economia familiar.
Ocorre que a legislação previdenciária estabeleceu um escopo diferenciado de proteção social. Transcrevo as redações originais dos arts. 11, VII, § 9º, da Lei 8.213/91; e 9º, § 8º, do Regulamento de Benefícios (Decreto 3.048/1999), ressaltando que as alterações posteriores mantiveram os princípios aqui analisados:
(...)
Assim, a legislação previdenciária estabeleceu a possibilidade de um dos membros do grupo familiar exercer atividade estranha ao regime de subsistência. Ora, se essa atividade afetasse a natureza do trabalho dos demais integrantes, a lei não se resumiria a descaracterizar como segurado especial somente o integrante que se desvinculou do meio rural.
É indubitável, portanto, que o fato de um dos membros do grupo exercer atividade incompatível com o regime de economia familiar não descaracteriza, por si só, a atividade agrícola dos demais componentes. Isso não exime as instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ de averiguar, de acordo com os elementos probatórios dos autos, a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar (...)
Logo, não se tratando de controvérsia atinente à caracterização da condição de segurado especial em regime de economia familiar, não cabe averiguar a respeito da dispensabilidade do trabalho rural desempenhado pela autora para fins de subsistência do grupo familiar.
Tampouco é relevante o fato de o cônjuge da autora ter auferido renda em virtude de ter sido aposentado por invalidez.
Ademais, a autora afirmou em seu depoimento pessoal que depois que o marido se aposentou, a autora está trabalhando sozinha nessas terras do sogro. A extensa prova material juntada aos autos corrobora esta alegação.
Nessas condições, entende-se que no período de carência (2001 a 2016), a autora exerceu atividade rural de forma individual.
Assim, cumprida a carência, é devida a concessão de aposentadoria rural por idade à autora desde a data do requerimento administrativo (29/06/2016).
Atualização monetária e juros de mora
A atualização monetária e os juros de mora devem seguir, até 08/12/2021, os parâmetros estabelecidos pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do tema repetitivo nº 905, os quais estão assim enunciados na tese então firmada:
3. Índices aplicáveis a depender da natureza da condenação.
(...)
3.2 Condenações judiciais de natureza previdenciária.
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).
A partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, aplica-se o índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic), acumulado mensalmente (artigo 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021, publicada em 09/12/2021, que entrou em vigor na data de sua publicação).
Ônus sucumbenciais
Condeno o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a pagar honorários advocatícios, observando-se o seguinte:
a) sua base de cálculo corresponderá ao valor da condenação, observado o enunciado da súmula nº 76, deste Tribunal ("Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência");
b) será aplicado o percentual mínimo estabelecido para cada uma das faixas de valores previstas no parágrafo 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil;
c) quando mais de uma faixa de valores for aplicável, será observado o disposto no artigo 85, § 5º, do mesmo Código.
Custas processuais na Justiça Federal
O INSS está isento do pagamento de custas (artigo 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96).
Tutela específica
A 3ª Seção deste Tribunal firmou o entendimento no sentido de que, esgotadas as instâncias ordinárias, faz-se possível determinar o cumprimento da parcela do julgado relativa à obrigação de fazer, que consiste na implantação do benefício concedido ou restabelecido, para tal fim não havendo necessidade de requerimento do segurado ou dependente ao qual a medida aproveita (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC n. 2002.71.00.050349-7/RS, Relator para o acórdão Desembargador Federal Celso Kipper, julgado em 09-08-2007).
Louvando-me no referido precedente e nas disposições do artigo 497 do Código de Processo Civil, determino a implantação do benefício no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação e determinar a implantação do benefício.
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Signatário (a): SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
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Apelação Cível Nº 5002708-65.2020.4.04.7217/SC
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5002708-65.2020.4.04.7217/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
APELANTE: VANDELINA ALVES RAUPP (AUTOR)
ADVOGADO(A): CLOVIS DE LUCCA GERMANN (OAB SC016626)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. SEGURADO ESPECIAL. INDIVIDUAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. TUTELA ESPECÍFICA.
1. A concessão de aposentadoria por idade, no caso do trabalhador rural qualificado como segurado especial, deve observar os seguintes requisitos: idade mínima (60 anos para homens e 55 anos para mulheres); exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida, independentemente do recolhimento de contribuições.
2. Conforme o artigo 11, VII da Lei 8.213/91, é segurado especial aquele(a) que exerce, seja de forma individual, seja com outros membros do grupo familiar, o labor rural.
3. No caso dos autos, restaram preenchidos os requisitos para a concessão do benefício.
4. Tutela específica deferida, para fins de implantação do benefício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação e determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 14 de março de 2023.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 07/03/2023 A 14/03/2023
Apelação Cível Nº 5002708-65.2020.4.04.7217/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: VANDELINA ALVES RAUPP (AUTOR)
ADVOGADO(A): CLOVIS DE LUCCA GERMANN (OAB SC016626)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 07/03/2023, às 00:00, a 14/03/2023, às 16:00, na sequência 1160, disponibilizada no DE de 24/02/2023.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
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