APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5034719-51.2017.4.04.9999/SC
RELATOR | : | PAULO AFONSO BRUM VAZ |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MARIA NEUSA PELOZATO |
ADVOGADO | : | ANA JULIA PINHEIRO |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. TEMPO DE ATIVIDADE RURAL. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. EXTINÇÃO EM PARTE DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. LABOR RURAL POSTERIOR A VIGÊNCIA DA LEI Nº 8.213/91.
1. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 320 do NCPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção em parte, sem o julgamento do mérito (art. 485, IV, do NCPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 486, §1º, do NCPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa (REsp 1.352.721/SP, Corte especial, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 16-12-2015). 2. O aproveitamento do tempo de atividade rural exercido até 31 de outubro de 1991, independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência, está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, inc. V, do Decreto n.º 3.048/99.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso do INSS a fim de (a) extinguir o feito, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, IV, NCPC, quanto ao pretendido reconhecimento de atividade rurícola de 20/02/1972 a 31/12/1991 e (b) afastar a averbação administrativa do labor rural nos períodos de 01/01/1992 a 31/01/1996 e de 13/02/2001 a 25/11/2015, tendo em vista a ausência de recolhimento das contribuições correspondentes, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 05 de abril de 2018.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9345004v9 e, se solicitado, do código CRC 942FA08D. | |
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| Signatário (a): | Paulo Afonso Brum Vaz |
| Data e Hora: | 10/04/2018 12:02 |
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5034719-51.2017.4.04.9999/SC
RELATOR | : | PAULO AFONSO BRUM VAZ |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MARIA NEUSA PELOZATO |
ADVOGADO | : | ANA JULIA PINHEIRO |
RELATÓRIO
Cuida-se de remessa oficial e apelação interposta pelo INSS em face da sentença, prolatada em 29/11/2016, que julgou procedente o pedido para:
"(...) Diante do exposto, julgo PROCEDENTE o pedido formulado na inicial, com resolução do mérito, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para condenar o Instituto Nacional da Seguridade Social INSS a implantar em favor da parte autora o benefício de aposentadoria por idade devida ao trabalhador rural, no valor de um salário mínimo, desde a data de entrada do requerimento administrativo (25/11/2015), e pagar as prestações vencidas desde aquela data até a efetiva implantação do benefício, atualizadas monetariamente pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, desde a citação, considerando a decretação de inconstitucionalidade, por arrastamento, do artigo 1º-F da Lei n. 9.494/97.
Condeno, ainda, o Instituto Nacional do Seguro Social INSS a pagar as custas processuais, estas devidas pela metade, nos termos do artigo 33, parágrafo único, da Lei Complementar Estadual n. 156/97, e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado das parcelas vencidas até a sentença, não incidindo sobre as vincendas (Súmula 111 do STJ). Frise-se que não há possibilidade de se isentar o Instituto Nacional do Seguro Social INSS das custas judiciais, frente à inaplicabilidade da Lei n. 8.620/93 no âmbito da Justiça Estadual (Súmula 20 do TRF 4ª)".
Sustenta a apelante, em síntese, que não é possível ser concedido o benefício, porquanto o período rural remoto não pode ser computado para fim de carência em benefício urbano, sendo que a pretensão da parte autora encontraria guarida apenas para concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, contudo não preenche o requisito etário para o benefício.
Com as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Do reexame necessário
Não se desconhece o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a sentença ilíquida está sujeita a reexame necessário (Súmula 490).
Contudo, considerando que o art. 29, § 2º, da Lei nº 8.213/91 dispõe que o valor do salário de benefício não será inferior ao de um salário mínimo, nem superior ao do limite máximo do salário de contribuição na data de início do benefício, e que a Portaria Interministerial nº 01, de 08/01/2016, dos Ministérios da Previdência Social e da Fazenda, estabelece que, a partir de 01/01/2017, o valor máximo do teto dos salários de benefícios pagos pelo INSS é de R$ 5.531,31 (cinco mil, quinhentos e trinta e um reais e trinta e um centavos), é forçoso reconhecer que, mesmo na hipótese em que a RMI do benefício deferido à parte autora seja fixada no teto máximo e as parcelas em atraso pagas nos últimos 05 anos (art. 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91), o valor da condenação, ainda que acrescida de correção monetária e juros de mora, jamais excederá à quantia de 1.000 (mil) salários-mínimos, montante exigível para a admissibilidade do reexame necessário.
Portanto, não conheço da remessa oficial.
No mérito, a parte autora ajuizou a presente demanda, tendo o MM. Juízo a quo acolhido seu pleito com reconhecimento do labor rurícola, na condição de segurado especial, com a consequente concessão de aposentadoria por idade rural, prevista no artigo 48, § 1º e seguintes, da Lei 8.213/91.
Aposentadoria por Idade Rural
Quanto ao reconhecimento do tempo de serviço rural, as premissas são as seguintes:
a) a possibilidade de extensão da prova material para período anterior ao documento mais antigo (REsp 1.348.633, Rel. Min. Arnaldo Esteves, j. 28/08/2013);
b) A presunção de continuidade do tempo de serviço rural no período compreendido entre os documentos indicativos do trabalho rural no período abrangido pela carência. Neste sentido, Moacyr Amaral Santos faz referência à teoria de Fitting, segundo a qual "presume-se a permanência de um estado preexistente, se não for alegada a sua alteração, ou, se alegada, não tiver sido feita a devida prova desta". Amaral Santos, citando Soares de Faria na síntese dos resultados obtidos por Fitting, pontifica que "só a afirmação de uma mudança de um estado anterior necessita de prova, que não a permanência do mesmo: affirmanti non neganti incumbit probatio" (SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1983. v. 1, p. 102);
c) A ampliação da abrangência do início de prova material pertinente ao período de carência a períodos anteriores ou posteriores à sua datação, desde que complementado por robusta prova testemunhal, uma vez que "não há exigência de que o início de prova material se refira a todo o período de carência, para fins de aposentadoria por idade do trabalhador rural" (AgRg no AREsp 194.962/MT), bem como que "basta o início de prova material ser contemporâneo aos fatos alegados e referir-se, pelo menos, a uma fração daquele período, corroborado com prova testemunhal, a qual amplie sua eficácia probatória" (AgRg no AREsp 286.515/MG), entendimentos esses citados com destaque no voto condutor do acórdão do REsp nº 1349633 - representativo de controvérsia que consagrou a possibilidade da retroação dos efeitos do documento tomado como início de prova material, desde que embasado em prova testemunhal. Vide recentes julgados da Terceira Seção do STJ: AR 4.507/SP, AR 3.567/SP, EREsp 1171565/SP, AR 3.990/SP e AR 4.094/SP;
d) a inviabilidade de comprovação do labor rural através de prova exclusivamente testemunhal (REsp 1133863/RN, Rel. Ministro CELSO LIMONGI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011);
e) segundo a jurisprudência da 3ª Seção deste Regional, a utilização de maquinário e eventual de diaristas não afasta, por si só, a qualidade de segurado especial porquanto ausente qualquer exigência legal no sentido de que o trabalhador rural exerça a atividade agrícola manualmente. (TRF4, EINF 5023877-32.2010.404.7000, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Rogerio Favreto, juntado aos autos em 18/08/2015);
f) a admissão, como início de prova material e nos termos da Súmula 73 deste Tribunal, de documentos de terceiros, membros do grupo parental;
g) o fato de que o tamanho da propriedade rural não é, sozinho, elemento que possa descaracterizar o regime de economia familiar desde que preenchidos os demais requisitos (REsp 1403506/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 16/12/2013);
h) segundo a Lei nº 12.873/2013, que alterou, entre outros, o art. 11 da LB, "o grupo familiar poderá utilizar-se de empregados contratados por prazo determinado ou de trabalhador de que trata a alínea g do inciso V do caput, à razão de no máximo 120 (cento e vinte) pessoas por dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho, não sendo computado nesse prazo o período de afastamento em decorrência da percepção de auxílio-doença". Deixou-se de exigir, assim, que a contratação ocorresse apenas em épocas de safra (ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JR., José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. São Paulo: Altas, 2015, p. 63);
i) de acordo com a jurisprudência do STJ, o exercício de atividade urbana pelo rurícola não afasta, por si só, sua condição de segurado especial. No entanto, não se considera segurado especial quando ficar demonstrado que o trabalho urbano constitui a principal atividade laborativa do requerente e/ou sua principal fonte de renda. (REsp 1483172/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 27/11/2014);
j) o exercício da atividade rural pode ser descontínuo (AgRg no AREsp 327.119/PB, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 18/06/2015);
l) no que tange ao trabalho do boia-fria, o STJ, por meio, entre outros, do REsp 1.321.493, Rel. Min. Herman Benjamin, abrandou as exigências quanto ao início de prova material da atividade rural, desde que complementada através de idônea prova testemunhal;
m) o segurado especial tem de estar trabalhando no campo quando completar a idade mínima para obter a aposentadoria rural por idade, momento em que poderá requerer seu benefício, ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, já preencheu de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos - carência e idade. (STJ, REsp 1354908, 1ª Seção, Tema 642/recurso repetitivo).
n) o Colendo STJ consolidou seu entendimento a respeito da extensão de validade do início da prova material na recente Súmula 577, cujo enunciado dispõe que "é possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório".
Exame do caso concreto:
No caso em tela, a parte autora atingiu o requisito etário em 20/02/2015 (pois nascida em 20/02/1950) e formulou o requerimento de aposentadoria por idade rural em 25/11/2015. Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural nos 180 meses imediatamente anteriores ao implemento da idade mínima (de 20/02/2000 a 20/02/2015) ou à entrada do requerimento administrativo (de 25/11/2000 a 25/11/2015) ou, ainda, em períodos intermediários, mesmo que de forma descontínua.
Na hipótese dos autos, contudo, embora em nenhum momento conste de forma expressa, seja na sentença, seja na inicial, depreende-se que a parte autora pugnou pelo reconhecimento de seu labor rural que, segundo sua versão, teria ocorrido em toda sua vida adulta, salvo no interregno de 01/02/1996 a 12/02/2001, no qual desempenhou a atividade de professora. Assim, conclui-se que a parte demandante pugnou pela admissão da atividade rurícola de 20/02/1972 (momento em que completou 12 anos de idade) a 31/01/1996 e de 13/02/2001 até 25/11/2015 (data de ingresso do requerimento administrativo), tendo sido esses períodos reconhecidos pelo MM. Juízo a quo.
Isso posto, a parte autora, a fim de comprovar sua pretensão, a seguinte documentação:
a) Notas fiscais de comercialização da produção rural, emitidas em nome do marido da autora e datadas de janeiro/1995, agosto/2015, novembro/2014, maio/2013, dezembro/2012, setembro/2011, setembro/2010, novembro/2009, setembro/2011, dezembro/2013 (evento 2, OUT8 a OUT10, OUT15 e OUT16);
b) certidão de casamento da autora, em fevereiro/1982, na qual o cônjuge é qualificado como "motorista" e a demandante como "afazeres domésticos" (evento 2, OUT11);
c) DARFs de recolhimento de ITR, em nome do marido da autora, relativas aos anos de 1992 a 1995, 2001, 2006, 2008 (evento 2, OUT12 a OUT14);
d) Escritura pública de compra e venda relativa a aquisição de imóvel rural em nome da parte autora e seu cônjuge, em outubro/1993 (evento2, OUT17).
As testemunhas ouvidas em juízo (evento 7, VÍDEO1 a VÍDEO3) corroboraram integralmente o conteúdo da prova documental supra elencada, como bem resumiu o MM. Juízo a quo no seguinte excerto da sentença:
"(...) Em audiência de instrução e julgamento foram ouvidas três testemunhas arrolados pela autora.
Santo Grassi, testemunha, afirmou: que conhece a autora há trinta e cinco anos; que a autora hoje mora na praça e trabalha na lavoura e planta aipim; que desde que a conhece ela está na área rural; que ela planta para subsistência; que planta o que come; que tem milho para tratar os bichinhos; que não sabe da autora trabalhar em colégio; que nunca a viu empregada; que o terreno não é grande, é lavoura de agricultor; que ela não tem soja, os vizinhos têm; que a autora planta milho, feijão, arroz, aipim, batata; que não conheceu bem os pais da autora, porque ela morava em Campos Novos; que a autora casou com um rapaz e ele tinha um terreno e ela foi morar com o pai do rapaz; que o marido da autora sempre foi colono e que tinha um caminhãozinho velho que fazia um frete; que viu plantando com maquininha e não trator, máquinas agrícolas; que tem vaquinha e galinha; que não vende nada, só consumo; que só eles que plantam na terra deles; que neste local mora com ela o marido e uma filha que estava estudando; que o caminhão do marido é velho; que a autora está no local desde que casou há uns trinta e cinco anos; que a testemunha a vê trabalhando.
Dema de Matia Supi, informante, disse: que conhece a autora desde que ela casou, acha que há trinta e poucos anos; que a autora trabalha na roça desde que ela casou; que a conheceu casada; que a autora trabalha em economia familiar; que não tem empregados; que o terreno é perto dela em Santa Lucia; que não sabe o tamanho do terreno, mas não é muito grande; que dá para plantar um pouco; que eles moram no outro lado; que depois que o sogro morreu ficou o outro irmão morando por ali e eles compraram outro terreno; que só moram num local e plantam no outro; que plantam milho e feijão; que a autora não trabalhou em um colégio; que a autora quando precisa pega da associação o maquinário; que a plantação da subsistência precisa de trator, e paga o trator; que tem que pagar; que exerce atividade rural até hoje; que a prefeitura cedeu para um grupo um trator e paga as horas; que o que planta é para o gasto e um pouco para vender; que o marido da autora é agricultor e tem um caminhãozinho para puxar, leva para o gasto."
Em relação ao fato de o marido da parte autora ter exercido a atividade de motorista, a jurisprudência do STJ, consoante já referido supra, posicionou-se no sentido de que o exercício de labor urbano por um dos integrantes da unidade familiar não afasta, por si só, a condição de segurado especial, caso tal atividade não constitua a principal fonte de renda da unidade familiar (REsp 1483172/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 27/11/2014). E, na hipótese sub judice, além de os próprios extratos do CNIS fornecidos pela parte ré evidenciarem que seu marido recebia remuneração no valor mínimo (evento 2, OUT27), as testemunhas ouvidas em juízo corroboraram integralmente as palavras daqueles depoentes que foram ouvidos em sede de justificação administrativa, no sentido de que a atividade do marido destinava-se apenas a complementar a renda da família, não sendo capaz de outra
Todavia, consoante bem apontou o recorrente, constata-se a existência de prova documental do alegado labor rural apenas a partir de 1992, restando sem um único documento o período de 20/02/1972 a 31/12/1991. Assim, resta inviabilizado o reconhecimento do labor rural nesse interregno, nos termos da Súmula 149 do STJ.
Assim, merece ser confirmada por esta Corte tão somente o reconhecimento da atividade rural no período de 01/01/1992 a 31/01/1996 e de 13/02/2001 a 25/11/2015.
Por outro lado, diante da hipossuficiência da parte autora, seria desarrazoado reconhecer a improcedência do pleito em relação aos períodos não reconhecidos, formando a coisa julgada material, haja vista que recente precedente da Corte Especial do STJ, em sede de recurso representativo de controvérsia, mudou o encaminhamento das demandas previdenciárias com ausência ou insuficiência de provas:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa. 6. Recurso Especial do INSS desprovido. (REsp 1.352.721/SP, Corte Especial, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, pub. no DJ em 28/04/2016, p. 118).
Saliente-se que, não obstante o caso que foi objeto de análise naquele julgado ser relativo à aposentadoria por idade, a ratio decidendi mostra-se aplicável a todas as hipóteses em que se rejeita a pretensão a benefício previdenciário em decorrência de ausência ou insuficiência de lastro probatório, consoante leciona o eminente Juiz Federal José Antonio Savaris:
"Orientando-se ao encerramento sem o julgamento do mérito, contudo, o juiz se abre ao apelo do bem da vida que se encontra em discussão, distanciando-se da forma processual civil em nome de um valor maior. Resguardando a possibilidade de o indivíduo reunir os elementos de prova necessários e obter finalmente o benefício previdenciário, a homenagem é feita à lógica da preservação da existência humana, à ideia da não preclusão do direito previdenciário. (...) Na extinção do processo sem o julgamento do mérito por falta de provas, há também um importante reconhecimento da insuficiência do poder de cognição do juiz. A decisão final deixa de ser vista como um veredicto imutável para ser melhor compreendida como uma decisão 'nesses termos' ou 'por agora'. É isso o que expressa a decisão que extingue o feito sem julgamento do mérito: primeiro, a possibilidade de que existam provas favoráveis ao autor que não constam dos autos e que poderiam mudar a sua sorte; segundo, a injustiça ou a gravidade de se tornar essa decisão imutável e, assim, negar definitivamente o benefício previdenciário em que pese aquela possibilidade. (...) Com base nesse entendimento [REsp 1352721, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 16.12.2015], deve ser extinto sem julgamento de mérito o processo previdenciário em que a decisão judicial não reconhece o direito ao benefício em razão da ausência ou insuficiência de prova material, pressuposto para a comprovação do tempo de serviço (Direito Processual Previdenciário. Curitiba. 2016: Alteridade, p. 93-94).
Em síntese, a solução que melhor se amolda ao caso, quanto aos períodos de 20/02/1972 a 31/12/1991, é a extinção do feito sem exame do mérito, com fulcro no art. 485, inc. IV, NCPC, o que não obsta o ajuizamento de nova ação para renovação do pleito, pelo segurado, mediante apresentação de novas provas, conforme recentemente decidido por este Colegiado, por unanimidade, nos autos da Apelação Cível nº 0011414-31.2014.4.04.9999 (TRF4, 5ª Turma, Rel. Des. Federal Roger Raupp Rios, julg. em 07/06/2016).
Assim, tendo em conta as premissas anteriormente expressadas e o conteúdo da prova testemunhal, restou comprovado o tempo de atividade rural, na condição de segurado especial, de 01/01/1992 a 31/01/1996 e de 13/02/2001 a 25/11/2015. Todavia, depreende-se que tais períodos são posteriores à vigência da Lei 8.213/91, impondo-se a análise da viabilidade do reconhecimento do labor rurícola desempenhado após 31/10/1991.
Período posterior a 31/10/1991
Consoante se observa, os períodos reconhecidos são posteriores a 31/10/1991, e a jurisprudência consolidou-se no sentido de que, a partir da vigência da Lei 8.213/91, o tempo de labor rural somente será computado para fins de obter-se aposentadoria por tempo de contribuição se a parte requerente comprovar o efetivo recolhimento de contribuições, conforme se depreende dos recentes acórdãos deste Tribunal assim ementados:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. LABOR RURAL POSTERIOR A OUTUBRO DE 1991. SEGURADO FACULTATIVO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. RECOLHIMENTO EXTEMPORÂNEO. POSSIBILIDADE. JUROS E MULTA. NÃO INCIDÊNCIA NO CASO CONCRETO. A partir da competência novembro de 1991, pretendendo o segurado especial computar tempo de serviço rural para obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição deverá comprovar o recolhimento de contribuições facultativas, conforme dispõe os arts. 39, II, da Lei n.º 8.213/91. O valor da contribuição previdenciária deve ser apurado com base nos critérios legais vigentes à época em relação a qual se refere a contribuição. A previsão de incidência de juros e multa sobre os recolhimentos previdenciários em atraso passou a existir tão somente a partir do advento da MP n.º 1.523, de 11/10/1996, razão pela qual incabível a cobrança destes encargos em relação a períodos anteriores ao início da vigência da referida medida provisória.
(AI nº 0004594-83.2015.4.04.0000, 5a Turma, Rel. Des. Federal Rogério Favreto, pub. no DE em 22/01/2016).
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO RURAL. SEGURADO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. EXIGÊNCIA DE RECOLHIMENTOS APÓS 31-10-1991. BASE DE CÁLCULO. JUROS DE MORA E MULTA REFERENTE A CONTRIBUIÇÕES NÃO RECOLHIDAS EM PERÍODOS ANTERIORES À MP 1.523/96 (LEI 9.528/97). PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO DESCONTADO DO BENEFÍCIO ORA POSTULADO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Tempo de serviço rural reconhecido na via administrativa, porém, o cômputo para fins de aposentadoria por tempo de /serviçocontribuição, fica condicionado ao recolhimento das contribuições previdenciárias respectivas. 2. A base de cálculo dos valores a serem recolhidos em atraso deve corresponder à média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, reajustados, correspondentes a 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994 (§ 1º, I, do art. 45-A da Lei n. 8.212/91). 3. Consoante orientação do STJ, a obrigatoriedade imposta pelo § 4º do art. 45 da Lei n.º 8.212/91 quanto à incidência de juros moratórios e multa no cálculo da indenização das contribuições previdenciárias somente é exigível a partir da edição da MP n.º 1.523/96. 4. O cômputo do tempo de serviço como rural está condicionado ao recolhimento prévio das contribuições, impossibilitado o desconto no próprio benefício a ser, em tese, concedido.
(TRF4, AC 0020246-24.2012.404.9999, Sexta Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, D.E. 09/09/2015)
Na hipótese dos autos, não se constata qualquer prova de que a parte autora efetuou o recolhimento de contribuições no período. Assim, mostra-se inviável a averbação de atividade rural sem as devidas contribuições após 31/10/1991, merecendo a sentença ser reformada também no ponto.
Conclusão sobre o direito da parte autora
Reforma-se em parte a sentença, a fim de extinguir o feito, sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485, IV, do CPC, em relação pedido de reconhecimento de labor rural, de 20/02/1972 a 31/12/1991, e afastar a averbação administrativa dos períodos de atividade rurícola de 01/01/1992 a 31/01/1996 e de 13/02/2001 a 25/11/2015, cujo cômputo administrativo fica condicionado ao recolhimento das contribuições correspondentes. Resta, assim, afastada a pretensão de concessão do benefício.
Cumpre consignar, por oportuno, mostrar-se inviável, na hipótese dos autos, cogitar da concessão de aposentadoria híbrida a favor da autora, tendo em vista que o requisito etário previsto no art. 48, caput, da Lei n.º 8.213/91 (60 anos, se mulher) não resta preenchido, porquanto a demandante nasceu em 20/02/1960 (evento 2, OUT3) e perfectibilizará tal exigência apenas em 20/02/2020.
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Honorários advocatícios
Tendo em vista que da reforma parcial da sentença resultou a extinção em parte do feito e o afastamento da pretensão de averbação administrativa dos períodos posteriores à vigência da Lei nº 8.213/91, bem como da consequente concessão do benefício pleiteado, depreende-se que a demandante obteve proveito mínimo do seu pedido. Impõe-se, assim, a inversão dos ônus de sucumbência a seu desfavor.
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Invertidos os ônus sucumbenciais, estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96) e responde por metade do valor no Estado de Santa Catarina (art. 33, parágrafo único, da Lei Complementar estadual 156/97).
Conclusão
Dá-se parcial provimento ao recurso do INSS, a fim de reformar em parte a sentença para extinguir o feito, sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485, IV, do CPC, em relação pedido de reconhecimento de labor rural, de 20/02/1972 a 31/12/1991, e em relação à averbação administrativa da atividade rurícola de 01/01/1992 a 31/01/1996 e de 13/02/2001 a 25/11/2015, tendo em vista a ausência de recolhimento das contribuições correspondentes.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por, dar parcial provimento ao recurso do INSS a fim de (a) extinguir o feito, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, IV, NCPC, quanto ao pretendido reconhecimento de atividade rurícola de 20/02/1972 a 31/12/1991 e (b) afastar a averbação administrativa do labor rural nos períodos de 01/01/1992 a 31/01/1996 e de 13/02/2001 a 25/11/2015, tendo em vista a ausência de recolhimento das contribuições correspondentes.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 05/04/2018
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5034719-51.2017.4.04.9999/SC
ORIGEM: SC 03015155320168240014
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Waldir Alves |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MARIA NEUSA PELOZATO |
ADVOGADO | : | ANA JULIA PINHEIRO |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 05/04/2018, na seqüência 109, disponibilizada no DE de 13/03/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS A FIM DE (A) EXTINGUIR O FEITO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, NOS TERMOS DO ART. 485, IV, NCPC, QUANTO AO PRETENDIDO RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE RURÍCOLA DE 20/02/1972 A 31/12/1991 E (B) AFASTAR A AVERBAÇÃO ADMINISTRATIVA DO LABOR RURAL NOS PERÍODOS DE 01/01/1992 A 31/01/1996 E DE 13/02/2001 A 25/11/2015, TENDO EM VISTA A AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES CORRESPONDENTES.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
: | Des. Federal CELSO KIPPER | |
: | Des. Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE |
Ana Carolina Gamba Bernardes
Secretária
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