| D.E. Publicado em 10/08/2018 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000774-32.2015.4.04.9999/RS
RELATORA | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
APELANTE | : | ALVINA TERESINHA FERREIRA |
ADVOGADO | : | Edson Luiz Parisi |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. SEGURADO ESPECIAL. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO
1. Defere-se aposentadoria rural por idade ao segurado que cumpre os requisitos previstos no inciso VII do artigo 11, no parágrafo 1º do artigo 48, e no artigo 142, tudo da Lei 8.213/1991.
2. Preenchido o requisito etário, e comprovada a carência exigida ainda que de forma não simultânea, é devido o benefício.
3. Correção monetária desde cada vencimento, pelo IPCA-E. Juros de mora desde a citação, conforme o art. 5º da Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/1997.
4. Determinada a implantação imediata do benefício. Precedente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação e determinar a implantação imediata do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 31 de julho de 2018.
Juíza Federal Luciane Merlin Clève Kravetz
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Luciane Merlin Clève Kravetz, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9428645v16 e, se solicitado, do código CRC 6CD57D5E. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Luciane Merlin Clève Kravetz |
| Data e Hora: | 02/08/2018 13:33 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000774-32.2015.4.04.9999/RS
RELATORA | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
APELANTE | : | ALVINA TERESINHA FERREIRA |
ADVOGADO | : | Edson Luiz Parisi |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação previdenciária ajuizada na justiça estadual por ALVINA TERESINHA FERREIRA, nascida em 07/10/1954, contra o INSS em 14/08/2012, pretendendo concessão de aposentadoria rural por idade.
A sentença (f. 96 e 97), datada de 19/05/2014, julgou improcedente o pedido, condenando o autor ao pagamento das custas e das despesas processuais, bem como a arcar com honorários ao procurador do réu, fixados em 10% do valor atribuído a causa. Suspensa a exigibilidade do pagamento das verbas sucumbenciais em face do benefício da gratuidade judiciária. A sentença não foi submetida ao reexame necessário.
O juízo de origem justificou a improcedência do pedido pelo entendimento de que o marido da parte autora sempre exerceu atividade urbana - de 1976 até 2010 - e de não haver na documentação apresentada a qualificação da parte autora como agricultora, havendo apenas a indicação do exercício de atividades domésticas.
Apelou a parte autora (f. 99 a 107). Nas suas razões, afirmou que os documentos juntados são suficientes para a comprovação da condição de segurado especial no período de carência. Alegou também que eventuais interrupções das atividades campesinas, decorrentes de vínculos urbanos ou mesmo de inatividade, não são contempladas pela legislação previdenciária como causa impeditiva do aproveitamento de períodos de labor rural intercalados. No que diz respeito à renda do marido, afirmou que este sempre recebeu em torno de um salário mínimo, o que demonstraria que a renda obtida pelas atividades rurais seria essencial para a subsistência da sua família. Requer a reforma da sentença, para que seja concedido o benefício de aposentadoria por idade rural. Suscitou, finalmente o prequestionamento dos dispositivos legais referidos no recurso.
Sem contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
Distribuído o recurso, foi constatado que o juízo de origem sentenciou sem determinar a produção da necessária prova testemunhal a respeito da atividade rural da parte autora. Dessa forma, foi determinada (decisão de f. 11 e 12) a baixa dos autos em diligência, a fim de que seja oportunizada a colheita da prova oral e propiciada posterior manifestação das partes para, desta forma, ampliar a instrução probatória quanto ao efetivo exercício do trabalho rural pela parte autora no período de carência.
Cumprida a diligência, retornaram os autos para o julgamento do recurso.
VOTO
DO REEXAME NECESSÁRIO
Sentença não submetida ao reexame necessário.
DA APOSENTADORIA RURAL POR IDADE
Economia familiar - considerações gerais
O benefício de aposentadoria por idade do trabalhador rural qualificado como segurado especial em regime de economia familiar (inc. VII do art. 11 da Lei 8.213/1991), é informado pelo disposto nos §§ 1º e 2º do art. 48, no inc. II do art. 25, no inc. III do art. 26 e no inc. I do art. 39, tudo da Lei 8.213/1991. São requisitos para obter o benefício:
1) implementação da idade mínima (cinquenta e cinco anos para mulheres, e sessenta anos para homens);
2) exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondente à carência exigida, ainda que a atividade seja descontínua.
Não se exige prova do recolhimento de contribuições (TRF4, Terceira Seção, EINF 0016396-93.2011.404.9999, rel. Celso Kipper, D.E. 16/04/2013; TRF4, EINF 2007.70.99.004133-2, Terceira Seção, rel. Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, D.E. 23/04/2011).
A renovação do Regime Geral de Previdência Social da Lei 8.213/1991 previu regra de transição em favor do trabalhador rural, no art. 143:
Art. 143. O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício.
Complementando o art. 143 na disciplina da transição de regimes, o art. 142 da Lei 8.213/1991 estabeleceu que para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá a uma tabela de redução de prazos de carência no período de 1991 a 2010, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício.
O ano de referência de aplicação da tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991 será aquele em que o segurado completou a idade mínima para haver o benefício, desde que, até então, já disponha de tempo rural correspondente aos prazos de carência previstos. É irrelevante que o requerimento de benefício seja apresentado em anos posteriores ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, devendo ser preservado o direito adquirido quando preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que estes requisitos foram atendidos (§ 1º do art. 102 da Lei 8.213/1991).
Pode acontecer, todavia, que o segurado complete a idade mínima mas não tenha o tempo de atividade rural exigido, observada a tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991. Nesse caso, a verificação do tempo de atividade rural necessária ao cumprimento da carência equivalente para obter o benefício não poderá mais ser feita com base no ano em que implementada a idade mínima, mas sim nos anos subsequentes, de acordo com a tabela mencionada, com exigências progressivas.
Ressalvam-se os casos em que o requerimento administrativo e a implementação da idade mínima tenham ocorrido antes de 31/08/1994 (vigência da MP 598/1994, convertida na Lei 9.063/1995, que alterou o art. 143 da Lei 8.213/1991), nos quais o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural anterior ao requerimento por um período de cinco anos (sessenta meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991.
A disposição contida no art. 143 da Lei 8.213/1991, exigindo que a atividade rural deva ser comprovada em período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada a favor do segurado. A regra atende às situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente comprovar trabalho rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no § 1º do art. 102 da Lei 8.213/1991 e, principalmente, em proteção ao direito adquirido. Se o requerimento datar de tempo consideravelmente posterior à implementação das condições, e a prova for feita, é admissível a concessão do benefício.
Em qualquer caso, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo (STF, Plenário, RE 631240/MG, rel. Roberto Barroso, j. 03/09/2014).
O tempo de trabalho rural deve ser demonstrado com, pelo menos, um início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, complementada por prova testemunhal idônea. Não é admitida a prova exclusivamente testemunhal, a teor do § 3º do art. 55 da Lei 8.213/1991, preceito jurisprudencialmente ratificado pelo STJ na Súmula 149 e no julgamento do REsp nº 1.321.493/PR (STJ, 1ª Seção, rel. Herman Benjamin, j. 10/10/2012, em regime de "recursos repetitivos" do art. 543-C do CPC1973). Embora o art. 106 da Lei 8.213/1991 relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo (STJ, Quinta Turma, REsp 612.222/PB, rel. Laurita Vaz, j. 28/04/2004, DJ 07/06/2004, p. 277).
Não se exige, por outro lado, prova documental contínua da atividade rural, ou em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, mas início de prova material (notas fiscais, talonário de produtor, comprovantes de pagamento do Imposto Territorial Rural (ITR) ou prova de titularidade de imóvel rural, certidões de casamento, de nascimento, de óbito, certificado de dispensa de serviço militar, quaisquer registros em cadastros diversos) que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar:
[...] considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ [...]
(STJ, Primeira Seção, REsp 1321493/PR, rel. Herman Benjamin, j. 10out.2012, DJe 19/12/2012)
Quanto à questão da contemporaneidade da prova documental com o período relevante para apuração de carência, já decidiu este Tribunal que: A contemporaneidade entre a prova documental e o período de labor rural equivalente à carência não é exigência legal, de forma que podem ser aceitos documentos que não correspondam precisamente ao intervalo necessário a comprovar. Precedentes do STJ (TRF4, Sexta Turma, REOAC 0017943-66.2014.404.9999, rel. João Batista Pinto Silveira, D.E. 14/08/2015).
Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando dos pais ou cônjuge, consubstanciam início de prova material do trabalho rural, já que o §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar o exercido pelos membros da família "em condições de mútua dependência e colaboração". Via de regra, os atos negociais são formalizados em nome do pater familias, que representa o grupo familiar perante terceiros, função esta, exercida em geral entre os trabalhadores rurais, pelo genitor ou cônjuge masculino. Nesse sentido, a propósito, preceitua a Súmula 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental", e já consolidado na jurisprudência do STJ: "A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido da admissibilidade de documentos em nome de terceiros como início de prova material para comprovação da atividade rural (STJ, Quinta Turma, REsp 501.009/SC, rel. Arnaldo Esteves Lima, j. 20/11/2006, DJ 11/12/2006, p. 407).
Importante, ainda, ressaltar que o fato de um dos membros da família exercer atividade outra que não a rural também não descaracteriza automaticamente a condição de segurado especial de quem postula o benefício. A hipótese fática do inc. VII do art. 11 da Lei 8.213/1991, que utiliza o conceito de economia familiar, somente será descaracterizada se comprovado que a remuneração proveniente do trabalho urbano do membro da família dedicado a outra atividade que não a rural seja tal que dispense a renda do trabalho rural dos demais para a subsistência do grupo familiar:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. SEGURADA ESPECIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. O exercício de atividade urbana por um dos componentes do grupo familiar não afasta, por si só, a qualidade de segurado especial dos demais membros, se estes permanecem desenvolvendo atividade rural, em regime de economia familiar. Para a descaracterização daquele regime, é necessário que o trabalho urbano importe em remuneração de tal monta que dispense o labor rural dos demais para o sustento do grupo. Precedentes do STJ.
(TRF4, Terceira Seção, EINF 5009250-46.2012.404.7002, rel. Rogerio Favreto, juntado aos autos em 12/02/2015)
O INSS alega com frequência que os depoimentos e informações tomados na via administrativa apontam para a ausência de atividade rural no período de carência. As conclusões adotadas pelo INSS no âmbito administrativo devem ser corroboradas pela prova produzida em Juízo. No caso de haver conflito entre as provas colhidas na via administrativa e as tomadas em juízo, deve-se ficar com estas últimas, uma vez que produzidas com as cautelas legais, garantindo-se o contraditório: "A prova judicial, produzida com maior rigorismo, perante a autoridade judicial e os advogados das partes, de forma imparcial, prevalece sobre a justificação administrativa" (TRF4, Quinta Turma, APELREEX 0024057-21.2014.404.9999, rel. Taís Schilling Ferraz, D.E. 25jun.2015). Dispondo de elementos que impeçam a pretensão da parte autora, cabe ao INSS produzir em Juízo a prova adequada, cumprindo o ônus processual descrito no inc. II do art. 373 do CPC2015 (inc. II do art. 333 do CPC1973).
DO CASO CONCRETO
O requisito etário, sessenta anos, cumpriu-se em 07/10/2009, (nascimento em 07/10/1954). O requerimento administrativo deu entrada em 11/02/2010. Deve-se comprovar, de acordo com a tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991, o exercício de atividade rural nos cento e sessenta e dois meses imediatamente anteriores ao cumprimento do requisito etário ou cento e setenta e quatro meses ao requerimento administrativo.
Em relação às provas documentais, o processo foi instruído com os seguintes documentos:
1. Certidão de casamento da parte autora, celebrado em 22/04/1972, na qual o marido da parte autora está qualificado como agricultor (f. 33);
2. Certidão de Nascimento das filhas Sirlei e Márcia Ferreira, nascidas em 19/03/1973 e 04/12/1979 respectivamente, onde consta a profissão do pai como agricultor (fls. 12/13 e 38/40);
3. Notas Fiscais e contra-notas, em nome próprio e/ou do marido da parte autora, correspondente aos anos de 1983, 1987, 1989, 1990, 1992, 2010, 2011, 2012 (fls. 17/29 e 41/52);
4. Declaração do Sindicato dos trabalhadores rurais de Trindade do Sul, atestando que a autora exerceu atividade rural no período de 01/01/1972 até 31/06/1992 (fl. 35/36);
5. Termo de homologação, por parte do INSS, do tempo de atividade rural declarada pelo sindicato rural no item anterior (fl. 56);
6. Contrato particular de compra e venda de sacas de soja, firmado em 20/12/1988, a serem entregues no período de dois anos, no qual consta o marido da parte autora qualificado como vendedor (fl. 37);
7. CNIS da parte autora (fl. 57/61), no qual consta o cadastro da parte autora como empregada doméstica em 09/04/1997 e breves vínculos empregatícios (de 06/12/1983 a 22/05/1984; de 04/1997 a 01/1999; de 10/1999 a 12/1999; de 03/2000 a 10/2000; e de 03/2002 a 07/2002);
8. CNIS do marido da parte autora (fl. 62/65), no qual consta o seu cadastro como autônomo em 03/11/1997 e vários vínculos empregatícios urbanos (de 01/03/1976 a 16/05/1984 - diversos empregadores e com poucas interrupções -; de 03/01/1994 a 09/05/1994; de 12/02/1997 a 12/04/1997; de 22/11/1997 a 19/02/1998; de 13/01/1999 a 11/02/1999; de 05/09/2001 a 04/10/2001; de 20/12/2006 a 01/2007; de 18/12/2007 a 16/03/2008)
7. Comunicação de Decisão do INSS, indeferindo a solicitação da parte autora (fl. 69/71).
8. Depoimento em juízo da parte autora registrado em CD (fl. 119);
A prova testemunhal produzida em audiência (CD de fl. 125) foi precisa e convincente acerca do trabalho rural do autor em regime de economia familiar, no interior de Trindade do Sul, conforme se verifica dos depoimentos das testemunhas, PEDRO LEMES DA SILVA e ARGENOR CORDEIRO DA SILVA. As testemunhas afirmaram que conhecem a parte autora a cerca de 20 anos e que esta sempre exerceu a atividade de trabalhadora rural, em regime de economia familiar, sem a ajuda de terceiros, peões e ou empregados até os dias atuais, onde planta, junto com o marido, milho, feijão, soja, batata, mandioca e cria porcos e vacas de leite, vendendo o excedente da produção. A família não tem outra fonte de renda. Trabalham em terras próprias de um ou dois alqueires.
Uma análise inicial dos documentos apresentados pela parte autora, em que pese não cubram todo o período de carência, demonstra que estes abarcam quase todo o período de atividade rural entre os anos de 1983 até 2012. As testemunhas, por sua vez, são unânimes em afirmar que a parte autora atuou nas lides rurais desde a infância, o que preenche a lacuna documental. Dessa forma, entendo que pode ser aplicada, em princípio, a tese da possibilidade da descontinuidade do labor rural referida no tópico que trata das condições gerais para a aposentadoria rural por idade, isso porque os períodos de atividade urbana demonstrados no CNIS são curtos, não afetando a sua condição de segurada especial.
A sentença motivou a improcedência da ação, como visto no relatório, em dois fatores:
1. no entendimento de que não há na documentação trazida aos autos nenhuma indicação de que a parte autora é agricultora, havendo apenas a sua qualificação como doméstica nas certidões acostadas;
2. no entendimento de que o marido da parte autora sempre exerceu atividade urbana - de 1976 a 2010 -, dela advindo a principal renda da família, fato que desconstituiria a caracterização do regime de economia familiar e afastaria a condição de segurada especial da parte autora.
Em que pese a fundamentação da sentença, entendo que deve ser dado provimento ao apelo.
No que diz respeito a condição de agricultora da parte autora entendo que ela está devidamente caracterizada nos autos. Isto porque:
a) nas notas fiscais de produtor rural acostadas aos autos, há algumas que estão em nome da parte autora em conjunto com o seu marido (f. 26 e 27);
b) há nos autos declaração do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Trindade do Sul atestando a atividade rural da autora, documento que inclusive foi homologado pelo INSS;
c) as testemunhas ouvidas em juízo foram unânimes em confirmar o exercício da atividade rural da autora no período de carência;
d) no depoimento pessoal da parte autora, colhido em uma das audiências realizadas em juízo, a parte autora, ao ser perguntada sobre a época de plantio e colheita de vários produtos agrícolas, foi firme e convincente nas suas respostas, demonstrando conhecimento das lides agrícolas.
Dessa forma, há nos autos vários indicadores do exercício da atividade rural por parte da autora. Nesse sentido, cumpre reafirmar que os períodos em que a parte autora exerceu atividade urbana - descritos acima - foram breves, não tendo o dom de afastar a condição de segurada especial da parte autora. Em relação a este período de atividade urbana, a parte autora esclarece, em seu depoimento, que se afastou das atividades rurais por cerca de um ano devido as dificuldades sofridas pelos pequenos agricultores. Porém, independente da motivação que levou a autora a afastar-se por um tempo das lides agrícolas, entendo que está devidamente demonstrada nos autos a vocação rural da parte autora.
Já no que diz respeito á atividade urbana realizada pelo marido da autora, a análise detalhada dos seus vínculos empregatícios demonstra que:
a) no período entre março de 1976 e maio de 1984 exerceu atividade urbana de forma quase ininterrupta;
b) há um lapso temporal de quase dez anos - de 17/05/1984 até 02/01/1994 - no qual não teve nenhum vínculo urbano;
c) os vínculos urbanos de janeiro de 1994 a março de 2008 foram bastante esporádicos e todos tiveram a duração de poucos meses, como pode ser visto nas descrição das provas documentais acima.
A análise das datas em que esteve empregado demonstra que o vínculo mais efetivo do cônjuge da parte autora com a atividade urbana deu-se de 1976 a meados de 1984, período em que se manteve empregado quase todo o tempo. Após 1984 houveram apenas vínculos que, além de esparços, foram bastante breves (o vínculo de maior duração teve cerca de quatro meses). Dessa forma, não há como afirmar que no período entre 1984 e 2010 o marido da parte autora sempre exerceu atividade urbana e que a renda dela obtida seria a base do sustento da família. Além do mais, o período em que o marido exerceu de forma mais afetiva a atividade urbana (de março de 1976 a maio de 1984) está fora do período de carência (que tem como base os 162 ou 174 meses - dependendo da utilização da data do cumprimento do requisito etário ou da DER - anteriores a 11/02/2010, data do requerimento administrativo).
Conclui-se que a análise global dos autos demonstra que a parte autora comprovou a atividade rural em boa parte do período de carência, sendo que todo o período foi confirmado pela prova oral. Além do mais, os breves períodos em que exerceu atividade urbana não afastam a sua condição de segurada especial. Desta forma, está claramente demonstrado o cumprimento da carência. Além do mais, também está claramente demonstrada nos autos a sua vocação rural.
Dessa forma, entendo que a prova material acostada, aliada à prova testemunhal colhida, mostra-se razoável à demonstração de que a parte autora trabalhou na lavoura no período de carência, não havendo motivo para que seja afastado seu direito ao benefício. Por tais razões, os documentos apresentados pela autora devem ser considerados como início de prova material da atividade rurícola por ela exercida.
Levando em conta a fundamentação acima, entendo que o conjunto probatório dos autos autoriza que seja reformada a sentença para conceder a aposentadoria rural por idade a partir da data do requerimento administrativo e que seja determinada a implantação imediata do benefício.
DOS CONSECTÁRIOS
Tendo em vista o provimento do apelo, inverte-se a sucumbência, que agora recai contra o INSS.
Correção monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação, e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- IPCA-E (a partir de 30 de junho de 2009, conforme RE870.947, j. 20/09/2017).
Juros de mora
Aplicam-se juros de mora simples de um por cento (1%) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009.
A partir de 30/06/2009, os juros incidem, de uma só vez, de acordo com os índices aplicados à caderneta de poupança, conforme o art. 5º da Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei n.º 9.494/1997.
Custas.
O entendimento consolidado deste Tribunal é o de que o INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (inc. I do art. 4º da Lei 9.289/1996) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (art. 11 da Lei Estadual 8.121/1985, com a redação da Lei Estadual 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864, TJRS, Órgão Especial).
Honorários advocatícios
Os honorários advocatícios são em regra fixados em dez por cento sobre o valor da condenação (TRF4, Terceira Seção, EIAC 96.04.44248-1, rel. Nylson Paim de Abreu, DJ 07/04/1999; TRF4, Quinta Turma, AC 5005113-69.2013.404.7007, rel. Rogerio Favreto, 07/07/2015; TRF4, Sexta Turma, AC 0020363-44.2014.404.9999, rel. Vânia Hack de Almeida, D.E. 29/07/2015), excluídas as parcelas vincendas nos termos da Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência", e da Súmula 111 do STJ (redação da revisão de 06/10/2014): "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença".
Assim, fixo a verba honorária em 10% do valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas. O termo final do cômputo dos honorários advocatícios neste caso será a data de julgamento deste recurso.
DA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO
A Terceira Seção deste Tribunal Regional Federal da Quarta Região definiu a questão da implantação imediata de benefício previdenciário, tanto em casos de concessão quanto de revisão de benefício:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. ART. 461 do CPC. TUTELA ESPECÍFICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. EFICÁCIA PREPONDERANTEMENTE MANDAMENTAL DO PROVIMENTO. CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO. POSSIBILIDADE. REQUERIMENTO DO SEGURADO. DESNECESSIDADE.
1. Atento à necessidade de aparelhar o processo de mecanismos preordenados à obtenção do resultado prático equivalente à situação jurídica que se verificaria caso o direito material tivesse sido observado espontaneamente pelo "devedor" através da realização da conduta imposta pelo direito material, o legislador, que já havia, na época da edição do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) instituído a tutela específica do direito do "credor" de exigir o cumprimento dos deveres de fazer ou não fazer decorrentes de relação de consumo, inseriu no ordenamento processual positivo, por meio da alteração no art. 461 do Código de Processo Civil operada pela Lei 8.952/94, a tutela específica para o cumprimento dos deveres de fazer ou não fazer decorrentes das relações do direito material que não as de consumo.
2. A adoção da tutela específica pela reforma processual de 1994 do CPC veio para suprir, em parte, a morosidade judicial, na proporção em que busca dar ao cidadão aquilo e somente aquilo que lhe é devido, tirando o direito do plano genérico-abstrato da norma, conferindo-lhe efeitos concretos, com o fito de lhe garantir a mesma conseqüência do que aquela que seria obtida pelo adimplemento voluntário.
3. A sentença que concede um benefício previdenciário (ou assistencial), em regra, compõe-se de uma condenação a implantar o referido benefício e de outra ao pagamento das parcelas atrasadas. No tocante à determinação de implantação do benefício (para o futuro, portanto), a sentença é condenatória mandamental e será efetiva mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 461 do CPC, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo).
4. A respeito do momento a partir do qual se poderá tornar efetiva a sentença, na parte referente à implantação futura do benefício, a natureza preponderantemente mandamental da decisão não implica automaticamente o seu cumprimento imediato, pois há de se ter por referência o sistema processual do Código, não a Lei do Mandado de Segurança, eis que a apelação de sentença concessiva do benefício previdenciário será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo, nos termos do art. 520, caput, primeira parte, do CPC, motivo pelo qual a ausência de previsão de efeito suspensivo ex lege da apelação, em casos tais, traz por conseqüência a impossibilidade, de regra, do cumprimento imediato da sentença.
5. Situação diversa ocorre, entretanto, em segundo grau, visto que o acórdão que concede o benefício previdenciário, que esteja sujeito apenas a recurso especial e/ou recurso extraordinário, enseja o cumprimento imediato da determinação de implantar o benefício, ante a ausência, via de regra, de efeito suspensivo daqueles recursos, de acordo com o art. 542, § 2º, do CPC. Tal cumprimento não fica sujeito, pois, ao trânsito em julgado do acórdão, requisito imprescindível apenas para a execução da obrigação de pagar (os valores retroativamente devidos) e, consequentemente, para a expedição de precatório e de requisição de pequeno valor, nos termos dos parágrafos 1º, 1º-A e 3º do art. 100 da Constituição Federal.
6. O cumprimento imediato da tutela específica, diversamente do que ocorre no tocante à antecipação de tutela prevista no art. 273 do CPC, independe de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário, pois aquele é inerente ao pedido de que o réu seja condenado a conceder o benefício previdenciário, e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC. Em suma, a determinação da implantação imediata do benefício contida no acórdão consubstancia, tal como no mandado de segurança, uma ordem (à autarquia previdenciária) e decorre do pedido de tutela específica (ou seja, o de concessão do benefício) contido na petição inicial da ação.
7. Questão de ordem solvida para que, no tocante à obrigação de implantar (para o futuro) o benefício previdenciário, seja determinado o cumprimento imediato do acórdão sujeito apenas a recurso especial e/ou extraordinário, independentemente de trânsito em julgado e de pedido específico da parte autora.
(TRF4, Terceira Seção, AC 2002.71.00.050349-7 Questão de ordem, rel. Celso Kipper, j. 09/08/2007)
Neste caso, reconhecido o direito ao benefício, impõe-se a sua implantação imediata.
A bem da celeridade processual, já que o INSS vem opondo embargos de declaração em todos os casos em que determinada a implantação imediata do benefício, alegando, para fins de prequestionamento, violação do art. 128, ou do inc. I do art. 475-O, tudo do Código de Processo Civil de 1973 (art. 141, ou ao § 5º do art. 520 do Código de Processo Civil de 2015), e art. 37 da Constituição, aborda-se desde logo a matéria.
Não se cogita de ofensa ao art. 128, ou ao inc. I do art. 475-O, do Código de Processo Civil de 1973 (art. 141, ou ao § 5º do art. 520 do Código de Processo Civil de 2015), porque a hipótese, nos termos do precedente da Terceira Seção desta Corte, não é de antecipação, de ofício, de atos executórios. A implantação do benefício decorre da natureza da tutela judicial deferida, como está expresso na ementa acima transcrita.
A invocação do art. 37 da Constituição, por outro lado, é despropositada. Sequer remotamente se verifica ofensa ao princípio da moralidade pela concessão de benefício previdenciário por autoridade judicial competente.
Desta forma, em vista da procedência do pedido e do que estabelecem os arts. 461 e 475-I do Código de Processo Civil de 1973 (arts. 497 e 513 do Código de Processo Civil de 2015), bem como dos fundamentos expostos na questão de ordem cuja ementa foi acima transcrita, deve o INSS implantar o benefício em até quarenta e cinco dias, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado desta decisão dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
CONCLUSÃO
Em conformidade com a fundamentação acima, deve-se reformar a sentença para dar provimento ao apelo da parte autora, concedendo-se o benefício previdenciário de aposentadoria por idade rural desde a data de entrada do requerimento administrativo, com a implantação imediata do benefício e condenando-se o INSS ao pagamento das parcelas vencidas, honorários e despesas judiciárias na forma dos consectários.
DISPOSITIVO
Pelo exposto, voto por dar provimento à apelação e determinar a implantação imediata do benefício, nos termos da fundamentação.
Juíza Federal Luciane Merlin Clève Kravetz
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 31/07/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000774-32.2015.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00021927620128210113
RELATOR | : | Juíza Federal LUCIANE MERLIN CLEVE KRAVETZ |
PRESIDENTE | : | Osni Cardoso Filho |
PROCURADOR | : | Dr. Mauricio Pessutto |
APELANTE | : | ALVINA TERESINHA FERREIRA |
ADVOGADO | : | Edson Luiz Parisi |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 31/07/2018, na seqüência 27, disponibilizada no DE de 16/07/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO IMEDIATA DO BENEFÍCIO, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal LUCIANE MERLIN CLEVE KRAVETZ |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal LUCIANE MERLIN CLEVE KRAVETZ |
: | Des. Federal OSNI CARDOSO FILHO | |
: | Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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