APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002418-20.2014.404.7004/PR
RELATOR | : | ROGERIO FAVRETO |
APELANTE | : | EVA DOLMEN ALVES |
ADVOGADO | : | ROSEMAR CRISTINA LORCA MARQUES VALONE |
: | PABLO RENATO BIACA CRIVELARO | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL, COMPLEMENTADA POR PROVA TESTEMUNHAL. PERÍODOS DE ATIVIDADE URBANA PELA PARTE AUTORA. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE URBANA POR MEMBRO DA FAMÍLIA. NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL.
1. Procede o pedido de aposentadoria rural por idade quando atendidos os requisitos previstos nos artigos 11, VII, 48, § 1º e 142, da Lei nº 8.213/1991.
2. Comprovado o implemento da idade mínima (sessenta anos para o homem e de cinqüenta e cinco anos para a mulher), e o exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida, ainda que a comprovação seja feita de forma descontínua, é devido o benefício de aposentadoria rural por idade à parte autora.
3. Considera-se comprovado o exercício de atividade rural havendo início de prova material complementada por prova testemunhal idônea, sendo dispensável o recolhimento de contribuições para fins de concessão do benefício.
4. O exercício esporádico e por curtos períodos de tempo de atividade urbana, normalmente em intervalos do ciclo produtivo, possuem caráter meramente complementar, não descaracterizando a condição de segurado especial do trabalhador que faz da lide rural, exercida em regime de economia familiar, sua principal fonte de subsistência.
5. O exercício de atividade urbana por membro da família em caráter complementar, com o propósito de melhorar a qualidade de vida, não descaracteriza a condição de segurado especial do trabalhador que faz da lide rural exercida em regime de economia familiar a principal fonte de subsistência.
6. Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determina-se o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, a ser efetivada em 45 dias, mormente pelo seu caráter alimentar e necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, conhecer em parte da apelação da autora e dar-lhe provimento e determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 10 de fevereiro de 2015.
Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7309905v3 e, se solicitado, do código CRC 54D8EF47. | |
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| Signatário (a): | Rogerio Favreto |
| Data e Hora: | 12/02/2015 17:09 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002418-20.2014.404.7004/PR
RELATOR | : | ROGERIO FAVRETO |
APELANTE | : | EVA DOLMEN ALVES |
ADVOGADO | : | ROSEMAR CRISTINA LORCA MARQUES VALONE |
: | PABLO RENATO BIACA CRIVELARO | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação em que a parte autora objetiva a concessão de aposentadoria rural por idade em razão do desenvolvimento de atividades rurais em regime de economia familiar e, posteriormente, na condição de boia-fria.
Sentenciando, o MM. Juiz assim decidiu:
Pelo exposto, forte no art. 269, inciso I, do CPC, julgo improcedente o pedido.
Condeno a parte autora a pagar honorários advocatícios ao INSS, os quais, sopesados os critérios legais (CPC, art. 20, §§ 3.º e 4.º), arbitro em 10% do valor atualizado da causa. A exigibilidade dessa verba, no entanto, está condicionada ao disposto no art. 12 da Lei n.º 1.060/1950, em razão do benefício da justiça gratuita concedido à parte autora.
Sem custas (art. 4, inciso II, da Lei n.º 9.289/1996).
Irresignada, a parte autora apela sustentando que juntou início de prova material do labor rural, que restou corroborado pela prova testemunhal. Requer a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita.
Oportunizadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Considerações gerais sobre a aposentadoria rural por idade:
A apreciação de pretensão de concessão de aposentadoria por idade, no caso do trabalhador rural qualificado como segurado especial (inciso VII do artigo 11 da Lei nº 8.213/1991), deve ser feita à luz do disposto nos artigos 48, §§ 1º e 2º, 25, II, 26, III e 39, I, da Lei nº 8.213/1991. Assim, necessária a comprovação do implemento da idade mínima (sessenta anos para o homem e de cinquenta e cinco anos para a mulher) e do exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida, ainda que a comprovação seja feita de forma descontínua, sendo dispensável o recolhimento de contribuições. Neste sentido, o julgamento da APELREEX nº 0008606-53.2014.404.9999, Quinta Turma, de minha relatoria, D.E. 15/08/2014.
Não se pode olvidar, outrossim, que o artigo 143 da Lei nº 8.213/1991, tratando genericamente do trabalhador rural que passou a ser enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social (na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do Art. 11), assegurou-lhe o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de sua vigência, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência exigida. Complementando o artigo 143 na disciplina da transição de regimes, o artigo 142 da Lei nº 8.213/1991 estabeleceu que, para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial deve obedecer a uma tabela que prevê prazos menores no período de 1991 a 2010.
Quanto ao ano a ser utilizado para verificação do tempo de atividade rural necessário à obtenção do benefício, nos termos da tabela prevista no artigo 142 da Lei nº 8.213/1991, como regra, deverá ser aquele em que o segurado completou a idade mínima, desde que, até então, já disponha de tempo rural suficiente para o deferimento do benefício, sendo irrelevante, neste caso, que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (Constituição Federal, art. 5º, inciso XXXVI, e Lei de Benefícios, art. 102, §1º).
Pode acontecer, todavia, que o segurado complete a idade mínima mas não tenha o tempo de atividade rural exigido pela lei, observada a tabela do artigo 142 da Lei nº 8.213/1991. Neste caso, a verificação do tempo de atividade rural necessária ao deferimento do benefício não poderá mais ser feita com base no ano em que implementada a idade mínima, devendo ser verificado o implemento do requisito "tempo equivalente à carência" progressivamente, nos anos subseqüentes ao implemento do requisito etário, de acordo com a tabela do mencionado artigo 142 da Lei de Benefícios.
Deve ser observado que nos casos em que o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31/08/1994, data da publicação da Medida Provisória nº 598, que alterou o art. 143 da Lei de Benefícios, (posteriormente convertida na Lei nº 9.063/1995), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei nº 8.213/1991.
A disposição contida no art. 143 da Lei nº 8.213/1991, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado. Ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, § 1º, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima.
Em qualquer caso, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo (STF, RExt. nº. 631240/MG, Rel. Ministro Roberto Barroso, Plenário, julgado em 03/09/2014).
O tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante a apresentação de início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida, exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/1991, Súmula nº 149 do STJ e REsp nº 1.321.493/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, 1ª Seção, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012 (recurso representativo da controvérsia). Cabe salientar que embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo.
Não se exige, por outro lado, prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, mas início de prova material (como notas fiscais, talonário de produtor, comprovantes de pagamento do ITR ou prova de titularidade de imóvel rural, certidões de casamento, de nascimento, de óbito, certificado de dispensa de serviço militar, etc.) que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.
Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando dos pais ou cônjuge, consubstanciam início de prova material do labor rural. Com efeito, como o §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família exercem "em condições de mútua dependência e colaboração". Via de regra, os atos negociais da entidade respectiva serão formalizados não individualmente, mas em nome do pater familiae, que é quem representa o grupo familiar perante terceiros, função esta, exercida, normalmente, no caso dos trabalhadores rurais, pelo genitor ou cônjuge masculino. Nesse sentido, a propósito, preceitua a Súmula nº 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Importante, ainda, ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não serve para descaracterizar automaticamente a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/1991, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo. Ou seja, somente será descaracterizado o regime de economia familiar acaso reste comprovado que a remuneração proveniente do labor urbano do cônjuge importe em montante tal que dispense a renda do labor rural para a subsistência do grupo familiar.
Cumpre salientar que, muitas vezes, a Autarquia Previdenciária alega que os depoimentos e informações tomados na via administrativa apontam para a ausência de atividade agrícola no período de carência. Quanto a isso, deve ser dito que as conclusões a que chegou o INSS no âmbito administrativo devem ser corroboradas pelo conjunto probatório produzido nos autos judiciais. Existindo conflito entre as provas colhidas na via administrativa e em juízo, deve-se ficar com estas últimas, pois produzidas com todas as cautelas legais, garantindo-se o contraditório. Não se trata aqui de imputar inverídicas as informações tomadas pela Seguradora, mas de prestigiar a imparcialidade que caracteriza a prova produzida no curso do processo jurisdicional. Dispondo de elementos que possam obstaculizar a pretensão da parte autora, cabe ao INSS judicializar a prova administrativa, a fim de que seja examinada no conjunto do acervo probatório constante dos autos.
Do caso concreto:
No presente caso, observo que a parte autora preencheu o requisito etário, 55 (cinquenta e cinco) anos, em 03/11/2009, porquanto nascida em 03/11/1954 (evento1, PROCADM6, fl. 05). O requerimento administrativo foi efetuado em 18/01/2010 (evento1, PROCADM6, fl. 13). Dessa forma, a parte autora deve comprovar o exercício de atividade rural no período de 168 meses imediatamente anteriores ao implemento do requisito etário ou 174 meses imediatamente anteriores ao requerimento administrativo, o que lhe for mais favorável.
Para fazer prova do exercício de atividade rural, a parte autora instruiu sua peça inicial com os seguintes documentos:
- certidão de casamento, constando a profissão de seu esposo como lavrador, do ano de 1975 (evento1, PROCADM6, fl. 05);
- contrato particular de comodato de Lote 24-C, da Gleba 12 - Jaborandy, da Colônia Núcleo Cruzeiro, Umuarama/PR, constando como comodatário o seu esposo, qualificado como agricultor, ano 2007, com prazo indeterminado (evento1, PROCADM6, fl. 09);
- certidão do INCRA, sem data, de que o esposo da autora possui registro perante a Superintendência Regional do INCRA no Paraná como acampado na fazenda Sítio Contag, ora denominado Acampamento Ana Maria, Umuarama/PR, como candidato ao programa de reforma agrária desde julho de 1998 até a presente data (evento1, PROCADM6, fl. 10);
- ficha cadastral de cliente, constando a profissão do seu esposo como agricultor, ano de 2009 (evento1, PROCADM6, fl. 11);
- carteira de filiação no Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Município de Iporã-PR, em nome do seu esposo, constando a informação de que votou na eleição sindical em 25/03/1984 (evento1, PROCADM6, fl. 12).
Por ocasião da audiência de instrução, em 04/08/2014 (evento20), foram inquiridas as testemunhas Amadeu Gomes de Oliveira, Carlos Aparecido Totoli e Mauri Corrêa da Silva, as quais confirmaram o exercício de atividades rurais pela demandante.
A testemunha Amadeu Gomes de Oliveira relatou que conhece a autora desde 1977; que se conheceram na Estrada São Paulo, em Cafezal, que eram vizinhos, que ela já era casada e morava com o marido Antônio. Diz que eles tiveram uns três filhos. Afirma que a autora e o marido trabalharam na propriedade do Osvaldo e do Lúcio Albuquerque, que na do Lúcio eles moraram, na outra propriedade que é do Nicola, não moraram, somente tocaram a lavoura. Diz que a autora ficou nesse sítio até 1997, que trabalhava sempre na roça, que o sítio não era deles, tocavam arrendamento. Diz que, após 1997, a autora veio para Umuarama, na zona rural, daí não acompanhou mais.
No mesmo sentido foi o testemunho prestado por Carlos Aparecido Totoli, o qual afirmou que conhece a autora desde que ela tinha sete anos de idade; que eram vizinhos de sítio na Estrada Timbure, em Cafezal, que ela casou com Antonio Alves e continuou morando lá. A testemunha afirma que mudou em 1994 e a autora em 1993, que depois não tiveram mais contato. Afirma que a propriedade onde a autora morava era arrendada, que trabalharam para Osvaldo Orsele, Lucio e Nicola, que muitas vezes via a autora trabalhando na roça, que após 1993 sabe que continuaram trabalhando na roça, mas não sabe dizer onde.
Por fim, a testemunha Mauri Corrêa da Silva, disse que conhece a autora desde o ano 2000, que a conheceu numa associação de pequeno produtor de Icaraíma, chamada Astrovale, uma associação que tem várias pessoas que esperam a reforma agrária acampados, conhecido como Grupo Ribeirinho. Diz que ia pescar com os parentes no Rio Ivaí e passava no barraco de lona da autora e do marido, que o acampamento fica na barranca do Rio Ivaí, que a terra era própria dessa associação denominada Astrovale, que tinha setenta famílias acampadas. Diz que, em Astrovale, trabalhavam como boia-fria para terceiros e no acampamento em regime de agricultura familiar, que a autora também trabalhava, que lá passava o ônibus da Usina e pegava o pessoal para cortar cana, que outros iam arrancar mandioca. Relata que sabe disso porque frequentava sempre o lugar quando ia pescar, que ficava lá no fim de semana, de quinta ou sexta a domingo. Afirma que foi membro da associação, que era secretário, que várias vezes chegava na barraca e a autora e seu esposo estavam na lavoura, isso era quinta ou sexta-feira, que deixava seus pertences ali e ia pescar, que à noite encontrava a autora voltando da roça. Diz que, pelo que lembra, cada associado tinha direito a um pedaço de terra para plantar e que na Associação tinha horta, mas a sobrevivência vinha do trabalho de boia-fria, trabalhador volante. Afirma que sempre morou na Estrada Pavão, em Umuarama, num sítio. Diz que essa associação ainda existe e tem pessoas acampadas, aguardando decisão da Justiça Federal, que a autora morou ali até 2004, quando houve o desmembramento da associação e a ocupação da Fazenda Monte Azul, do Carlos Massa, do Ratinho, quando a Justiça determinou a reintegração da posse e eles foram despejados, que ficaram acampados ali somente uma semana. Diz que nessa época o finado Seu Antonio pediu para o depoente para ficar na chácara dele e o depoente o acolheu, cedeu em forma de comodato um alqueire de terra, que Seu Antonio dava 30% da produção limpa para a família do depoente. Relata que Seu Antonio tocou uma lavoura de amendoim num ano, noutro ano plantou feijão, que a autora fazia mais serviço caseiro, não pode afirmar que ela trabalhava com frequência, mas que a via capinando, ajudando o marido, levando comida para ele na roça. Diz que em 2008 o Seu Antonio tentou um financiamento PRONAFE pelo Banco do Brasil e a testemunha foi com ele fazer a declaração de aptidão de que trabalhava na casa da testemunha, onde plantavam amendoim e feijão. Relata que, em meados de 2009, a autora e seu esposo vieram para a cidade, inclusive pelo problema de saúde do filho deles, depois a testemunha não soube mais deles, só ficou sabendo que ele faleceu, que o mataram na rua. Diz que os filhos da autora e do Seu Antonio moravam numa casa que era da família, mas não sabe de quem era a casa, que fica perto da Zaeli. Perguntado, afirma que o vínculo da autora sempre foi rural, que de fevereiro de 2004 até meados de 2009 sabe que Seu Antonio não trabalhou como pedreiro, fazia somente trabalho rural; não sabe se o Seu Antonio tinha carteira de habilitação, acredita que não, pois sempre andava de bicicleta. Por fim, diz que o Seu Antonio tentou um benefício uma vez e lembra que ele pediu para testemunhar e acompanhá-lo ao INCRA em Curitiba para receber auxílio-doença, mas não sabe se era decorrente de acidente de trabalho.
Saliente-se que, no caso de trabalhador rural boia-fria, a exigência de início de prova material deve ser abrandada, considerada a informalidade com que é exercida a atividade, o que dificulta a sua comprovação documental. No entanto, tal prova não pode ser de todo dispensada, na medida em que o Superior Tribunal de Justiça reafirmou, em sede de recurso especial repetitivo e tratando especificamente desta modalidade de trabalho rural, a aplicação da Súmula n.º 149 daquela Corte segundo a qual "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário" (REsp 1.321.493/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012).
No caso, os documentos juntados aos autos, com certa flexibilização, constituem início de prova material. Deve ser levado em conta que o trabalhador rural boia-fria ainda está à margem da formalidade, sendo muitas vezes contratado por terceiros e colocado para trabalhar em estabelecimentos rurais cujos proprietários nem sequer são identificados no momento em que aquele é arregimentado. Assim, torna-se difícil a tarefa de obter registros documentais acerca das atividades campesinas exercidas por tal trabalhador.
Nessa hipótese, a prova testemunhal assume importante papel na busca da formação do convencimento do julgador. No caso, a testemunha Amadeu Gomes de Oliveira, que conheceu a autora no período de 1977 a 1997, confirmou que ela trabalhava no meio rural, em terras arrendadas, da mesma forma a testemunha Carlos Aparecido Totoli, que conheceu a autora desde os sete anos de idade até 1993, e, por fim, Mauri Corrêa da Silva, que teceu detalhes da vida da autora como boia-fria, no período de 2000 a 2004, e como parceira agrícola de 2004 a 2009. Assim, quanto a esse meio probatório, as testemunhas ouvidas na instrução teceram detalhes acerca da vida laboral da parte autora que, juntamente com os documentos apresentados, permitem concluir que, de fato, desempenhou atividades rurais como trabalhadora rural. A prova testemunhal, portanto, foi precisa e convincente corroborando os documentos apresentados, estes tidos como início de prova material.
Destaque-se que o fato do marido da autora possuir vínculo urbano, de 02/06/2008 a 10/2008, por si só, não descaracteriza a sua condição de segurada especial, visto que não restou demonstrado que os rendimentos por ele recebidos fossem de tal monta que tornassem dispensáveis as atividades rurícolas da autora para a subsistência do núcleo familiar.
Acresça-se que é possível a comprovação do labor rural mediante apresentação de documentos em nome do esposo, ainda que este possua vínculos urbanos, quando verificada a continuidade do trabalho no campo pela esposa, que prossegue utilizando documentos emitidos em nome do cônjuge, como se verifica na hipótese em exame.
Ademais, é importante ressaltar que o exercício de atividade remunerada em período não superior a 120 (cento e vinte) dias, corridos ou intercalados, no ano civil, não descaracteriza a condição de segurado especial conforme art. 11, § 9º, III, da Lei nº 8.213/91.
Em relação à informação de que a autora trabalhou como lavadeira e passadeira de roupas por catorze anos e que não exercia a atividade fazia um ano, na perícia realizada no dia 03/07/2012, no Processo n.º 5001515-53.2012.404.7004, que tramitou perante o Juizado Especial Federal, sinale-se que o desempenho de serviço urbano como forma de aumentar a renda para a subsistência familiar não descaracteriza a condição de segurada especial da autora. O exercício esporádico de atividade urbana não é capaz de infirmar toda uma vida dedicada às lides rurais, quando realizado com o propósito de melhorar a qualidade de vida do segurado e de sua família nos intervalos do ciclo produtivo. Geralmente o desempenho de atividade diversa da agricultura se mostra necessário para complementar a renda familiar em períodos de entressafra ou mesmo quando há quebra de safra, devido à seca prolongada ou chuva em excesso na época da colheita.
Assim, restando comprovado o exercício de atividades rurícolas pela parte autora no período de carência, deve ser reformada a sentença para julgar procedente o pedido de concessão do benefício de aposentadoria por idade devida a trabalhador rural desde a data do requerimento administrativo, formulado em 18/01/2010.
Dos consectários:
a) Correção monetária:
A correção monetária, segundo o entendimento consolidado na 3ª Seção deste TRF4, incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e jurisprudencialmente aceitos, quais sejam:
- ORTN (10/64 a 02/86, Lei nº 4.257/64);
- OTN (03/86 a 01/89, Decreto-Lei nº 2.284/86);
- BTN (02/89 a 02/91, Lei nº 7.777/89);
- INPC (03/91 a 12/92, Lei nº 8.213/91);
- IRSM (01/93 a 02/94, Lei nº 8.542/92);
- URV (03 a 06/94, Lei nº 8.880/94);
- IPC-r (07/94 a 06/95, Lei nº 8.880/94);
- INPC (07/95 a 04/96, MP nº 1.053/95);
- IGP-DI (05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6.º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC (a partir de 04/2006, conforme o art. 31 da Lei n.º 10.741/2003, combinado com a Lei n.º 11.430/2006, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91, e REsp n.º 1.103.122/PR).
Entendia a 3ª Seção deste Tribunal que a contar de 30/06/2009, data em que passou a viger a Lei nº 11.960/2009, de 29/06/2009, publicada em 30/06/2009 (a qual alterou o art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997), deveria haver, para fins de atualização monetária, a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica aplicados à caderneta de poupança.
Não são aplicáveis, todavia, no que toca à correção monetária, os critérios previstos na Lei nº 11.960/2009, que modificou a redação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, por conta de decisão proferida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425, que apreciou a constitucionalidade do artigo 100 da CF, com a redação que lhe foi dada pela EC 62/2009. Essa decisão proferida pela Corte Constitucional, além de declarar a inconstitucionalidade da expressão "na data de expedição do precatório", do §2º; dos §§ 9º e 10º; e das expressões "índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança" e "independente de sua natureza", do §12, todos do art. 100 da Constituição Federal de 1988, com a redação da Emenda Constitucional nº 62/2009, por arrastamento, também declarou inconstitucional o art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pelo art. 5º da Lei nº 11.960, de 29/07/2009 (atualização monetária pelo índice de remuneração da poupança).
Impõe-se, pois, a observância do que decidido com efeito erga omnes e eficácia vinculante pelo STF nas ADIs 4.357 e 4.425, restabelecendo-se a sistemática anterior à Lei nº 11.960/2009, ou seja, apuração de correção monetária pelo INPC.
b) Juros de mora:
Até 30/06/2009, os juros de mora, apurados a contar da data da citação, devem ser fixados à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/1987, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de 30/06/2009, por força da Lei n.º 11.960, de 29/06/2009 (publicada em 30/06/2009), que alterou o art. 1.º-F da Lei n.º 9.494/1997, para fins de apuração dos juros de mora haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice oficial aplicado à caderneta de poupança. Registre-se que a Lei 11.960/2009, segundo o entendimento do STJ, tem natureza instrumental, devendo ser aplicada aos processos em tramitação (EREsp 1.207.197/RS. Relator Min. Castro Meira. Julgado em 18/05/2011).
Observo que as decisões tomadas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425 não interferiram com a taxa de juros aplicável às condenações da Fazenda Pública, consoante entendimento firmado no Superior Tribunal de Justiça a partir do julgamento do RESP 1.270.439. Com efeito, como consignado pela Ministra Eliana Calmon no julgamento do MS 18.217, "No julgamento do Resp 1.270.439/PR, sob a sistemática dos recursos repetitivos, esta Corte, diante da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 1º-F da Lei 9.494/99 (sic) no que concerne à correção monetária, ratificou o entendimento de que nas condenações impostas à Fazenda Pública após 29.06.2009, de natureza não tributária, os juros moratórios devem ser calculados com base na taxa de juros aplicáveis à caderneta de poupança".
c) Honorários advocatícios:
Honorários advocatícios devidos pelo INSS no percentual de 10% das parcelas vencidas até a data do acórdão que reforma a sentença de improcedência, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça e Súmula nº 76 deste TRF.
d) Custas processuais:
O INSS não é isento do pagamento de custas processuais quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4).
Relativamente ao pedido da autora, em sede recursal, de concessão do benefício da assistência judiciária gratuita, deixo de examinar porquanto já deferido no primeiro grau de jurisdição (evento1, DEC1), razão pela qual não conheço do recurso no ponto.
Tutela específica - implantação do benefício:
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC n. 2002.71.00.050349-7/RS, Rel. para o acórdão Des. Federal Celso Kipper, julgado em 09/08/2007), determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora (NB 150.896.680-7), a ser efetivada em 45 dias, mormente pelo seu caráter alimentar e necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
Conclusão:
Reforma-se a sentença, dando provimento à apelação da parte autora quanto ao pedido de concessão do benefício de aposentadoria por idade devida a trabalhador rural, desde a data do requerimento administrativo, qual seja, 18/01/2010.
Dispositivo:
ANTE O EXPOSTO, voto por conhecer em parte da apelação da autora e dar-lhe provimento e determinar a implantação do benefício, nos termos da fundamentação.
Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 10/02/2015
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002418-20.2014.404.7004/PR
ORIGEM: PR 50024182020144047004
RELATOR | : | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
PRESIDENTE | : | Rogerio Favreto |
PROCURADOR | : | Dr. Paulo Leivas |
APELANTE | : | EVA DOLMEN ALVES |
ADVOGADO | : | ROSEMAR CRISTINA LORCA MARQUES VALONE |
: | PABLO RENATO BIACA CRIVELARO | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 10/02/2015, na seqüência 269, disponibilizada no DE de 26/01/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU CONHECER EM PARTE DA APELAÇÃO DA AUTORA E DAR-LHE PROVIMENTO E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
: | Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON | |
: | Juiza Federal MARIA ISABEL PEZZI KLEIN |
Lídice Peña Thomaz
Diretora de Secretaria
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