Apelação Cível Nº 5011836-76.2018.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: LOURDES DE GRACIA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de recurso da parte autora contra sentença, prolatada em 06/06/2017, que julgou improcedente o pedido de aposentadoria por idade rural.
Em suas razões, sustenta a recorrente, em síntese, que o conjunto probatório demonstra suficientemente o efetivo labor rural. Refere, ainda, que "os curtos períodos de contribuição urbana, desde 2007 até 2014, são insuficientes para afastar a qualidade de segurada especial".
Oportunizado o prazo para contrarrazões, foram remetidos os autos ao Tribunal para julgamento.
Face à eventual possibilidade de conjugação do tempo rural e urbano para fins de concessão de aposentadoria por idade em sua modalidade "híbrida", foram as partes intimadas a manifestarem-se (e. 8.1).
Com a manifestação das partes (e. 13/14), retornaram os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Premissas
Quanto ao reconhecimento do tempo de serviço rural, as premissas são as seguintes:
a) a possibilidade de extensão da prova material para período anterior ao documento mais antigo (REsp 1.348.633, Rel. Min. Arnaldo Esteves, j. 28/08/2013);
b) A presunção de continuidade do tempo de serviço rural no período compreendido entre os documentos indicativos do trabalho rural no período abrangido pela carência. Neste sentido, Moacyr Amaral Santos faz referência à teoria de Fitting, segundo a qual "presume-se a permanência de um estado preexistente, se não for alegada a sua alteração, ou, se alegada, não tiver sido feita a devida prova desta". Amaral Santos, citando Soares de Faria na síntese dos resultados obtidos por Fitting, pontifica que "só a afirmação de uma mudança de um estado anterior necessita de prova, que não a permanência do mesmo: affirmanti non neganti incumbit probatio" (SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1983. v. 1, p. 102);
c) A ampliação da abrangência do início de prova material pertinente ao período de carência a períodos anteriores ou posteriores à sua datação, desde que complementado por robusta prova testemunhal, uma vez que "não há exigência de que o início de prova material se refira a todo o período de carência, para fins de aposentadoria por idade do trabalhador rural" (AgRg no AREsp 194.962/MT), bem como que "basta o início de prova material ser contemporâneo aos fatos alegados e referir-se, pelo menos, a uma fração daquele período, corroborado com prova testemunhal, a qual amplie sua eficácia probatória" (AgRg no AREsp 286.515/MG), entendimentos esses citados com destaque no voto condutor do acórdão do REsp nº 1349633 - representativo de controvérsia que consagrou a possibilidade da retroação dos efeitos do documento tomado como início de prova material, desde que embasado em prova testemunhal. Vide recentes julgados da Terceira Seção do STJ: AR 4.507/SP, AR 3.567/SP, EREsp 1171565/SP, AR 3.990/SP e AR 4.094/SP;
d) a inviabilidade de comprovação do labor rural através de prova exclusivamente testemunhal (REsp 1133863/RN, Rel. Ministro CELSO LIMONGI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011);
e) segundo a jurisprudência da 3ª Seção deste Regional, a utilização de maquinário e eventual de diaristas não afasta, por si só, a qualidade de segurado especial porquanto ausente qualquer exigência legal no sentido de que o trabalhador rural exerça a atividade agrícola manualmente. (TRF4, EINF 5023877-32.2010.404.7000, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Rogerio Favreto, juntado aos autos em 18/08/2015);
f) a admissão, como início de prova material e nos termos da Súmula 73 deste Tribunal, de documentos de terceiros, membros do grupo parental;
g) o fato de que o tamanho da propriedade rural não é, sozinho, elemento que possa descaracterizar o regime de economia familiar desde que preenchidos os demais requisitos (REsp 1403506/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 16/12/2013);
h) segundo a Lei nº 12.873/2013, que alterou, entre outros, o art. 11 da LB, "o grupo familiar poderá utilizar-se de empregados contratados por prazo determinado ou de trabalhador de que trata a alínea g do inciso V do caput, à razão de no máximo 120 (cento e vinte) pessoas por dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho, não sendo computado nesse prazo o período de afastamento em decorrência da percepção de auxílio-doença". Deixou-se de exigir, assim, que a contratação ocorresse apenas em épocas de safra (ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JR., José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. São Paulo: Altas, 2015, p. 63);
i) de acordo com a jurisprudência do STJ, o exercício de atividade urbana pelo rurícola não afasta, por si só, sua condição de segurado especial. No entanto, não se considera segurado especial quando ficar demonstrado que o trabalho urbano constitui a principal atividade laborativa do requerente e/ou sua principal fonte de renda. (REsp 1483172/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 27/11/2014);
j) o exercício da atividade rural pode ser descontínuo (AgRg no AREsp 327.119/PB, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 18/06/2015);
l) no que tange ao trabalho do boia-fria, o STJ, por meio, entre outros, do REsp 1.321.493, Rel. Min. Herman Benjamin, abrandou as exigências quanto ao início de prova material da atividade rural, desde que complementada através de idônea prova testemunhal;
m) o segurado especial tem de estar trabalhando no campo quando completar a idade mínima para obter a aposentadoria rural por idade, momento em que poderá requerer seu benefício, ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, já preencheu de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos - carência e idade. (STJ, REsp 1354908, 1ª Seção, Tema 642/recurso repetitivo).
n) o Colendo STJ consolidou seu entendimento a respeito da extensão de validade do início da prova material na recente Súmula 577, cujo enunciado dispõe que "é possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório".
Exame do caso concreto:
No caso em tela, a parte autora atingiu o requisito etário em 04/05/2014 (e. 2.6) e formulou o requerimento de aposentadoria por idade rural em 24/09/2014 (e. 2.7). Assim, deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural nos 180 meses imediatamente anteriores ao implemento da idade mínima (de 04/05/1999 a 04/05/2014) ou à entrada do requerimento administrativo (de 24/09/1999 a 24/09/2014) ou, ainda, em períodos intermediários, mesmo que de forma descontínua.
A fim de comprovar o labor rural no período de carência, a parte autora colacionou aos autos os seguintes documentos:
a) Notas fiscais de produtor rural em nome do pai da autora, relativas aos anos de 1966, 1967, 1971, 1973, 1974, 1975 e 1976 (e. 2.21);
- Recibos de pagamento do ITR, emitidos pelo INCRA em nome do pai da autora e relativos aos exercícios de 1966, 1967, 1969, 1970, 1971, 1972, 1973, 1974, 1975 e 1976 (e. 2.22);
- Certidão de casamento, de 1976, na qual a parte autora e seu cônjuge são qualificados como "agricultores" (e. 2.29, p. 03);
- Certidão de registro de imóveis da propriedade rural adquirida pelo marido da autora, em junho/1977 (e. 2.32);
- Carteirinha do sindicato dos trabalhadores rurais de fevereiro/1988 (e. ) e comprovantes de pagamento das anuidades sindicais de 1994 (p. 184) e 1995 (p. 187); e
- Notas fiscais de produtor rural, em nome do marido da autora, Sr. Aquilino de Gracia de 1990 (p. 23), 1991 (p. 24), 1992 (p. 25), 1993 (p. 26), 1994 (p. 27), 1996 (p. 28), 1997 (p. 29), 1998 (p. 30), 1999 (p. 31), 2000 (p. 32), 2001 (p. 33), 2004 (p. 34), 2005 (p. 35), 2006 (p. 36), 2010 (p. 38), 2011 (p. 39), 2012 (p. 40), 2013 (p. 41) e 2014 (p. 42)
Em que pese tal documentação, o MM. Juízo a quo entendeu não restar caracterizado o efetivo desempenho rurícola, na condição de segurada especial, ao longo do período de carência, em virtude de a parte autora ter desempenhado, de 2007 a 2014, atividade urbana, fato esse incontroverso.
Sobre o tema, é bem verdade que, de acordo com a jurisprudência do STJ, "o exercício de atividade urbana pelo rurícola não afasta, por si só, sua condição de segurado especial", não se considerando, no entanto, a condição de segurado especial "quando ficar demonstrado que o trabalho urbano constitui a principal atividade laborativa do requerente e/ou sua principal fonte de renda. (REsp 1483172/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 27/11/2014);
Na hipótese em apreço, declarações de Tempo de Contribuição emitidas pela Prefeitura Municipal de José Boiteux/SC a fim de produzir efeitos perante o INSS (e. 2.15/16), bem como as portarias respectivas e o relatório do CNIS colacionado aos autos, evidenciam que a autora foi contratada pelo Município de José Boiteux/SC de abril/2007 a dezembro/2008, fevereiro/2009 a dezembro/2009, março/2010 a dezembro/2010, fevereiro/2011 a dezembro/2011, fevereiro/2012 a janeiro/2013, abril/2013 a junho/2013, julho/2014 a setembro/2015, no cargo de servente/merendeira, mantendo vínculo com o RGPS na condição de segurada empregada (e. 2.7, p. 06).
Outrossim, os relatórios de salário de contribuição emitidos pela municipalidade e apostos aos autos (e. 2.16, pp. 01, 05, e. 2.17, pp. 02, 06, e. 2.18, p. 03) evidenciam que houve, em tais interregnos, o efetivo recolhimento de contribuições para o RGPS em nome da ora apelante. Por fim, constata-se que de 28/03/2008 a 14/05/2008 a demandante gozou de auxilio-doença previdenciário (e. 2.7, p. 06).
Portanto, em que pese sua assertiva de que a atividade urbana destinava-se apenas a complementar a renda familiar, não há como afastar, pelo que se depreende dos elementos supra citados, que a ora apelante, de 2007 a 2014 esteve vinculada ao RGPS na condição de segurada empregada, situação essa incompatível com sua pretensão de reconhecimento de filiação ao regime com diversa qualificação. Assim, tal circunstância obsta o reconhecimento de sua condição de segurada especial nesse mesmo interstício e, portanto, a pretensão de concessão do benefício de aposentadoria por idade rural.
Em síntese, a sentença do MM. Juízo a quo mostra-se irretocável, tendo em vista a inviabilidade de concessão do benefício de aposentadoria por idade rural, porquanto não preenchido, na hipótese, o requisito de efetivo labor rural, na condição de segurada especial, ao longo de todo o período de carência.
Honorários advocatícios recursais
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Aplica-se, portanto, em razão da atuação do advogado da autarquia em sede de apelação, o comando do §11 do referido artigo, que determina a majoração dos honorários fixados anteriormente, pelo trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º e os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 85.
Confirmada a sentença no mérito, majoro a verba honorária, elevando-a de 10% para 15% (quinze por cento) sobre o valor da causa, considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC, observada eventual suspensão da exigibilidade em face da concessão de AJG.
Conclusão
Confirma-se a sentença, que deixou de reconhecer a condição de segurada especial da parte autora do período de 2007 a 2014, tendo em vista sua vinculação ao RGPS no mesmo período, na condição de segurada empregada, afastando, por via de consequência, sua pretensão de concessão do benefício de APOSENTADORIA RURAL POR IDADE.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da parte autora.
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Apelação Cível Nº 5011836-76.2018.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: LOURDES DE GRACIA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. REQUISITOS LEGAIS. NÃO COMPROVADOS. LABOR URBANO. CONDIÇÃO DE SEGURADA EMPREGADA. direito negado.
1. É devido o benefício de aposentadoria rural por idade, nos termos dos artigos 11, VII, 48, § 1º e 142, da Lei nº 8.213/1991, independentemente do recolhimento de contribuições, quando comprovado o implemento da idade mínima (sessenta anos para o homem e cinquenta e cinco anos para a mulher) e o exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida, mediante início de prova material complementada por prova testemunhal idônea.
2. Hipótese em que inviável o reconhecimento da condição de segurada especial, tendo em vista a vinculação da parte autora ao RPGS na condição de segurada empregada por parte relevante do tempo de carência do benefício postulado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 05 de junho de 2019.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000909356v3 e do código CRC 224546f9.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 05/06/2019
Apelação Cível Nº 5011836-76.2018.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: LOURDES DE GRACIA
ADVOGADO: ROQUE FRITZEN (OAB SC009597)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 05/06/2019, na sequência 70, disponibilizada no DE de 17/05/2019.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA, DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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